PDF PT - REDCPS

Propaganda
RELATO DE EXPERIÊNCIA
EXPERIENCE REPORT
Promoção do autocuidado da pessoa em sofrimento psíquico
Promotion of self-care in psychological distress person
Promoción del autocuidado de la persona con sufrimiento psíquico
Resumo
Autores
Ligia Maria de Almeida 1
Jael Maria de Aquino 1
Marília Cavalcanti Borba
1
Mariana Ferraz da Silva Rosa 1
Manoel Adauto Cunha Monteiro 1
Faculdade de Enfermagem Nossa
Senhora das Graças.
1
Objetivo: Despertar o autocuidado em pacientes psiquiátricos internados em unidade hospitalar, promover
aceitação do paciente de si, aumentando sua alto-estima, possibilitando uma melhor adesão ao tratamento.
Métodos: Estudo descritivo tipo relato de experiência realizada no período de novembro de 2009 a outubro
de 2010, a partir de um conjunto de atividades pedagógicas em saúde, desenvolvidas com a população-alvo
da pesquisa, em um ambiente hospitalar. Resultados: Na interação com o paciente, intencionando uma
abordagem humanizada, notou-se a necessidade de constituir-se uma atividade menos tecnicista, oportunizando
o protagonismo no processo do autocuidado. Conclusão: Os resultados proporcionaram aos pesquisadores, o
aprendizado diante da vivência com o trabalho de acolhimento, engajamento e compromissos necessários a toda
atividade relativa ao trato com humanos. Com relação aos pacientes, estes puderam vivenciar o acompanhamento
e incentivo para a sua melhoria, de forma mais intensa, objetiva e lúdica.
Palavras-chave: Autocuidado; Saúde Mental; Enfermagem em psiquiatria.
Abstract
Objective: This experience report aimed to central goal awakening self-care in psychiatric patients in a hospital
unit, allowing better treatment compliance and facilitating post-hospital monitoring by the Centers for Psychosocial
Support. Methods: The work was done during the years 2009 and 2010, from a series of educational activities in
health, developed with the target population of research at a hospital. Results: The interaction with the patient,
intending a humanized approach, noted the need to establish yourself a less technical activity, giving the patient
the opportunity to be protagonist in the self-care process, not just the object of it. Conclusion: For authors, the
results provide learning on the unusual: the experience with the work of reception, engagement and commitment
necessary for any activity relating to dealing with human. With respect to patients, they experienced the monitoring
and incentive for improvement, more intense, objective and entertaining.
Keywords: Self-care; Mental Health; Nursing.
Resumen
Objetivo: Despertar el autocuidado en pacientes psiquiátricos, posibilitando una mejor adhesión al tratamiento
y facilitando el seguimiento post-hospitalario en los Centros de Apoyo Psicosocial. Métodos: A experiencia fue
realizada en el periodo de noviembre de 2009 a octubre de 2010, a partir de un conjunto de actividades pedagógicas
en salud, desarrolladas con la población objeto de la investigación, en un ambiente hospitalario. Resultados: La
interacción con el paciente, con la intención de un enfoque humanizado, señaló la necesidad de establecer una
actividad menos técnica, permitiendo el auto-cuidado. Conclusión: Para los autores, los resultados proporcionaron
un aprendizaje frente a lo inusitado: la experiencia con el trabajo de acogida y el compromiso necesario para
cualquier actividad relacionada al trato con seres humanos. En relación a los pacientes, estos pudieron vivir el
seguimiento e incentivo para su mejora, de forma más intensa, objetiva y lúdica.
Palabras-clave: Autocuidado; Salud Mental; Enfermería.
Data de submissão: 25/06/2015.
Data de aprovação: 02/10/2015.
Correspondência para:
Ligia Maria de Almeida.
Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora
das Graças-UPE.
Rua Arnóbio Marques, 310, Santo Amaro,
Recife, PE, Brasil. CEP: 52091-026.
E-mail: [email protected]
DOI: 10.5935/2446-5682.20150012
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
66
Promoção autocuidado pessoa sofrimento psíquico orientado
Almeida LM, Aquino JM, Borba MC, Rosa MFS, Monteiro MAC
Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):66-70
INTRODUÇÃO
Neste sentido, da assistência Pautada no conceito e
princípio da integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS),
entende-se que todos os serviços, em seus diversos níveis
de complexidade, são de fundamental importância para a
população5. A integração desses serviços permitirá que as
diretrizes estabelecidas a principio na Portaria SAS/MS nº
224, de 29 de janeiro de 1992, sejam seguidas, principalmente
em seus itens: “a organização dos serviços baseia-se nos
princípios de universalidade, hierarquização, regionalização
e integralidade das ações” e “garantia da continuidade da
atenção nos vários níveis”. Assim, a reforma psiquiátrica
repensa o modelo assistencial, o fazer dos trabalhadores de
saúde mental, as instituições jurídicas, e a relação da sociedade
com o indivíduo em sofrimento psíquico6.
Neste contexto, no estado de Pernambuco, o Hospital
Ulysses Pernambucano (HUP) é única referência em psiquiatria
e campo de estágio para as universidades do Estado, a exemplo
da Universidade de Pernambuco (UPE). O projeto aqui relatado
foi desenvolvido após a vivência dos discentes e docentes nas
aulas práticas da disciplina de Enfermagem Psiquiátrica, da
Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças (FENSG),
ligada à UPE, quando foi constatada a necessidade de uma
atividade mais efetiva com os usuários daquele hospital, que
viesse a contribuir nos seus processos de ressocialização.
Um importante passo em direção a essa reinserção social
seria o restabelecimento da capacidade de autocuidado,
muitas vezes deficiente em pacientes institucionalizados.
Entendemos o autocuidado como sendo um conjunto de
elementos de que os indivíduos lançam mão em benefício
próprio para manter a vida, a saúde e o bem-estar7. Um quadro
de déficit de autocuidado é identificado quandoo paciente
se acha limitado para cuidar de si, de modo sistemático e
eficaz, necessitando de ajuda da equipe de enfermagem ou
de terceiros.
Neste sentido, destaca-se a importância da presença do
acadêmico de Enfermagem junto ao indivíduo em sofrimento
psíquico, buscando a quebra de paradigmas oriundos da
postura preconceituosa da sociedade, derivada do estigma
institucionalizador, quandose trata dessas circunstâncias que,
em parte, causam o isolamento do paciente. Entretanto a
falta do autocuidado e a perda da capacidade do cuidar de si
de um paciente em sofrimento psíquico que esta em crise, é
evidenciada pelas condições precárias de higiene corporal e
oral, afastando o indivíduo do convívio social. Este ato acarreta
em outras consequências, como o desenvolvimento de doenças
físicas propiciadas pelo acúmulo de agentes patogênicos.
Neste cenário, a Universidade de Pernambuco busca
desenvolver, junto aos discentes, habilidades e competências
do cuidado em Saúde Mental como parte do componente
curricular, que é indispensável para a constituição e
desenvolvimento do pensamento crítico e habilidade no lidar
com o paciente com déficit no autocuidado8. Este contato
dos acadêmicos de Enfermagem com o usuário do serviço
psiquiátrico remete à sua compreensão da existência do ser
cidadão, o que amplia a visão sobre a situação em que se
A partir da segunda metade dos anos 80, no Brasil, o
movimento de transformação no campo da saúde mental passou
por importantes mudanças, caracterizadas pelo surgimento de
novos serviços num contexto histórico, político e conceitual
emergente1. A Reforma Psiquiátrica trouxe à saúde mental novas
propostas e possibilidades de assistência ao paciente psiquiátrico,
assegurando o exercício de seu direito à cidadania2.
Desde então, formou-se uma convicção generalizada de
que a reinserção do paciente em seu meio familiar e social
é uma condição fundamental para a sua cura. Esta postura
percebe o tratamento e a cura como um processo que envolve
não só a equipe de saúde, mas também o paciente e seu meio
social e familiar3.
Assim, houve uma profunda modificação na visão
preconceituosa tradicionalmente aceita, inclusive por
profissionais da saúde, que consideravam o doente mental
- hoje considerado portador de sofrimento psíquico - como
incapaz de convivência, incorporando-o em padrões de rejeição
e isolamento. Isso ocorreu de modo particular em relação à
psiquiatria, haja vista que a estruturação organizacional dos
estabelecimentos destinados ao tratamento destes indivíduos
apresenta-se, desde sua origem, como relevante estratégia de
implementação dos modelos assistenciais4.
A Reforma Psiquiátrica foi vista, inicialmente, como uma
estratégia de humanização dos Hospitais Psiquiátricos. Para
que esta reforma se firmasse como política de inclusão social
edesinstitucionalização, tornou-se necessário desmistificar
o que a psiquiatria, historicamente, havia construído: uma
imagem de loucos, incapazes de viverem em sociedade, que
deveriam ser isolados e reclusos em manicômios.
Hoje, entende-se que a prática manicomial contraria todas
as possibilidades de assistência centrada no humanismo ético,
uma vez que os princípios norteadores do manicômio - vigiar,
controlar, punir - não são adequados a tal prática. Sendo a
desmistificação alcançada por muitos, puderam-se construir
novas estratégias e dispositivos de assistência e cuidado, como
os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que representam
estruturas terapêuticas intermediárias entre a hospitalização
e o acompanhamento ambulatorial, tendo por finalidade o
tratamento, a reabilitação e a ressocialização do paciente junto
à família e à comunidade2.
O processo de desinstitucionalização é lento e precisa
de um período longo para se consolidar, pois não se pode
simplesmente fechar os hospitais psiquiátricos, sem dar
condições de acesso ao tratamento, à reabilitação, à reinserção
no seio social e, muitas vezes, à moradia aos sujeitos em
sofrimento psiquiátrico que vinham há muito tempo, e vêm,
sendo internados nestes hospitais. Neste sentido, estas
unidades, desde os níveis mais simples até os mais complexos,
precisam manter interdependência, como também interrelação com as organizações comunitárias, até que a rede
de serviço assuma de forma integral a responsabilidade da
assistência prestada ao paciente em crise.
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
67
Promoção autocuidado pessoa sofrimento psíquico orientado
Almeida LM, Aquino JM, Borba MC, Rosa MFS, Monteiro MAC
Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):66-70
encontra a psiquiatria, sobre as desigualdades existentes na
assistência prestada ao usuário e sobre o porquê disto, de uma
forma empírica e cientifica.
No que se refere a compreensão de Cidadania, esta, no passado, foi retirada dos seres humanos que sofriam de transtorno
psíquico, quando estes foram internados e esquecidos em hospitais psiquiátricos, e onde, ao longo do tempo, perderam sua
condição de cidadão. Assim, familiares e o outros (profissional
de saúde, representantes das Leis) tomavam decisões sobre suas
vidas sem lhes pedir consentimento, afirmando que não tinham
juízo - perderam a razão e a dignidade; estas medidas adotadas
por diagnósticos de insano, alegando que doentes crônicos que
não terem recuperação social.
Sabe-se que as doenças crônicas, com destaque para os
transtornos mentais e as crônico-degenerativas, requerem um
tratamento poli-medicamentoso, dependente de tecnologias e
acompanhamento constante por especialistas, sendo, portanto,
um tratamento oneroso; e que as doenças infectocontagiosas
são passíveis de prevenção. Surge, então, a necessidade de se
fazer educação em Saúde, de modo que essa educação seja um
instrumento para a promoção do bem-estar, da cura integral9.
Durante o contato prévio com os pacientes internos, dois
importantes aspectos foram observados pelos pesquisadores:
a carência de atividades instrutivas rotineiras de promoção
do autocuidado, que foi identificada durante a vivência dos
discentes em aulas práticas da disciplina de Enfermagem
Psiquiátrica; e a carência de trabalhos de extensão/científicos,
que estimulassem atividades de promoção do cuidar com
indivíduos de características semelhantes ao público-alvo
deste estudo.
Dessa forma, o objetivo principal das ações extensionistas,
que gerou a presente pesquisa, foi despertar os pacientes
psiquiátricos internados em unidade hospitalar para o
autocuidado, por meio da educação em Saúde, possibilitando
uma melhor adesão ao tratamento e facilitando o
acompanhamento pós-hospitalar pelos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS).
Entretanto, com estas ações, os pesquisadores buscaram:
promover no paciente maior aceitação de si mesmo, aumentando
sua autoestima; possibilitando a construção da consciência da
sociedade, a partir do desenvolvimento do saber, dentro de seus
limites e possibilidades destes; o que leva-os a redescobrir sua
capacidade e percepção de si e do meio ambiente gerando e,
como consequência, a capacidade de executar tarefas simples
e úteis para si mesmos e para os outros; e, aos pesquisadores,
analisar a resposta ao tratamento dos pacientes em sofrimento
psíquicos antes e após o início das atividades.
UPE. Estas atividades eram desenvolvidas com pacientes
adultos em sofrimento psíquicos, de ambos os sexos, que
aceitassem participar das atividades desenvolvidas de forma
espontânea.
Entre as atividades desenvolvidas no projeto de extensão,
destacaram-se:
a) Reunião de um pequeno grupo de usuários com
os estudantes, docentes e profissionais, para identificar
habilidades, a partir das quais pôde-se sistematizar a
metodologia de cada reunião, estabelecendo os temas que
foram discutidos (como higiene bucal, higiene corporal,
cuidados pessoais de forma geral);
b) Em seguida, reuniões entre os estudantes e as orientadoras para construção das atividades em grupo, determinando o tempo e a duração para cada atividade, escolhendo as
técnicas de dinâmicas para todas as atividades, e o ambiente
onde seriam desenvolvidas, a partir da revisão de literatura
pertinente ao suporte teórico; com posterior apresentação do
planejamento das atividades aos usuários e profissionais, para
estabelecer uma continuidade com as atividades realizadas
junto aos usuários.
As atividades seriam desenvolvidas por meio da formação
de pequenos grupos, sob a batuta de dois a três acadêmicos,
responsáveis pelas atividades, em uma sessão semanal de 20
minutos, quando palestra, e 60 minutos, quando atividades
dirigidas, durante 12 semanas. O material utilizado para as
atividades dirigidas seria: folhas de papel colorido, pincéis
e lápis de cores diversas, tesouras sem ponta, cola, revistas
antigas para recortes e figuras coletadas na internet. E
para a palestra seriam apresentados e debatidos os temas
relacionados ao autocuidado.
A avaliação da evolução dos pacientes (participantes) observaria três aspectos: desempenho nas atividades propostas
(coerência, adesão, entendimento); capacidade de autocuidado; adesão ao tratamento e à rotina institucionalizada.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital da
Restauração/PE, conforme parecer emitido Nº. 1126.0.000.10210, obedecendo as recomendações da Resolução 196/96
do Conselho Nacional de Saúde 10, referente à pesquisa
desenvolvida com seres humanos.
RELATO DA EXPERIÊNCIA VIVÊNCIADAS DURANTE
O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO DE EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA NO HUP
A apresentação dos acadêmicos, o reconhecimento do
local para o desenvolvimento das atividades extensionistas,
nos espaços fornecidos pelo HUP - Hospital da Universidade de
Pernambuco, foi o primeiro momento para implementação do
projeto de extensão, quando estabeleceram os contatos com
a direção e com o corpo de profissionais do Hospital. Todos os
protocolos de apresentação do projeto, para cada instância
do HUP, foram efetivados de forma a obter a autorização da
execução das atividades.
METODOLOGIA
As atividades foram realizadas durante o ano de 2010,
com grupos de pacientes internados em hospital psiquiátrico
na cidade do Recife-PE, coordenado por duas docentes da
Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças-FENSG/
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
68
Promoção autocuidado pessoa sofrimento psíquico orientado
Almeida LM, Aquino JM, Borba MC, Rosa MFS, Monteiro MAC
Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):66-70
Esse primeiro momento, de apresentação e reconhecimento, estendeu-se por um período considerado longo (em torno
de 06 meses), pois o horário de serviço do atendimento entrava
em conflito com os horários do curso, dificultando o acesso dos
discentes à Instituição Hospitalar para compartilhar as necessidades dos pacientes com os profissionais de Enfermagem,
o que gerava dúvidas em torno da realização das atividades.
Outra dificuldade encontrada foi a aparente desmotivação
de alguns destes profissionais em sua prática diária, que não
promoviam a continuidade das atividades realizadas.
Superado este período, iniciaram-se as atividades em grupo
com os usuários do serviço. Inicialmente, as atividades foram
realizadas nos setores onde estavam acomodados cada um
dos pacientes internos. Porém, estes não tiveram boa adesão
às atividades. O grupo de trabalho atribuiu essa postura ao
fato das enfermarias (pavilhão) serem percebidas como um
ambiente pouco acolhedor. Além disso, os pacientes não se
sentiram seguros em trabalhar com uma equipe extensionista,
por ainda não se terem estabelecidos laços de confiança. Neste
sentido, não se pode pensar em produção de cuidados deixando
de lado a subjetividade, que favorece o compartilhamento de
experiências e vivências do outro em uma relação empática11.
Por outro lado, as equipes técnicas de enfermagem e
enfermeiros destes setores não se integraram às atividades
do projeto de extensão. Fato este que trouxe desmotivação,
tanto para os usuários quanto para os estudantes, alimentando
o receio de que as ações de educação e saúde propostas não
permaneceriam como rotina no serviço. Isto é, o projeto de
extensão seria uma atividade pontual e não renderia nenhuma
ação contínua após o seu termino.
O desinteresse em integrar-se nas atividades, demonstrado
por alguns funcionários, pode ser justificado por características
individuais e como reflexo de uma sobrecarga de serviço,
oriunda das péssimas condições de trabalho, muitas vezes
encontradas nas instituições hospitalares, o que evidencia o
descaso sistemático com a saúde pública.
Neste contexto, ressaltamos que o trabalho em saúde
mental pode ser considerado um fator potencial de estresse
e esgotamento para os profissionais da área, podendo afetar
a vida pessoal destes e, por conseguinte, a qualidade da
assistência que prestam. Haja vista que a saúde do trabalhador
pode estar diretamente relacionada com as condições do
ambiente de trabalho12.
Em um segundo momento, as atividades passaram a ser
desenvolvidas no centro de atividades terapêutica (CAT),
decorrente de uma reunião junto aos profissionais para
redefinição do local de atuação. A partir de então, a associação
das atividades do CAT com as atividades do projeto de extensão
facilitou a adesão de participantes aos grupos propostos pelos
extensionistas, uma vez que os usuários costumam ter como
rotina diária atividades promovidas pelo CAT. Esta mudança
tornou os grupos mais dinâmicos, embora poucos foram os que
participaram de todas as atividades, já que estava facultado
participar das atividades oferecidas de forma espontânea.
Durante os momentos iniciais no CAT, foram realizadas
atividades dirigidas, como pintura, colagem, desenho e
palestras, todas dentro da temática de higiene pessoal e oral
e noções de limpeza. Desde as primeiras atividades destes
momentos no CAT, buscou-se identificar nos usuários do
serviço do HUP o grau de comprometimento da autoimagem
e do discernimento de limpeza e de sujeira.
Apesar dos grupos não serem fixos, pôde-se observar,
naqueles que se tornaram presença constante, uma melhora
na percepção da autoimagem e no autocuidado: as pessoas
que estavam sem motivação para cuidar de si, inclusive não
conseguindo alcançar os objetivos do grupo, demonstraram
melhora na aparência e na interação com todos ao participarem
das ações desenvolvidas pela equipe do projeto de extensão,
funcionários do CAT e usuários - estes últimos nas atividades
finais. Quanto aos demais usuários que participavam de
forma esporádica dos encontros, alguns conseguiram atingir
o objetivo do grupo e outros apresentaram muita dificuldade
para isso.
Diante da rotatividade de pacientes existente na instituição,
manteve-se um grupo “flutuante” de participantes - entre
aqueles presentes em apenas algumas atividades e um grupo
fixo, atuantes em todas as nove atividades. Ao analisarmos
os sujeitos do grupo fixo frente aos três aspectos avaliativos
percebeu-se uma sensível evolução, entre a primeira e a ultima
atividade, em todos os aspectos avaliativos.
Nestas atividades, o enfermeiro esteve sempre em
de busca novas idéias para direcionar a construção de
conhecimentos, adquiridos a partir de sua participação ativa,
como membro corresponsável pelo processo de mudança.
Para tanto, o processo educativo esteve vinculado ao despertar
do profissional de Saúde Mental, no intuito de garantir uma
aprendizagem contínua. Esse prosseguimento pode ser
desenvolvido por meio de oficinas educativas, cursos de
reciclagem entre outras atividades de interação13.
A vivência experimentada pelos participantes deste
projeto de extensão universitária fê-los sentir que
contribuíram com a instituição e, principalmente, com
a melhoria dos pacientes que dela fizeram parte. Além
disso, essa vivência proporcionou um aprendizado mútuo
e uma construção do conhecimento de forma ativa,
formando a convicção de que todo conhecimento procede
da relação interpessoal e que a vivência do cuidar de uma
pessoa em sofrimento mental constitui uma oportunidade
extraordinária para a ocorrência e a produção do saber
entre os que nela se envolvem11.
Esse processo de cuidar é baseado na interação enfermeiro
e paciente, principalmente na área da Saúde Mental, na qual
existem ações, atitudes e comportamentos que podem ser
passivos ou ativos. Há que se desenvolver na construção do
cuidado com o paciente psiquiátrico atitudes facilitadoras
da promoção e recuperação da autonomia e dignidade,
construindo, portanto, um processo de transformação de
ambos, profissional e cliente14.
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
69
Promoção autocuidado pessoa sofrimento psíquico orientado
Almeida LM, Aquino JM, Borba MC, Rosa MFS, Monteiro MAC
Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):66-70
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tecnicista, que dará ao paciente a oportunidade de ser
protagonista do processo de cuidar, e não apenas objeto dele.
Desde o primeiro pensamento da realização de um projeto
de extensão no HUP, passando pela elaboração, aprovação e
aceitação (na Universidade e no serviço), até o seu término, foi
uma luta imensa em que, por muitas vezes, o desânimo surgiu
e quase nos fez desistir de dar continuidade ao processo. No
entanto, a cada novo encontro com os usuários o grupo se
revigorava e restabelecia o ímpeto inicial que motivou a criação
deste trabalho: a vontade de oferecer melhores condições de
assistência àqueles sujeitos dotados de sentimentos confusos
e necessitados de cuidados especiais.
Ao término da última atividade, na qual se observou cada
um dos usuários que vinha acompanhando os encontros
com maior assiduidade, os sentimentos que ficaram foram:
satisfação por ter-se conseguido avançar, junto a eles, até
aquele estágio; a certeza de que, se houver continuidade das
atividades, a melhoria dos companheiros será alcançada; e a
saudade - saudade dos curtos, porém intensos momentos com
cada um dos participantes.
Neste sentido, o trabalho realizado em extensão universitária
oferece aos estudantes e aos orientadores o contínuo
aprendizado. Em termo de Saúde, verificou-se que autores do
projeto e usuários do serviço psiquiátrico saíram ganhando: os
autores puderam aprender a lidar com o inusitado e vivenciar
o trabalho de acolhimento, engajamento e compromisso
necessários a toda atividade referente ao trato com humanos;
os usuários puderam ter acompanhamento e incentivo para sua
melhora, de forma mais intensa e integral, objetiva e dinâmica,
teórica e lúdica.
No sentido da promoção de ações educativas desenvolvida,
ampliou a atenção prestada aos pacientes em sofrimento
psíquico, assim como possibilitou para os autores a quebra dos
preconceitos estabelecidos pela sociedade; o conhecimento da
realidade vivida por essas pessoas em sofrimento psíquico; a
intervenção na rotina do serviço, com a finalidade de garantir
a continuidade destas ações educativas, independente do
período das atividades extensionistas. A integração do serviço
e da academia traz, para todos, oportunidades de crescimento
e ampliação da qualidade da assistência e do ensino em
enfermagem.
Enfim, o resultado obtido, trouxe a consciência de que o
trabalho com a Saúde Mental não é possível de ser realizado
longe da humanização da abordagem para/com os sujeitos,
podendo se constituir em uma atividade de condução menos
REFERÊNCIAS
1. Amarante PDC, Torre EHG. A constituição de novas práticas no campo
da Atenção Psicossocial: análise de dois projetos pioneiros na Reforma
Psiquiátrica no Brasil. Saúde em Debate. 2001; 25(58):26-34.
2. Moraes AEC, Almeida Filho, AJ, Peres MAA. Atuação do enfermeiro nos
centros de atenção psicossocial: implicações históricas no campo da enfermagem psiquiátrica. Rev Rene. 2009; 10(2):158-65.
3. Antunes SMMO, Queiroz MS. A configuração da reforma psiquiátrica em
contexto local no Brasil: uma análise qualitativa. Caderno de Saúde Pública.
2007; 23(1):207-15.
4. Soares NA, Silveira BV,Reinaldo MAS. Serviços de saúde mental e sua relação
com a formação do enfermeiro. Rev Rene. 2010; 11(3):47-56.
5. Paraná CES. Organização de Serviços de Saúde Mental. Texto de
Pré-conferência [Internet]. [S.n.t.] [citado 2011 fev. 12] Disponível
em: <http://200.189.113.52:2080/CES-Bole.nsf/c6ff2e26d291b136032566270074c33f/abc093ae34e2a3fa032568c50073fa4f/$FILE/
Org_serv.doc>.
6. Kantorski LP, Pitiá, ACA, Miron VL. A reforma psiquiátrica nas publicações
da revista “Saúde em Debate” entre 1985 e 1995. Rev Eletr Enf [periódico
na internet] 2002[citado 2011 fev. 12]; 4(2):3-9.
7. Foster PC, Benett AM. Dorothea E. Orem. In: George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos à pratica profissional [tradução de Ana Maria
Vasconcellos Thorell]. 4ª ed. ARTMED; 2000: 83-101.
8. Rodrigues RA. Extensão Universitária como uma Práxis. [serial online] Em
Extensão [citado 2011 fev. 12] 2006; 5(1).
9. Buss PM. Promoção e educação em saúde no âmbito da Escola de Governo
em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública. Cad Saúde Pública. 1999;
15(sup 2):177-85.
10. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
Resolução nº. 196 de 10 de outubro de 1996: aprova as diretrizes e normas
regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Bioética. 1996;
4(2 supl.):15-25.
11. Sena ELS, Reis HFT, Carvalho PAL, Souza VS. A intersubjetividade do cuidar e o conhecimento na perspectiva fenomenológica. Rev Rene. 2011;
12(1):181-8.
12. Didonet ACH, Fontana RT. O trabalho com dependentes químicos: satisfações e insatisfações. Rev Rene. 2011; 12(1):41-8.
13. Diógenes MAR, Linard AG, Teixeira CA B, Comunicação, acolhimento e
educação em saúde na consulta de enfermagem em ginecologia. Rev Rene.
2010; 11(4):38-46.
14. Waidman MAP, Brischiliari A, Rocha SC, Kohiyama VY. Conceitos de cuidado
elaborados por enfermeiros que atuam em instituições psiquiátricas. Rev
Rene. 2009; 10(2):67-77.
15. Ruiz VR, Lima AR, Machado AL.Educação em saúde para portadores de
doença mental: relato de experiência. Rev Esc Enferm USP. 2004; 38(2):1906.Promoção do autocuidado da pessoa em sofrimento psíquico orientado
por profissionais de saúde
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
70
Download