Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 78 Física Atómica e Nuclear Notas de Aula 6 Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão Já vimos anteriormente que existe quantização direccional. Os vectores do momento angular de um átomo orientam-se em certas direcções discretas, relativamente a um eixo particular (eixo de quantização). A quantificação (ou quantização) direccional é descrita pelo número quântico m (ou ms). Quando aplicamos um campo magnético B0, a energia de interacção entre o campo e o momento magnético dos electrões num átomo, separam os termos de energia, os quais são descritos pelos diferentes valores possíveis do número quântico magnético. Vamos estudar neste capítulo as medidas dos desdobramentos destas energias, através de algumas experiências. 6.1 Ressonância Electrónica de Spin O método de ressonância electrónica de spin (ESR ou EPR para a ressonância paramagnética electrónica) envolve a produção de transições entre os estados de energia dos electrões que são caracterizados pelos diferentes valores do número quântico magnético m. Com a aplicação de um campo magnético externo os níveis de energia se separam implicando no levantamento da degenerescência espacial do sistema, em relação ao número quântico magnético; as frequências de transição normalmente ocorrem na faixa de frequência de microondas, dependendo da intensidade do campo magnético aplicado. Através dessa técnica observamos directamente as transições entre estados de diferentes m. Na espectroscopia Zeeman, como descreveremos na alínea 6.2, as transições são observadas na região do visível (óptica); neste caso as transições não envolvem somente o número quântico magnético, mas também outros números quânticos. O princípio do ESR pode ser facilmente entendido considerando o momento magnético produzido pelo spin de um electrão livre que está num campo magnético B0 (Figura 6.1). Figura 6.1. O momento magnético intrínseco do electrão num campo magnético aplicado tem duas orientações possíveis, as quais correspondem a dois valores da energia potencial magnética. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 79 Um electrão tem momento magnético: s ss 1B gs (6.1) As únicas componentes possíveis ao longo do eixo de quantização z do campo B0 são: s z 1 g s B B0 2 (6.2) A diferença entre a energia potencial das duas orientações é: E 1 1 g s B B0 g s B B0 g s B B0 2 2 (6.3) ~ Se um campo magnético que varia de forma sinusoidal B1 B1 sin t é aplicado numa direcção perpendicular a B0, as transições entre dois estados são induzidas se a frequência / 2 satisfaz a condição: E h g s B B0 (6.4) ou numericamente: 2.8026 1010 B0 Hz(tesla)-1 (6.5) O que descrevemos para um electrão livre também é válido para um átomo paramagnético livre. Nesse caso precisamos de utilizar o momento magnético resultante mj, produzido pelo momento magnético orbital m, e o momento magnético de spin, ms do átomo. A ideia fundamental do ESR está ilustrada no modelo mecânico da Figura 6.2: um giroscópio que tem uma barra magnética no seu eixo, precessa num campo magnético. A frequência de precessão, (sem levar em conta a força gravítica) é: L B0 L (6.6) onde é o momento magnético da barra magnética e L o momento angular do giroscópio. A frequência de precessão, ou melhor, a velocidade angular L do Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 80 giroscópio magnético no campo magnético é independente do ângulo entre B0 , uma vez que o torque produzido pelo campo e o momento angular dependem ambos do sin (ver capítulo 4). Quando não se considera a força gravítica, a frequência L é determinada somente por e por B0 . Quando adicionamos um campo magnético oscilante B1 com uma frequência actuando perpendicularmente a B0 , observamos um contínuo aumento e decréscimo no ângulo de inclinação, dependendo se o campo está em fase ou desfasado com o movimento do giroscópio, mas L . Figura 6.2. Modelo mecânico do ESR. Este modelo pode ser transferido imediatamente para o átomo. Substituindo a barra magnética pelo momento magnético do átomo, obtemos para a frequência circular de ressonância do spin electrónico a seguinte condição: L B0 L (6.7) A EPR foi descoberta pelo físico russo Zavoiski em 1945. Ela tem uma ampla gama de aplicações em química, física, biologia, e medicina. É usada para mapear a distribuição de um elétron desemparelhado em uma molécula, fornecendo várias informações sobre os níveis de energia de complexos. Pode comprovar a estrutura estática de sistemas sólidos e líquidos, e é também muito utilizada no estudo de processos dinâmicos. Os espectrómetros mais comuns trabalham na faixa de 9-10 GHz (banda X). No entanto, o desenvolvimento da electrónica tem facilitado o aparecimento de espectrómetros trabalhando em faixas de frequências de centenas de MHz até centenas de GHz. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 81 Existe um método análogo, que é a ressonância de spin do núcleo atómico paramagnético. As condições são idênticas mas com uma frequência três vezes menor, porque o momento nuclear é mil vezes menor o momento magnético atómico; corresponde a frequências da região de radiofrequência. Esta ressonância magnética nuclear (NMR) foi observada no estado sólido pela primeira vez em 1946 por Bloch e Purcell, aproximadamente dez anos depois de Rabi ter medido o raio giromagnético num gás de átomos. ______________________________________________________________________ Exemplo 6.1. Normalmente precisamos de 4 números quânticos para especificar o estado electrónico do átomo de hidrogénio: n, l, ml e ms. Mas na realidade o protão do átomo de hidrogénio também tem um spin e que é descrito por um número quântico adicional mp. A diferença de energia entre dois estados de spin do protão é 1000 vezes menor do que a diferença de energia entre dois estados de spin do electrão. O spin do protão constitui a base da técnica de imagem por ressonância magnética (MRI- Imagiologia). Através dessa técnica pode-se obter a imagem de vários tecidos. A imagem depende da absorção da radiação electromagnética pelo spin nuclear dos átomos de hidrogénio (da água) presentes no nosso corpo. Supor que uma pessoa que vai ser submetida a essa técnica, é colocada um campo magnético de 1.5 T. Determine a diferença de energia entre os estados do protão de spin up e spin down, sabendo que p 1.411026 J/T. E 2 p B 2 1.4110 26 1.5 J 4.23 10 26 / 1.6 1019 eV= 2.64 107 eV. 6.2 Efeito Zeeman Normal 6.2.1 Descrição do Efeito Zeeman Normal pelo Modelo Vectorial A separação dos níveis de energia dos átomos num campo magnético “fraco” (pequeno se comparado a 1 tesla), também pode ser observada como uma separação de frequências de transição no espectro óptico (ou como um desdobramento). Este tipo de linhas espectrais num campo magnético foi observado pela primeira vez em 1896 por Zeeman. Por ser um efeito muito pequeno, menor que a separação de estrutura fina, a sua observação requer um aparato de alta resolução. O momento angular total J (ver secção 4.2) e o momento magnético j que está acoplado a J , precessam juntos em torno do eixo do campo magnético aplicado B0 . A energia adicional do átomo devido ao campo magnético é: Vm j j z B0 m j g j B B0 Notas de Aula 2004/05 para m j j , j 1, j 2..., j 1, j (6.8) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 82 onde gj aparece porque estamos considerando o momento angular total. A degenerescência direccional 2 j 1 é levantada e os níveis de energia se separam em 2 j 1 componentes e que são energeticamente equidistantes. A distância entre duas componentes com m j 1 (porque a diferença ventre dois valores sucessivos de j é 1): E g j B B0 (6.9) Se ignorarmos o spin e consideramos somente o magnetismo orbital, teremos o efeito Zeeman normal e g j 1 então: E B B0 (6.10) ou h BB0 e eh B0 B0 2me 4me (6.11) e B0 4me (6.12) então: este valor da separação entre dois níveis é idêntico ao resultado da teoria clássica. Como S=0 segue que J L e as direcções de J e J L coincidem. Ver Figura 6.3. As transições ópticas precisam satisfazer a regra de selecção: m j 0,1 (6.13) A partir da teoria quântica, nós obtemos também que o número de linhas é sempre igual a três e corresponde ao tripleto do Zeeman normal, que está representado na Figura 6.4. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 83 (a) (b) (c) Figura 6.3. a) Precessão de J e J emtorno da direcção de B0 aplicado: efeito Zeeman normal. b) Relação entre S , L e J e S , L e J . As direcções dos vectores J e J não coincidem. c) Devido ao forte acoplamento entre S e L , J precessa rapidamente em torno de J e só pode ser observado J J . Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 84 Figura 6.4. Efeito Zeeman normal. Desdobramento da linha =6438 A do átomo de Cd neutro. Para mJ 1 , são transições e mJ 0 são transições . Aqui S 0 e J L , portanto é um magnetismo orbital puro. 6.2.2 Teoria Quântica do Efeito Zeeman Normal O efeito Zeeman normal (sem spin) é um bom exemplo, de que mesmo com a física clássica podemos obter resultados que são estritamente da teoria quântica. Para fundamentar os resultados que obtivemos anteriormente vamos desenvolver agora um tratamento utilizando somente a teoria quântica. A teoria quântica sempre começa por uma função Hamiltoniana. Depois convertemos esta função Hamiltoniana no operador Hamiltoniano. É o que pretendemos obter agora, para o caso de uma partícula carregada num campo electromagnético. Começamos por desenvolver alguns elementos básicos do electromagnetismo. Na electrostática o cálculo do campo eléctrico E devido a uma distribuição de cargas eléctricas é bastante simplificado pela introdução do potencial escalar: E V (6.14) No electromagnetismo podemos obter simplificações introduzindo potenciais vectoriais. Um campo magnético B pode ser expresso como sendo a rotacional do potencial vector A : Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 85 B A (6.15) O campo eléctrico pode ser obtido através de um potencial escalar V e também do potencial vector A : A E V t (6.16) A equação de movimento de uma partícula com carga e e massa me que se encontra num campo electromagnético é: me d 2 r me a e E e v B dt 2 (6.17) onde o segundo membro da equação é a força de Lorentz e v a velocidade da partícula. Substituindo (6.15) e (6.16) em (6.17) obtemos: d 2r A me 2 e V v A dt t (6.18) Utilizando a seguinte identidade vectorial para o último termo da equação: A B C B AC A B C (6.19) obtemos: d 2r A me 2 e V v A v dt t A A e v A V v A (6.20) t O potencial vector normalmente depende da posição r e do tempo t, portanto: dA A A x A y A z A A A A vx vy vz dt t x t y t z t t x y z (6.21) ou Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. dA A v A dt t 86 A dA v A t dt (6.22) dA me d 2 r dmev e V v A dt 2 dt dt (6.23) Substituindo em (6.20) teremos: Podemos determinar o operador Hamiltoniano a partir das equações de Hamilton: dr H v dt p dp U dt e (6.24) onde nesta formulação geral U é o potencial escalar. Então: dA d dA mev e V v A e eV ev A dt dt dt (6.25) ou d mev eA eV ev A dt (6.26) Portanto: U eV ev A (6.27) p mev eA (6.28) É importante observar que p é o momento generalizado. Se o Hamiltoniano for explicitamente independente do tempo, ele é uma constante e corresponderá a energia total do sistema. Mas o campo electromagnético não é conservativo, então a função Hamiltoniana do sistema é definida por: 3 H pi qi L (6.29) i 1 Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 87 onde L é a função Lagrangeana e corresponde a: L T U (6.30) onde T é a energia cinética e U é a energia potencial (equação 6.27) do sistema. Para o nosso problema, as coordenadas generalizadas são pi p e qi v e a função Lagrangeana é: L 1 mev 2 eV ev . A 2 (6.31) Portanto a função Hamiltaniana 1 H p v mev 2 eV ev . A 2 (6.32) (6.33) Da equação (6.28) tiramos que: 1 v p eA me Substituindo em (6.32) obtemos a função Hamiltoniana do sistema: 1 1 2 1 H p v ev. A mev 2 eV p eA .v me 2 p eA eV 2 2 me (6.34) substituindo novamente: 1 2 1 p eA . p eA p eA eV me 2me (6.35) (6.36) 2 1 p eA eV 2me (6.37) 2 2 1 1 p eA p eA eV me 2me Portanto: H Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 88 Agora vamos converter a função Hamiltoniana num operador da mecânica quântica, e para isso fazemos: p i (6.38) 2 1 ˆ H eA eV 2me i (6.39) 1 Hˆ eA eA eV 2me i i (6. 40) Fazemos o produto escalar tomando o cuidado de manter a ordem dos têrmos H 2 2 e e e2 A2 A A eV 2me 2mei 2mei 2me (6.41) Aplicamos o operador Ĥ sobre a função : 2 2 e e e2 A2 ˆ H A A eV 2mei 2mei 2me 2me (6.42) Observamos que no terceiro termo da expressão temos: A A . A (6.43) portanto ficamos com mais um termo igual ao segundo termo da expressão acima. Assim: 2 2 e e e e2 A2 Hˆ A A A eV (6.44) 2mei 2mei 2mei 2me 2me e 2 2 e e e2 A2 Hˆ A A eV mei 2mei 2me 2me (6.45) Agora aplicamos novamente (6.38), que designamos operador p̂ , e obtemos: Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 89 2 2 e ˆ e e2 A2 ˆ H A p A eV 2me me 2mei 2me Vamos escolher um campo magnético B na direcção z: (6.46) B 0,0, Bz (6.47) Como B A o potencial vector A não é único, mas uma possível que é conveniente para estes cálculos é: i j 1 1 A B r Ax i Ay j Az k 0 0 2 2 x y Ax representação k Bz z Bz B y , A y z y e Az 0 2 2 (6.48) (6.49) e A 0. Substituímos (6.49) para cada termo do Hamiltoniano que contém A : e ˆ e Bz Bz A p yi xj i me me 2 2 i x y e e i A 2mei 2me i x y Bz e x y (6.50) j x 2me i y Bz Bz j yi xj 0 2 2 (6.51) 2 e 2 A2 e 2 Bz Bz Bz Bz e 2 Bz 2 y i x j y i x j x y2 2me 2me 2 2 2 2 8me (6.52) Substituindo (6.50), (6.51) e (6.52) no Hamiltoniano: 2 2 2 Bz e e 2 Bz 2 ˆ x y H x y 2 eV 2me 2me i y x 8me Notas de Aula 2004/05 (6.53) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 90 Escrevendo a equação de Schrödinger: 2 2 2 Bz e e 2 Bz 2 ˆ x y H x y 2 eV E (6.54) 2me i y x 8me 2me O operador do momento angular na direcção z é: x y Lˆz i y x i (6.55) Normalmente quando o campo magnético não é muito grande, e como o número 2 e 2 Bz 2 x y 2 pode ser negligenciado se comparado quântico magnético m 0 o termo 8me com L̂ z , e ficamos com: 2 2 Bz e ˆ Hˆ Lz eV E 2me 2me (6.56) A relação geral para um campo magnético numa direcção qualquer corresponde a: 2 2 e ˆ Hˆ B L eV E 2me 2me (6.57) Voltando a expressão (6.56): pˆ 2 Be ˆ H z Lˆ z eV E 2me 2me (6.58) Be Hˆ Hˆ 0 z Lˆ z E 2me (6.59) pˆ 2 Hˆ 0 eV 2me (6.60) onde Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 91 descreve o movimento do electrão na ausência de campo externo. O operador Ĥ comuta com o operador Ĥ 0 e L̂ z , eles têm o mesmo conjunto de funções próprias, nlm r , , , onde: nlm r, , Rn,l r eim Pl m cos (6.61) fazendo nlm r , , , escrevemos: Be Hˆ Hˆ 0 z Lˆz E En mB Bz 2me onde B (6.62) e e l m l. 2me Então o espectro dos valores dos valores próprios da energia num campo electromagnético uniforme é dado por: E En m B Bz (6.63) onde E é o deslocamento do nível de energia em relação ao nível En de uma quantidade que depende do número quântico magnético m, portanto a separação, E das linhas espectrais do efeito Zeeman normal será: E E En m BBz (6.64) E as regras de selecção das transições ópticas são dadas por: m 0,1 (6.65) Confirmamos então que estes resultados são idênticos daqueles obtidos através do tratamento semi-clássico. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues