Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE Sobre a criação dos números transfinitos de Cantor e suas conseqüências. Guita Nascimento1, Prof. de ensino fundamental/médio (FM) e Pós-graduando (PG). Ricardo S. Kubrusly, Pesquisador (PQ) 1. E-mail: [email protected] Palavras Chave: Conjuntos, infinito, transfinito, topologia. Introdução Esta comunicação tem por objetivo mostrar um pouco da teoria sobre números transfinitos criada por Georg Cantor, a partir de 1872, e que gerou a Teoria de Conjuntos como a conhecemos hoje. Para conjuntos infinitos, ao contrário dos conjuntos finitos, os conceitos de cardinal e ordinal aparecem de modo bem diferente e a ordem dos elementos surge como mais uma característica diferenciadora podendo acontecer de dois conjuntos possuírem a mesma cardinalidade, mas números ordinais diferentes. Além disso, Cantor percebeu que dois conjuntos infinitos poderiam ter cardinalidade diferentes, isto é, que existiam infinitos com “tamanhos” diferentes. O infinito mais intuitivo é o que obtemos do conjunto dos números naturais e que chamamos de infinito enumerável, Cantor o nomeou de ℵ0 . Ao infinito que representa o conjunto dos números reais, infinito não-enumerável Cantor denominou de c, que é a potência do contínuo de dimensão 1. Ele imaginou que se aumentássemos a dimensão, seria intuitivo pensar, que esta potência deveria aumentar. Mais tarde demonstrou, como pode ser visto abaixo, que esta intuição estava errada e que um segmento de reta e um quadrado possuem ambos a potência c. Apesar de parecer paradoxal, este resultado possibilitou um grande desenvolvimento para o estudo da topologia. Resultados e Discussão Segundo a teoria elaborada por Georg Cantor, a idéia de número está associada a conjuntos, como algo que resta em comum, a dois ou mais conjuntos, quando abstraímos a natureza de seus elementos e a sua ordem, deste modo, define-se números finitos da seguinte maneira: O número que está relacionado ao conjunto vazio é o Zero. O número n se relaciona a conjuntos eqüipolentes ao conjunto {1, 2, 3, ...., n} para algum inteiro positivo n. Dois conjuntos são eqüipolentes quando existe uma função biunívoca entre eles, caso isto ocorra dizemos que os dois conjuntos possuem a mesma potência e são representados pelo mesmo número cardinal. Se considerarmos a ordem em que os elementos do conjunto estão dispostos temos os números ordinais. Para conjuntos finitos, os conceitos de número ordinal e número cardinal se equivalem e temos por exemplo que o conjunto {1, 2, 3}, o conjunto {2, 3, 1} e o conjunto {a, b, c} têm o número ordinal e cardinal exatamente igual a 3. Para conjuntos finitos temos que se A é um subconjunto próprio de B então o cardinal de A é sempre menor que o número cardinal de B. Richard Dedekind, usou exatamente esta característica para definir conjuntos infinitos como sendo um conjunto B que possui um subconjunto próprio A eqüipolente a B. Para conjuntos infinitos os conceitos de cardinal e ordinal aparecem de modo bem diferente e a ordem dos elementos surge como mais uma característica diferenciadora podendo acontecer de dois conjuntos possuírem a mesma cardinalidade, mas números ordinais diferentes. Ao número ordinal que representa o conjunto dos números naturais por completo, Cantor chamou de ω, que, por definição é maior do que qualquer número finito. O sucessor de ω, similar a aritmética finita é o número ω + 1, que segue como uma coisa natural quando mais um elemento é acrescentado ao conjunto já definido. Nem todo número transfinito tem um antecessor, neste caso ele é chamado de número limite. Podemos citar como exemplo de número limite o próprio ω, ou qualquer múltiplo dele. Mas o que aconteceria se ao invés do elemento ser acrescentado ao final do conjunto ele fosse acrescentado no início? Observe que para conjuntos infinitos o conjunto {1, 2, 3, 4,...., 1’} = ω + 1 é diferente do conjunto {1’,1, 2, 3, 4,.....} = 1 + ω = ω, ou seja, a ordem é fundamental. Se quisermos calcular 2ω = ω + ω teremos o conjunto {1, 2, 3,.....,1’, 2’, 3’, ...}, por outro lado, ω2 = {1, 2} ∪ {1’, 2’} ∪ ... ∪ {1ν, 2ν} ∪ ... = {1, 2, 1’, 2’, 1”, 2”, ...}. Vemos então que 2ω ≠ ω2, isto é, para números ordinais transfinitos nem a adição, nem a multiplicação são operações comutativas.[CANTOR, Grundlagen, 1883] O símbolo ω, usado por Cantor, foi colocado no lugar do familiar ∞ com o objetivo de enfatizar o fato que o número ordinal transfinito é completo, infinito atual, é pensado como um todo se contrapondo ao infinito potencial, que nunca se completa, totalmente inconveniente para seus propósitos. Historicamente os números ordinais transfinitos apareceram primeiro e somente alguns 1º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008 Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE anos mais tarde, em 1895, em seu artigo Beiträge zur Begründung der transfiniten Mengenlehre ( Contribuições para os fundamentos da teoria dos números transfinitos), Cantor definiu os números cardinais ou potência de M como o “conceito geral o qual, por meio de nossa ativa faculdade de pensamento surge do agregado M quando nós abstraímos a natureza de seus elementos e a ordem em que eles são dados”. Se considerarmos o conjunto dos números naturais, ordenados de várias maneiras diferentes, temos: {1, 2, 3, 4, ....} = ω; {2, 3, 4, 5,...,1} = ω +1; {3, 4, 5, 6,....,1, 2} = ω + 2; ....;{1, 3, 5,...,2, 4, 6,...} = 2ω etc. Se não levarmos em conta a ordem de seus elementos temos o número cardinal do conjunto enumerável IN que Cantor deu o nome de ℵ0 e é o menor dos números cardinais transfinitos. Qualquer cardinal menor que ℵ0 é finito. A diferença essencial entre conjuntos finitos e infinitos é que num sistema finito sempre temos o mesmo número ordinal em qualquer seqüência dada; ao contrário, em um sistema composto de um número infinito de elementos, em geral, temos números ordinais diferentes dependendo da seqüência de seus elementos. Por outro lado, a potência ou número cardinal de um sistema, seja ele finito ou não, independe da ordem em que seus elementos aparecem. Cantor percebeu que dois conjuntos infinitos poderiam ter cardinalidade diferentes, isto é, que existiam infinitos diferentes. Em 1874, Cantor demonstrou que se o conjunto dos números reais fossem colocados numa seqüência isso levaria a uma contradição, concluindo assim que o conjunto dos números reais era não-enumerável. A potência do conjunto dos números reais, Cantor denominou de c, que é a potência do contínuo. Na realidade apenas os números transcendentes são suficientes para se obter a potência c. ℵ Podemos demonstrar que 2 0 é a potência do contínuo mostrando que esta igualdade vale para o intervalo [0, 1]. Se lembrarmos que todo número real, neste intervalo, pode ser escrito no ∞ sistema binário na forma ∑a 2 i =1 i −i , onde ai = 0 ou ai = 1. Pela análise combinatória vemos que temos ℵ exatamente 2 0 possibilidades. Geometricamente fica fácil ver que dois intervalos de tamanhos diferentes são eqüipolentes. Poderíamos pensar, que o plano teria uma potência diferente da reta real, mas este foi outro resultado interessante que Cantor obteve e que ele próprio ficou surpreso: A potência de um espaço independe de sua dimensão e é sempre a potência do contínuo. No artigo Contribuições à teoria dos conjuntos (1877), Cantor define uma função biunívoca que relaciona o segmento de reta [0;1], ao quadrado [0;1]x[0;1]. Figura II. Gráfico da função de Cantor, feita com o programa MAPLE,utilizando 10000 pontos. Podemos perceber que o gráfico é desconexo, ou seja, a função criada por Cantor não é contínua. Partindo do intervalo [0;1], que é conexo, obtivemos o quadrado [0;1] X [0;1], dividido em dez partes separadas. Ou seja, apesar de espaços de dimensões diferentes possuírem a mesma potência, eles não são topologicamente equivalentes. Nos anos que se seguiram ao artigo publicado por Cantor, várias demonstrações foram feitas no sentido de demonstrar que a dimensão era realmente um invariante topológico. Jakob Lüroth (1844 – 1910), deu várias provas para os casos de dimensão menor ou igual a três, enquanto Enno Jürgens apresentou uma prova para o caso bidimensional. Johannes Thomae (1840 – 1921) tentou uma primeira demonstração geral sobre a invariância das dimensões que logo se mostrou deficiente, e em 1878, Eugen Netto (1848 – 1919) deu uma segunda prova geral, por indução, mas ela também não foi completamente satisfatória. Em 1879, Cantor publica uma demonstração, também por indução, que foi aceita até 1899, quando Jürgens encontra um contraexemplo. Somente em 1911, Brouwer (1881 – 1966) deu a primeira prova rigorosa da invariância da dimensão que usava resultados sobre topologia do plano, obtidos por Arthur Schönflies (1853 – 1928). (DAUBEN, pp.942, 943, 2003) Conclusões Figura I. Correspondência entre 2 segmentos de reta com medidas diferentes. 25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ Graças a teoria dos números transfinitos criada por Cantor podemos dizer que a maioria dos paradoxos que, até então, envolviam o conceito de infinito foram esclarecidos. Outros surgiram, na 2 Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE teoria dos conjuntos, sempre relacionados com o infinito, que só mais tarde (1931) foram esclarecidos, com os trabalhos de K. Gödel. Agora podemos, não só contar o infinito como operar com os números transfinitos através da aritmética transfinita. O infinito potencial aristotélico finalmente deixa de reinar solitário na matemática abrindo lugar para que passemos a considerar o infinito atual. Agradecimentos A Rodrigo Devolver que tornou confecção do gráfico da figura II. possível a Bibliografia CANTOR, Fondements d’une théorie générale des ensembles (Grundlagen), Acta Mathematica 2, pp. 381- 408, 1883 ______ Une contribution a la théorie des ensembles, Acta Mathematica 2, pp.311 - 328, 1883, extraído do Journal de Borchardt, vol. 84, datado de 1877. ____ Contribuitions to the Founding of the Theory of Transfinite Numbers, tradução do Bëitrage feita por P. E. B. Jourdain, Chicago, Dover Publications, Inc, Nova York, 1955, publicado originalmente por Open Court Publishing Company em 1915. DAUBEN, Joseph W. Topology: Invariance of dimension. In: DUGAC, P. Richard Dedekind et les fondements des mathématiques. Paris: J. Vrin, 1976. 25a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química - SBQ 3