Livro Elogio a Loucura – Atividade. 1- A filosofia é amor ao saber ou uma forma de dominar os outros? Para que consigamos responder adequadamente à pergunta convém que façamos distinção entre o que se pode entender por esse “amor ao saber” e por “forma de dominar os outros” de acordo com o Elogio da Loucura de Erasmo de Rotterdam e quais as implicações filosóficas de tais definições. No entanto, já podemos adiantar que nos parece trata-se não de uma ou outra, mas das duas ao mesmo tempo, sendo que a primeira não passa de uma manifestação natural da atividade da própria Loucura entre os homens e a segunda pode ser traduzida como o desvio dos homens que, deixando-se conduzir pelas paixões, os furores, se desviam da natureza, da influência da Loucura. Expliquemos tal conclusão.A crítica à filosofia como está posta na questão pode ser entendida de duas maneiras de acordo com as falas da própria Loucura, a saber: (1) um apontamento da filosofia como um discurso bajulador que tenta, com formulações retóricas, usar o ouvinte para conquistar prestígio, admiração ou (2) como uma versão de discurso de linguagem rebuscada que, “lançando poeira nos olhos do leitor” de modo que este se sinta entendedor quando compreende o que é dito ou se admire com o discurso na mesma medida de sua ignorância quando não entende, tem pretensão de sabedoria e poder de sedução tanto para os próprios filósofos, que se mantêm solitários para se dedicar somente a tais investigações, quanto para aqueles que se admiram de tais produções, sejam do vulgo ou entre os eruditos. Mas, em qual das duas formas de entender a crítica à filosofia, respectivamente, se encaixam o “amor ao saber” e a “forma de dominar os outros” e como podemos justificar tal ligação?Para responder a ultima questão, temos de explicar o que se pode entender por bajulação. Erasmo, no Elogio da Loucura, estabelece um novo paradoxo para a filosofia: a natureza. Ela deve ser a guia de todas as ações, a medida que se pode ter para os padrões de costumes entre os homens. Segundo a Loucura, ou pela natureza, oamor próprio é aquilo que sustenta o indivíduo em suas ações, suas esperanças, em sua dignidade, na medida em que estabelece uma racionalidade a partir de sua própria vivência e, portanto, mais próxima de si. Isso pode ser evidenciado quando Erasmo propõe que a Loucura, apesar de se considerar a mais importante divindade entre as divindades, e não encontrando quem a louvasse, louvasse a si mesma. Louvar a si mesmo, neste sentido, é a expressão do amor próprio ao mesmo tempo em que é a proposta uma reflexão sobre si mesmo, sobre a própria natureza. Contudo, uma sociedade só se sustenta enquanto os homens puderem conviver juntos e para isso, a natureza deve garantir que o amor próprio seja direcionado aos outros, ou seja, que os homens consigam amar a si mesmos nos outros, e tal possibilidade se manifesta na adulação. Portanto, fundamentalmente, uma sociedade precisa tanto do amor próprio do indivíduo para consigo mesmo como da adulação, que é o amor próprio direcionado aos outros. Mas de onde surge a bajulação? A Loucura não é furor, ou seja, segundo Erasmo, a natureza não determina a desmedida das paixões, ainda que, por ela, as paixões sejam possíveis. Não se pode atribuir à natureza o modo como os homens lidam Av. Mato Grosso, 227 – Cx. 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Podemos ligar este primeiro à (2) forma de entender a crítica à filosofia, na medida em que este amor ao saber, no filósofo pode ser entendido como o amor próprio que, em sua natureza de filósofo, exige certo afastamento dos demais homens ao mesmo tempo em que o satisfaz em sua busca pelas verdades mais escondidas, e nos demais homens ao admirarem-se do próprio conhecimento quando se deparam com as conclusões dos filósofos, sejam por se verem entendedores ou por admitirem a dificuldade do discurso do filósofo na mesma medida de sua ignorância. As relações entre tais homens se sustentam no amor próprio e na adulação. Respectivamente, ligamos, portanto, o (1) ponto da crítica à filosofia que leva em consideração a manipulação do discurso em favor próprio à possibilidade de pensar a filosofia como “forma de dominar o outro” e tal inferência é devida ao que definimos, segundo as palavras do Erasmo, como bajulação, pois, ao pensar um discurso que provoque no outro a admiração, que alcance no outro o prestígio, o filósofo usa o outro como um meio para satisfação de seu amor próprio, e tal manifestação da paixão desmedida de amor próprio é anti-natural, por isso, como não pode ser atribuída à natureza, não pode ser manifestação dos favores da Loucura. Portanto, como havíamos proposto no início, temos de admitir que a filosofia pode ser tanto o “amor ao saber” quanto uma “forma de dominar o outro” e o que é depende unicamente do filósofo, não da sua natureza. Ao agir conforme a natureza, seu amor próprio e a adulação, amor próprio que dele se projeta para o outro, sua ação é a manifestação da influência que a natureza tem sobre ele, contudo, ao tentar usar o leitor, o interlocutor para benefício próprio, sua paixão, que é desmedida, o conduz a dominar o outro, o que é antinatural. 2- Há uma reformulação ou uma desqualificação da busca pela verdade no amor próprio de Erasmo? Não podemos concluir que há uma desqualificação da busca pela verdade, visto que, como demonstramos na resposta anterior, a Loucura aparece como a proposta de um novo paradigma do que é, de fato, verdadeiro, do que é verdade de fato. Na proposta de Erasmo, a verdade deve estar mais próxima do homem, principalmente do homem comum, visto que a verdade que os escolásticos propunham, sequer fazia sentido para a grande maioria da população, e a atitude de mantê-las tão distantes dos homens era mais uma forma de controle a que eles eram submetidos. Ela deve alcançar os homens sem a mediação de ninguém, e somente a natureza pode satisfazer a esta condição. Como, portanto, ela deve ser para chegar ao vulgo? Av. Mato Grosso, 227 – Cx. Postal: 128 CEP: 79.002-905 – Campo Grande – MS Telefone: (67) 3312-3200 - Fax: (67) 3312-3124 http://www.cdb.br – [email protected] A verdade deve ser possível de ser dita na linguagem natural, deve ser como a opinião, que “nos faz felizes” (p2. 39), ou seja, deve ser mais próxima dos homens e, por isso, deve voltar à evidência, à espontaneidade: “a opinião é espontânea” (p2. 40). 3- Em que os teólogos devem tanto à Loucura? Por ser ela “dispenseira de bens sem medida”, e exatamente por não ter medida na dispensa, provoca nos homens um desejo daquilo que não se tem, como se dela esperassem sempre receber o que não se tem. Nos teólogos isso se evidencia no desejo de ter um poder que seja divino: pretendem ser aptos a ditar as leis superiores às leis que regem os comportamentos dos homens. E isso é possível pelo mesmo fato de que os demais homens também esperam sempre obter aquilo que não possuem. Contudo, como os teólogos são detentores do conhecimento das causas dos sofrimentos entre os homens, podem dizer o que os homens devem fazer para alcançar o bem desejado, ou, pelo menos, podem responder o motivo de não se possuir o que se deseja, e é exatamente nisto que se sustenta a influência que exercem sobre os demais. Como podemos perceber, unicamente devido à Loucura, o poder do teólogo alcança maior amplitude do que o dos demais homens. 4- Para a Loucura, onde está pautada a sociedade? Conforme o discurso da Loucura, percebemos Erasmo levantando alguns aspectos essenciais da sociedade segundo a natureza: por natureza os homens são propensos à reprodução, mesmo contra a própria vontade (como no caso dos estóicos), e por natureza não se reproduzem ao ponto de não restar recursos para todos, devido ao desejo natural daquilo que não possuem e à esperança de possuí-lo como vimos na questão anterior; ainda por este ultimo, os homens tendem a uma organização social em que cada um se abstém dos desejos privados visando um desejo que, ainda que inconscientemente, são de interesse público; é por natureza também que os homens são conduzidos a se verem parte de algo maior do que eles, o que os levam aos domínios dos teólogos, que só por sua natureza têm o desejo, como proposto na resposta à pergunta anterior, ditar as leis superiores às leis que regem o comportamento dos homens; e da mesma forma é o que acontece com os chefes de estado que desejam, acima de tudo e por natureza, ter todas as possibilidades ao seu favor, e que devem à natureza dos seus bobos da corte, sua permanência no mundo real. É por natureza que os homens têm amor próprio e, além de se servirem dele para si, o projetam para os outros homens na forma deadulação: se sentem felizes com o bem alheio, com a satisfação alheia e talvez sejam estes os principais pilares de sustentação da sociedade. E se dissermos que a sociedade está pautada na Loucura, só o é pelo fato de que somente por ela e suas companheiras e serviçais, os homens podem se organizar desta forma. http://www.matteuccieventos.com.br/blog/filosofia-moderna/algumas-questoes-sobre-o-elogio-da-loucurade-erasmo-de-rotterdam/ Av. Mato Grosso, 227 – Cx. Postal: 128 CEP: 79.002-905 – Campo Grande – MS Telefone: (67) 3312-3200 - Fax: (67) 3312-3124 http://www.cdb.br – [email protected]