A DIALÉTICA ESSÊNCIA/APARÊNCIA DA ATIVIDADE DO PROFESSOR: EM BUSCA DO REAL DA ATIVIDADE REALIZADA Júlio Ribeiro Soares 1 Wanda Maria Junqueira de Aguiar 2 RESUMO Dada a complexidade que a constitui, a atividade humana não se reduz apenas àquilo o que se faz ou o que se tem a fazer. O que não se faz, ou o que se faz no lugar daquilo o que se gostaria de fazer, também constituem a atividade. Feitas estas considerações, apontamos que o nosso objetivo neste trabalho consiste em discutir a importância da apropriação do real da atividade para se compreender e transformar a atividade docente realizada. Para dar conta desse objetivo, seguimos um caminho metodológico de pesquisa bibliográfica, que foi discutir algumas questões teóricas relativas ao nosso objeto de investigação, tais como: que importância pode ter a investigação sobre o real da atividade realizada pelo professor para o seu desenvolvimento (transformação) profissional? Como poderíamos pensar a atividade docente a partir dessa noção de atividade, isto é, de que ela é dialeticamente constituída de essência e aparência? Como a atividade prescrita atravessa a atividade docente realizada? Que condições materiais (objetivas e subjetivas) podem contribuir, dialeticamente, com o desenvolvimento da atividade do professor na escola, especialmente na sala de aula? Como resultado de discussão dessas questões, podemos ressaltar que a atividade docente, assim como todo trabalho humano, não se efetiva apenas por meio de atividades prescritas, pois a atividade realizada é muito mais complexa do que aparenta. Com isso, queremos enfatizar que, além da dimensão objetiva do planejamento e de outras condições materiais, a atividade realizada pelo professor é mediada também por múltiplos pendores, necessidades e motivações que o constituem. É na dimensão subjetiva do professor que está, portanto, a chave do real da atividade docente realizada. Palavras-Chave: Atividade Docente; Real da Atividade; Subjetividade INTRODUÇÃO Para a perspectiva sócio-histórica da psicologia, a categoria atividade ocupa lugar central na explicação do processo de constituição do homem, de modo que nos ajuda a compreender o homem para além idéia de natureza humana, cujas características seriam universais e imutáveis. No fundo, ela traz os fundamentos explicativos da noção de desenvolvimento do humano como processo histórico, social e dialético. 1 Doutor em Psicologia da Educação pela PUC de São Paulo e Professor do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. 2 Doutora em Psicologia Social pela PUC de São Paulo e Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da referida instituição. 2 Para fomentar o início dessa discussão, destacamos, então, um pensamento no qual Marx afirma que “toda a assim chamada história universal nada mais é do que a produção do homem pelo trabalho humano” (1978, p. 15), o que evidencia o trabalho não apenas como uma atividade de produção de mercadoria, de objetos culturais, mas igualmente de produção do próprio homem. Evidencia, ainda, que o homem não é outra coisa senão uma criação do próprio homem, isto é, das relações e práticas sociais da humanidade. N’A Ideologia Alemã, Marx e Engels (1999, p. 27) afirmam que podemos distinguir os homens dos animais por vários meios, como a consciência, a religião ou algo mais. Para eles, no entanto, esses meios são apenas aparência de uma realidade, aquilo o que se manifesta no campo empírico da nossa percepção. Ao ir além desse postulado, ressaltam que os homens só “começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida”. Com isso, são enfáticos ao afirmar que, “produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material”. Na mesma perspectiva acima, Vigotski (2007, p. 30) afirma que é “a atividade voluntária, mais do que o intelecto altamente desenvolvido, [que] diferencia os seres humanos dos animais filogeneticamente mais próximos”. A gênese da constituição humana seria mediada, portanto, pela atividade da qual participa. No seio de toda essa discussão acerca da atividade predomina a idéia de que o homem só pode ser explicado a partir da compreensão da história de suas ações no mundo. É, pois, na atividade social, ou seja, na relação com outros homens nos mais diferentes espaços sociais, que ele se constitui como ser genérico e singular ao mesmo tempo. Conforme apontam Aguiar e Ozella (2006, p. 224), “esse homem, constituído na e pela atividade, ao produzir sua forma humana de existência, revela – em todas as suas expressões – a historicidade social, a ideologia, as relações sociais, o modo de produção”. Ao mesmo tempo em que esse homem revela o todo que o constitui como humano genérico, ele também “expressa a sua singularidade, o novo que é capaz de produzir, os significados sociais e os sentidos subjetivos. Indivíduo e sociedade vivem uma relação na qual se incluem e se excluem ao mesmo tempo” (idem, 2006, p. 224). Contraditoriamente, portanto, esse homem é parte e totalidade do que chamamos humanidade. Ao falarmos de atividade humana, estamos nos referindo não a processos dicotômicos entre atividade externa e atividade interna. Uma é constitutiva da outra numa relação que é dialética e histórica. Por isso, ao atuar sobre uma dada realidade (atividade externa), o homem provoca não apenas a transformação do objeto. Ele, que é o praticante da 3 ação, também se transforma, objetivando-se nessa realidade (atividade interna), ao mesmo tempo em que o objeto é subjetivado. De acordo com Leontiev (1983, p. 66), isso assim se explica porque os indivíduos, “al influir sobre el mundo exterior lo transforman y con esto ellos se transforman también”. E assim continuam a produzir e reproduzir a linguagem, a cultura, a sociedade, enfim, a história da própria humanidade; ao mesmo tempo, é se apropriando dessa história que os homens se objetivam como humanos; diríamos que objetivam sua subjetividade. Nessa perspectiva, podemos dizer que, por estarem sempre implicados pela atividade, os homens nunca param de se desenvolver. Aqui, convém ressaltar que entendemos o desenvolvimento humano como um processo contraditório de tensão, mudanças e revolução do sujeito, e não como algo linearmente evolutivo. Com isso, as pessoas estão sempre gestando novas formas de necessidades, que são cada vez mais “complexas”, ao mesmo tempo em que estão sempre constituindo novas formas de satisfazê-las. Feitas estas considerações iniciais, gostaríamos de ressaltar que, dada a importância que tem a atividade para o processo de constituição do homem, muitos pesquisadores já se dedicaram, e ainda se dedicam, a estudá-la articulando-a a diversas temáticas em diferentes áreas do conhecimento humano. No nosso caso, voltamo-nos mais para o lado da psicologia e da educação, tendo como temática central (problema de estudo) a atividade docente. Por isso, aqui, o nosso principal objetivo é discutir, no âmbito da psicologia do trabalho, mais precisamente a partir da vertente francesa da clínica da atividade e da psicologia sócio-histórica, a atividade docente como atividade humana subjetiva. A NOÇÃO DE ATIVIDADE NA PSICOLOGIA DO TRABALHO DE YVES CLOT Como podemos perceber nas considerações iniciais deste trabalho, a nossa referência teórico-metodológica é a psicologia sócio-histórica, cuja base epistemológica é o materialismo histórico-dialético. Esta é também a principal referência de Yves Clot na discussão da categoria atividade no âmbito de sua psicologia do trabalho, a qual denomina clínica da atividade. Que relação pode haver entre a abordagem da clínica da atividade, conforme propõe Clot (2006), e a atividade docente? Para que melhor possamos discutir (e não propriamente responder) essa questão, convém ressaltar, antes, alguns pontos relacionados à gênese da clínica da atividade no âmbito da psicologia do trabalho. Mais adiante, explicaremos o que significa a clínica da atividade em Clot. 4 Para começar essa discussão, diríamos, com base em Clot, que, por meio de estudiosos como Wisner (ergonomia), Le Guillant (psicopatologia do trabalho), e alguns outros, a França tem duas “razões para a psicologia do trabalho não se transformar na psicologia industrial 3 ” (2006a, p. 100). Apesar de interessantes, a análise das idéias desses teóricos não pode ser aprofundada neste trabalho. No entanto, podemos destacar pelo menos algumas questões presentes em Wisner e Le Guillant que são cruciais ao entendimento da clínica da atividade. No caso de Le Guillant, a grande questão a implicar Yves Clot é o modo pelo qual aquele define o processo de origem e desenvolvimento da doença no ambiente de trabalho. Com a visão de que a origem dos conflitos, sejam eles individuais ou coletivos, está relacionada ao processo histórico, às condições de existência em geral, os estudos de Le Guillant acerca de casos de adoecimento em trabalho tornaram-se clássicos. Dentre esses estudos, se destacam “a neurose das telefonistas” e “incidências psicopatológicas da condição de empregada domestica” (Le Guillant, 2006). Com relação a Wisner, este “utiliza-se do pensamento da psicologia soviética de Leontiev” (Clot, 2006a, p. 2), e é um ergonomista muito importante na França, de modo que são seus textos que embasam “a Clínica da Atividade na análise do trabalho concreto” (Clot, 2008, p. 68). Foi ele quem apresentou a idéia de que o trabalho real (ou realizado) não corresponde ao trabalho prescrito, uma das questões mais importantes da clínica da atividade. Mas não são apenas teóricos franceses que embasam o pensamento de Clot. Estudiosos de outros países também o ajudam a pensar o trabalho como atividade, destacando-se, entre eles, Ivar Oddone (a partir do trabalho clínico (transformação) que este realizava junto a trabalhadores da Fiat, em Turim), e Vigotski 4 (cuja idéia de desenvolvimento como processo de mudança é o seu maior baluarte teórico). De acordo com o próprio Clot (2006, p. 144; 148; 2006a, p. 100), a idéia da clínica da atividade surgiu a partir do trabalho de Oddone, cuja preocupação era saber o “como”, e não propriamente “o que” os trabalhadores sabiam acerca de seu trabalho. Interessado por essa questão, diz, então, que criou um “dispositivo metodológico”, o qual denominou clínica da atividade, “que seria o meio de mudar a psicologia do trabalho junto 3 Entenda-se, neste caso, que a psicologia industrial a qual Clot se refere é a psicologia do trabalho americana. A principal diferença entre elas é que a perspectiva americana objetiva adaptar o homem ao trabalho. Na perspectiva francesa, com Wisner, Le Guillant, Schwartz, Clot, e outros, esse objetivo é invertido. 4 Vigotski “não é um psicólogo do trabalho, mas, em certo sentido, ele inventou essa idéia grande, a qual eu acho muito importante, que é o desenvolvimento do objeto e o método da psicologia” (Clot, 2008, p. 68). Com isso, Clot ressalta uma das mais importantes idéias de Vigotski que visa contribuir com a psicologia do trabalho: o verdadeiro estudo de um objeto só se faz por meio da provocação do seu desenvolvimento. 5 com os trabalhadores, e vice-versa, pois esse dispositivo permite que os trabalhadores, com a psicologia do trabalho, desenvolvam sua capacidade de agir”. Clot (2006a, p. 101) esclarece que criou não uma ‘psicologia clínica do trabalho’, mas “uma ‘clínica do trabalho’, que visa (...) desenvolver a capacidade de agir dos trabalhadores sobre eles mesmos e sobre o campo profissional”. Assim sendo, afirma que “a clínica da atividade é um dispositivo clínico que nós utilizamos para pesquisar o que não foi realizado para restaurar o possível da atividade, para ver e mostrar o que não é possível” (p. 105). Dessa forma, o que se busca é não apenas compreender o trabalho para transformá-lo, mas igualmente transformá-lo para compreendê-lo (Clot, 2006, p. 137). ATIVIDADE DOCENTE E SUBJETIVIDADE Como podemos pensar a atividade docente a partir da noção de atividade em Clot? É a atividade docente profundamente atravessada pela atividade prescrita? O planejamento da atividade de ensino é suficientemente necessário ao desenvolvimento de uma aula, de modo que esta contribua significativamente para os processos de aprendizagem? Que condições materiais determinam o desenvolvimento da atividade docente? É a atividade do professor uma atividade subjetiva, mediada por múltiplos pendores, necessidades e motivações? Ao tomarmos a psicologia sócio-histórica como referência teórico-metodológica, todo trabalho humano é sempre uma atividade subjetiva, sem negar, com isso, a dimensão objetiva que a constitui. Aqui, gostaríamos de ressaltar que, além da própria abordagem teóricometodológica, o que nos leva a discutir a atividade docente a partir da noção de atividade em Clot é, sobretudo, o fato de reunirmos algumas leituras e discussões do “grupo de estudo” da atividade docente coordenado pelas professoras Wanda Junqueira de Aguiar e Claudia Davis do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação (Psicologia da Educação) da PUC de São Paulo. É um grupo que tem contribuído substancialmente com a discussão da atividade docente numa perspectiva que é histórica e dialética. Levando em conta a perspectiva da atividade apontada por Clot (2006), enfatizamos que, para se compreender a atividade docente, devemos levar em conta que ela não se constitui apenas por meio daquilo o que o professor tem a fazer, daquilo o que seria o seu plano de trabalho (atividade prescrita ou tarefa), ou daquilo o que consegue fazer em sala de aula (atividade realizada) com seus alunos. Clot (2006, p. 65) ressalta que atividade não é apenas isso, pois ela “não se volta unicamente para o objeto da tarefa”. Pensando na atividade docente, diríamos que ela não se 6 volta apenas para aquilo o que deve ser feito pelo professor, nem se reduz àquilo o que ele faz em sala de aula na relação com os alunos. Ela também se volta, continua Clot (idem), “para a atividade dos outros que se baseiam nessa tarefa, e para suas outras atividades”. Assim sendo, a atividade docente não é uma atividade isolada, mesmo que ela seja executada individualmente, pois, ao ser mediada por valores e práticas sociais de apenas um professor, ela não deixa de ter como referência o que outros professores fazem, como fazem e por que o fazem, sem, com isso, perder a singularidade que a constitui. Para esclarecer a diferença entre tarefa e atividade, valemo-nos de Aguiar e Davis, que definem “tarefa [como] tudo que se refere ao prescrito, tudo que se inscreve na ordem do que deve ser realizado”. Com relação a atividade, as autoras a definem como “aquilo que foi efetivamente cumprido” (no prelo – p. 8). No entanto, também chamam atenção, com base em Clot, para o fato de que aquilo o que não se faz, por conta de diferentes motivos, também constitui a atividade do sujeito. Nessa perspectiva, Clot propõe “que se acrescente às tradicionais dimensões do trabalho prescrito e do trabalho real, o real da atividade, isto é, que se ultrapasse a simples análise do que deve ser feito e do que efetivamente se faz, para incorporar as vivências internas do sujeito” (Lima, 2006, p. 114). O real da atividade docente é, então, aquilo o que o professor não faz, aquilo o que ele não consegue ou não pode fazer, aquilo o que tenta fazer (sem conseguir), aquilo o que pensa ou sonha fazer. Além disso, é “aquilo que se faz para não fazer aquilo que se tem a fazer ou ainda aquilo que se faz sem querer fazer. Sem contar, aquilo que se tem de refazer (Clot, 2006, p. 116). Daí a necessidade de, na análise em que se pretende alcançar o real da atividade, levarmos em conta não apenas a atividade realizada, mas também “as atividades suspensas, contrariadas ou impedidas, e mesmo as contra-atividades” (Clot, 2006, p. 116); pois o que se faz é apenas “uma ínfima parte do que é possível” (Santos, 2006, p. 36). Como enfatiza Vigotski (2004, p. 69), “cada minuto do homem está cheio de possibilidades não realizadas”. Ao enfatizar o real da atividade, a preocupação de Clot se volta não apenas para o objeto da tarefa, mas sobretudo para o sujeito da atividade e o sujeito para quem essa atividade é dirigida. Por isso, afirma que “a atividade é uma prova subjetiva em que cada um enfrenta a si mesmo e aos outros para ter uma oportunidade de conseguir realizar aquilo que tem a fazer” (idem, 116). Esse é, portanto, o fundamento de que o sujeito nunca está sozinho na execução de uma atividade. No caso do professor, são inúmeras as mediações que o constituem em sua atividade, em seu processo de transformação; mediações que vão desde a 7 formação escolar e familiar, passando pela história de sua participação na comunidade e contato com os mais diversos recursos e formas de manifestações culturais, à relação com os alunos em sala de aula. Mas como apreender o real da atividade docente? Para discutir essa questão, buscamos a contribuição de Vygotsky, que afirma: “estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança; esse é o requisito básico do método dialético (...) uma vez que ‘é somente em movimento que um corpo mostra o que é’” (1991, p. 74). Esse é, também, um requisito básico de Clot na sua proposição metodológica. E isso se evidencia quando afirma que “o pensamento se desenvolve na discussão, na confrontação e, portanto, a controvérsia é a fonte do pensamento” (2006a, p. 5). Na perspectiva metodológica da clínica da atividade, “os operadores, os trabalhadores, transformam-se em sujeitos da interpretação e da observação e não se reduzem a objeto da interpretação e da observação dos pesquisadores” (p. 6). Mas, como ocorre esse processo? Por se tratar de uma proposta dialética, que visa apreender o processo de mudança do sujeito a partir da análise da atividade, Clot propõe dois tipos complementares de procedimentos, que são a autoconfrontação simples e a autoconfrontação cruzada. Antes, porém, da realização das autoconfrontações, é preciso que o pesquisador filme o sujeito em atividade e edite os episódios que melhor revelam sua forma de agir; no caso deste trabalho, seria a forma de agir do professor em sala de aula. Feito isso, o passo seguinte é a análise da atividade do sujeito por meio da realização de autoconfrontações simples e cruzadas. Com relação a autoconfrontação simples, Clot a define como uma “atividade em si em que o trabalhador descreve sua situação de trabalho para o pesquisador” (2006, p. 135), que, por sua vez, participa com perguntas e questionamentos. Aguiar e Davis (no prelo, p. 18), ao transpor essa discussão para o campo da atividade do professor, ressaltam que, “na autoconfrontação simples, a discussão fica centrada na observação de dois agentes: a) o professor, que, ao se ver na tela, fala sobre o que fez e o que poderia (ou não) ter feito; e, b) o pesquisador, que, querendo se assegurar de ter compreendido bem os comentários do docente, tece conjecturas sobre eles”. Com relação a autoconfrontação cruzada, além dos agentes que constituem a autoconfrontação simples (pesquisador e sujeito), aquela se caracteriza, fundamentalmente, pela participação de um par do sujeito na análise. Segundo Clot, “pede-se a trabalhadores da mesma profissão que discutam seu trabalho. A descoberta prática é de que o diálogo profissional é uma fonte de pensamento individual” (2006a, p. 106). 8 Aguiar e Davis (no prelo, p. 18) apontam que “a autoconfrontação cruzada reúne os dois sujeitos, além do(s) pesquisador(es)”. Assim sendo, ao invés de comentar a sua atividade (realizada) apenas para o pesquisador, o sujeito (no caso, o professor) faz isso também para o seu par, que deve ser um sujeito criteriosamente convidado pelo pesquisador e cuja experiência deve equiparar-se a do sujeito participante da pesquisa. Na tentativa de compreender e transformar a atividade docente, o nosso ponto de partida, seja na autoconfrontação simples ou na autoconfrontação cruzada, é sempre a análise e interpretação daquilo o que o sujeito faz; da atividade realizada em sala de aula. Ao se ver na tela, o sujeito confronta-se com a sua própria imagem, de modo que é implicado a pensar nas possibilidades de suas ações, nas possibilidades daquilo o que poderia ter feito, mas não fez. É também implicado a pensar nos impedimentos de suas ações, naquilo o que gostaria de ter feito, mas estava/sentiu-se impedido de fazer. É a partir desse ponto inicial, aparente da realidade, ou melhor, da atividade realizada, ponto esse que está sendo mediado por imagens do próprio sujeito em ação e discussão do pesquisador, e até mesmo de outros sujeitos, que podemos avançar em busca das zonas mais fluidas e profundas do sujeito e da atividade, no caso do real da atividade. Por meio desse processo de análise e interpretação, revela-se não apenas aquilo o que o professor faz ou tem a fazer. Aquilo o que ele não faz, ou não consegue fazer, ou estar impedido de fazer, ou pretende fazer, tudo isso constitui o sujeito e a atividade a qual realiza. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para concluir este trabalho, ressaltamos mais uma vez que a teoria da atividade de Clot pode ter grande importância no processo de compreensão da atividade docente, de modo que nos possibilita pensá-la concretamente, para além de mera aparência da realidade. Ao postular que podemos pensar a atividade a partir daquilo o que denomina como real da atividade, Clot aponta possibilidades de resgate do homem como sujeito coletivo no processo de mudança não apenas de si, mas também da realidade na qual atua. A aceitação da proposta metodológica de Clot no âmbito da academia brasileira, assim como européia, tem se dado pela importância atribuída ao trabalhador na análise e interpretação de sua atividade, mais precisamente daquilo o que, por algum motivo, não foi realizado. Com isso, tenta-se, conjuntamente, restaurar o possível da atividade. E também discutir os seus impedimentos, aquilo o que não foi possível fazer. Nessa perspectiva, o trabalhador deixa de ser mero objeto de adaptação às diversas situações de trabalho, para desse processo participar ativamente, com suas afecções, necessidades e motivos. 9 BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicola (2007). Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. AGUIAR, Wanda Maria J. e DAVIS, Claudia (no prelo). Formação Profissional, Atividade e Subjetividade: aspectos indissociáveis da docência. AGUIAR, Wanda Maria J. e OZELLA, Sergio. (2006). Núcleos de Significação Como Instrumento Para a Apreensão da Constituição dos Sentidos. Psicologia: Ciência e Profissão. 26 (2), 222-245. CLOT, Yves (2006). A Função Psicológica do Trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes. CLOT, Yves (2006a). Entrevista. Cad. Psicol. Soc. Trab. [online]. São Paulo, vol. 9, n. 2. Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151637172006000200008&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 22 Jul 2009. CLOT, Yves (2008). Entrevista. Mosaico: estudos em psicologia. 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