Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 104 Física Atómica e Nuclear Notas de Aula 6.4.3 Teoria Quântica do Efeito Zeeman Anómalo com Acoplamento Spin-Órbita Nesta secção estudaremos o acoplamento spin-órbita através da mecânica quântica. O objectivo é dar uma justificação exacta do modelo vectorial do acoplamento spin-órbita. Estamos interessados especificamente no acoplamento LS, e em justificar porque L2 S 2 e J 2 podem ser substituídos por l l 1 , ss 1 e j j 1 , respectivamente. Quando ignoramos o acoplamento spin-órbita, as energias do movimento orbital e de spin (momento magnético) num campo magnético são aditivas. Isto significa que o Hamiltoniano total corresponde simplesmente a soma do Hamiltoniano do movimento orbital (6.39 - efeito Zeeman normal) e de spin (6.91) e a equação de Schrödinger será: 2 1 e ˆ S B i eA eV me t 2me i (6.116) Esta equação é conhecida na literatura como a equação de Pauli. Como os Hamiltonianos são aditivos e aplicados a graus de liberdade inteiramente diferentes, podemos escrever a função de onda como um produto da função de onda do movimento orbital pela função de onda de spin. Agora podemos tratar a interacção spin-órbita através do formalismo da mecânica quântica. Para isso precisamos introduzir a expressão da energia de interacção obtida anteriormente (4.5) em termos de operadores: o momento angular L passará a ̂ ̂ operador momento angular L e o spin S passará a operador spin S . Obtemos: ˆ ˆ Ze2 1 ˆ ˆ Wˆ L, S 0 2 3 L S 8me r (6.117) Acrescentamos este termo na equação de Schrödinger independente do tempo (com o termo quadrático desenvolvido como em (6.41) - efeito Zeeman normal): e2 A2 2 2 e e e ˆ 0 Ze2 1 ˆ ˆ A A eV SB L S E 2mei 2mei 2me me 8me2 r 3 2me (6.118) Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 105 Para campos magnéticos baixos a interacção spin-órbita domina, por isso vamos examinar primeiro a equação de Schrödinger na ausência de campo magnético (os termos que não contém A ): 2 2 0 Ze2 1 ˆ ˆ eV L S E 8me2 r 3 2me (6.119) Substituindo V Ze / 40r na equação obtemos: 2 2 Ze2 0 Ze2 1 ˆ ˆ L S r E r 2 3 40r 8me r 2me (6.120) ̂ Como já vimos anteriormente o operador S é uma matriz, e por isso a função de onda fica com duas componentes: r 1 2 (6.121) onde 1 corresponde ao spin e 2 ao spin . A interacção spin-órbita mistura estados de spin com estados orbitais, fazendo com que seja necessário introduzir novos números quânticos. Sem a interacção spinórbita a função de onda é do tipo: n ,l , m, m Rn,l r Ylm , m s s (6.122) m onde Ylm , Nlm Pl cos eim é a parte espacial e m s a função de onda de spin. A função de onda (6.122) é caracterizada pelos números quânticos: principal n, momento angular orbital l, magnético m e de spin ms. Para determinar os números quânticos aplicáveis a interacção spin-órbita precisamos levar em conta as considerações feitas anteriormente a respeito do momento angular orbital e examinar os parâmetros para saber aqueles que podem ser observados simultaneamente. Como já vimos anteriormente isto pode ser feito com a ajuda das relações de comutação. Se ˆ ˆ ˆ introduzirmos o operador momento angular total J L S e a sua componente na direcção z, Ĵ z os seguintes parâmetros podem ser observados, com a precisão desejada, simultaneamente: L2 , S 2 , J 2 , J z , L S e J S . Como temos L S , podemos caracterizar uma função de onda escolhendo os números quânticos que são valores próprios dos operadores: Ĵ 2 , L̂2 , Ŝ 2 e Ĵ z . Temos as seguintes relações entre os operadores e os números quânticos: Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. Jˆ 2 j Sˆ 2 s 106 Jˆ z m j Lˆ2 l (6.123) O acoplamento spin-órbita é muito menor que o espaço entre os níveis de energia, e por isso o número quântico principal n continua a ser um bom número quântico e numa boa aproximação ainda caracteriza a função de onda própria. A função de onda fica então caracterizada por: n,l , m, m Rr (Função angular e de spin) (6.124) s Teremos uma função de onda própria para o operador momento angular e de spin, uma vez que, como já vimos, o acoplamento spin-órbita induz orientações relativas do momento orbital e de spin. Primeiro vamos estudar o efeito do campo magnético levando em conta a interacção spin-órbita. Na equação de Schrödinger (6.118) podemos ignorar o termo com A2 , uma vez que para um campo magnético muito pequeno este termo é muito menor que os outros termos. Escolhemos um campo magnético B na direcção z e: 1 Ax By 2 1 Ay Bx e Az 0 2 (6.125) e A 0. Com isso a equação de Schrödinger com o campo magnético, torna-se: 2 2 Ze 2 e e ˆ 0 Ze 2 1 ˆ ˆ ˆ B L S B L S E z z 40 2me me 8me2 r 3 2me (6.126) Para o caso mais geral em que o campo magnético B tem outras componentes, o Hamiltoniano tem a forma: 2 2 Ze 2 e ˆ e ˆ 0 Ze 2 1 ˆ ˆ B L BS L S E 40 2me me 8me2 r 3 2me (6.127) ˆ Ze 2 1 ˆ ˆ 2 2 Ze 2 e ˆ B L 2 S 0 2 3 L S E 8me r 2 m 4 2 m e 0 e (6.128) ou Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 107 Consideramos o caso em que o campo magnético é fraco, de maneira que a interacção spin-órbita seja maior do que a interacção com o campo magnético externo. Agora estamos na posição de justificar o modelo vectorial através da teoria quântica. Seja o operador (relacionado com a energia devido ao campo magnético externo): eB ˆ Wˆmag Lz 2 Sˆ z 2me (6.129) mas como Jˆ Lˆ Sˆ , podemos escrever Lˆ Jˆ Sˆ . Substituindo em Ŵmag , obtemos: eB ˆ Wˆmag J z Sˆ z 2me (6.130) Se tivéssemos Jˆ z Lˆ z Sˆ z em vez de Lˆ z 2Sˆ z , a solução seria muito simples e análogo ao tratamento de um electrão sem spin (efeito Zeeman normal, só que tínhamos Ĵ z em vez de L̂ z ) e a função de onda, que já estava caracterizada pelo número quântico mj, também poderia ser função própria do operador Jˆ Lˆ Sˆ . O que queremos agora z z z é saber o que acontece quando temos o operador Jˆ z Sˆ z , ou seja quando temos o termo adicional Ŝ z . Vamos considerar: Sˆz Jˆ 2 Sˆz Jˆ x2 Jˆ y2 Jˆ z2 (6.131) Esse termo pode ser reescrito na forma: ˆ ˆ ˆ ˆ Sˆz Jˆ 2 Sˆz Jˆ x2 Jˆ y2 Jˆ z2 Jˆ z S J Jˆ z S J (6.132) ˆ ˆ Sˆz Jˆx2 Jˆ y2 Jˆ z2 Jˆ z Sˆx Jˆ x Sˆ y Jˆ y Sˆz Jˆ z Jˆ z S J (6.133) ˆ ˆ Sˆz Jˆ x2 Sˆz Jˆ y2 Sˆz Jˆ z2 Jˆ z Sˆx Jˆ x Jˆ z Sˆ y Jˆ y Jˆ z Sˆz Jˆ z Jˆ z S J (6.134) ˆ ˆ Sˆz Jˆ x Jˆ z Sˆx Jˆ x Sˆz Jˆ y Jˆ z Sˆ y Jˆ y Jˆ z S J Notas de Aula 2004/05 (6.135) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 108 Quando aplicamos os dois primeiros operadores sobre as funções próprias de Ĵ z e de ̂ J , eles se anulam. Então ficamos somente com o último termo. Assim: ˆ ˆ ˆ ˆ ˆ ˆ ˆ Sˆ z Jˆ 2 Jˆ z S J Jˆ z S L S Jˆ z S L Sˆ 2 (6.136) Anteriormente no acoplamento spin-órbita tínhamos que: 1 S L J 2 L2 S 2 2 (6.137) (6.138) Substituindo na expressão (6.136) teremos: 1 Sˆz Jˆ 2 Jˆ z Jˆ 2 Lˆ2 Sˆ 2 Sˆ 2 2 É importante observar que estes parâmetros são operadores. Agora vamos aplicar estes operadores na função , que é caracterizada pelos números quânticos j, mj, l e s. Assim: 2 1 Sˆz Jˆ 2 Jˆ z Jˆ 2 Lˆ2 Sˆ 2 Sˆ 2 Jˆ z j j 1 l l 1 ss 1 2 ss 1 2 2 (6.139) 2 Sˆz 2 j j 1 Jˆ z j j 1 l l 1 ss 1 2 (6.140) ou j j 1 l l 1 ss 1 ˆ Sˆz J z 2 j j 1 (6.141) Se aplicarmos Ŵmag sobre : eB ˆ Wˆmag J z Sˆ z 2me Notas de Aula 2004/05 (6.142) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 109 obtemos: eB j j 1 l l 1 ss 1 ˆ 1 J z Wˆmag 2me 2 j j 1 (6.143) ou eB j j 1 l l 1 ss 1 1 m j Wˆmag 2me 2 j j 1 (6.144) A variação de energia de um estado quântico n , j , l e m j é: E j ,l , m j e Bgm j 2me (6.145) Podemos inferir que se trata do factor de Landé comparando com (6.110): g g j g L 1 j j 1 l l 1 ss 1 2 j j 1 (6.146) Anteriormente o factor de Landé foi derivado intuitivamente através do modelo vectorial, onde utilizamos a lei dos cossenos e substituímos J 2 por j j 1 2 , L2 por l l 1 2 e S 2 por ss 1 2 . O cálculo da mecânica quântica apresentada aqui fundamenta essa substituição. 6.5 Efeito Paschen – Back Quando o campo magnético externo B é mais intenso do que o campo magnético atómico interno, ele destrói o acoplamento entre S e L (numa primeira aproximação). Neste caso S e L precessionam independentemente em torno da direcção de B (Figura 6.9). Com isso o número quântico do momento angular total, j, perde o significado, porque os momentos angular e de spin são quantizados individualmente. Este caso limite é denominado de efeito Paschen – Back, observado para campos externos pouco superiores a 1 tesla. As componentes do momento magnético orbital l z e do spin s z na direcção do campo são agora quantizados individualmente. A energia magnética para um campo magnético B0 na direcção z é: Vml , ms ml 2ms B0 Notas de Aula 2004/05 (6.147) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 110 Figura 6.9. Efeito Paschen-Back. O momento angular L e de spin S , alinham-se independentemente com o campo B0 . O momento angular total J não é definido. As regras de selecção para as transições ópticas para os dois números quânticos são novamente ml 0 , ml 1 com mais ms 0 . As linhas espectrais do Paschen - Back são semelhantes ao do efeito Zeeman normal. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 111 Figura 6.10. a) As linhas D1 e D2 do átomo de sódio neutro. b) Efeito Zeeman anómalo e c) efeito Paschen-Back. As linhas são semelhantes as do efeito Zeeman normal, mas os espaçamentos entre os níveis de energia são diferentes. A Figura 6.10 mostra o desdobramento das linhas D do Na. Mostra os resultados para o efeito Zeeman e Paschen-Back. No tratamento da mecânica quântica o operador Hamiltoniano para um campo magnético B neste caso é semelhante a (6.125) mas sem a interacção spin-órbita: ˆ 2 2 Ze2 e ˆ B L 2 S ml ms Eml ms 40 2me 2me (6.148) e para o campo magnético na direcção B 0,0, B0 2 2 Ze 2 e e ˆ B0 Lˆ z S z B0 ml m s Eml m s 40 2me me 2me (6.149) onde ml m s são funções próprias. Os valores próprios de energia são calculados através dessas funções próprias. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues