Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/ PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio dos Promotores de Justiça integrantes do GAESP – Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor que esta subscrevem, legitimados e com fundamento na Constituição Federal (arts. 1º, incisos II e III; 3º, incisos I, III e IV; 5º caput e § 1º; 6º; 23, inciso II; 37 caput e § 6º; 127 caput; 129, incisos II e III; 196/198 e 227 caput e §§ 1º e 7º); no Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90 - arts. 22 e 81/100); na Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº 7.347/85 - arts. 1º, inciso IV, 5º caput, 11, 12 caput e § 1º; 19 e 21); na Lei Orgânica Nacional do Ministério 1 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ Público (Lei Federal nº 8.625/93 - arts. 1º caput; 25, inciso IV, alínea “a ” e 27, incisos I e II); na Lei Orgânica da Saúde ( Lei Federal nº 8.080/90 - arts. 2º, § 1º; 4º; 5º, inciso III; 6º, inciso I, letra “d”; 7º, incisos I, II, IV e XII; 8º e 17, incisos II, III, IV e IX); na Constituição do Estado de São Paulo (arts. 217; 219, parágrafo único, nºs 1/4; 220 caput; 222 caput e incisos I, III, IV e V; 223, inciso I e 277 caput); na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar nº 734/93 - arts. 1º caput e 103, incisos I, VII, alínea “a” e VIII); no Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 791/95 -arts. 2º, §§ 1º e 2º; 3º, incisos III e IV, alíneas “a” e “c”; 7º; 8º, inciso I; 12, inciso I, alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”; 15, inciso VI e parágrafo único e 17, incisos I, alínea “a” e II, alínea “a”), e na Lei dos Direitos dos Portadores de Transtornos Mentais (Lei Federal nº 10.216 de 06 de abril de 2.001 – art. 8º, §1º) vem ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, observando-se o procedimento comum ordinário, em face da CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, portadora de cadastro no C.N.P.J. sob o nº 61.617.908/0001-33, com endereço na altura do nº 4.742, na Estrada do Riviera, bairro de Santo Amaro, nesta Capital, e da CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, portadora de cadastro no C.N.P.J. sob o nº 61.617.908/0002-14, com endereço na altura do nº 1.078 da Avenida Jornalista Paulo Zingg, bairro de Pirituba, nesta Capital, que deverão ser citadas na pessoa de seu representante legal, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos. 2 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ I - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO Ao estabelecer as funções institucionais do Ministério Público, a Constituição da República destacou seu dever de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados” no texto constitucional, “promovendo as medidas necessárias à sua garantia” (art. 129, inciso II, CF). Por essa razão costuma-se afirmar, no que diz respeito à saúde pública, que a caracterização do tema dada à questão pela Carta Magna de 1.988 no art. 197 – segundo o qual, “são de relevância pública as ações e serviços de saúde” – , além de demonstrar que saúde pública merece absoluta prioridade, teve como motivo principal possibilitar a atuação do Ministério Público nesta área, em prol da sociedade. Objetivando normatizar a defesa judicial de interesses transindividuais, entre eles a saúde pública, não somente outros dispositivos da Constituição Federal (arts. 127, caput e 129, inciso III), mas também artigos da Constituição do Estado de São Paulo (art. 91), da Lei Federal nº 8.625 de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – art. 25, inciso IV, alínea “a”) e da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo – art. 103, inciso VIII), cometem ao Ministério Público legitimação para o ajuizamento de ação civil pública para a defesa, em juízo, dos interesses difusos e coletivos indisponíveis. 3 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ No que se refere à legitimação do Ministério Público para defender judicialmente interesses ligados à saúde pública, aliás, a conclusão da Organização Pan-americana da Saúde e do Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde, enumerada na Série Direito e Saúde nº 1 Brasília, 1994, foi no sentido de que “o conceito de ações e serviços de relevância pública, adotado pelo artigo 197 do atual texto constitucional, norma preceptiva, deve ser entendido desde a verificação de que a Constituição de 1988 adotou como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana. Aplicado às ações e aos serviços de saúde, o conceito implica o poder de controle, pela sociedade e pelo Estado, visando zelar pela sua efetiva prestação e por sua qualidade. Ao qualificar as ações e serviços de saúde como de relevância pública, proclamou a Constituição Federal sua essencialidade. Por ´relevância pública´ deve-se entender que o interesse primário do Estado, nas ações e serviços de saúde, envolve sua essencialidade para a coletividade, ou seja, sua relevância social. Ademais, enquanto direito de todos e dever do Estado, as ações e serviços de saúde devem ser por ele privilegiados. A correta interpretação do Artigo 196 do texto constitucional implica o entendimento de ações e serviços de saúde como conjunto de medidas dirigidas ao enfrentamento das doenças e suas seqüelas, através da atenção médica preventiva e curativa, bem como de seus determinantes e condicionantes de ordem econômica e social. Tem o Ministério Público a função institucional de zelar pelos serviços de relevância pública, dentre os quais as ações e serviços de saúde, adotando as medidas necessárias para sua efetiva prestação, inclusive em face de omissão do Poder Público”. 4 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ Especialmente no que se refere à atenção em saúde mental, a lei atribuiu relevante papel ao Ministério Público na proteção jurídica que deve ser dada às pessoas portadoras de transtornos mentais, pacientes geralmente internados contra a sua vontade e em situação frágil que dificulta a defesa de seus direitos, a ponto de lhe ser endereçada obrigatória comunicação de internação involuntária (art. 8º, §1º, da Lei nº 10.216 de 06 de abril de 2.001). Conforme se verá, o descaso com o qual os responsáveis pela CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA vêm tratando os pacientes portadores de transtornos mentais ali internados compulsoriamente e em quase sua totalidade pela rede pública de saúde (SUS – Sistema Único de Saúde), cuja violação de direitos básicos inclui a aplicação indiscriminada de “choques elétricos” (eletroconvulsoterapia) sem os mínimos procedimentos anestésicos, a falta de um processo de humanização e de atividades socioterápicas (projeto terapêutico), e a ausência de um sistema razoável de referência e contra-referência (para encaminhar a hospitais os internados que necessitam de atendimento mais complexo), provocou um quadro de ilegalidades que precisam ser afastadas judicialmente, já que não o foram apesar das medidas tomadas no inquérito civil, razão pela qual o Ministério Público ajuíza esta ação civil pública. II – A INVESTIGAÇÃO A CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE 5 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ FÁTIMA, entidade filantrópica coordenada pela CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS e com endereço na Avenida Jornalista Paulo Zingg, nº 1.078, Pirituba, nesta Capital, é caracterizada como hospital privado especializado em atenção psiquiátrica, contando com o atendimento ambulatorial e a internação de pacientes (170 leitos disponíveis) em sua grande maioria do sexo feminino (cerca de 90%) e atendidos por meio da rede pública de saúde, salvo alguns casos de portadores de convênio médico ou particulares. De fato, na estruturação da atenção em saúde mental do SUS (Sistema Único de Saúde) pelo gestor municipal, a CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA tem relevante papel em região pobre e reconhecidamente carente de equipamentos hospitalares, pois celebrou convênio com a Prefeitura do Município de São Paulo para, recebendo recursos públicos oriundos do Fundo Municipal de Saúde e constantemente reajustados, prestar serviços médico-hospitalares e ambulatoriais gratuitamente à população do bairro de Pirituba e imediações, “a qualquer indivíduo que deles necessite, observada a sistemática de referência e contrareferência do Sistema Único de Saúde – SUS, sem prejuízo da observância do sistema regulador de urgências/emergências quando for o caso” (Termo de Convênio de fls. 131/147, com citação da Cláusula Primeira – Objeto, e Termo Aditivo de fls. 148/149). Em 13 de maio 2004, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República recebeu denúncia de uma paciente internada no referido hospital psiquiátrico que, apesar de descoberta 6 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ por funcionárias do local que a obrigaram a desligar o telefone e a ameaçaram, conseguiu descrever um preocupante quadro: “Quero denunciar um hospital psiquiátrico que está maltratando suas pacientes. Trata-se de uma clínica psiquiátrica para mulheres, as idades variam de 16 anos a 90 anos. Há três alas neste hospital: ala dos intermediários, ala dos crônicos e ala dos são josé. Estou internada aqui desde quartafeira (31/03/2004) e observei que as pacientes sofrem tortura psicológica, são tratadas a base de gritos e berros pelas funcionárias. As pacientes que ficam na ala dos crônicos sofrem torturas físicas, são amarradas e ficam cheias de hematomas. Os chuveiros da minha ala estão gelados. Todas as auxiliares de enfermagem são violentas com as pacientes (segue o nome de funcionárias que agridem e “roubam” roupas, objetos e comidas das pacientes e a notícia de internadas “aleijadas” porque trancadas em espaço limitado). No momento em que a denúncia está sendo registrada, duas funcionárias (Adriana e Márcia) ameaçaram a denunciante dizendo que se ela não desligasse, ela iria para outra ala, como forma de castigo (ligação interrompida – fls. 06, g.n.). Embora inicialmente o procedimento instaurado a partir desta denúncia tenha tramitado no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude, na 5ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital e no extinto Grupo de Transtorno Mental do Ministério 7 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ Público (fls. 04-B/17), acabou sendo encaminhado ao GAESP (Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor), pois era necessária uma investigação ampla sobre a atenção em saúde mental disponibilizada pelo hospital psiquiátrico a seus pacientes. Sabendo da situação frágil e precária em que se encontram estes pacientes, portadores de transtorno mental internados compulsoriamente em hospital psiquiátrico (com embasamento em um ineficaz “consentimento esclarecido” ou mediante internação involuntária, que deve ser comunicada ao parquet) que raramente são devidamente informados e têm condições de apontar os maus-tratos e abusos a que são submetidos (procedimentos rotineiros de punição severa e castigo), o GAESP solicitou então visita de inspeção do Conselho Regional de Medicina que, vistoriando o local em 29 de novembro de 2004, constatou e existência de um quadro de desrespeito aos direitos básicos assegurados a esta parcela de doentes mentais, com procedimentos invasivos aplicados como regra e sem o mínimo controle. Nesse ínterim, curiosamente o GAESP recebeu representação que foi autuada em procedimento posteriormente apensado (procedimento GAESP nº 107/2006, com capa amarela e em apenso), na qual familiares de uma doente internada reclamavam da total falta de informação e questionavam a internação da moça, segundo o hospital “voluntária”. No dizer da representação: “a paciente não apresentou até o momento sintomas de agressividade e mesmo assim foi contida muitas vezes e ainda pode estar sendo, a família no entanto não sabe e encontra-se impaciente pois, 8 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ são barrados ao poder de ver os aposentos da paciente no local” (fls. 02). O relatório de vistoria do Conselho Regional de Medicina (fls. 37/40) apontou, em síntese, as seguintes irregularidades: a) internações compulsórias por motivo clínico, possíveis apenas quando determinada a contenção física por prescrição médica e com acompanhamento do paciente imobilizado por um auxiliar do corpo de enfermagem, efetuadas como regra no tratamento e sem qualquer controle, já que o hospital psiquiátrico sequer possuía o obrigatória Comissão de Revisão de Intenção Compulsória (Resolução CFM nº 1.598/00); b) eletroconvulsoterapia, o controverso procedimento de aplicação de “choques” para acalmar e controlar os pacientes, utilizada também sem critério e controle por parte do hospital psiquiátrico, bem como executada sem os mínimos procedimentos anestésicos estabelecidos pela medicina, que devem ser realizados com material médicohospitalar e equipamentos eletro-médicos de acordo com Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM nº 1.363/93, atualmente substituída pela Resolução CFM nº 1.802/2006); c) carência do processo de humanização, pois não existiam programas de reabilitação dos pacientes e de reintegração social, imprescindíveis porque as internações ali são provisórias e os doentes logo retornam ao convívio social; 9 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ d) ausência de atividades de psicoterapia, que devem existir justamente para evitar outros procedimentos mais invasivos (remédios, contenção física, eletroconvulsoterapia), com vários pacientes sem qualquer atividade andando pelos corredores da enfermaria e pela sala de televisão, pátio vazio, etc.; e) grave déficit de profissionais de saúde, sejam da equipe médica ou da enfermagem; f) outros problemas indicando a necessidade de maior cuidado com os pacientes, como banheiro sem papel higiênico, toalha de papel e sabão líquido, deficiências na higiene e na estrutura física dos consultórios médicos e sala de curativos, odor característico de urina e somente camas na enfermaria, etc. Também a pedido do GAESP, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo compareceu à casa de saúde, no dia 11 de janeiro de 2005, e localizou uma paciente sem identificação internada há anos no local (conhecida por “Maria”, sem procedimentos para a sua identificação) e, no setor dos agudos, “uma paciente amarrada na cama com pano, e disseram que ela estava violenta e agredindo outras pacientes. Também vimos uma paciente nua andando pelo corredor”, somente vestida após pedido de uma enfermeira (fls. 47). E mais: “Há quartos em que as pacientes ficam presas quando estão violentas ou agitadas, em que são sedadas e amarradas com faixas nas camas hospitalares” e também é “utilizado eletrochoque” (fls. 48). 10 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ E concluiu o órgão fiscalizador: “no que tange a aspectos ligados a direitos humanos nos posicionamos favoravelmente ao movimento de humanização na atenção à saúde mental. O Conselho Federal de Medicina tem-se manifestado contrário à utilização do eletrochoque” (relatório de fls. 46/50). Diante desse quadro de ofensa aos direitos dos portadores de transtornos mentais, que atualmente em nosso país são sujeitos de direitos consagrados em normas internacionais acolhidas no Brasil e em lei específica (Lei nº 10.216 de 06 de abril de 2.001), o que se esperava é que a CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA providenciasse, com a necessária urgência, a correção das irregularidades e se propusesse a cumprir integralmente as normas de procedimentos médico-hospitalares existentes, resolvendo-se a questão administrativamente, no procedimento (GAESP nº 287/2004). Cobranças do Ministério Público (fls. 79/82, 169 e 267/268) e visitas posteriores do Conselho Regional de Enfermagem (20/10/2004 – relatório de fls. 26/28, noticiando deficiência no quadro dos profissionais de enfermagem e inexistência de protocolo/prescrição de contenção; 20/10/2006 – relatório de fls. 278/280, constando deficiências na sistematização da assistência de enfermagem e problemas no protocolo/prescrição de contenção) e do próprio Conselho Regional de Medicina (11/07/2006 – relatório de fls. 192/201) deveriam servir para que o problema fosse resolvido em sede administrativa, nos autos do procedimento GAESP, mas a despeito de algumas soluções pontuais, não foram sanadas 11 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ graves irregularidades que constituem violação a direitos dos portadores de transtornos mentais, o que se constatou na mais recente visita de fiscalização requisitada pelo Ministério Público. De fato, instaurado o inquérito civil em 21 de fevereiro de 2007 (portaria de fls. 02/04), o GAESP solicitou nova vistoria do Conselho Regional de Medicina cuja visita, frustrando a expectativa de correção das irregularidades, revelou que persistem graves problemas: a eletroconvulsoterapia (“choque”) continua sendo executada sem os devidos procedimentos anestésicos e em condições de risco à saúde dos doentes (falta de controle e aparelhos de anestesia, ausentes ou sem manutenção periódica), faltam processos de humanização e atividades para recuperação das pacientes, que preferivelmente são tratadas com choques e contenção química e física, sem qualquer projeto terapêutico, inexistindo sequer um sistema claro de referência e contra-referência. Tal quadro de ilegalidades não pode mais ser tolerado, razão pela qual se vê impelido o Ministério Público a ajuizar a presente demanda para que o Poder Judiciário, enquanto guardião da ordem jurídica e dos direitos humanos, restabeleça o primado da lei neste caso, em defesa dos portadores de transtornos mentais ali internados. III – ATUAL SITUAÇÃO DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO: ELETROCONVULSOTERAPIA SEM ANESTESIA ADEQUADA, AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO DE HUMANIZAÇÃO E PROJETO TERAPÊUTICO, 12 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ FALTA DE UM RAZOÁVEL SISTEMA DE REFERÊNCIA E CONTRAREFERÊNCIA O novo relatório de vistoria do Conselho Regional de Medicina (visita de 21/09/2007 – fls. 320/325) registra os abusos e as violações de direito praticados contra os portadores de transtornos mentais internados, podendo-se resumi-los da seguinte forma: a) a eletroconvulsoterapia (“choque”) continua sendo praticada como regra de tratamento das pacientes e sem as mínimas condições de segurança, na medida em que os equipamentos, instrumental e materiais hospitalares necessários para a avaliação pré-anestésica, para o procedimento de anestesia e para os procedimentos de recuperação cardiorespiratórias (atos que compõem o procedimento anestésico) ou não existem ou, quando presentes, não se submetem a uma manutenção preventiva periódica, o que contraria a Resolução CFM nº 1.802 de 04 de outubro de 2006 (arts. 3º, 4º e 5º, o último fazendo referência aos Anexos II, III e IV, que descrevem o material hospitalar necessário), aplicável no caso por determinação da Resolução CFM nº 1.640 de 10 de julho de 2002 (art. 6º). As críticas formuladas atualmente em relação ao controverso e agressivo tratamento de eletroconvulsoterapia, sobretudo quando terapêutica de uso indiscriminado (cf. infra), e a necessidade de que ele seja reservado para indicações específicas e precisas (art. 9º, parágrafo único, Resolução CFM nº 1.640 de 10 de julho de 2002) e rigorosamente 13 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ acompanhado por adequado procedimento anestésico, revelam a gravidade da situação encontrada pelo Conselho Regional de Medicina. Segundo a observação dos Médicos Fiscais, as sessões de eletroconvulsoterapia (ECT) são realizadas em sala “que não possui rede de gases medicinais e vácuo para aspiração, possuindo em seu interior duas macas comuns, um ventilador Takaoka modelo 676 sem registro de qualquer revisão e cilindros de Oxigênio não fixados à parede nem suporte móvel”; não bastasse isso, o carrinho disponibilizado no local é impróprio porque somente com grande quantidade suas gavetas foram abertas, onde são colocados “medicamentos, cânulas e guia para incubação oro-traqueal etc., o que compromete a segurança da prática anestésica no surgimento de qualquer intercorrência” (fls. 322/323). A improvisação impera no local, pois “vários segmentos de aproximadamente 6cm de extensão de tubos de borracha” são “usados pela médica anestesista, conectados ao tubo de saída do cilindro de oxigênio, para oxigenação da paciente durante o procedimento de eletroconvulsoterapia, como se fora um cateter nasal”, procedimento irregular e perigoso, que foi narrado pela própria enfermeira responsável (!). E mais: a instituição sequer possui “gerador de eletricidade”, imprescindível como condição mínima de segurança de funcionamento dos equipamentos dos delicados procedimentos de anestesia e aplicação de “choques” (fls. 323). Os Médicos Fiscais verificaram no local, ainda, um carrinho com o aparelho de eletroconvulsoterapia e um desfibrilador que não 14 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ funcionava desconectado da rede elétrica e, na sala de recuperação pósanestésica, duas camas altas sem proteção lateral (ali ficam, porém, doentes mentais ...) e ausência de rede de gases medicinais e vácuo. Sobre a necessidade de revisão periódica dos equipamentos, não havia qualquer registro de testes rotineiros ou manutenção técnica periódica dos aparelhos, como por exemplo do ventilador Takaoka modelo 676 acima referido, ficando claro após informes oficiais encaminhados pelo hospital psiquiátrico “a ausência de manutenção preventiva periódica do equipamento” (fls. 324). Tais irregularidades, que vão desde a ausência de equipamentos/material, falta de segurança em sua utilização e ausência de manutenção periódica, estão propiciando assim a aplicação da controversa eletroconvulsoterapia (ECT) de forma inadequada e em condições de risco à saúde e à vida dos pacientes. b) como se prioriza no hospital psiquiátrico arcaicos procedimentos como a contenção física/química e a eletroconvulsoterapia, não é de se espantar que se constatou no local a inexistência de qualquer previsão e disponibilização de atividades de lazer e outras com o objetivo de humanizar o tratamento dos pacientes internados, bem como um projeto terapêutico objetivando a sua reintegração social. A ausência de um processo de humanização no tratamento dos doentes mentais e de um projeto terapêutico foi constatada 15 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ desde o início pelos Médicos Fiscais, conforme anteriores vistorias (cf. supra), e apesar de argumentar com uma pretendida reforma e obras para corrigir o problema, o DD. Diretor Clínico do hospital psiquiátrico nada apresentou, apesar do extenso lapso temporal transcorrido desde a instauração do inquérito civil. c) o sistema de referência e contra-referência que deve existir para o encaminhamento dos pacientes que necessitam de cuidados médico-hospitalares de maior complexidade continuou extremante precário, apesar das advertências anteriores do Conselho Regional de Medicina, decidido no improviso sem delimitação clara dos hospitais que podem ser utilizados pela casa de saúde. Assim, apesar de determinação expressa de cláusula do convênio entabulado com a Prefeitura Municipal de São Paulo (Termo de Convênio de fls. 131/147, Cláusula Primeira – Objeto, e Termo Aditivo de fls. 148/149), “não aparenta haver ocorrido, até o momento, qualquer melhora nos mecanismos de referência e contra-referência desde a última vistoria por esse CREMESP” (fls. 324). d) vale destacar, por fim, o desconhecimento do DD. Diretor Clínico do hospital psiquiátrico sobre a real situação da paciente conhecida por “Maria”, conforme narrado pelos Médicos Fiscais (fls. 324), porque tal paciente, a despeito da obrigação legal da instituição hospitalar em tomar medidas no sentido de identificá-la e procurar parentes para o processo de alta planejada e reabilitação psicossocial (art.5º da Lei nº 10.216 de 06 de 16 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ abril de 2001), com a ajuda do “Programa de Volta para Casa” e o pagamento de auxílio-reabilitação psicossocial para assistência (Lei nº 10.708 de 31 de julho de 1003 e Portaria nº 2.077/GM de 31 de outubro de 2003 do Ministério da Saúde), ali permaneceu esquecida por anos. Somente após a requisição de providências por parte do GAESP (ofícios de fls. 79/82, letra “i”, 169 e 267, letra “a”), é que o hospital psiquiátrico iniciou medidas para tentar identificar a paciente e procurar seus familiares, promovendo recentemente exame de identificação datiloscópica, infelizmente negativo (fls. 180/181 e 270, letra “a”). IV – ELETROCONVULSOTERAPIA: CONCEITO E CRÍTICAS Dentre as questões apresentadas no relatório de vistoria acima referido, certamente se destacam os problemas referentes ao procedimento de eletroconvulsoterapia (ECT), conhecido também como “eletrochoque”, técnica de tratamento de portadores de problemas mentais consistente na descarga de correntes elétricas de alta voltagem sobre a região temporal do cérebro, a fim de provocar dessincronização traumática de atividade cerebral do paciente com contrações crônicas e perda da consciência, objetivando a melhoria dos sintomas (cf., a respeito, fls. 156). O uso da eletroconvulsoterapia (ECT) vem sendo criticado por especialistas sobretudo nos últimos anos, na medida em que se 17 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ discute na literatura médica se resulta realmente em significativos efeitos terapêuticos e atualmente existe uma série de tratamentos psicofarmacêuticos (terapias e produtos farmacêuticos cada vez mais desenvolvidos e possantes) à disposição dos psiquiatras, que devem optar por tratamentos menos agressivos e de acordo com os princípios da dignidade humana. Nesse sentido, no parecer solicitado pelo GAESP ao Conselho Federal de Psicologia (fls. 156/167), foram formuladas várias críticas a respeito da aplicação de choques elétricos nos cérebros dos doentes mentais, pessoas internadas que dificilmente conseguiriam se defender, podendo-se destacar: a) os gravíssimos efeitos colaterais do eletrochoque, seja de natureza cognitiva (amnésias; perda da memória recente e/ou antiga; confusão mental; desorientação; quadros demenciais, dentre outros), seja de natureza orgânica (cefaléias; dores musculares; náusea; tontura; agitação psicomotora; insônia; aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca); b) a falta de eficaz fiscalização nos hospitais psiquiátricos, onde historicamente se faz o uso inadequado da eletroconsulsoterapia, na medida em que os pacientes encontram-se em condições de fragilidade e debilitação e não faz sentido se falar em seu “consentimento esclarecido”, existindo atualmente a possibilidade de outras formas de tratamento; c) as denúncias freqüentes de maus-tratos e a utilização do choque elétrico como mecanismo de punição e tortura de pacientes, aspectos que envolvem os Direitos Humanos; d) as mortes decorrentes da eletroconvulsoterapia, em níveis freqüentemente mascarados porque os pacientes que apresentam problemas são transferidos para hospitais, tendo ocorrido no Brasil o conhecido caso “Lourdes”, relatado pelo Fórum Mineiro de Saúde Mental (2001), “paciente de 47 anos, morta em 18 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ 1995, pelas complicações das fraturas provocadas pela eletroconvulsoterapia a que foi submetida sem anestesia” (fls. 158); e) o relato dos próprios portadores de transtornos mentais, maiores interessados no assunto cuja opinião vem sendo ignorada pelos psiquiatras, que descrevem suas experiências como sendo a aplicação de uma técnica agressiva e provocadora de excessivo sofrimento, com efeitos colaterais gravíssimos em termos cognitivos, já que posteriormente lhes foi afetada significativamente a memória e a capacidade de aprender (a fls. 160/162 constam alguns destes depoimentos, um deles, por exemplo, destacando que se perdeu a capacidade de falar cinco línguas como antes). Assim, “pelo lugar histórico que o eletrochoque ocupa em relação aos Direitos Humanos, pela negação da subjetividade dos pacientes, pelos resultados discutíveis em relação à integridade da pessoa em seus aspectos biopsicossociais e pelos efeitos colaterais provocados aos pacientes”, “o Conselho Federal de Psicologia sustenta uma posição contrária ao uso da eletroconvulsoterapia em defesa dos Direitos Humanos, em apoio à luta antimanicomial e às manifestações dos usuários do sistema de saúde mental, que lutam pelo direito de recusa à aplicação da ECT” (fls. 164). Mesmo os psiquiatras que sustentam que a eletroconsulsoterapia constitui “um método terapêutico eficaz, seguro, internacionalmente reconhecido e aceito” (Resolução CFM nº 1.640/2002, cf. infra), baseados em literatura médica especializada, ponderam tratar-se de uma técnica de uso bastante delicado. Assim, conforme observa com 19 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ propriedade o psiquiatra DARCY ANTÔNIO PORTOLESE no seu recente estudo “Aspectos Éticos de um Procedimento Técnico em Psiquiatria: a Eletroconvulsoterapia”, “o procedimento deve ser realizado em ambiente hospitalar, sob anestesia, e sua ‘indicação, realização e acompanhamento’ são de responsabilidade dos profissionais médicos que deles participam” e que devem buscar “o consentimento informado do paciente, por escrito, e em local que assegure a privacidade. Nas situações em que o paciente ‘não apresentar condições mentais ou etárias para fornecer o consentimento informado’, este poderá ser obtido com seus familiares e responsáveis” (in “ETICA E PSIQUIATRIA”, caderno do CREMESP – Conselho Regional de Medicina, 1ª edição, 2007, págs. 223/228, sob coordenação do Dr. Luiz Carlos Aiex Alves). Como tais cautelas não vêm sendo respeitadas pelas requeridas nas dependências da CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, como demonstrado na última visita do órgão fiscalizador da medicina (cf. supra), é imprescindível que provimento jurisdicional seja prolatado em defesa dos doentes mentais, que estão internados compulsoriamente no hospital psiquiátrico e não podem se defender, para que sejam proibidos procedimentos agressivos e atentatórios à dignidade humana, respeitando-se, no mínimo, as indicações e condições técnicas procedimento estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Cabe, nesse passo, analisar o direito. 20 de Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ V – DIREITOS DOS PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS Como se sabe, o modelo assistencial psiquiátrico difundido pelo mundo desde o final da década de 1940, baseado em uma concepção positivista da loucura (sobretudo PINEL, para quem o louco é “doente” e deve ser tratado até a sua cura em hospitais psiquiátricos) que sugeria a segregação do doente mental do meio social e sua internação em hospital psiquiátrico, hospício ou manicômio, onde se submeteria a procedimentos da mais variada espécie (isolamento, prisão, “choque elétrico”, prescrição de fármacos, etc.), esgotou-se diante do avanço da ciência (cite-se a Psicanálise de SIGMUND FREUD, médico austríaco que deu densidade psicológica aos doentes mentais e demonstrou a necessidade de terapia, e a vitória histórica do italiano FRANCO BASAGLIA, a partir de 1969, afastando em seu país o modelo manicomial), das denúncias de violência e outras formas de violação de direitos humanos, e da falta de resultados nos tratamentos impostos aos internados. Ao invés de buscar a segregação social e o silêncio da consciência dos doentes mentais, através da contenção física ou química e da aplicação de “choques elétricos” e outros procedimentos invasivos, o novo modelo de atenção à saúde mental, que vem sendo conhecido mundialmente como “modelo antimanicomial”, realizou uma verdadeira reforma psiquiátrica: a internação em hospital psiquiátrico passa a ser vista como medida absolutamente excepcional, preferindo-se alternativas como os serviços substitutos de atenção aos portadores de transtornos mentais, e ainda assim 21 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ submetida a procedimentos que devem respeitar a dignidade humana e ter um viés sempre terapêutico. Em suma, os procedimentos agressivos e violentos do passado devem ser evitados, em favor de tratamentos psicofarmacológicos. Acima de tudo, é preciso não perder de vista que a pessoa portadora de transtornos mentais é sujeito de direito e merece a proteção de seus direitos fundamentais o que, no Brasil, tem embasamento até mesmo constitucional, pois a Constituição da República de 1988 estabeleceu que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” e “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, incisos III, X e XLI, CR), regras de relevância quando o assunto é a saúde mental de pessoas internadas em hospital psiquiátrico. A mesma Carta Magna instituiu que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196), devendo ser promovida por meio de um Sistema Único de Saúde que deve garantir o acesso universal e igualitário (art. 196) e o atendimento integral (art. 198, inciso II). As ações e serviços de saúde podem ser diretamente executados pelo Estado ou complementarmente pela iniciativa privada, como neste caso da CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA (arts. 197 e 199, §2º, este último fazendo alusão ao convênio, instituto utilizado pelas requeridas e pela Municipalidade), desde que sejam 22 respeitadas as normas que Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ regulamentam estes serviços de relevância pública (art. 197). Sem se esquecer, ademais, que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código” (art. 22 e parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1.990). Para diminuir as antigas formas de internação psiquiátrica em favor de uma maior integração do doente no meio social, bem como garantir a sua condição de sujeito de direitos inserido no Sistema Único de Saúde, o movimento antimanicomial encontrou no Brasil o necessário amparo por parte dos agentes de saúde, a ponto de conseguirem a aprovação da Lei nº 10.216 de 06 de abril de 2.001, que instituiu um novo modelo de assistência em saúde mental e delimitou os direitos das pessoas acometidas de transtorno psiquiátrico (fls. 53/55). De uma maneira geral, pode-se afirmar que esta legislação específica consagrou o princípio segundo o qual a internação psiquiátrica é medida que deve ser evitada ao máximo, tanto que programou medidas para retirar dos hospitais psiquiátricos aqueles que ali se encontram há longo tempo (art. 5º, que levou o Ministério da Saúde a lançar o “Programa de Volta para Casa”, com a previsão de pagamento de auxílio-reabilitação 23 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ psicossocial para ajudar na reintegração social do doente – Lei nº 10.708 de 31/07/2.003 e Portaria nº 2.077/GM de 31/10/2.003), só indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º), somente realizada após a devida fundamentação médica, que deve constar de laudo circunstanciado que caracterize os seus motivos (art. 6º, caput), devendo ser comunicada ao Ministério Público Estadual no prazo de setenta e duas horas se for determinada contra a vontade do paciente (internação involuntária), adotando-se este mesmo procedimento quando da respectiva alta” (art. 8º, §1º). Nas hipóteses em que a internação psiquiátrica for necessária, porém, o legislador deixou consagrado um conjunto de regras e estabeleceu direitos dos portadores de transtornos mentais, que devem obviamente ser respeitados por todos que deles cuidam. Considerando-se o caso da CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, não se pode perder de vista sobretudo dois aspectos da questão: a) por primeiro, que são “direitos da pessoa portadora de transtorno mental”, dentre outras coisas, “ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção da família, no trabalho e na comunidade”, “ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração”, e “ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis” (art. 2º, incisos II, III e VIII). b) além disso, o Estado tem a responsabilidade de propiciar uma assistência em saúde mental buscando adequados 24 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ procedimentos terapêuticos, nos hospitais públicos e naqueles conveniados com a rede pública de saúde (como o caso das requeridas que, como se viu, mantém convênio com a Prefeitura Municipal de São Paulo – art. 3º da lei), em “tratamento (que) visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio”. Tudo isto se coaduna perfeitamente com os ditames internacionais que são seguidos pelos países democráticos nesta área, consubstanciados notadamente nos “Princípios para A Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria de Assistência à Saúde Mental”, aprovados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 17 de dezembro de 1.991, e acolhidos integralmente pelo Conselho Federal de Medicina do Brasil por meio da sua Resolução CFM nº 1.407/94 (fls. 56/68), por isso mesmo regras obrigatórias para os profissionais de saúde mental. Qualquer tratamento psiquiátrico deve respeitar liberdades fundamentais e direitos básicos do portador de transtorno mental, pois “todas as pessoas têm direito à melhor assistência disponível à saúde mental” e aquelas “acometidas de transtorno mental, ou que estejam sendo tratadas como tal, deverão ser tratadas com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana” (Princípio 1. “Liberdades Fundamentais e Direitos Básicos”, itens nº 1 e 2), devendo ser protegidas “contra abusos físicos ou de outra natureza, e tratamento degradante” (item nº 3). Nenhum tratamento prescrito pelo médico “será administrado a um usuário sem seu consentimento informado” ou, na impossibilidade deste e/ou havendo motivos clínicos, deve-se buscar o consentimento 25 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ esclarecido de seu representante legal (Princípio 11. “Consentimento para o Tratamento, itens nº 1 a 9). Para que não ocorram violações a estes direitos fundamentais e evitados os constantes mecanismos severos de punição e tortura em hospitais psiquiátricos, duas regras essenciais foram prescritas: a) a “restrição física ou o isoltamento involuntário deve ser medida de exceção, apenas “quando for o único meio disponível de prevenir dano imediato ou iminente ao usuário e a outros”, sempre “de acordo com os procedimentos oficialmente aprovados” e com a notificação do seu “representante pessoal” (Princípio 11. “Consentimento para o Tratamento”, item nº ’11); b) a “psicocirurgia e outros tratamentos invasivos e irreversíveis para transtornos mentais, jamais serão realizados em um paciente que esteja involuntariamente em um estabelecimento de saúde mental” e, quando permitidos pela legislação, somente podem admitidas se houver “consentimento informado” e confirmação de “um corpo de profissionais externo” sobre se tratar de tratamentos que “melhor atende(m) às necessidades de saúde do usuário” (item nº 14). Nesse campo de embate entre a ética e a psiquiatria, sob a ótica da proteção dos direitos fundamentais dos portadores de transtorno mental, o Conselho Federal de Medicina formulou regras para a prática clínica em Resoluções que precisam ser respeitas por todos os profissionais de saúde mental: a) a Resolução CFM nº 1.408/94, que regulamentou 26 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ melhor os princípios acima referidos (fls. 69/71), notadamente com a reiteração da necessidade de “consentimento esclarecido do paciente” ou de seu representante legal na impossibilidade de sua obtenção, (art. 4º e parágrafo único), a proibição de “procedimentos lesivos à personalidade e à saúde física e psíquica dos pacientes” (exemplificando com “celas fortes” e “camisa de força” – art. 5º, parágrafo II) e a necessidade de todo procedimento invasivo e irreversível para o a paciente, como a psicocirurgia, ser analisado por “um corpo de profissionais externos, solicitado ao Conselho Regional de Medicina”, que deve estar “convencido de que houve genuinamente um consentimento esclarecido e de que o tratamento é o que melhor atende às necessidades de saúde do usuário” (art. 8º); b) A Resolução CFM nº 1.598/2000 que, além de reiterar a obrigatoriedade de consentimento esclarecido e de prescrição médica que melhor atenda à saúde do paciente (fls. 72/75), determinou que “um paciente em tratamento psiquiátrico somente deve ser submetido à contenção física por prescrição médica, devendo ser diretamente acompanhado, por um auxiliar do corpo de enfermagem durante todo o tempo que estiver contido” (art. 11), o que dever ser anotado no prontuário médico com “justificativa detalhada”, comunicado ao diretor clínico e submetido a uma obrigatória “Comissão de Revisão de Internações Compulsórias” (arts. 17 e 18); c) a Resolução CFM nº 1.640/2000 que, embora reconheça a eficácia do controverso método de eletroconsulsoterapia, 27 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ submete o tratamento às seguintes regras (fls. 302/303): i) necessária a obtenção do “consentimento informado do paciente ou familiares ou responsáveis pelo mesmo” (art. 3º e parágrafo único); ii) “só pode ser realizada sob procedimento anestésico seguindo as orientações constantes da Resolução CFM nº 1.363/93 (atual Resolução CFM nº 1.802/2006)”, “em local que assegure a privacidade” e preferencialmente com “máquinas de corrente de pulsos breves e com dispositivo de ajuste de corrente” (art. 6º a 8º); iii) e com indicações precisas, como “depressão maior unipolar e bipolar; mania (em especial, episódios mistos e psicóticos); certas formas de esquizofrenia (em particular, a forma catatônica), neurolépticos certas formas atuais; agudas transtorno e produtivas esquizoafetivo; resistentes certas aos condições mentais secundárias às condições clínicas (estados confusionais e catatônicos secundários aa doenças tóxicas e metabólicas); certas formas de doença de Parkinson; pacientes que apresentam impossibilidade do uso de terapêutica psicofarmacológica” (art. 9º, parágrafo primeiro); d) a Resolução CFM 1.802/2006 (que substituiu a antiga Resolução 1.363/1993), que delimita as condições mínimas de segurança para a prática de anestesia (fls. 304/308), procedimento essencial para a aplicação de eletroconsulsoterapia: i) a obrigatoriedade de acompanhamento de médico anestesiologista, que deve antecipadamente conhecer as condições clínicas do paciente, verificar seus sinais vitais e monitorá-lo (cf, detalhadamente, o disposto no art. 1º, incisos I a V, e art. 3º, incisos I a IV); ii) a disponibilização no ambiente onde se realizará a anestesia 28 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ de “equipamentos (ANEXO II), instrumental (ANEXO III) e fármacos (ANEXO IV) que permitam a realização de qualquer ato anestésico com segurança, bem como a realização de procedimentos de recuperação cardiorrespiratória (art. 3º, inciso IV); estando, dentre eles, conforme a descrição dos ANEXOS II e III referidos, secção de fluxo contínuo de gases, sistema respiratório e ventilatório completo, sistema de aspiração, desfibrilador, seringas, cânulas agulhas e orofarígeas, cateteres tubos traqueais descartáveis e conectores, específicos; e iii) a obrigatoriedade de que os equipamentos, instrumental, materiais e fármacos sejam “periodicamente revisados” (art. 5º). Nesse novo modelo de assistência psiquiátrica – integrado no SUS (Sistema Único de Saúde), antimanicomial e garantidor dos direitos dos portadores de transtorno mental – não há espaço para a aplicação corriqueira de procedimentos invasivos e agressivos como a eletroconvulsoterapia, utilizada como regra no tratamento dos pacientes e sem os mínimos padrões médicos (para casos bastante específicos, com acompanhamento de médico e os procedimentos pré e pós anestésicos devidos, com equipamentos suficientes e submetidos a manutenção preventiva periódica – vide supra, item III), mas apenas para um tratamento que deve respeitar os direitos humanos, buscar formas alternativas surgidas com os progressos no desenvolvimento científico e farmacológico (terapias e assistência farmacológica) e procurar a reintegração do doente mental no meio social. Em suma, um verdadeiro um projeto terapêutico aliado à assistência farmacológica, com atividades de lazer e humanização. 29 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ Constatado pelo Conselho Regional de Medicina os maus-tratos e as violações de direitos praticados contra os pacientes internados na CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA – eletroconvulsoterapia sem os devidos procedimentos anestésicos; falta de equipamentos/instrumental de anestesia e, quando existentes, ausência de manutenção periódica preventiva; falta de qualquer projeto terapêutico e de atividades de lazer e procedimentos para a humanização; deficiências no sistema de referência e contra-referência – , impõe-se então a intervenção do Poder Judiciário, para que sejam resguardados os mínimos direitos que compõem a dignidade humana e ainda restam aos doentes mentais ali internados, fazendo-se valer o primado da lei e respeitada a ordem jurídica vigente. VI – DO PEDIDO E DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA Em face de todo o exposto, o Ministério Público do Estado de São Paulo requer a citação da CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA e de sua mantenedora CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, na pessoa de seu representante legal, para que, querendo, contestem no prazo legal a presente ação, sob pena de suportar os efeitos da revelia (art. 319, CPC), que deverá, ao final, ser julgada integralmente procedente, para condenar as rés às obrigações de fazer, no prazo de 20 (vinte) dias (prazo razoável para as medidas), consistentes nas providências necessárias para a correção de 30 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ todas as irregularidades constatadas pelo Conselho Regional de Medicina, especialmente o seguinte: a) o uso de eletroconvulsoterapia (ECT) apenas para as indicações precisas e específicas previstas pela Resolução CFM nº 1.640 de 10 de julho de 2002 (art. 9º, parágrafo primeiro) e nas condições determinadas por ela, e a adequação das salas, equipamentos, instrumental, materiais e fármacos para os procedimentos anestésicos empregados antes, durante e após a eletroconvulsoterapia (recuperação anestésica) segundo os dizeres da Resolução CFM nº 1.802 de 04 de outubro de 2006 e de seus Anexos, com a manutenção preventiva periódica dos equipamentos promovida por empresa especializada (art. 5º); b) a implementação de um projeto terapêutico objetivando a reabilitação psicossocial e a reintegração social do portador de transtorno mental; c) a previsão e a disponibilização de atividades de lazer e outras medidas de humanização do tratamento dos pacientes internados; d) a identificação clara do sistema de referência e contra-referência para os casos de atendimento hospitalar mais complexo, estabelecendo quais as unidades de saúde disponíveis e 31 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ quais os mecanismos e equipamentos de transporte dos pacientes. Com base no art. 11 da Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), ademais, requer o autor que sejam as requeridas condenadas a corrigir as irregularidades, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) em caso de descumprimento de qualquer uma das obrigações acima mencionadas (genérica ou especificamente), quantia que deverá ser revertida para o fundo de reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo art. 13 da referida Lei da Ação Civil Publica. Não bastasse isso, é preciso desde logo que os abusos e violações de direito praticados contra os portadores de transtornos mentais internados no hospital psiquiátrico sejam imediatamente afastados por ordem judicial, pois tais pessoas, visivelmente fragilizadas e sem condições de se defender, estão sendo submetidas a procedimentos de eletroconvulsoterapia (“choque”) sem os mínimos procedimentos de anestesia (falta de equipamentos e material e ausência de uma manutenção prévia e periódica), a um tratamento desumano que prioriza a contenção física ou química e outras terapias questionáveis em detrimento de um processo de humanização e atividades de lazer, sem qualquer projeto terapêutico objetivando a sua alta e reabilitação psicossocial, em instituição que sequer possui um razoável sistema de referência e contra-referência de equipamentos hospitalares. O fumus boni juris, consubstanciado nos elementos 32 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ probatórios do inquérito civil (notadamente a última vistoria do Conselho Regional de Medicina), e o periculum in mora, evidenciado no temor de que o provimento jurisdicional ao final poderá ser inócuo para defender a vida e a saúde dos doentes mentais atualmente internados na CASA DE SAÚDE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, são imperativos legais a exigir o acolhimento imediato da medida judicial de proteção de direitos que pretende o Ministério Público. Nestas circunstâncias, porque a proteção da saúde e da vida dos portadores de transtornos mentais internados no hospital psiquiátrico não pode esperar, sob pena de se permitir graves abusos e violações de direitos humanos que têm embasamento constitucional e detalhamento em legislação específica, entende o autor imprescindível a antecipação dos efeitos da tutela, para que seja determinado liminarmente o cumprimento das medidas apontadas nas letras “a”, “b”, “c” e “d” do pedido (cf. supra), com a cominação da multa diária para o caso de descumprimento de qualquer uma delas, o que requer com fundamento legal no art. 273, inciso I, do Código de Processo Civil e no art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), aplicável por força do art. 21 da Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985. Requer o autor, outrossim, que seja oficiado de forma circunstanciada ao Conselho Regional de Medicina para que, decorridos trinta (30) dias do término do prazo fixado por Vossa Excelência para o cumprimento das obrigações de fazer, seja providenciada visita para 33 Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor GAESP Rua Riachuelo , nº 115 - 3º andar - sala 335 Inquérito Civil nº 037/2007 (GAESP nº 287/2004) ___________ ____________ constatação do efetivo cumprimento da ordem judicial, sob pena de incidência da multa diária. Requer também que as intimações do Ministério Público sejam feitas pessoalmente, na forma da lei, na rua Riachuelo nº 115, 3º andar, sala 335, endereço do GAESP (Grupo de Atuação Especial de Saúde Pública e da Saúde do Consumidor). Protesta pela produção de provas, por todos os meios admitidos em direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e perícias, além de oitiva de testemunhas e peritos, caso se faça necessário. Em virtude de expressa previsão legal de dispensa de custas, tanto para o demandante quanto para o demandado, e da vedação constitucional ao recebimento de honorários advocatícios por parte do Ministério Público, deixa de postular nesse sentido. Dá à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). São Paulo, 05 de novembro de 2007 REYNALDO MAPELLI JÚNIOR JOSÉ PAULO FRANÇA PIVA Promotor de Justiça Promotor de Justiça ANNA TROTTA YARYD Promotora de Justiça 34