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DIREITOS HUMANOS E O DIREITO À ACESSIBILIDADE UNIVERSAL
Idilia Fernandes1
Humberto Lippo2
Jane Cruz Prates3
RESUMO: O artigo aqui apresentado tem como objeto de análise os resultados parciais da pesquisa
“Condições para o Acesso das Pessoas com Deficiência aos Bens Sociais no Estado do RS”. Esta
pesquisa teve como objeto de investigação: as condições de acesso das pessoas com deficiência às
políticas públicas (saúde, educação, trabalho, assistência social, transporte, lazer, esporte, cultura e
habitação) e equipamentos (mobiliário urbano, veículos) nos municípios do Estado do Rio Grande do
Sul. Os resultados na íntegra desta pesquisa foram publicados em um livro e apresentados para
sociedade gaúcha em seminário. O objetivo deste artigo é relacionar os dados parciais apresentados no
mesmo com os preceitos da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, relacionando
ainda com o marco do Tratado dos Direitos Humanos Contemporâneos. O conceito de acessibilidade
universal aparece aqui como uma alternativa significativa para uma nova prática social civilizatória em
observância ao direito humano fundamental para todos e todas: o de pertencer e ter acesso aos bens
sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos, Acessibilidade Universal, Pessoas com Deficiência
INTRODUÇÃO: A pesquisa “Condições para o Acesso das Pessoas com Deficiência aos
Bens Sociais no Estado do RS” teve como objetivo verificar as condições de acesso das
pessoas com deficiência às políticas públicas (saúde, educação, trabalho, assistência social,
transporte, lazer, esporte, cultura e habitação) e equipamentos (mobiliário urbano, veículos)
nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Por outro lado buscamos construir um
espaço de interlocução entre a Universidade (PUCRS)4 e o espaço institucional (FADERS5)
que colocou em pauta a questão das diferenças/deficiências. Propiciar um novo debate em
torno da questão da acessibilidade e cidadania e contribuir na construção de uma nova prática
social que perceba na condição das diferenças a potencialidade dos sujeitos e a interdição que
está no social. A partir de um conceito que considera as relações sociais e suas conseqüências
1
2
3
Idilia Fernandes é Professora da Faculdade de Serviço Social graduação e pós – graduação PUCRS.
[email protected]
Humberto Lippo é professor Coordenador do Programa Permanente de Acessibilidade da Universidade
Luterana do Brasil – ULBRA. [email protected]
Jane Cruz Prates é professora da Faculdade de Serviço Social graduação e pós – graduação PUCRS.
[email protected]
4
5
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Fundação de Articulação da Política Pública para Pessoas com Deficiência e Altas Habilidades do Rio
Grande do Sul.
1
para os sujeitos que apresentem alguma deficiência, buscar a superação de conceitos e
práticas que reforcem os preconceitos e a exclusão social. Contribuir na construção de uma
nova cultura, na qual a diversidade da condição humana seja reconhecida.
Visamos construir coletivamente um diagnóstico situacional das atuais condições de
acesso das pessoas com deficiência nos 496 municípios do estado do RS. O meio social supõe
a invalidez de pessoas com deficiência e não considera as interdições que estão na sociedade,
bem como, não considera a deficiência do social e das políticas públicas. O resultado dessa
pesquisa foi apresentado para sociedade gaúcha logo após análise dos dados e foi editado um
livro com os resultados da pesquisa. A consolidação do Livro apresenta os dados da pesquisa
reunidos em nove capítulos contemplando as diferentes áreas das políticas públicas e o
controle social, com a participação dos Conselhos de Direito das Pessoas com Deficiência.
Neste artigo optamos por apresentar a análise do recorte da temática da acessibilidade
universal que é transversal a todas as políticas e foi um dos itens de análise da pesquisa.
Situamos esta análise da acessibilidade universal no estado do RS no contexto da Convenção
Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que por usa vez se situa na realidade
internacional dos tratados de Direitos Humanos. No século XXI temos avançado em
diferentes temáticas dos Direitos Humanos em documentações internacionais, em legislações
em conceitos e práticas. Estes avanços têm movimentado a dinâmica relacional dos diferentes
segmentos populacionais e estes segmentos, por suas vez, tem se movimentado e se
organizado para alcançar a transformação de suas realidades de segregação e discriminações.
Assim tem acontecido com as pessoas com deficiência ao longo da sua história, de extermínio
e segregação, estão galgando a ultrapassagem para novas possibilidades de sociabilidade de
acesso ao mundo com as demais pessoas. Esta luta se faz pelos caminhos dos Direitos
Humanos e sua materialidade que se pode perceber na prática social das políticas públicas.
A questão da Acessibilidade e sua posterior qualificação como Universal, inicialmente
criada como resposta aos problemas das barreiras arquitetônicas para aqueles com
deficiências e ou dificuldades de locomoção, desde há alguns anos ampliou sua abrangência,
na medida em que desenvolvia e incorporava importantes contribuições de outras áreas,
passando a dar conta de uma ampla gama de situações de comunicação, conforto, segurança e
2
autonomia das pessoas em geral. Deixando assim de ser uma questão relativa a um
contingente minoritário da população, para atingir a grande maioria.
A temática de Acessibilidade Universal se consolida crescentemente como área
especializada do conhecimento, articulando-se com aportes não apenas das áreas das ciências
sociais e humanas (filosofia, sociologia, antropologia, pedagogia, lingüística, serviço social,
comunicação, etc.), mas também das áreas da arquitetura, engenharia, e ciências da
computação entre outras. Nesse movimento a Acessibilidade, na medida em que
progressivamente amplia sua abrangência conceitual, se constitui em objeto de análise e
reflexão social, pois possibilita uma nova perspectiva de entendimento dos processos mesmos
da dinâmica da sociedade. Abordaremos nesse artigo uma conceituação de Acessibilidade
Universal para o entendimento mais preciso da questão, bem como uma análise da relevância
populacional e o significado dessa temática na apresentação da análise parcial dos dados
obtidos pertinentes a pesquisa “Condições de Acesso da Pessoa com Deficiência aos Bens
Sociais no RS”. Apresentamos no item 1 (um) as características da pesquisa realizada no RS,
procurando demonstrar sua natureza e realidade. No item 2 (dois) a Convenção dos Direitos
das Pessoas com Deficiência é situada no contexto dos Direitos Humanos. No item 3 (três)
desenvolvemos o conceito de acessibilidade universal, fundamentando o significado social de
uma nova prática social em perspectiva para uma sociabilidade que reconheça a diversidade
como condição da nossa humanidade. O quarto item trata dos dados obtidos com a pesquisa
realizada no RS, região Sul do Brasil6.
1 AS CARACTÉRÍSTICAS DA PESQUISA NO RS
A pesquisa “Condições de Acesso da Pessoa com Deficiência aos Bens Sociais no
RS”, teve como objeto de investigação:
As condições de acesso das pessoas com deficiência às políticas públicas (saúde,
educação, trabalho, assistência social, transporte, lazer, esporte, cultura e habitação) e
6
Para ver os resultados na integra da pesquisa aqui apresentada recomenda-se a leitura do livro que resultou da
análise de dados da pesquisa, livro já mencionado neste artigo: Condições de Acesso das Pessoas com
Deficiência aos Bens Sociais do Estado do Rio Grande do Sul/Organizadoras: Clarissa Meira F. Castro; Idilia
Fernandes e Rosane Arostegui de Azevedo – Porto Alegre: Evangraf, 2014. 272p.
3
equipamentos (mobiliário urbano, veículos) nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul.
Os sujeitos do processo de investigação: gestores públicos e administradores responsáveis
pelas políticas públicas nos municípios. Apresentamos objetivo geral, objetivos específicos,
formulação do problema, questões norteadoras, metodologia e aspectos éticos da pesquisa,
logo a seguir:
OBJETIVO GERAL: verificar as condições de acesso das pessoas com deficiência às
instâncias sociais (saúde, educação, trabalho, assistência social, transporte, lazer, cultura e
habitação) e ao mobiliário social (equipamentos), nos municípios do Estado do Rio Grande do
Sul, tendo em vista a construção e otimização de políticas públicas nessas áreas.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Conhecer a realidade de acesso da população com deficiência aos bens sociais
nas diferentes instâncias da sociedade

Levantar dados sobre a tipologia da deficiência associada às possibilidades de
acesso ou ausência de recursos para esta área específica

Investigar mecanismos legais, programas sociais e rede de apoio utilizada pelas
pessoas com deficiência como estratégia de inclusão.

Conhecer as condições de acesso urbano e equipamentos (mobiliário urbano)
dos municípios

Subsidiar a construção de políticas públicas nas diferentes áreas da deficiência nos
496 municípios do RGS.
FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA: como os municípios do Estado do Rio Grande do Sul
têm desenvolvido a acessibilidade universal no espaço de suas políticas públicas e no espaço
urbanístico e do mobiliário urbano?
QUESTÕES NORTEADORAS

Qual a realidade de acesso da população com deficiência aos bens sociais nas
diferentes instâncias da sociedade?
4

Que relação há entre a tipologia da deficiência e as possibilidades de acesso ou
ausência de recursos para área específica?

Em quais áreas das políticas públicas há maior dificuldade para o
desenvolvimento da inclusão social das pessoas com deficiência?

Quais os mecanismos legais, programas sociais e rede de apoio que são
utilizados pelas pessoas com deficiência?

Como estão às condições de acesso urbano e aos equipamentos (mobiliário
urbano) dos municípios?
METODOLOGIA/ETAPA DA INVESTIGAÇÃO
1)
Elaboração do plano de desenvolvimento do estudo, definindo atribuições, controles
administrativos, procedimentos para compras de material, datas e horários de reuniões
sistemáticas.
2)
Revisão coletiva do projeto de pesquisa, identificação de bibliografia básica e
complementar e adensamento das categorias centrais teóricas do método de investigação e
explicativas da realidade.
3)
Definição e realização de reuniões de pesquisa (alternando reuniões administrativas
para a condução do processo e reuniões técnicas para debates sobre a temática e teoria de
pesquisa). Realização da primeira oficina integrando os objetivos da pesquisa com os
interesses das instituições da interface (FADERS e FAMURS).
4)
Levantamento e seleção dos documentos, legislações que serão objeto de análise
documental e de estudos bibliográficos.
5)
Realização do Colóquio de pesquisa para capacitação dos Agentes colaboradores da
FADERS, da FAMURS, PUC e ULBRA para coleta de dados.
6)
Realização de contatos com a FAMURS para sensibilização dos pesquisados e acertos
quanto ao processo de investigação e levantamento de e-mails e sujeitos indicados para quem
devem ser enviados os instrumentos de coleta via Internet.
7)
Elaboração dos instrumentos de pesquisa e instruções para preenchimento do
questionário. Testagem de instrumentos. Revisão de instrumentos, se necessário. Os
5
questionários serão disponibilizados pela FADERS, também, via seu site (portal de
acessibilidade).
8)
Realização de Oficinas de pesquisa. Elaboração de relatórios parciais e prestações de
contas.
9)
Sistematização quantitativa dos dados a partir de interface com cursos de matemática
da Universidade e montagem do banco de dados. Elaboração do Relatório de Pesquisa.
10)
Realização do seminário de pesquisa em conjunto com os parceiros para socialização
dos resultados junto à comunidade acadêmica e institucional, apresentação de painéis para
debate sobre a temática e sobre os resultados. Publicação do livro com resultados da pesquisa.
CUIDADOS ÉTICOS COM A PESQUISA: A pesquisa foi aprovada pela Comissão
Científica da FSSPUCRS e pelo Comitê de Ética da PUCRS. Os sujeitos envolvidos na
pesquisa foram convidados a participar da mesma por via do termo de consentimento livre e
esclarecido, além do convite formal. Os resultados da pesquisa foram cuidadosamente
devolvidos aos sujeitos de pesquisa, através do seminário organizado para apresentação dos
dados, através das publicações em artigos e do livro previsto com os resultados analisados.
2 A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICÎÊNCIA NO
CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS
As pessoas com deficiência foram historicamente discriminadas, segregadas e até
exterminadas, o que ainda resulta em uma sociedade contemporânea que precisa avançar na
prática social das políticas públicas e universais nesta área. O Estado Brasileiro tem feito
alguns avanços em direção a construção de políticas públicas que pautam os direitos das
pessoas com deficiência na centralidade dos debates dos governos e da sociedade. O mais
significativo nesta construção da política é a mudança de concepção que antes eram serviços
ofertados não como um direito, mas como
caridade aos "coitadinhos”, “incapazes” e
desprovidos de direitos. Muitas instituições que atendiam pessoas com deficiência
desenvolviam suas práticas em diversos processos assistencialistas instituídos, cujo principal
elemento era a segregação.
6
O modelo atual para o desenho das políticas, com base nos direitos humanos advém da
Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (2006), que estabelece a
acessibilidade como ponto central das políticas e ações voltadas às pessoas com deficiência. O
protagonismo das pessoas com deficiência, a participação e o controle social são fatores
essenciais, partir disto, os sujeitos sociais não são mais vistos como objeto do
assistencialismo, mas de uma política de assistência social e de todas as demais políticas
públicas, assim instituídas no arcabouço dos direitos humanos fundamentais.
Por mais que os desafios possam ser significativos as possibilidades se fazem na
interlocução com as instâncias locais: conselhos de direitos, órgãos gestores, diversas
organizações e fóruns das PcD. Todos precisam estar empenhados nesta construção
democrática. Um novo Brasil, necessariamente passa pelo respeito às pessoas com deficiência
e às diferenças inerentes a todos os seres humanos. Existe um reconhecimento por parte da
ONU, isto significa que reúne diversos países do mundo, para estabelecer a mudança de
paradigma considerando os direitos humanos das pessoas com deficiência, especialmente e
fundamentalmente, no seu direito de participar efetivamente em todas as esferas da vida nas
mesmas condições que os demais cidadãos e cidadãs do mundo.
O objetivo estratégico IV da diretriz 10 - “garantia da igualdade na diversidade” do
Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos7 afirma a: “promoção e proteção dos
direitos das pessoas com deficiência e garantia da acessibilidade igualitária” (BRASIL, 2010,
p.117). Esse objetivo estratégico remete a compreensão do significado da deficiência
problematizando as instâncias sociais e não somente os limites do sujeito. De outra forma
salientando que o Estado e os demais espaços da sociedade devem promover e garantir a
acessibilidade para que todos exerçam sua cidadania com equidade.
O conceito de acessibilidade universal é fundamental para que seja possível a
quebra de barreiras arquitetônicas e dos preconceitos, bem como, para que se possa trabalhar
com novos paradigmas de acesso das pessoas com deficiência aos bens sociais. O PNDH3, no
Brasil e a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no mundo são
paradigmas que vêm para romper com a segregação e discriminação ainda vigente em relação
às pessoas com deficiência. Necessário se faz reafirmar um conceito sobre a deficiência que
7
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Republica. Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH 3). Brasília: SEDH/PR, 2010.
7
esteja problematizando as barreiras que o meio impõe, superando a visão que sempre situou o
sujeito como o deficitário tendo que se adaptar ao meio.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo, de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com
as demais pessoas. (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Artigo 1,
2008, p.27)8.
A afirmação desse novo paradigma, contido no conceito da citação acima, está
presente na Convenção da ONU e orienta uma linha política que vai problematizar as
barreiras da sociedade, respeitando o princípio da dignidade inerente ao ser humano e a
necessidade de se trabalhar por uma sociedade sem discriminação, com a plena e efetiva
participação das pessoas com deficiência na sociedade.
Na perspectiva da linha política e conceitual que se insere o PNDH3 e a
Convenção dos Direitos das pessoas com deficiência se faz necessário propiciar um renovado
debate em torno da questão dos direitos, da cidadania e na possibilidade de contribuir na
construção de uma nova prática social que perceba na condição das diferenças a
potencialidade do sujeito histórico e político. A partir de uma nova prática social entender que
as barreiras arquitetônicas e culturais criam verdadeiras interdições sociais impedindo os
sujeitos de pertencerem à sociedade em que vivem. Será importante criar conceitos que
considere as relações sociais e suas conseqüências para os sujeitos que apresentem suas
diferenças, suas peculiaridades, buscar a ultrapassagem de conceitos e práticas que reforcem
os preconceitos e a segregação social. Contribuir na construção de uma nova cultura, na qual a
diversidade da condição humana seja reconhecida e considerada nas práticas sociais.
Necessário de faz ultrapassar visões assistencialistas e articular politicamente a ideia
de protagonismo das pessoas com deficiência diante da transposição histórica de segregações
e exclusões de um segmento populacional que sempre viveu esta realidade. O propósito da
pesquisa na área da acessibilidade universal é pautar o tema na sociedade e fortalecer a meta
brasileira de promoção e defesa dos direitos das pessoas com deficiência, que no Brasil e no
mundo estão se orientando por novos paradigmas que pretendem quebrar os muros que
8
RESENDE, Ana Paula e Vital, Flávia M. de Paiva. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência: versão comentada. Brasília: CORDE. 2008.
8
sempre separaram as pessoas com deficiência daquelas ditas como “normais”. Reafirmando
assim o reconhecimento político das diferenças para que se possa alcançar um novo tipo de
sociabilidade que seja de fato democrática e acessível a todos e todas.
3 ACESSIBILIDADE UNIVERSAL: CONCEITOS E SIGNIFICADO SOCIAL
Em qualquer projeto, sempre se prioriza o ser humano como o centro gerador e, nos
espaços construídos, busca-se a melhor condição de uso, função, segurança, bem-estar,
acesso. Mas a qual ser humano referimo-nos? É bastante significativo o percentual
populacional composto por idosos, obesos, pessoas com estatura excessivamente baixa ou
alta, pessoas com deficiência, crianças, mulheres no oitavo e nono meses de gestação, pessoas
com lesões temporárias, entre outros. Todavia essas diferenças quase nunca são consideradas
quando se planeja os espaços construídos, mobiliário urbano e meios de transporte. Passa-se
assim, a questionar o mito do “homem-padrão” no qual fomos induzidos a crer e para o qual
se tem projetado por séculos.
Há, nas constituições federal, estadual e em diversas leis orgânicas municipais um
conjunto de disposições relacionadas com questões de acessibilidade ao meio físico
construído, transportes, circulação, meios de comunicação etc. Voltadas primeiramente para
as pessoas com deficiência, essas disposições atingem potencialmente outros setores sociais
(idosos, crianças, enfermos etc.) através da qualificação e humanização dos espaços de uso
público na cidade. Se ampliarmos mais o enfoque, incluindo preocupações com a segurança
da população através da prevenção de acidentes no uso dos espaços construídos, a totalidade
da população seria beneficiada.
Com base nos pressupostos da qualificação das condições gerais visando o exercício
da cidadania, no respeito à diferença e visando à consolidação de uma sociedade democrática
e um meio ambiente acessível para todos, o enfoque da Acessibilidade Universal propõe para
a sociedade um significativo avanço em suas relações. Portanto, a acessibilidade, entendida no
sentido de ação constitutiva do todo social, engloba todo o conjunto do espaço construído,
incluindo os aspectos da edificação, do urbanismo, das comunicações e do transporte em suas
múltiplas interfaces.
9
O conceito de acessibilidade é usado no sentido de identificar uma situação de uso
pleno, seguro e independente do espaço construído. Assim será acessível o espaço ou o
equipamento que propiciar tais condições a toda a população, independentemente de
características físicas, idade, sexo etc. Espaços ou equipamentos que não proporcionem essas
condições são possuidores de barreiras arquitetônicas. Uma das principais preocupações que
se deve ter no ato de planejar o espaço construído é considerar a totalidade de requerimentos
exigidos pelas diversas situações individuais, evitando, dessa forma, conflitos entre elas,
buscando atingir um ponto de equilíbrio em situações a priori contraditórias, procurando
soluções criativas e diversificadas, embora integrantes de um planejamento sistemático.
O grande paradoxo das relações sociais é produzir a padronização tendo em vista que
o ser humano é diverso, não se iguala que a dinâmica da existência humana não se molda aos
padrões. Assim a discussão da acessibilidade nos remete ao movimento das relações sociais
que criam as INTERDIÇÕES, pois, é a deficiência das estruturas sociais (instituições, escolas,
família, comunidade, mídia, espaços de trabalho, de lazer, entre outras) em reconhecer a
diversidade da condição humana.
Acessibilidade então é tornar a sociedade capacitada, apta a reconhecer que a
diversidade faz parte de seu movimento, de sua constituição. Para adaptar a isso é necessária
uma transformação nas condições materiais e simbólicas da vida em sociedade.
Acessibilidade Universal engloba os conceitos de Acessibilidade e Desenho Universal.
Podendo também ser entendida no contexto da sociedade, implicando acesso à equiparação de
oportunidades e inclusão social. Para uma mais precisa análise de qualquer sujeito e ou
questão se faz necessário precisar conceitualmente o objeto de análise. Nesse sentido é
importante a definição de alguns conceitos. Acessibilidade refere-se conjuntamente ao meio
físico e aos equipamentos e serviços de informação e comunicação. O Desenho Universal diz
respeito ao modo de concepção de espaços construídos, equipamentos e produtos, visando sua
utilização pelo mais amplo espectro de pessoas, incluindo crianças, idosos e pessoas com
deficiências temporárias ou permanentes.
Segundo o Censo de 2010 do IBGE, cerca de 23,92 % da população brasileira tem
algum tipo de deficiência, aproximadamente 45 milhões de pessoas, das quais destacamos
10
que: 70% vive abaixo da linha da pobreza; 33% são analfabetos ou freqüentaram a escola por
menos de 3 anos; 90% estão fora do mercado de trabalho.
Esses dados dão conta da gritante exclusão social a que está submetida essa população
em boa parte devido à falta de acessibilidade. Durante muito tempo todas as estimativas
populacionais giravam em torno de que 10% da população mundial teria alguma deficiência,
seguindo estimativa da Organização Mundial de Saúde da Organização das Nações Unidas
desde meados da década de 1970.
A OMS/ONU, segundo recente relatório inédito elaborado em conjunto com o Banco
Mundial, (junho/2011), revendo sua histórica estimativa, informa que existe cerca de 01
bilhão de pessoas com deficiência no mundo, totalizando 15% da população mundial. Esse
novo percentual é compatível com o divulgado em 2010 pelo IBGE que, tem sido muito
questionado no sentido de que seria superdimensionado e, agora se percebe não o é.
Em projeção, considerando a população do Brasil atualizada em 2010 de 190.755.799
pessoas teríamos aproximadamente 45.000.000 pessoas com deficiência no país, mais do que
à soma da população de toda a Região Sul (RS, SC e PR) do Brasil, sendo aproximadamente
2.500.000 somente no Rio Grande do Sul, número equivalente a quase o dobro da população
total de Porto Alegre9.
Assim podemos facilmente perceber que a questão da acessibilidade remete ao próprio
desenvolvimento do país, na medida em que nenhum país será plenamente desenvolvido se
mantiver um contingente populacional dessa magnitude à margem dos processos produtivos.
4 DA PESQUISA NO RS NA PERSPECTIVA DO CONCEITO DE
ACESSIBILIDADE UNIVERSAL
Inicialmente se faz necessário um comentário acerca da coleta de dados. Os resultados
obtidos são parciais, na medida em que nem todos os municípios gaúchos responderam ao
questionário, por realmente não disporem dos dados perguntados, o que reflete uma
secundarização preocupante dessa temática. Em que pese essas dificuldades, a amostragem
obtida é suficientemente relevante para proporcionar uma primeira análise mais geral acerca
dessa realidade.
9
Dados Censo Demográfico do Brasil, IBGE, 2010.
11
Perguntado aos municípios “Que possibilidades de acesso existem para pessoas com
deficiência nas áreas de Cultura, Turismo, Esporte, Lazer e Habitação, a resposta “Não
Consta” oscila entre 45% a 53%, enquanto a opção “Não Sabe” para as mesmas áreas fica
entre 20% a 32%, ou seja, entre a simples “não resposta” que evidencia total descaso com a
temática e o confesso desconhecimento que reforça ainda mais o descaso temos percentuais
de resposta bastante significativos. Sendo que os itens de acessibilidade respondidos como
rampas, corrimãos, banheiros adaptados, calçadas, entre outros, constam em percentuais
baixíssimos, não superiores a 2%. Mais adiante para as mesmas áreas perguntadas “Que
barreiras são encontradas, no seu município, para uma pessoa com deficiência ter acesso” se
verifica semelhantes percentuais de respostas. Variando em “Não Consta” entre 40% a 42% e
no item “Não Sabe” entre 26% a 31%. Convém destacar que para poder atuar sobre
determinada realidade é necessário conhecer essa mesma realidade, assim torna-se
praticamente inviável promover a acessibilidade se não se conhece onde inexiste
acessibilidade.
Perguntados sobre “Que providências estão sendo tomadas para superação das
barreiras e construção do acesso às políticas acima citadas?” coerentemente com as respostas
anteriores 33% não responderam, 16% não sabem e, surge uma boa notícia enfim, 23%
salientam
que
os
seus
municípios
tem
realizado
“adaptação
de
locais
para
inclusão/modelagem arquitetônica”. Perguntados pelo número de ônibus acessíveis 48% dos
municípios respondeu que inexistem 35% não respondeu e 7% sequer sabe disso. Na
seqüência desse item, perguntados “Que horários são disponibilizados para este serviço de
transporte acessível?” 54% não sabem e 33% não responderam como era de se esperar. Se
conhecer a realidade é condição necessária para nela atuar, planejar essa atuação é
imprescindível. Perguntados se “A lei orgânica do município prevê uma política
universalizada no transporte coletivo?” 35% não responderam, 32% não consta resposta e
apenas 32% responderam afirmativamente.
Perguntado aos municípios para assinalarem mobiliários e ou equipamentos urbanos
acessíveis 40% não respondeu, sendo diversos outros itens (estacionamento, meio-fios
rebaixados, telefones públicos rebaixados, entre outros) apontados em percentuais pequenos.
Outro ponto preocupante levantado pela Pesquisa, diz respeito à abrangência e composição da
12
população com deficiência, condição básica para qualquer planejamento bem sucedido.
Perguntado aos municípios se existe mapeamento da população com deficiência, apenas 9%
responderam positivamente, sendo que 21% afirmam não saber e a grande maioria de 69%
sequer respondeu. Esses percentuais se aplicam igualmente, com variações entre 1% e 3% nas
questões do quantitativo dessa população entre zona urbana e rural e, ainda no que diz
respeito às áreas de deficiência: visual, auditiva, física, múltipla, transtornos globais do
desenvolvimento e outras síndromes.
Portanto depreende-se dos dados acima sobre questões relativas à acessibilidade que o
quadro mostrado pelos municípios é por demais preocupante. Não apenas pelos baixíssimos
percentuais dos itens respondidos afirmativamente, mas, sobretudo pelo elevado grau de
desconhecimento com essa temática demonstrado. Talvez porque a magnitude das demais
questões sociais (saneamento, educação, saúde, etc.) enfrentados pelos municípios faça com
essa temática seja secundarizada ou talvez porque exista no imaginário da sociedade o
entendimento, via preconceitos errôneos arraigados, que entendem pessoas com deficiência
como incapazes e improdutivas, o que faz com que essas demandas não sejam prioritárias,
Há aqui uma importante expressão da questão nodal, considerando que o trabalho
como valor fundante da atividade humana, no sentido de atuar sobre a natureza
transformando-a e, por extensão, do próprio capitalismo que se baseia na relação de compra e
venda da força de trabalho para desta forma extrair a mais valia como mola propulsora de sua
dinâmica. E como por preconceitos e estereótipos a sociedade via de regra assim entende as
pessoas com deficiência como incapazes e ou improdutivas, o reflexo lógico dessa concepção
é a secundarização de suas questões na medida em que não seriam capazes de trabalhar.
Assim para romper esse ciclo vicioso faz-se imperioso trabalhar a conscientização do
conjunto da sociedade em duas direções complementares. Uma no sentido de educar que
acessibilidade não é especificamente dirigida às pessoas com deficiência senão que para todas
as pessoas com e sem deficiência e, a outra de que as pessoas com deficiência podem ser tão
produtivas como qualquer outra pessoa desde que sejam dadas a elas as devidas condições.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Pensando termos demonstrado nas linhas acima a relevância
da acessibilidade em todos os espaços e serviços da sociedade, não apenas como melhoria das
13
condições de vida das pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção, o que por si só
se justificaria em face da magnitude desse contingente populacional, mas principalmente
porque isso implica na qualificação da sociedade como um todo, tendo em vista segurança,
conforto e reconhecimento político das diferenças humanas.
Sobretudo considerando que as pessoas com deficiência são parte essencial da
diversidade humana e da condição humana, e que o respeito à diversidade e à cidadania são
requisitos fundamentais para uma sociedade com igualdade de oportunidades, era de se
esperar que no século 21 a questão da acessibilidade estivesse mais bem difundida e
concretizada. Todavia infelizmente não é o que se pode constatar analisando os dados da
pesquisa. Assim podemos depreender que a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência, primeiro tratado mundial da Organização das Nações Unidas do século 21 e
ratificado pelo Brasil como norma constitucional, que entende que a deficiência está na
interação da pessoa com um meio social padronizado e segregador, ainda é um ideal a ser
atingido e muito deve a sociedade ainda fazer para que se torne realidade. Por todos esses
motivos expostos entendemos que com as pessoas existem as diferenças, fator básico que as
constitui como seres únicos e singulares, sendo que a deficiência, entendida como falta e
incompletude, é relativa às estruturas sociais, quer físicas ou comportamentais.
A política atual na área da deficiência reflete a questão social, tanto do ponto de vista
de um brutal processo histórico de segregação e extinção das pessoas com deficiência que
foram impedidas de participar da sociedade quanto do que se pode hoje avançar politicamente
sobre esta história de horrores. Temos atualmente, marcando a condição brasileira, uma
Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência 10 vinculada a
Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República. Em termos
internacionais temos a Convenção dos Direitos das Pessoas com deficiência aprovada em
Assembléia pela ONU em 2006 e ratificada pelo Brasil 2008, que significa um grande avanço
para balizar a legislação e as políticas públicas e sociais na área.
14
REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Republica. Programa Nacional de
Direitos Humanos (PNDH 3). Brasília: SEDH/PR, 2010.
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Extraída de:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm.
Consultado
em 30/01/2013.
FERNANDES, Idilia. Interdições Sociais e a Diversidade. In: Sociologia da Acessibilidade e
Reconhecimento Político das Diferenças. Org. Humberto Lippo - Canoas: Editora da Ulbra,
2012
IBGE. Dados do Censo Demográfico do Brasil, 2010. Secretaria Nacional de Promoção dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Presidência
da República. 2011
LIPPO PINHEIRO, Humberto. Acessibilidade Universal. In: Sociologia Textos e Contextos.
2ª Edição. Canoas: Ed. Ulbra. 2005.
LIPPO PINHEIRO, Humberto. Sociologia da Acessibilidade, Reconhecimento Político das
Diferenças Através do Espírito Público. Canoas: Ed. Ulbra. 2011. Organização das Nações
Unidas.
Visita
ao
site
em
julho
de
2011
http://www.who.int/disabilities/world_report/2011/report/en/index.html
15
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