A Artigo Original Santos SS et al. Possíveis riscos da interação droga-nutriente em pacientes submetidos ao transplante hepático Possible risks of interaction drug-nutrient in patients submitted to the hepatic transplant Semíramis Silva Santos1 Ana Filomena Camacho Santos Daltro2 José Huygens Parente Garcia3 Unitermos: Interações de Medicamentos.Nutrientes. Transplante Hepático. Keywords: Drug Interactions.Nutrients.Liver transplantation. Endereço para correspondência: Semíramis Silva Santos Rua Júlio Azevedo, 1630 – Apto 601 – Papicu – Fortaleza, CE, Brasil – CEP: 60175-780 E-mail: [email protected] Submissão: 3 de maio de 2014 Aceito para publicação: 21 de julho de 2014 1. 2. 3. RESUMO Introdução: O objetivo do presente trabalho foi avaliar os possíveis riscos de interação droganutrientes em pacientes submetidos ao transplante hepático no Hospital Universitário Walter Cantídio, na cidade de Fortaleza. Método: Os prontuários de 27 transplantados hepáticos, de janeiro a agosto de 2011, 4 mulheres e 23 homens, foram estudados quanto às morbidades presentes, estado nutricional, terapia nutricional instituída, perfil bioquímico, manifestações digestivas e terapia medicamentosa imunossupressora. Resultados: Segundo os registros no prontuário, a maioria dos pacientes teve estado nutricional comprometido; 100% deles estavam recebendo nutrição oral. Foram observados distúrbios digestivos: diarreia (58%), vômitos (49%), distensão abdominal (45%), náusea (53%), obstipação (275) e cólicas (465). Dentre as alterações bioquímicas,se detectaram hiperglicemia (53%), níveis alterados de ureia (59%), creatinina (15%), sódio (10%) e potássio (52%), TGP (33%), TGO (37%) e fosfatase alcalina (30%). Os medicamentos imunossupressores prescritos foram: prednisona, tacrolimus/FK e micofenolato de mofetil/MMF. Em média, cada paciente recebeu 3 imunossupressores/dia. Conclusão: Foi possível determinar possíveis riscos de interação droga-nutrientes em um pós-transplante hepático imediato, embora sejam relevantes pesquisas futuras de cunho prospectivo sobre essa temática. Portanto, maiores estudos se tornam necessários para melhor entendimento do assunto e aprimoramento do serviço. ABSTRACT Introduction: The aim of this study was to determine the risk of drug-nutrient interaction in patients submitted to liver transplantation at the Universitary Hospital Walter Cantídio, in the city of Fortaleza. Methods: The medical records of 27 transplanted liver, from January to August 2011, 4 women and 23 men, were studied on morbidities presence, nutritional status, nutritional therapy established, biochemical profile, digestive demonstrations, and immunosuppressive drug therapy. Results: According to the hospital records, the most of the patients had impaired nutritional status; 100% of them were receiving oral nutrition. Digestive disturbances were observed: diarrhea (58%), vomiting (49%), abdominal distension (45%), nausea (53%), constipation (275) and colic (465). The biochemical changes detected were hyperglycemia (53%), altered levels of urea (59%), creatinine (15%), sodium (10%) and potassium (52%), TGP (33%), AST (37%), and alkaline phosphatase (30%). The immunosuppressive drugs prescribed were: prednisone, tacrolimus/FK, and mycophenolatemofetil/MMF. On average, each patient received 3 immunosuppressive/day. Conclusion: It was possible to determine potential risks of drug-nutrient interaction in a post-liver transplant immediately, but future research of prospective stamp on this issue, therefore, become necessary for better understanding of the subject and improve the service. Nutricionista (UECE), farmacêutica-industrial (UNIFOR), especialista em Nutrição Clínica (UGF), especialista em Vigilância sanitária dos alimentos (UECE), Fortaleza, CE, Brasil. Nutricionista, Mestrado em Nutrição e Saúde (UECE),Fortaleza, CE, Brasil. Médico, Mestrado e Doutorado em Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará, Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará e Chefe do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará,Fortaleza, CE, Brasil. Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (4): 290-5 290 Possíveis riscos da interação droga-nutriente em pacientes submetidos ao transplante hepático INTRODUÇÃO A doença hepática crônica acarreta grande impacto nutricional, independente de sua etiologia, pois o fígado participa de uma série de reações metabólicas e nutricionais e de inúmeras vias bioquímicas na produção, modificação e utilização de nutrientes e de outras substâncias metabolicamente importantes1. As interações farmacológicas podem surgir a partir do uso de medicamentos durante o tratamento de hepatopatias, sendo influenciadas pelas diferentes respostas terapêuticas de cada indivíduo, ou por hábitos pessoais, quadro clínico e outros durante o curso de um tratamento, onde uma variedade de metabólitos circulantes, ativos ou inativos, bioformados em diferentes quantidades e velocidades relativas estarão presentes em indivíduos que fazem uso de medicamentos2. Interação droga-nutriente produz um desequilíbrio do metabolismo normal de nutrientes, alterando o estado nutricional por ação de um medicamento ou quando o efeito farmacológico é alterado pela ingestão de um nutriente ou pelo estado nutricional do paciente, afetando a absorção, distribuição, biotransformação, excreção e resposta terapêutica do fármaco3-5. Os tipos de interação droga-nutrientes são físicas, farmacêuticas, fisiológicas, farmacológicas e farmacocinéticas6. A disponibilidade,a ação ou a toxicidade do fármaco e nutriente podem ser alteradas pelas interações entre ambas4. As interações fisiológicas incluem as modificações induzidas por medicamentos no apetite, digestão, esvaziamento gástrico, biotransformação e clearance renal; as patofisiológicas ocorrem quando os fármacos prejudicam a absorção e/ou inibição do processo metabólico de nutrientes e as fisicoquímicas são caracterizadas por complexações entre componentes alimentares e os fármacos4. A maioria das interações clinicamente significativas ocorre no processo de absorção, segundo os estudos até hoje realizados7. A redução ou exacerbação do efeito terapêutico ou o aumento da toxicidade da droga podem ser consequências indesejáveis das interações7. A atividade normal do fígado pode ser diminuída por doenças hepáticas,resultando numa metabolização insuficiente de determinado nutriente ou fármaco, cujas concentrações séricas podem aumentar a ponto de haver maior chance de ocorrência de uma interação indesejada8,9. O transplante de fígado, que se destina ao paciente portador de doença hepática aguda ou crônica em fase terminal, é o procedimento mais complexo da cirurgia moderna. Em maio de 2002, o estado do Ceará passou a ser o terceiro estado do Norte e Nordeste a oferecer à sua população um programa de transplante de fígado10. A imunossupressão medicamentosa é obrigatória em todos os casos, mesmo naqueles em que já estão com a imunidade gravemente comprometida pela doença hepática, não podendo ser excessiva a ponto de produzir infecções, nem leve o suficiente para permitir rejeições que, por sua vez, obriguem à utilização de drogas mais potentes11-13. O mecanismo de ação dos imunossupressores mais utilizados no transplante hepático é agir como um potente inibidor da enzima chamada inosinamonofosfato desidrogenase (IMPDH), responsável pela síntese de proteínas que fazem parte do DNA de linfócitos, uma das principais células envolvidas no processo de rejeição de órgãos em casos de transplantes11. Os nutrientes, por serem capazes de interagir com fármacos, caracterizam um problema de grande relevância na prática clínica, principalmente em pacientes submetidos ao transplante hepático. Devido à gravidade do quadro,frequentemente os transplantados estão recebendo muitos medicamentos, principalmente imunossupressores, o que, aliado ao uso de terapia nutricional intensa, muitas vezes administrada concomitantemente, como forma de evitar sobrecarga de nutrientes, acaba por facilitar a ocorrência de interações indesejáveis. Assim, a temática do presente estudo foi a determinação de riscos de interação droga-nutrientes em pacientes submetidos ao transplante hepático em um hospital de referência da cidade de Fortaleza. MÉTODO Foi realizado estudo do tipo epidemiológico, retrospectivo, descritivo e analítico, onde se avaliaram, no período de 15/9/2011 a 28/9/2011,os prontuários de 27 pacientes submetidos ao transplante hepático no ano de 2011,na Unidade de Transplante de Fígado do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/ UFC), referência estadual em transplantes hepáticos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do HUWC/UFC. Foi aplicado um instrumento de coleta de dados com variáveis qualitativas: identificação do paciente (nome, sexo, idade, data de nascimento), dados da doença de base (determinação da doença de base, complicações associadas, motivo do transplante, informações da internação e categorização da gravidade da doença), dados da terapia nutricional (caracterização e intercorrências gastrintestinais), dados antropométricos [circunferência do braço (CB),peso, altura, índice de massa corporal (IMC), % de adequação da CB e categorização do estado nutricional] e tipo de terapia medicamentosa (tipo de medicamento, princípio ativo, nome do medicamento, forma de administração, via, horário e dose); e variáveis quantitativas: glicemia, prova de função hepática, prova de função renal e eletrólitos. Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (4): 290-5 291 Santos SS et al. O padrão de avaliação nutricional utilizado no setor e categorização do estado nutricional foi realizado por meio dos dados antropométricos relacionados ao sexo e à idade dos pacientes e compreenderam: determinação do IMC segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)14 e percentual de adequação da CB segundo Blackburn. Os possíveis riscos da interação droga-nutriente foram avaliados a partir da comparação com literatura científica disponível sobre o referido tema. RESULTADOS E DISCUSSÃO Da amostra de 27 pacientes transplantados, 23 (85%) eram do sexo masculino e 4 (15%) do sexo feminino, numa proporção aproximada de 6:1, cuja variação de idade foi de 13 a 61 anos, com média de idade de 54 anos. As indicações para realização de transplante hepático estão relacionadas na Tabela 1. Os transplantados hepáticos, em sua maioria, foram diagnosticados com desnutrição moderada. Esse elevado percentual de transplantados desnutridos (70%) caracteriza uma população de maior risco de interação droga-nutriente4 (Figura 1). Quanto às etiologias que levaram à indicação do transplante hepático, a cirrose por vírus C foi a mais frequente, embora em associação com álcool também se mostrou importante fator de indicação, concordando com os resultados de Garcia et al.10. A prevalência de hepatite aguda grave com apenas um caso de indicação para o transplante também foi vista no estudo10. As cirroses alcoólicas encontradas no estudo apresentaram-se em concordância com estudos prévios onde relatam variações de 6% a 8,5%15. Cirroses por vírus B e D também foram Tabela 1 – Causas de indicação para realização de transplante hepático. Etiologia N % Cirrose vírus C 7 26 Cirrose vírus C + álcool 5 18 Cirrose vírus B + D 4 15 Cirrose vírus B 2 7 Cirrose alcoólica 2 7 Cirrose criptogênica 2 7 Cirrose de etiologia desconhecida 1 4 Hepatite aguda grave 1 4 Hepatopatia crônica vírus A + E 1 4 Doença de Wilson 1 4 Síndrome de Budd-Chiari 1 4 Total 27 100 Figura 1 – Diagnóstico nutricional dos transplantados hepáticos. responsáveis pela indicação de transplante em percentual significativo. No presente estudo, a maioria dos pacientes apresentou estado nutricional comprometido, desnutrição moderada, de acordo com os resultados encontrados por outros autores, que relatam que a desnutrição em pacientes com doença hepática crônica aguardando o transplante de fígado é frequente, tendo sido correlacionada às taxas de morbidade e mortalidade associadas ao transplante. Porém, sua prevalência depende da etiologia da doença e do tipo de avaliação nutricional utilizada15. Em 70% a 100% dos casos de doença hepática terminal, a desnutrição proteico-calórica faz parte da grande síndrome que caracteriza o quadro dramático que se busca aliviar pelo transplante hepático 16.Embora menos frequente que a desnutrição, a obesidade pode estar presente em portadores de doença hepática crônica avançada1, a qual também foi diagnosticada em 10% dos transplantados hepáticos do estudo. Estudos recentes demonstram que pacientes com obesidade grave têm risco maior de complicações perioperatórias tais como diabetes mellitus, hipertensão arterial, infecção respiratória e insuficiência respiratória1. Todos os pacientes estavam recebendo nutrição oral no pós-transplante imediato. Em geral, os transplantados receberam dietas com potássio, sódio, zinco, cálcio, fósforo, vitaminas A, B6, D, nutrientes em quantidades significativas para implicação prática nas interações com medicamentos. Na unidade estudada, a rotina de administração era caracterizada por cinco refeições a cada 3 horas, iniciando às 6 horas da manhã. No período imediatamente após o transplante hepático, o comprometimento nutricional está relacionado principalmente com alterações no estado de micronutrientes17. O estado de catabolismo causado pela doença hepática Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (4): 290-5 292 Possíveis riscos da interação droga-nutriente em pacientes submetidos ao transplante hepático que motivou o transplante é exacerbado pelo estresse da cirurgia, pelo uso de doses elevadas de imunossupressores e, com frequência, pela presença de disfunção hepática, renal ou sepse. Pacientes bem nutridos ou com desnutrição leve no pós-operatório e que estejam aptos a se alimentar pela via oral poucos dias após o transplante não necessitam de suporte nutricional específico. Inicia-se dieta líquida a partir do 3º ou 4º dia de pós-operatório, progredindo para dieta geral nos dias subsequentes 1, conduta também realizada nos transplantados do estudo. Ao quantificar e qualificar os tipos de nutrientes ingeridos pelos transplantados pode-se verificar os riscos de interação droga-nutriente. Em média, cada paciente recebeu no pós-transplante hepático 3 medicamentos imunossupressores/dia, sendo eles: prednisona, tacrolimus (FK) e micofenolato de mofetil (MMF). Dos pacientes transplantados 100% receberam FK e prednisona e 48,1% receberam também MMF. Os transplantados hepáticos receberam drogas imunossupressoras conforme preconizadas na literatura: prednisona e drogas de introdução mais recente, como tacrolimus (FK 506 - Prograf®) e micofenolato de mofetil (MMF 61443 Cellcept®). A sintomatologia relacionada às possíveis interações droga-nutrientes no pós-transplante hepático imediato foram caracterizadas como gastrintestinais e metabólicas. Diante das complicações gastrintestinais mais evidentes na clínica, doentes recebendo nutrição por via oral em horário concomitante com a medicação imunossupressora apresentaram uma série de sintomas indesejáveis, entre as principais: diarreia, cólicas, distensão abdominal, náusea, vômito e obstipação intestinal (Figura 2). As alterações metabólicas foram observadas por ­resultados laboratoriais demonstrados na Tabela 2. No pós-transplante imediato, os distúrbios eletrolíticos podem ser agravados por conta do efeito das drogas Figura 2 – Principais sintomas gastrintestinais decorrentes de possíveis interações. Tabela 2 – Alterações metabólicas dos transplantados hepáticos. Parâmetro Valor encontrado (média) Valor de referência % de pacientes com alterações 120 mg/dL 60 a 110 mg/dL 53 TGP 210 U/L 4 a 36 U/L 33 TGO 153,3 U/L 8 a 33 U/L 37 FA 332,7 U/L 100 a 300 U/L 30 65,3 mg/dL 15 a 45 mg/dL 59 Glicose Ureia Creatinina 2,0 mg/dL 0,4 a 1,4 mg/dL 15 Sódio 128 mEq/L 134 a 144 mEq/LL 10 Potássio 2,9 mEq/L 3,5 a 5,0 mEq/L 52 TGP = transaminase glutâmica pirúvica; TGO = transaminase glutâmica oxalacética; FA = fosfatase alcalina. imunossupressoras1. Os exames laboratoriais de minerais apresentam características particulares de grande importância para um diagnóstico completo dos pacientes, principalmente transplantados. Foram dosados sódio e potássio. Ascite, vômito e/ou diarreia graves, imunossupressores, hiperglicemia, má-absorção, hipoalbuminemia ou alcalose são resultados de hiponatremia em transplantados hepáticos6.No presente estudo,o percentual significativo baixo de sódio em 10% dos transplantados poderia ser explicado pela ascite, vômito e/ou diarreia graves, imunossupressores e hiperglicemia. Quanto ao potássio, 52% dos transplantados exibiram níveis reduzidos, podendo ter tido como causas: vômitos excessivos, diarreia, administração de líquidos endovenosos sem suplementação de potássio, desnutrição, uso de prednisona, doença hepática ou insuficiência renal, sintomas relatados na literatura em transplantados6. Outro fator observado é a glicemia. A patogênese da hiperglicemia é complexa e os principais fatores envolvidos incluem o efeito das drogas imunossupressoras, especialmente prednisona e ciclosporina, o desenvolvimento de diabetes mellitus após o transplante, a predisposição genética (do receptor e do doador), disfunção renal, ganho excessivo de peso e influências dietéticas1. A hiperglicemia é um problema comum em pacientes transplantados e está relacionada aos efeitos diabetogênicos intrínsecos da ciclosporina e do FK, que incluem redução da secreção de insulina, aumento da resistência a esse hormônio e, possivelmente, efeito tóxico direto sobre as células beta das ilhotas pancreáticas. Tais efeitos são ainda agravados pela ação da prednisona utilizada no esquema de imunossupressão12. Essa alteração foi achada em 53% dos transplantados. Com relação à função hepática, 33%, 37% e 30% apresentaram TGP, TGO e fosfatase alcalina elevadas, respectivamente, conforme dados de Gao11. Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (4): 290-5 293 Santos SS et al. Ambos os indicadores, ureia e creatinina, que podem ser alterados pelo uso de medicamentos imunossupressores e interações com potássio e sódio também foram dosados. À medida que cai a função renal, podem surgir hipertensão arterial, edema, hematúria e infecção urinária, comprometendo a boa evolução do estado geral do paciente6. Observou-se que a ureia mostrou-se alterada em 59% dos pacientes e a creatinina em 15% deles. Valores elevados de ureia podem ser encontrados em insuficiência renal, choque, trauma, desidratação, infecção, diabetes, gota crônica, ingestão/catabolismo protéico excessivo, hemorragias digestivas, infarto do miocárdio, uso de prednisona6. Quanto à creatinina, valores elevados ocorrem em insuficiência renal aguda ou crônica, dano muscular, hipertireoidismo com aumento da massa muscular, privação alimentar prolongada e acidose diabética6. pacientes transplantados hepáticos do estudo. Dentre as três classes de imunossupressores prescritos, todos são associados a náuseas e vômitos, alteração de funcionamento intestinal (diarreia ou obstipação). Esses sintomas são associados também à própria terapia nutricional, por questão de composição da dieta ou erros de administração (pouco intervalo), além do próprio estado vulnerável provocado pela indicação do transplante. Considerando as manifestações digestivas mais relatadas na literatura, foram levantados nos prontuários referências a diarreia, cólicas, distensão abdominal, náusea, vômito e obstipação intestinal. É importante saber que, embora na maioria das vezes, tais intercorrências sejam atribuídas exclusivamente à terapia nutricional, as mesmas podem estar associadas à condição clínica do paciente, ao tratamento medicamentoso instituído ou a uma interação, terapia nutricional, terapia medicamentosa, condição clínica4. Assim, é importante sempre investigar a presença de manifestações digestivas e tentar definir quais as causas das mesmas. Os efeitos de interação de micronutrientes (principalmente acentuada com suplementação do complexo B) com o FK são diarreia, hiperglicemia, náuseas e vômitos18, sendo tais sintomas observados nos transplantados. O MMF interage com o magnésio, alterando sua biodisponibilidade, provocando anemia e distúrbios gastrintestinais (vômitos, diarreias e cólicas abdominais), sintomas também vistos nos pacientes do estudo. Os riscos de interação droga-nutrientes aumentam em condutas erradas ao administrar o medicamento: se antes, durante ou após a refeição, e também quais os intervalos ótimos entre as refeições e as doses dos medicamentos4. Como foi visto, de acordo com as composições químicas características (qualidade e quantidade de determinados micronutrientes), alguns alimentos podem interferir com os medicamentos, diminuindo a sua eficácia, ou mesmo aumentando a sua toxicidade, com prejuízo do efeito terapêutico esperado pelo transplante. Além disso, existem mais fatores que facilitam e intensificam a interação entre medicamentos e nutrientes, como: fatores socioeconômicos, dieta restrita ou em excesso, distúrbios renal e hepático, deficiência proteica, desnutrição e anemia, doenças crônicas debilitantes concomitantes, medicamentos, alcoolismo e dependência às drogas. Tais interações entre medicamentos e nutrientes tornam-se significantes nos transplantados hepáticos quando ocorre diminuição da eficácia terapêutica do imunossupressor, aumento das reações adversas dos mesmos ou má-absorção e/ou utilização de nutrientes, comprometendo o estado nutricional ou acentuando a desnutrição O uso concomitante de vários medicamentos aumenta o risco de reações adversas às drogas e de interações droga-nutrientes indesejáveis4. Tal fato foi visto nos Prednisona ingerida com alimentos apresenta interação com potássio e sódio, provocando náuseas, vômitos; promove elevação da pressão arterial, deficiência nutricional de potássio, aumento do catabolismo proteico, hiperglicemia; aumento da excreção urinária de zinco, cálcio, fósforo, ácido úrico, vitaminas A, B6, D; por interagir com os mesmos15. Esses nutrientes estavam presentes consideravelmente na dieta administrada aos pacientes. De uma forma geral, foi observado aumento de ureia, de creatinina, de glicemia ede fosfatase alcalina; testes de função hepática alterados (aumento de TGO e TGP), hipofosfatemia, hiponatremia, obstipação, diarreia, náusea e vômitos, que podem ser caracterizados segundo a literatura como interações entre micronutrientes e fármacos9. Os imunossupressores eram administrados dentro dos horários predefinidos pela prescrição médica, alguns em horários concomitantes com a dieta, aumentando o risco de aparecimento de possíveis interações drogas-nutrientes. Outros eram administrados nos intervalos das refeições. Assim, é possível perceber que tanto o deficiente estado nutricional detectado, como as manifestações digestivas e alterações bioquímicas presentes podiam estar relacionadas com a doença de base dos pacientes, com a terapia nutricional ou com os imunossupressores utilizados, isoladamente ou em conjunto, corroborando os relatos da literatura. Dessa forma, foi possível determinar possíveis riscos de interação droga-nutriente no pós-transplante hepático imediato.Pesquisas futuras de cunho prospectivo, portanto, se tornam necessárias para melhor entendimento do assunto e aprimoramento do serviço, uma vez que cabe à equipe multidisciplinar do transplante hepático conhecer as alterações decorrentes de interações no pós-transplante para que um procedimento de grande investimento como este não seja comprometido. Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (4): 290-5 294 Possíveis riscos da interação droga-nutriente em pacientes submetidos ao transplante hepático REFERÊNCIAS 1.Parolin MB, Zaina FE, Lopes RW. Terapia nutricional no transplante hepático. Arq Gastroenterol. 2002;39(2):114-22. 2.Pereira DG. Importância do metabolismo no planejamento de fármacos.Quím Nova. 2007;30(1):171-7. 3.Chan LN. Drug-nutrient interaction in clinical nutrition. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2002;5(3):327-32. 4.Moura MRL, Reyes FGR. 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