Artigo 03

Propaganda
Artigo Original
Retalho de glândula submandibular para reconstrução
pós-operatória em câncer de cavidade oral: experiência
no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)
Submandibular gland flap for reconstruction of oral cavity
cancer: experience in Instituto do Cancer do Estado de
Sao Paulo (ICESP)
Resumo
Francisco Van De Sande Lee 1
Aline Paterno Miazaki 1
Danielli Matsuura 2
Fabio Roberto Pinto 3
Andre Bandiera de Oliveira Santos 4
Claudio Roberto Cernea 5
Lenine Garcia Brandão 6
Abstract
Introdução: O uso do retalho de glândula submandibular para
reconstrução em cirurgias de cabeça e pescoço é muito pouco
divulgado na literatura, e provavelmente subutilizado, apesar
de ser versátil, tecnicamente fácil de realizar e dos ótimos
resultados descritos. Objetivos: Descrever os casos submetidos
a reconstrução com este retalho após ressecção de câncer na
nossa instituição, e os resultados. Métodos: Foram avaliados
retrospectivamente os 6 casos submetidos a reconstrução com
retalho de glândula submandibular de janeiro de 2012 a junho
de 2015. Resultados: Foram 5 mulheres e 1 homem, com idade
média de 61 anos, todos com carcinoma epidermoide de cavidade
oral T1-4a, dois N+, sem acometimento de nível I. O tempo médio
de seguimento foi de 10m. Não houve fístulas ou perda de retalho,
somente uma infecção de ferida operatória com deiscência parcial
de sutura. Todos pacientes tiveram reabilitação satisfatória de
fala e deglutição, com epitelização do retalho. Houve um caso
de recidiva local, e nenhum caso de metástase cervical ou a
distância no seguimento. Conclusão: A técnica oferece como
grande vantagem, em relação aos retalhos microcirúrgicos e
miocutâneos pediculados, uma diminuição importante do trauma e
tempo cirúrgico, sem prejuízo oncológico e com ótimos resultados
estético-funcionais.
Introduction: There are only some few published articles about the
use of submandibular gland flap in head and neck reconstruction
on pubmed database, and therefore the technique is probably
poorly availed worldwide, although it is versatile, technically easy
to perform and shows excellent results. Objectives: To describe
the use of the submandibular gland flap for surgical defects
reconstruction after cancer resection in our institution. Methods:
All the 6 cases underwent submandibular gland flap reconstruction
from January 2012 to June 2015 where retrospectively evaluated.
Results: The majority of the cases were women with an average
age of 61 years. All patients presented squamous-cell carcinoma,
staged T1-4a, two of them N+, without level I involvement. The
mean follow up was 10 months. We observed one local infection
with partial dehiscence, no flap loss or fistula. All patients
had satisfactory swallowing and phonation rehabilitation, with
flap surface epithelialization. During the follow up period one
patient presented local recurrence, and none regional or distant
metastasis. Conclusion: Relatively to miocutaneous pedicled or
free flaps, the submandibular gland flap for oral reconstruction
had a wide advantage reducing surgery time and injury, without
oncology impairment and with excellent aesthetic and functional
results.
Descritores: Retalhos Cirúrgicos; Glândula Submandibular;
Reconstrução.
Key words: Surgical Flaps; Submandibular Gland; Reconstruction.
INTRODUÇÃO
O uso de retalhos fasciocutâneos e miocutâneos na
reconstrução dos defeitos em ressecções de neoplasias
da cavidade oral e orofaringe está universalmente
difundido, e é assunto recorrente na literatura1,2. O
retalho de glândula submandibular, por sua vez, é uma
alternativa interessante em casos selecionados, mas
pouco divulgado na literatura, com somente 2 publicações
encontradas no pubmed3,4, além de uma recente
publicação na própria revista da sociedade5. Mozolewski,
em artigo publicado em polonês em 1999, descreveu a
técnica para correção de defeitos de faringe posterior
após laringectomias parciais6. Este retalho possui a
virtude de agregar baixíssima morbidade à cirurgia3–5,
aspecto que pode ser fundamental nas cirurgias de
1) Residência Médica em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela FMUSP. Cirurgião(a) de Cabeça e Pescoço.
2) Residência Médica em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela FMUSP. Preceptora da Residência Médica da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMUSP.
3) Professor Associado Livre Docente pela FMUSP. Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
4) Doutor em Ciências (Clínica Cirúrgica) pela FMUSP. Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
5) Professor Associado Livre Docente pela FMUSP. Professor Associado Livre Docente pela FMUSP.
6) Professor Titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMUSP. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMUSP.
Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)
São Paulo / SP - Brasil.
Correspondência: Francisco Van De Sande Lee - Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 8o andar - sala 8174 05403-000 - São Paulo / SP - Brasil Telefone: +55-11-3069-6425; Fax: +55-11-30697506 - E-mail: [email protected]
Artigo recebido em 04/04/2016; aceito para publicação em 13/05/2016; publicado online em 30/06/2016.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 1, p. 11-14, Janeiro / Fevereiro / Março 2016 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
11
Retalho de glândula submandibular para reconstrução pós-operatória em câncer de cavidade oral: experiência no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
neoplasia de cabeça e pescoço, que envolvem grandes
traumas cirúrgicos em pacientes que muitas vezes tem
comorbidades e desnutrição significativos, nos quais uma
menor agressão e tempo cirúrgico podem contribuir para
diminuir as complicações pós-operatórias, tanto clínicas
quanto cirúrgicas, além de evitar atrasos no tratamento
complementar com adjuvância. Talvez o retalho seja
até hoje subutilizado pelo receio em comprometer
oncologicamente a cirurgia, ou simplesmente pelo
desconhecimento da técnica, embora vários trabalhos
já tenham demonstrado a segurança da preservação da
glândula no esvaziamento cervical no qual o nível I não
está clinicamente comprometido pela doença7–10.
MÉTODOS
No período de janeiro de 2012 a junho de 2015,
6 casos de cirurgias com reconstrução com retalho de
glândula submandibular foram realizadas no Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), todos para
Lee et al.
correção de defeitos de cavidade oral e orofaringe. Foram
avaliados o tipo histológico e as localizações dos
tumores primários, a presença de tratamentos prévios,
os tipos de acesso cirúrgico ao mesmo, a presença de
complicações pós-operatórias, tempo de internação
hospitalar, e a evolução no seguimento ambulatorial.
RESULTADOS Todos os pacientes tinham diagnóstico de carcinoma
epidermoide de cavidade oral, em diferentes estágios
da doença (um T1, três T2 e dois T4a), nenhum tinha
metástases linfonodais em nível I(quatro N0, um N1 e
um N2b). A idade variou entre 49 a 74 anos, 1 homem e 5
mulheres, tempo médio de seguimento pós-operatório de
10m (1-21). Nenhum paciente havia recebido tratamento
radio ou quimioterápico previamente. Todos os pacientes
tiveram boa evolução operatória. Não houve nenhum
caso de fístula ou perda do retalho, e o tempo médio
de internação foi de 7 dias. Uma paciente apresentou
Figura 2. Transposição do retalho para o defeito
cirúrgico.
Figura 3. Peça cirúrgica correspondente à
figura 2.
Figura 1. Esvaziamento cervical com
isolamento da glândula submandibular,
mantendo somente o pedículo vascular.
Figura 4. Aspecto final após reconstrução
correspondente à figura 2.
Figura 5. Outro caso de uso de retalho de
glândula submandibular, posicionado no
defeito cirúrgico.
12 R���������������������������������������������
Figura
6. Aspecto
final
após
reconstrução correspondente à figura 5.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 1, p. 11-14, Janeiro / Fevereiro / Março 2016
Retalho de glândula submandibular para reconstrução pós-operatória em câncer de cavidade oral: experiência no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
infecção de ferida operatória, com deiscência parcial
de sutura em mucosa jugal, na incisão de cheek flap.
Três pacientes realizaram adjuvância com radioterapia.
Um paciente teve recidiva do tumor primário após 6m.
Não houve casos de metástase cervical ou a distância
no seguimento. Todos os casos em acompanhamento
ambulatorial apresentaram epitelização da superfície da
glândula na cavidade oral, com ótimo resultado estético
e funcional.
DISCUSSÃO
Yang et al (2014) descreveram 15 casos de uso da
retalho de glândula submandibular para preencher o
espaço morto em defeitos de região infratemporal, após
ressecção de tumores benignos. Não houve nenhuma
complicação como perda de retalho, parotidite ou
infecção3.
Lee et al.
Zhang et al (2014) utilizaram o retalho de glândula
submandibular associado ao retalho de músculo
esternocleidomastoideo em reconstruções de defeitos
de cavidade oral após ressecção de carcinoma
epidermoide. Foram 8 pacientes, todos idosos e com
comorbidades sistêmicas importantes, com tumores 4.
Vieira et al (2009), em artigo publicado na revista da
Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço,
descreveu a técnica e relatou retrospectivamente 16
casos operados com o retalho em reconstrução de
carcinoma epidermoide de cavidade oral e orofaringe,
incluindo pacientes com tumores T4 e com metástases
linfonodais, excluindo nível I. Os resultados demonstraram
baixa morbidade, tempo cirúrgico satisfatório, além de
segurança oncológica na técnica5.
A técnica consiste na ligadura e secção do ducto de
wharton e ramo secretório do nervo lingual, com preservação
do pedículo com artéria e veia3–5, porém observamos, em
Tabela 1. Perfil dos pacientes do estudo.
Paciente
Sexo
Idade Sítio primário
Estadiamento (p) Seguimento (m)
1
M
64
ARM
T2N0
16
2
F
66
Mucosa jugal
T2N0
6
3
F
49
Língua oral
T2N2b
15
4
F
61
Mucosa jugal
T4aN0
25
5
F
56
Rebordo alveolar inferior
T4aN0
4
6
F
74
Rebordo alveolar inferior
T4aN0
11
Figura 7. Aspecto após uma semana da
cirurgia.
Figura 8. Outro caso demonstrando o aspecto após
uma semana da cirurgia.
Figura 10. Aspecto no pós-operatório
tardio de outro paciente, com
epitelização do retalho.
Figura 9. Aspecto no pós-operatório
tardio com epitelização do retalho.
Figura 11. Imagem tomográfica
demonstrando o retalho no pósoperatório tardio.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 1, p. 11-14, Janeiro / Fevereiro / Março 2016 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 13
Retalho de glândula submandibular para reconstrução pós-operatória em câncer de cavidade oral: experiência no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
nossa experiência, que somente a preservação arterial é
suficiente para manter o retalho viável.
Um fator limitante ao uso deste retalho é o tamanho
do defeito cirúrgico. Entretanto, apresenta algumas
vezes volume suficiente para reconstrução de defeitos
após ressecções de tumores localmente avançados,
como nos dois casos em que foi utilizado após
pelveglossomandibulectomia por tumor T4a. Vieira et
al também utilizaram a técnica em reconstruções de
tumores T3 e T45.
Diversos trabalhos já demonstraram a segurança
oncológica da preservação da glândula submandibular
em câncer de cabeça e pescoço, desde que não haja
metástase linfonodal no nível I, nem extensão local do
tumor primário. A presença de metástase na glândula
submandibular é muito rara, haja vista que a mesma não
possui linfonodos intraparenquimatosos7–10.
CONCLUSÃO
O retalho de glândula submandibular mostrou-se
bastante satisfatório nos casos avaliados. É um retalho
simples, que agrega baixíssima morbidade a cirurgia,
seguro do ponto de vista oncológico, desde que não haja
proximidade com o tumor primário ou metástase cervical
no nível I, com baixas taxas de complicação e excelente
resultado estético-funcional. Trata-se de uma excelente
opção em casos selecionados, apesar de faltarem
estudos com amostra significativa na literatura que
corroborem os nossos resultados com nível de evidência
científica superior.
14 R���������������������������������������������
Lee et al.
REFERÊNCIAS
1. Vartanian JG, Carvalho AL, Carvalho SMT, Mizobe L, Magrin J,
Kowalski LP. Pectoralis major and other myofascial/myocutaneous
flaps in head and neck cancer reconstruction: experience with 437
cases at a single institution. Head Neck 2004;26:1018–23.
2. Rudes M, Bilić M, Jurlina M, Prgomet D. Pectoralis major
myocutaneous flap in the reconstructive surgery of the head and neck-our experience. Coll Antropol 2012;36 Suppl 2:137–42.
3. Yang B, Su M, Li H, Li J, Ouyang J, Han Z. Use of submandibular
gland flap for repairing defects after tumor resection in the infratemporal
region. Journal of Craniomaxillofacial Surgery 43:87–91.
4. Zhang X, Liu F, Lan X, Luo K, Li S. Combined submandibular gland
flap and sternocleidomastoid musculocutaneous flap for postoperative
reconstruction in older aged patients with oral cavity and oropharyngeal
cancers. World Journal of Surgical Oncology 2014;12:259.
5. Vieira M de A, Santos CR dos, Carvalho AL de. Retalho de glândula
submandibular na reconstrução de defeitos da cavidade oral e
orofaringe em cirurgias oncológicas de cabeça e pescoço: descrição
da técnica e resultados iniciais. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço
2009;38:215–9.
6. Mozolewski E, Maj P, Kordowski J, Szostak S, Tarnowska C. [Vascular
pedicle flap of the thyroid or submandibular gland in the reconstruction
following partial laryngectomy]. Otolaryngol Pol 1999;53:387–96.
7. Ebrahim AK, Loock JW, Afrogheh A, Hille J. Is it oncologically safe
to leave the ipsilateral submandibular gland during neck dissection
for head and neck squamous cell carcinoma? J Laryngol Otol
2011;125:837–40.
8. Spiegel JH, Brys AK, Bhakti A, Singer MI. Metastasis to the
submandibular gland in head and neck carcinomas. Head Neck
2004;26:1064–8
9. Chen T-C, Lo W-C, Ko J-Y, Lou P-J, Yang T-L, Wang C-P. Rare
involvement of submandibular gland by oral squamous cell carcinoma.
Head Neck 2009;31:877–81.
10. Razfar A, Walvekar RR, Melkane A, Johnson JT, Myers EN.
Incidence and patterns of regional metastasis in early oral squamous
cell cancers: feasibility of submandibular gland preservation. Head
Neck 2009;31:1619–23. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 1, p. 11-14, Janeiro / Fevereiro / Março 2016
Download