Santo Daime reúne 150 fiéis em Camanducaia

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RELIGIOSIDADE
Santo Daime reúne 150
fiéis em Camanducaia
NADIR CASTRO
Pelo menos 150 pessoas, da região de Pouso Alegre
e de vários Estados brasileiros,
se reuniram no sítio Céu da
Mantiqueira, em Camanducaia,
para um ritual que exige a ingestão
de uma bebida que só recentemente deixou de ser proibida nos
Estados Unidos, onde era considerada um alucinógino de grande
potência. Os participantes do
encontro são adeptos do Santo
Daime, uma comunidade que,
mesmo no Brasil, onde marca
presença há décadas, ainda é
objeto de curiosidade e muita
polêmica.
Na reunião em Camanducaia, da qual o Primeira
Página participou apenas dos
momentos iniciais, os organizadores do encontro informam
que, ao contrário da imagem
tradicionalmente atribuída ao
Daime, os jovens hoje procuram
a doutrina com finalidade bem
oposta: se livrar da dependência
de álcool e das drogas em geral,
além de mergulharem num
profundo processo de autoconhecimento. Esse trabalho,
que se obtém a partir do consumo
do chá que leva o nome da seita,
ocorre durante cinco horas
seguidas. Sentados ao redor de
um altar com formato de estrela
de seis pontas, os participantes
bebem o Santo Daime e elevam
cantos de forma intensa, o que
leva a uma alteração do estado
de consciência dos adeptos.
Os seguidores batizados participam uniformizados,
como determina a doutrina
daimista. Mulheres não circulam
no espaço reservado para os
homens. Para fazer parte do ritual,
é obrigatório tomar o chá, como
também permanecer até o final
dos trabalhos.
A quantidade da bebida
a ser consumida pelo participante
é determinada pelos “comandantes” – pessoas responsáveis
Francisco e Ude fundaram a comunidade Daime em Camanducaia
por conduzir o culto. Devido ao
forte teor da bebida, “fiscais”
ajudam a conduzir os trabalhos.
A dosagem para as mulheres é
mais fraca, pois um dos efeitos
provocados pela ingestão da
bebida é o vômito. Leva de quinze
a trinta minutos para o chá iniciar
as reações no organismo, efeito
que pode persistir, dependendo
do indivíduo, por até três dias.
Um dia antes do ritual é recomendado aos interessados que
não comam carne vermelha, comidas pesadas ou que mantenham relações sexuais.
A maior parte da ahyauasca, planta que fornece os
ingredientes do chá, utilizada nos
rituais em Camanducaia, vem da
Floresta Amazônica. O cipó Jagube (banesteriopsis caap) e a
folha Rainha (psicotrya viridis),
matérias primas para fazer o chá,
estão sendo cultivados também
no sítio pertencente à igreja, mas
de forma ainda muito tímida,
devido ao fato dessas plantas
não apresentarem no sul de
Minas o mesmo rendimento que
apresentam na região Norte
brasileira. De cada pessoa, para
PRIMEIRA PÁGINA, Abril de 2006
cobrir os custos de produção da
bebida, é cobrada uma taxa de R$
25,00.
A comunidade daimista,
segundo informa a “madrinha” do
trabalho espiritual que se realizou
em Camanducaia, conhecida por
Ude, tem procurado ajudar os
dependentes de drogas a deixar
o vício. Segundo ela, muitos
jovens procuram o movimento em
busca de mais uma substância
química com a qual se intoxicar,
mas acabam descobrindo que a
filosofia do Daime trabalha em
sentido exatamente oposto. Até
recentemente, ali funcionou um
alojamento para abrigar os dependentes químicos que necessitavam de internação, foi
desativado por falta de infraestrutura apropriada.
Fundadora da comunidade em Camanducaia, Ude descreve o Santo Daime como uma
manifestação religiosa. A assistência aos que precisam se livrar
das drogas, segundo disse, hoje
se restringe ao que apenas à
participação das reuniões. D. K.
L, 24 anos, um dos adeptos que
compareceram na reunião em
Camanducaia, consumiu drogas
desde os 14 anos de idade. Hoje,
ajuda no cultivo da plantação do
cipó no sítio, tendo conhecido o
Daime por indicação do seu psiquiatra, que também é daimista.
O psiquiatra Eliseu
Labigeline Jr, que toma o chá há
dez anos, diz que o Santo Daime
ainda é visto com muito preconceito. A doutrina prega a
humildade e o respeito pela natureza. A bebida utilizada no
ritual é o instrumento para o
aumento da percepção e com isso
a busca do auto-conhecimento.
“O chá tem propriedades enteógena, que quer dizer ‘dentro de
Deus’, e não causa nenhuma
dependência química”. Cada
pessoa reage de modo muito
particular, dependendo do que
cada um procura dentro de si,
afirmou.
O advogado A.K.M., de
São Paulo, foi levado pela família
aos rituais do Daime e afirma ter
encontrado no movimento força
para largar as drogas. “Só tive
uma recaída desde que passei a
tomar o Santo Daime; hoje estou
bem e consigo ver o quanto
minha família sofreu com a minha
dependência”.
A legislação brasileira não
proíbe a utilização da ahyauasca
em ritual religioso, já que o culto
à religiosidade é garantido pela
Constituição Brasileira. Nos
Estados Unidos, onde também
existem seguidores do Santo
Daime, o consumo do chá, no
entanto, só foi liberado recentemente por manifestação da
Suprema Corte.
Os seguidores definem a
igreja do Santo Daime de forma
sincrética: é um misto do cristianismo, espiritismo e umbanda.
Diferentemente do que ocorre em
outras comunidades espalhadas
pelo país, o Céu da Mantiqueira,
em Camanducaia, através do
padrinho Chico e madrinha Ude,
tem trabalho também no campo
da mediunidade.
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