CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM ENFERMAGEM CIRÚRGICA MÓDULO III Profª Mônica I. Wingert 301E QUEIMADURAS DEFINIÇÃO Queimaduras são lesões dos tecidos orgânicos em decorrência de trauma de origem térmica resultante da exposição a chamas, líquidos quentes, superfícies quentes, frio, substâncias químicas, radiação, atrito ou fricção. FISIOPATOLOGIA As principais alterações fisiológicas que ocorrem num processo de queimadura são: aumento de permeabilidade capilar e edema. A lesão térmica determina a exposição do colágeno no tecido afetado levando à liberação de histamina. A histamina juntamente com outras cininas ativa o sistema do ácido arquidônico liberando prostaglandinas. Todos esses mediadores inflamatórios aumentam a permeabilidade capilar aos líquidos com conseqüente edema. ETIOLOGIA • Queimaduras térmicas; • Queimaduras químicas; • Queimaduras elétricas; • Queimaduras por radiação; • Queimaduras por atrito; • Outras. São lesões causadas nos tecidos, ou seja, no tecido cutâneo, provocadas pela ação agentes: *Físicos -térmicos: vapor, objetos aquecidos, água quente e chama; -eletricidade: corrente elétrica ou raio; -radiação: sol, aparelhos de raio X, raios ultra-violetas e nucleares; *Químicos -produtos à base de ácidos, bases, álcool, gasolina; *Biológicos -animais: lagarta-de-fogo, água-viva, medusa; -vegetais: látex de certas plantas, urtiga. CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES A pele é um órgão complexo e composto por duas camadas: a epiderme, mais externa; e a derme, mais interna. Determinar o grau da lesão é determinar a profundidade da queimadura (se atingiu epiderme, derme ou outros tecidos). As queimaduras se classificam pela profundidade da destruição dessas camadas da pele e pela extensão. Muitas vezes a diferenciação entre os graus de lesão pode ser difícil e o diagnóstico de certeza só pode ser realizado através de histopatologia do tecido. PROFUNDIDADE 1º Grau: é a mais superficial, pois a lesão atinge só a epiderme (camada mais externa) e não provoca alterações na hemodinâmica, apresenta eritema (vermelhidão) na área e é acompanhada de dor, como por exemplo, queimadura solar, a cicatrização leva em média uma semana. 2º Grau: é a de média profundidade, a lesão atinge a epiderme e a derme, apresenta eritema (vermelhidão) na área, é acompanhada de dor e aparecimento de bolhas, a cicatrização leva em média de 10 a 21 dias. 1. Lesão de Segundo Grau Superficial: Atinge epiderme e superfície da derme apresentando lesões bolhosas eritematosas. 2. Lesão de Segundo Grau Profunda: Acomete também uma porção mais profunda da derme. As bolhas apresentam fundo de coloração violácea ou esbranquiçada. O diagnóstico diferencial principal é com a lesão de terceiro grau (queimaduras de segundo grau são dolorosas e as de terceiro grau não costumam doer). Como exemplo figura as leões por escaldadura (líquido superaquecido). 3º Grau: é uma queimadura que acomete todas as camadas da pele, compromete a epiderme, toda a derme como também tecido subcutâneo, músculos, nervos e ossos, podendo apresentar diversos aspectos duro, inelástico, esbranquiçado ou marmóreo, perda de sensibilidade no local e presença de vasos trombosados, como por exemplo, queimaduras elétricas ou por chamas, a cicatrização se dá por intervenção cirúrgica muitas vezes havendo a necessidade de enxerto cutâneo. Nas queimaduras de 1º e 2º graus, deve-se lavar pele com água corrente, evitando colocar quaisquer substância sobre a parte queimada, como pomadas, creme dental e outras. As bolhas não devem ser furadas. Nas queimaduras de 3º grau, deve-se cobrir a vítima com um plástico limpo, colocando-a deitada com a cabeça em nível mais baixo que as pernas, e remove-la imediatamente para o hospital. Nas queimaduras por agentes químicos deve-se lavar a área atingida abundantemente. No caso de queimadura dos olhos, deve-se lava-los com água corrente, abundantemente, e encaminhar a vítima a um serviço médico. SUPERFÍCIE CORPORAL QUEIMADA Para o cálculo da superfície corporal queimada (SCQ) podem ser utilizados 2 esquemas: - Esquema de Lund-Browder - Regra dos Nove Nos serviços de emergência, durante o atendimento inicial ao paciente queimado, utiliza-se a regra dos nove que, apesar da praticidade, carece de embasamento cientifico. Regra dos Nove: ÁREA ADULTO CRIANÇA Cabeça e Pescoço 9% 18% Membro superior D 9% 9% Membro superior E 9% 9% Tronco anterior 18% 18% Tronco posterior 18% 18% Genitália 1% 1% Coxa D 9% 4,5% Coxa E 9% 4,5% Perna e Pé D 9% 4,5% Perna e Pé E 9% 4,5% - De maneira prática, considera-se a palma da mão do paciente como equivalente a 1% de SCQ. A mais conhecida é a regra dos nove, que divide o corpo humano em áreas, cada uma delas equivalente a 9%. Com essa regra podemos ter noção da extensão e da gravidade da área lesada. A gravidade da queimadura depende mais da extensão apresentada do que da própria profundidade. COMPLEXIDADE DAS QUEIMADURAS Pequeno queimado Considera-se como queimado de pequena gravidade o paciente com: • Queimaduras de primeiro grau em qualquer extensão. • Queimaduras de segundo grau com área corporal atingida até 5% em crianças menores de 12 anos e 10% em maiores de 12 anos. No pequeno queimado as repercussões da lesão são locais. Médio queimado Considera-se como queimado de média gravidade o paciente com: • Queimaduras de segundo grau com área corporal atingida entre 5% a 15% em menores de 12 anos e 10% e 20% em maiores de 12 anos. • Queimaduras de terceiro grau com até 10% da área corporal atingida em adultos, quando não envolver face ou mão ou períneo ou pé, e menor que 5% nos menores de 12 anos. • Qualquer queimadura de segundo grau envolvendo mão ou pé ou face ou pescoço ou axila. Obs.: todo paciente deverá ser reavaliado quanto à extensão e profundidade, 48 a 72 h após o acidente. Grande queimado As repercussões da lesão manifestam-se de maneira sistêmica. Considera-se como queimado de grande gravidade o paciente com: • Queimaduras de segundo grau com área corporal atingida maior do que 15% em menores de 12 anos ou maior de 20% em maiores de 12 anos. • Queimaduras de terceiro grau com mais de 10% da área corporal atingida no adulto e maior que 5% nos menores de 12 anos. • Queimaduras de períneo. • Queimaduras por corrente elétrica. • Queimaduras de mão ou pé ou face ou pescoço ou axila que tenha terceiro grau. Observação: É considerado também como grande queimado o paciente que for vítima de queimadura de qualquer extensão que tenha associada a esta lesão uma condição clínica que possa deteriorar seu estado geral. QUEIMADURAS QUE DEVEM SER ENCAMINHADAS A UM CENTRO ESPECIALIZADO DE QUEIMADOS • Queimaduras de espessura parcial superiores a 10% da superfície corporal; • Queimaduras que envolvem a face, mãos, pés, genitália, períneo e/ou articulações importantes; • Queimaduras de terceiro grau em grupos de qualquer idade; • Queimaduras causadas por eletricidade, inclusive aquelas causadas por raio; • Queimaduras químicas; • Lesão por inalação; • Queimadura em pacientes com problemas médicos preexistentes; • Qualquer paciente com queimaduras e trauma concomitante (tais como fraturas, etc.) no qual a queimadura apresenta o maior risco de morbidade ou mortalidade; • Crianças queimadas sendo tratadas em hospital sem pessoal qualificado ou equipamentos para o cuidado do caso. TRATAMENTO DAS QUEIMADURAS PRIMEIRO ATENDIMENTO DO PACIENTE QUEIMADO Exame básico (ATLS) A – Vias Aéreas B – Boa Respiração C – Circulação D – Dano Neurológico E – Exposição Cuidados imediatos • Parar o processo da queimadura, retirando objetos que possam perpetuar o processo ( relógio, pulseira, anéis, lentes de contato,etc.) Cuidados iniciais • Remoção de roupas queimadas ou intactas nas áreas da queimadura; • Avaliação clínica completa e registro do agente causador da extensão e da profundidade da queimadura; • Analgesia: oral ou intramuscular no pequeno queimado e endovenosa no grande queimado. • Pesquisar história de queda ou trauma associado; • Profilaxia de tétano; • Hidratação oral ou venosa (dependendo da extensão da lesão). Cuidados locais •Aplicação de compressas úmidas com soro fisiológico até alívio da dor. •Remoção de contaminante. Verificar queimaduras de vias aéreas superiores, principalmente em pacientes com queimaduras de face. • Verificar lesões de córnea; • Resfriar agentes aderentes (ex. piche) com água corrente, mas não tentar a remoção imediata; • Em casos de queimaduras por agentes químicos, irrigar abundantemente com água corrente de baixo fluxo (após retirar o excesso do agente químico em pó, se for o caso), por pelo menos 20 a 30 minutos. Não aplicar agentes neutralizantes, pois a reação é exotérmica, podendo agravar a queimadura; • Após a limpeza das lesões, os curativos deverão ser confeccionados. Reposição hidro-eletrolítica (Grande Queimado) Cateterizar preferencialmente veia periférica de grosso calibre e calcular reposição inicial: Pela fórmula de Parkland: 4 ml/kg de peso corporal/percentagem SQC, de Ringer com Lactato. Sendo que, para fins de cálculo inicial, programa-se que a metade deste volume deva ser infundida nas primeiras 8 horas após a queimadura. Exemplo: Homem 70kg com 30% SQC Volume de Ringer = (4ml/kg x 70kg) x 30 = 8400ml Grande queimado adulto: iniciar 2.000 ml de Ringer com Lactato para correr em 30 minutos; Grande queimado criança: iniciar 30 ml/kg para correr em 30 minutos.Independentemente do esquema inicial escolhido,deve-se observar diurese a partir da primeira hora, e controlar a hidratação para que se obtenha 0,5 a 1ml/kg/hora ou (30-50ml) em adultos e 1ml/kg/h em crianças. Antibioticoterapia Antibióticos são utilizados no caso de uma suspeita clínica ou laboratorial de infecção.Não utilizar antibiótico profilático. TRATAMENTO DA LESÃO DO PACIENTE QUEIMADO Queimadura de Primeiro Grau Analgesia via oral ou intramuscular e hidratação local com compressas úmidas. Queimadura de Segundo Grau Além da analgesia e hidratação local também é necessária limpeza do local, debridamento de bolhas (bolhas íntegras não precisam ser debridadas) e confecção de curativos. O curativo pode ser realizado com gazes vaselinadas (para não aderir à lesão) e gazes secas, chumaço de algodão e ataduras. Nos membros o curativo deve ser oclusivo e deve-se evitar oclusão em orelhas e períneo. A troca do curativo deve ser feita a cada 2 ou 3 dias até que se atinja a cicatrização entre 8 e 10 dias. O paciente deve ser mantido em repouso e com o membro elevado. Queimadura de Terceiro Grau O paciente deve ser encaminhado a um centro especializado no atendimento a queimados. Escarotomia: É um procedimento de emergência realizado por um medico com experiência no atendimento a queimados. No caso de queimaduras de espessura total (3o grau) circunferências de membros ou do tronco, pode ser necessária a realização de escarotomia. O edema tecidual pode causar compressão de estruturas em membros e predispor à necrose de extremidades. O aspecto duro e inelástico da pele com queimadura de terceiro grau restringe os movimentos respiratórios e pode levar a insuficiência respiratória. Este procedimento deve ser realizado na sala de emergência ou mesmo no leito do paciente. É feita a incisão da pele em toda a sua espessura, atingindo-se o subcutâneo. A pele queimada de terceiro grau é insensível, mas pode ocorrer dor com a incisão atingindo o subcutâneo. Analgesia proporcional à dor deve ser administrada por via venosa. Fasciotomia: Procedimento realizado na emergência por cirurgião experiente, indicado quando se suspeita de síndrome de compartimento no antebraço ou perna, geralmente em lesões decorrentes da passagem de corrente de alta voltagem. Atendimento no Centro de Queimados No Centro de Queimados, após a estabilização do paciente e dos cuidados iniciais, o seguimento do paciente compreende os seguintes aspectos: Broncoscopia: Indicada quando suspeita-se de lesão por inalação, geralmente resultado de acidentes em que a vítima ficou em local fechado, podendo ter sido exposta à fumaça ou em pacientes com queimaduras de face. Debridamento cirúrgico: Indicado praticamente em todos os casos de queimaduras de terceiro grau. Deve ser realizado no centro cirúrgico, sob anestesia. Enxerto: O enxerto de pele é realizado para se obter o fechamento da ferida de terceiro grau. Curativo biológico: No caso de feridas excisadas, quando não se dispõe de pele autógena suficiente para a cobertura da ferida, ou em lesões de segundo grau profundo, ou lesões que necessitem de cobertura temporária eficiente, pode-se utilizar membranas biológicas. Curativos sintéticos: Existe atualmente uma gama enorme de materiais sintéticos que podem substituir a pele temporariamente. Balneoterapia: A balneoterapia consiste em um curativo com lavagem da ferida, em um ambiente próprio, com o paciente sob o efeito de sedação venosa ou anestesia. CUIDADOS GERAIS Afastar a vítima do agente da queimadura; Encharcá-la com água e extrair as roupas queimadas não aderentes; Se for uma queimadura química, retirar cuidadosamente as roupas e despejar grandes quantidades de água sobre a ferida; Se for uma queimadura elétrica e a vítima ainda estiver em contacto com a corrente elétrica, não tocar na vítima. Interromper o contacto com um objeto seco não condutor (ex.: uma corda); Estabelecer a permeabilidade das vias aéreas e avaliar as lesões provocadas por inalação. Administrar oxigênio se possível; Avaliar e iniciar o tratamento das lesões que requeiram atenção imediata; Retirar jóias ou roupas apertadas; Cobrir a queimadura com uma cobertura úmida esterilizada ou limpa; Cobrir a vítima com uma cobertura seca e quente, para evitar a perda de calor; Transportar a vítima para o centro hospitalar mais próximo. INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM Alteração da permeabilidade das vias aéreas As pessoas que estão queimadas na face e no pescoço ou as que inalaram vapor ou fumo devem ser cuidadosamente observadas, para verificar se há sinais de edema da laringe e obstrução das vias aéreas. Nesse sentido, é importante mudar o doente de decúbito no leito, faze-lo tossir, insistir nas inspirações profundas e nas expirações periódicas forçadas com espirometria. Se necessário, realizar a aspiração endo ou naso-traqueal, registando as características das secreções. Poder-se-á ventilar e oxigenar um doente só com o ar ambiente. Contudo, se tiver ocorrido qualquer lesão convém fornecer-lhe oxigênio. Se a vítima está com dificuldade respiratória ou há suspeita de lesões por inalação, torna-se necessária a entubação endotraqueal. O posicionamento apropriado diminui o trabalho respiratório e promove uma adequada expansão torácica, que associado ao fornecimento de oxigênio pode diminuir ainda mais, o stress metabólico e assegurar uma oxigenação tecidual adequada. A enfermeira também deve estar preparada para a realização de uma traqueostomia ou escarotomia em que a assepsia deve ser mantida para evitar a contaminação das vias respiratórias e infecção.