RELATO DE CASO

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Investigação,15(9)46-50 - 2016
RELATO DE CASO
RELATO DE CASO
CLÍNICA E CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS
UROLITÍASE URETRAL OBSTRUTIVA EM
EQUINO MACHO
CLÍNICA E CIRURGIA DE GRANDES ANIMAIS
Obstructive Urolithiasis Urethral in Male Horse – Case Report
Karina Calciolari1*, Kamila Gravena1, Sofia Amorim Cerejo2, Lucas de Freitas Pereira3,
1
Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária- UNESP- Campus de Jaboticabal, Jaboticabal/SP
2
Vitor Foroni Casas3, José Abdo de Andrade Hellú3.
Faculdade de Medicina de Botucatu- FMB- UNESP- Campus de Botucatu, Botucatu/SP
3
Universidade de Franca- UNIFRAN- Franca/SP
*[email protected]
RESUMO
Devido a grande importância clínica, à baixa ocorrência de urólitos na uretra peniana isquiática,
objetivou-se descrever um caso de urolitíase obstrutiva em equino com tratamento cirúrgico efetivo
com o animal em estação. Um equino sem raça definida apresentando histórico de hematúria, disúria
e perda de peso a pelo menos seis meses foi encaminhado ao hospital. Ao observar a micção, o
animal apresentou disúria e tenesmo eliminando pouco conteúdo urinário. Na palpação retal a bexiga
apresentava-se distendida e edemaciada. Realizou-se a sondagem uretral, na qual foi observado ponto
de resistência próximo à região perineal. Na avaliação ultrassonográfica da região perineal, visualizouse duas formações ovais ecogênicas com sombras acústicas posteriores, sugerindo urólitos. Exames
bioquímicos (ureia e creatinina) confirmaram a afecção somente do trato urinário inferior. Devido a
isso, optou-se pela uretrotomia com acesso pela região perineal com o animal em estação, sedado e
com bloqueio infiltrativo local. Duas concreções foram obtidas pesando 84 e 87 gramas constituídas
por carbonato de cálcio. No caso ora relatado, optou-se pela remoção dos cálculos pelo acesso perineal
por se tratar de um procedimento pouco oneroso.
Because of great clinical importance and the low occurrence of penile urethra uroliths we reported a case
of obstructive equine urolithiasis by effective surgical treatment with the horse in standing position. A
mixed-breed horse presenting history of hematuria, dysuria and weight loss for at least six months, was
taken to the hospital. Observing urination, the animal had dysuria and tenesmus producing little urine.
On rectal palpation the bladder presents distended and swollen. Was performed the urethral probe
passage, in which there was a resistance point near the perineal region. In ultrasonographic evaluation
of the perineal region, observed two oval formations with echogenic posterior acoustic shadows,
suggesting uroliths. Biochemical tests (urea and creatinine) confirmed the disease of lower urinary tract
only. Therefore, it was decided to urethrotomy the perineal region with the animal standing, sedated
and under local infiltrative blockade. Two calcium carbonate concretions we obtained weighing 84 and
87 grams. In this case, the removal of uroliths by perineal access was performed, because it is a cheaper
procedure.
Palavras-chave: Concreção; cavalo; uretrotomia; perineal.
Keywords: Concretion; horse; urethrotomy; perineal.
ABSTRACT
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Investigação, 15(9):46-50
INTRODUÇÃO
Os urólitos nos cavalos são relativamente raros quando
comparados com a frequencia nas demais espécies
domestícas e no homem (Edwards-Archer, 2011), sendo
que nos equinos a tem-se maior prevalência na bexiga
e secundariamente na uretra (Thomassian, 2005).
Relacionam-se às características urinárias desta espécie,
como os altos níveis de sais, principalmente o carbonato
de cálcio e o pH tendendo a alcalinidade (Frasier, 2001).
Tais características podem levar à precipitações de
solutos servindo de núcleo para a consolidação das
mucoproteínas, formando as concreções (Thomassian,
2005; Duesterdieck-Zellmer, 2009).
Apesar dos diversos tipos de tratamento, a grande maioria
tem resolução cirurgica por laparotomia exploratória e
cistotomia, havendo a opção de realizar a uretrotomia em
estação para o caso de urólitos na região inguinal, sendo
esta ultima de fácil realização, economicamente viável e
com pós-operatório simplificado (Saam, 2001; Thomassian,
2005; Divers, 2006; Duesterdieck-Zellmer, 2009).
Objetiva-se com esse trabalho relatar um caso de urolitiase
obstrutiva peniana na região isquiática em equino com
correção cirurgia com o equino em posição quadrupedal
sedado.
Volume
Não há predisposição quanto à raça ou idade, porém
os adultos apresentam maior prevalência (5 a 15 anos)
assim como os machos, uma vez que sua uretra é mais
comprida e com menor diâmetro (Saam, 2001; Amorim,
2002; Divers, 2006; Duesterdieck-Zellmer, 2009).
RELATO DE CASO
Aspecto
Um equino sem raça definida macho com 7 anos de idade,
foi encaminhado ao Hospital Veterinário da Universidade
de Franca com histórico de hematúria, disúria e perda de
peso há 6 meses. Ao exame físico o equino apresentavase apático, com frequência cardíaca de 48 batimentos por
minuto, temperatura retal de 38,3ºC, mucosas hipocoradas
e leve cifose. Foi observado disúria, tenesmo e vocalização
ao eliminar pouco conteúdo urinário. Os membros pélvicos
apresentavam assaduras na porção medial e próximas aos
cascos. Na palpação retal a bexiga apresentava-se distendida
e realizou-se a sondagem uretral na qual foi observado um
ponto de resistência próximo à região perineal. A urina
coletada apresentava-se turva, com conteúdo purulento
além de coágulos sanguíneos e a análise laboratorial
revelou presença de bacteriúria intensa além de cilindros
granulosos e células epiteliais de descamação, classificando
uma cistite grave (Tab. 1).
Densidade
Os animais podem apresentar cistite, desconforto
abdominal, cifose, tenesmo, disúria, oligúria e
incontinência, perda de peso crônica e urina de
coloração anormal ou avermelhada (Thomassian, 2005;
Duesterdieck-Zellmer, 2009; Costa et al., 2013). Os sintomas
e sua intensidade estão intimamente relacionados
ao posicionamento, grau de obstrução, tamanho e
composição dos urólitos (Saam, 2001; Thomassian, 2005).
O diagnóstico baseia-se em achados clínicos, palpação
retal e exames hematológicos, urinálise, ultrassonografia,
cateterização vesical e endoscopia do sistema urinário
(Saam, 2001; Thomassian, 2005).
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Tabela 1. Descrição das urinálises realizadas periodicamente para
acompanhamento do equino.
Tabela 1. Descrição das urinálises realizadas periodicamente para acompanhamento do equino.
EXAME
DATA DA COLETA
DIA ZERO
DIA 1
DIA 2
DIA 3
Referência (14)
70 ml
40 ml
12 ml
12 ml
-
Amarelo
Médio
Amarelo
Claro
Amarelo Claro
Amarelo Claro
Amarelo Palha
Turvo
Turvo
Ligeiramente
Turvo
Ligeiramente
Turvo
Límpido
1,015
1,020
1,010
1,025
1,020-1,050
9,0
8,0
6,5
8,0
7,0 a 8,0
(++)
(+)
Traços
Negativo
Negativo
Glicose
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo
Bilirrubina
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo
(+)
(++)
Negativo
Negativo
Negativo
Cetonas
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo
Urobilinogênio
Normal
Normal
Normal
Normal
Normal
Hemácias
20-25/CGA
15-20/CGA
0-1/CGA
0-1/CGA
Até 4/ CGA
Leucócitos
*/CGA
15-20/CGA
3-5/CGA
0-1/CGA
Até 6/ CGA
(+)
(++)
Raras
Raras
Raras
descamações
(+) Cilindros
Granulosos
Ausente
Cor
pH
Proteínas
Sangue Oculto
Células
Cilindros
Cristais
Outros
(+) Cilin(+) Cilindros
(+) Cilindros
dros GranuGranulosos
Granulosos
losos
(+++) Car(+++) Car(+) Carbonato
bonato de
bonato de
de Cálcio
Cálcio
Cálcio
(+++) Bacte- (+)Bacteri_
riúria
úria
(+++) Carbonato de Cálcio
Raros
Carbonatos
_
_
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Cristais
Cálcio
(+++) Carbonato de Cálcio (+++) Carbonato de
(+) Carbonato de Cálcio
(+++) Carbonato de
(+) leve, (++) moderada, (+++) grave; CGA: Campo de grande
aumento microscópico, * incontáveis. DIA ZERO: Dia no qual o
animal foi atendido, Dia 1: um dia antes da cirurgia, DIA 2: 7 dias
após a cirurgia, DIA 3: 8 meses após.
No exame ultrassonográfico da região perineal observou-se
a presença de duas formações ovais ecogênicas (5 a 6 cm de
comprimento por 3 a 4 cm de largura) formadoras de sombras
acústicas posterior, sugerindo urólitos. O exame hematológico
e enzimas bioquímicas (ureia e creatinina) estavam dentro dos
limites de referência para a espécie.
Optou-se pela uretrotomia com acesso na região perineal. O
procedimento foi realizado com o animal em posição quadrupedal.
Inicialmente procedeu-se a sedação com detomidina (10µg/kg,
intravenoso), em seguida fez-se bloqueio infiltrativo local com
lidocaína sem vasoconstritor (1 mL/cm, totalizando 40 mL). Após
isso, realizou-se incisão de doze centímetros, três centímetros
abaixo do ânus (Fig. 1A e 1B), exibindo duas concreções ovais
de superfície irregular com consistência pétrea (Fig. 1C). Após
a remoção, realizou-se uretrorrafia e subcutâneo com fio catgut
cromado número 1 (SHALON ®), já a sutura de pele foi realizada
com nylon 0,7 mm (Fig. 1D). As concreções apresentavam
dimensões de 5x4 cm com 87 gramas e 6x3 centímetros com 84
gramas, sendo então encaminadas para análise da composição
química no laboratório de patologia clínica da mesma instituição,
no qual identificado ser constituida por carbonato de cálcio (Fig.
2). Após o procedimento cirúrgico foi mantida sonda uretral por
cinco dias, realizando lavagens vesicais com solução fisiológica
0,9%, três vezes ao dia.
12 dias, sendo este iniciado cinco dias antes do procedimento
cirúrgico) e flunixin meglumine (1,1 mg/kg, intravenoso, BID por
3 dias e SID por mais 3 dias). Devido à bacteriúria ainda presente
administrou-se ceftiofur (4,4 mg/kg, intramuscular, SID, por
7 dias). As feridas por assaduras nos membros pélvicos foram
higienizadas com agua e sabão neutro e aplicação de pomada à
base de óleo de rícino TID.
O equino apresentou incontinência urinária que evoluiu de
grave para leve durante os dias internados (15 dias) sendo
observado persistência de pingos intermitentes de urina após
8 meses (quando o equino retornou ao hospital para exames
de acompanhamento clínico). O equino apresentava alterações
urinarias leve, porém não foi observado urólitos na uretra ou
bexiga na análise ultrassonográfica. O proprietário foi instruído
novamente sobre a suplementação de sal comum na alimentação
no intuito de estimular a ingestão de água, consequentemente
maior diluição urinária e menor probabilidade para formação de
novos urólitos.
Figura 1. Imagem fotográfica do procedimento de uretrotomia pelo acesso perineal com o animal em estação. (A
e B) incisão (C) retirada de uma das concreções. (D) sutura de pele.
Administrou-se enrofloxacina (4,0 mg/kg, intramuscular, SID, por
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ultrassonográfica demostrou ser significativamente útil para
observação da localização dos urólitos (Duesterdieck-Zellmer,
2009, Edwards-Archer, 2011).
Figura 2. Imagem fotográfica das duas concreções constituídas de carbonato de cálcio obtidas pela uretrotomia
DISCUSSÃO
As urolísiases são pouco observadas em equinos, sendo as mais
comuns presentes na bexiga urinária. São raros os casos de
urólitos uretrais relativamente grandes o suficiente para causar
a obstrução uretral (Edwards,Archer,2011) diferentemente do
descrito nesse relato, onde além do tamanho significativamente
grande, haviam dois. A presença de urólitos obstruindo a uretra
de equinos machos, segundo Saam (2001) pode estar relaciona
a anatomia uretral, que apresenta estreitamento natural na
altura da tuberosidade isquiática, assim como encontrado neste
relato.
O equino apresentava os sinais clínicos descritos na literatura,
juntamente com os achados da palpação retal e ultrassonografia
da região (Knottembelt-Pascoe, 1998; Frasier, 2001; Thomassian,
2005; Divers e Van Metre, 2006; Duesterdieck-Zellmer, 2009;
Costa et al., 2010, Edwards-Archer, 2011), os quais foram
decisivos para o diagnóstico. O paciente apresentava cistite
concomitante a urolitíase assim como observado na literatura,
sendo comum devido às injúrias que as concreções podem
desenvolver na mucosa da bexiga (Abutarbush, 2005). A análise
Devido à localização do urólito, seu tamanho e a necessidade
de um procedimento pouco oneroso optou-se pela
uretrotomia com o animal em posição quadrupedal sedado.
Tal posicionamento facilitou o acesso cirúrgico além de evitar
que os urólitos retornassem à bexiga com a movimentação do
animal, fato este que poderia ocorrer ao deitar o animal para
cirurgia em decúbito dorsal. Outras vantagens como equipe
menor, material cirúrgico mais simples, menor risco anestésico
comparado ao procedimento realizado com anestesia geral
foram fatores que favoreceram à escolha por tal posicionamento
(Foley et al. 2009, Duesterdieck-Zellmer, 2009). Foi utilizado
antibioticoterapia préviamente ao procedimento cirúrgico no
intutito de eliminar a cistite como indicado por Thomassian
(2005), sendo associada a lavagens vesicais no para diminuir a
população bacteriana patogênica assim como excesso de sais,
microorganismos e debris celulares que poderiam favorecer o
desenvolvimento de novos urólitos (Foley et al. 2009). Optou-se
por não utilizar antissépticos urinários nas lavagens evitando um
processo irritativo na mucosa da bexiga urinária. A incontinência
urinária observada pode ter ocorrido por uma lesão no músculo
detrusor da bexiga, o qual auxilia na compressão e expulsão da
urina, devido ao longo período de distensão ou acometimento
dos esfincteres uretrais os quais podem ter perdido parte da
capacidade de fechamento relacionado ao processo inflamatório
ocorrido (cistite crônica) (Divers, 2006; Foley et al. 2009).
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CONCLUSÃO
A literatura descreve a baixa ocorrência de urólitos uretrais na
região isquiatica em equinos e a dificuldade de acesso da região
para o procedimento cirúgico. Apesar disso esse caso relata
um casom com um procedimento de fácil execução, pouco
onerora e não necessitando ser realizada em centro cirurgico
especializado. A cirurgia realizada em posição quadrupedal com
acesso na região perineal favoreceu a localização dos urólitos,
evitando assim que estes se movimentassem até a bexiga. Além
da facilidade de realização desse procedimento em comparação
a laparatomia realizada para cistotomia, este torna-se mais
seguro por não submeter o animal a anestesia geral além de
ser ralizado em menor tempo, ser menos oneroso e apresentar
resultados satisfatórios e com bom prognóstico.
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