A Imunidade Tributária das Empresas Estatais Prestadoras de Serviços Públicos Rodrigo Varanda, Advogado Tributarista no Rio de Janeiro, Sócio do Mendes Costa Advogados Associados, Pós-Graduado em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminense, Professor de Direito Processual Tributário da UCAM/IVM. Introdução Como é difícil o trabalho do operador do direito! Por vezes, temos que empreender tamanho esforço, para descobrir o sentido oculto da norma, uma vez que a literalidade do texto pode conduzir a sua interpretação equivocada. E é justamente isto o que ocorre quando o operador de direito tem a tarefa de interpretar o artigo 173, §2º, da Constituição Federal1. Este dispositivo constitucional prevê que as empresas estatais2 não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às empresas do setor privado. Todavia, é preciso ter em mente, que este dispositivo constitucional deve ser interpretado com ressalvas, pois na grande maioria das vezes é preciso deixar de lado a literalidade da lei, para se buscar qual é a finalidade da norma, alcançando-se o seu verdadeiro sentido. Ora, este é o fim perseguido neste trabalho, o de demonstrar que a correta 3 interpretação do §2º, do artigo 173, da Constituição Federal, conduz ao entendimento de que as empresas estatais não podem sofrer a tributação dos impostos incidentes sobre seus patrimônios, rendas e serviços, uma vez que fazem jus à imunidade tributária recíproca. I – As Empresas Estatais 1 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) § 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. 2 O termo “estatal” é aqui empregado como gênero, do qual são espécies as empresas públicas e sociedades de economia mista. 3 A nosso ver, a correta interpretação a ser aqui utilizada é a finalística. Pela expressão empresa estatal, designa-se todas as sociedades, civis ou comerciais, de que o Estado detenha o controle acionário, abrangendo a empresa pública e a sociedade de economia mista. Muito embora estas empresas sejam geridas pelo Poder Público, existem traços que as diferenciam, tais como: a forma de organização e a composição do capital social da empresa. Com relação à forma de organização, a sociedade de economia mista, por força no disposto no artigo 5º, do Decreto-lei nº 200/67, somente pode ser constituída sob a forma de sociedade anônima. Por sua vez, a empresa pública, segundo o mesmo dispositivo legal, pode ser constituída sob quaisquer das formas admitidas em direito, ou seja, sociedade anônima ou sociedade limitada. Mas a diferença primordial entre ambas encontra-se na composição do capital social da empresa. Na empresa pública, o controle acionário que o Estado detém é integral, ou seja, o Ente político é detentor de 100% das ações da sociedade. Como exemplos de empresas públicas, pode-se citar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT -, a Caixa Econômica Federal – CEF -, a Infraero, a Dataprev, dentre outras mais. Já na sociedade de economia mista, a composição do capital é mista, uma vez que há participação conjunta do capital público e privado. No entanto, a controle societário deve ser público. Como exemplos de sociedades de economia mista, podemos citar a Petrobrás e o Banco do Brasil. Todavia, dentro desta distinção entre sociedade de economia mista e empresa pública, existe uma classificação que é essencial para o fim perseguido neste trabalho, como será demonstrado abaixo. A Constituição Federal de 1988 distingue dois tipos de empresas estatais: as que exploram atividades econômicas e as prestadoras de serviços públicos. A exploração de atividade econômica assemelha-se as atividades exercidas pelas particulares, pois neste caso, o Estado está exercendo uma atividade que visa o lucro, e não o interesse da população. Por esta razão, é que a Petrobrás não vende combustível a preço de custo; a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil não se abstêm de cobrar juros elevados e ainda altos valores pelos serviços por eles prestados. Situação diametralmente oposta é a que ocorre com a estatal prestadora de serviço público. Neste tipo de sociedade, o Estado não visa o lucro, mas tão somente satisfazer o interesse da população, através da prestação de serviços essenciais, sem os quais a vida em sociedade seria pior, e em alguns casos impossível. São exemplos da afirmação acima, os serviços públicos de correios e telégrafos; o fornecimento de água e tratamento de esgoto; a fiscalização do trânsito municipal; dentre outros mais. II – A Imunidade Tributária Das Estatais As imunidades tributárias caracterizam-se como limitações constitucionais ao poder de tributar dos Entes políticos, impedindo que estes exerçam suas atividades legislativas sobre o patrimônio, renda e serviços de determinadas pessoas. Todavia, tal limitação à competência tributária impositiva dos Entes políticos não é absoluta, sofrendo mitigações ao longo do Texto Constitucional. Tradicionalmente em nosso ordenamento jurídico, as imunidades tributárias somente alcançavam os impostos. No entanto, com o advento da Emenda Constitucional 33/2001, que acrescentou o §2º, inciso I, ao artigo 149, da Carta Magna, foi criada uma imunidade que abrange a todas as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, mas tão somente as que incidem sobre as receitas decorrentes de exportação. Além desta imunidade, que atinge a certos tipos de contribuições, existe ainda a imunidade prevista no artigo 197, §7º, da Constituição Federal, cujo texto menciona uma regra de isenção, mas que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a regra ali descrita refere-se à imunidade4. Entretanto, a imunidade que interessa para o presente trabalho, é tão somente a que impede os Entes políticos de instituírem impostos sobre patrimônio, renda e serviços uns dos outros. É a chamada “imunidade tributária recíproca”. Esta limitação constitucional ao poder de tributar é considerada como corolário da forma federativa do Estado Brasileiro, tendo em vista a igualdade político-jurídica existente entre os Entes da Federação. A imunidade tributária recíproca representa um mecanismo indispensável à preservação institucional das próprias unidades da Federação. É de se frisar a preocupação do Poder Constituinte Originário de inibir a submissão fiscal de um Ente da Federação a outro, o que certamente inviabilizaria o funcionamento do Estado Nacional. Dada a sua importância para a preservação do Estado Brasileiro, esta imunidade é considerada pelo Supremo Tribunal Federal como cláusula pétrea, não podendo ser suprimida da Carta de Outubro nem mesmo por emenda constitucional5. Mas este tipo de imunidade6, por força do artigo 150, §2º, da Carta Magna, atinge também as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, mas desde que o patrimônio, renda ou serviços destas entidades sejam vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes. Contudo, uma questão que vem despertando a atenção dos juristas, é a de saber se esta imunidade tributária pode ser extensiva às empresas públicas e sociedades de economia mista. Com efeito, como visto no capítulo anterior, as empresas estatais classificam-se, quanto ao tipo de atividade, em exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços públicos. 4 Supremo Tribunal Federal, RMS nº 22192/DF, Relator: Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 19-12-1996. Supremo Tribunal Federal, Adin 939, Relator Ministro Celso de Mello, Plenário. 6 Este tipo de imunidade, por levar em consideração a pessoa que se busca atingir, classifica-se como subjetiva. Mas quando a imunidade atinge a determinado bem, diz-se que se trata de uma imunidade objetiva. 5 A empresa estatal exploradora de atividade econômica, por exercer uma atividade tipicamente privada, que visa o lucro, e não é de interesse público, deve ser equiparada, para fins tributários, às pessoas jurídicas de direito privado, por força do disposto no artigo 173, §2º, da Constituição Federal, sujeitando-se, portanto, à incidência dos impostos incidentes sobre o seu patrimônio, renda e serviços. Todavia, a empresa estatal prestadora de serviços públicos, por exercer uma atividade de interesse público, e que não tem finalidade lucrativa, seria equiparada, para fins tributários, à autarquia, sendo, portanto, beneficiária da imunidade tributária recíproca. E como se sabe, esta imunidade dispensa a autarquia, do recolhimento dos impostos incidentes sobre o seu patrimônio, renda e serviços, por força do artigo 150, VI, “a”, c/c 150, § 2º, todos da Constituição Federal. No voto proferido pelo Ministro Carlos Velloso, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.099, que, muito embora se refira a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT –, entendemos ter aplicação para toda e qualquer empresa estatal prestadora de serviços públicos, fica evidenciado a necessária distinção entre estatais, para fins de tributação, como se verifica pelo trecho do seu voto abaixo transcrito: “É preciso distinguir as empresas públicas que exploram atividade econômica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (C.F., art. 173, § 1º), daquelas empresas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do art. 173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço público, inclusive, à responsabilidade objetiva (C.F., art. 37, § 6º).” Muito embora, pela redação do artigo 173, §1º, II, e §2º, da Constituição Federal, possa parecer que todas as empresas estatais devem se sujeitar ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive em relação às obrigações tributárias, é preciso ter em mente que este dispositivo deve ser interpretado com ressalvas. Em casos como este, o intérprete deve se abster de interpretar literalmente o texto legal, buscando-se a mens legislatore, ou seja, a finalidade da norma, interpretando-se o mesmo de forma teleológica. Sendo assim, através de uma interpretação teleológica7 do §2º, do artigo 173, da Carta Magna, verifica-se que a finalidade da tributação das empresas estatais é evitar a concorrência desleal, pois, caso a estatal exploradora de atividade econômica tivesse direito à imunidade tributária recíproca, haveria a quebra das empresas do setor privado, gerando, conseqüentemente, desemprego e perda de arrecadação tributária para o Estado. A nosso ver, o que a Poder Constituinte deseja é que o Estado-Empresário não tenha privilégios em relação aos particulares que exerçam o mesmo tipo de atividade empresarial. Contudo, a grande maioria de empresas estatais prestadoras de serviços públicos exercem tais atividades em regime de monopólio, ou seja, somente elas prestam aquele serviço no território onde atuam. Seria o caso, por exemplo, da Companhia Estadual de Águas e Esgotos – Cedae -, que nos Municípios onde ela presta o serviço público de fornecimento de água e tratamento de esgoto, somente ela atua, não havendo empresas particulares disputando o mercado com ela. Mas, caso a empresa estatal preste o serviço público em regime de monopólio, inexistindo concorrência entre ela e as empresas do setor privado, desaparece a razão da tributação, pois não pode haver concorrência se somente uma empresa presta um determinado serviço. Assim sendo, se a estatal prestar o serviço público em regime de monopólio, tornase ainda mais evidente o seu direito de não ser compelida à tributação dos impostos incidentes sobre o seu patrimônio, renda ou serviços. Cabe ressaltar que não obstante terem ocorrido diversas modificações na Constituição Federal, estas não tiveram o condão de modificar este benefício fiscal, sendo este o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário acima citado, onde o Ministro relator, Carlos Velloso, manifestou-se nos seguintes termos: 7 Ou como alguns preferem chamar de finalística. “As reformas constitucionais que sobrevieram, Emendas Constitucionais 6/95, 7/95, 8/95, 9/95, 19/98, 33/2001 e 42/2003 não alteram o entendimento.” Ademais, no mesmo sentido, existem muitas outras decisões do Supremo Tribunal Federal, dos quais são exemplos os Recursos Extraordinários nºs 398.630 e 354.897. Outro ponto a ser abordado, diz respeito à aplicação, ou não, da regra inscrita no §3º, do artigo 150, da Constituição Federal, uma vez que o referido dispositivo constitucional estabelece que a imunidade tributária recíproca das autarquias não se aplica ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Não nos parece que a regra acima citada tenha o condão de afastar o direito das estatais prestadoras de serviços públicos de fazerem jus à imunidade tributária recíproca, uma vez que tal dispositivo da Constituição tem a sua aplicação restrita às estatais que explorem atividade econômica. Neste sentido, são as palavras proferidas pelo Ministro Carlos Velloso, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.099, abaixo transcritas: “Dir-se-á que a Constituição Federal, no § 3º do art. 150, estabelecendo que a imunidade do art. 150, VI, a, não se aplica: a) ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados; b) ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário; c) nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel, à ECT não se aplicaria a imunidade mencionada, por isso que cobra ela preço ou tarifa do usuário. A questão não pode ser entendida dessa forma. É que o § 3º do art. 150 tem como destinatário entidade estatal que explore atividade econômica regida pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. No caso, tem aplicação a hipótese inscrita no § 2º do mesmo art. 150.” Desta forma, não há dúvidas em se afirmar que as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, por exercerem uma atividade de interesse da população, e que não encontra paralelo nas atividades desenvolvidas pelas empresas privadas nas suas áreas de atuação, não podem se sujeitar à competência tributária impositiva dos demais Entes da Federação, eis que são beneficiários da imunidade tributária recíproca. III – Quais os Tributos Alcançados pela Imunidade Tributária Uma vez demonstrado acima, que as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, principalmente as que prestam tais serviços em regime de monopólio, equiparam-se, para fins tributários, às autarquias, fazendo jus ao privilégio da imunidade tributária recíproca, imperioso se faz discriminar quais os impostos que seriam abrangidos por esta regra. Sem embargo, a Constituição Federal estabelece que a imunidade tributária das autarquias abrange os impostos incidentes sobre o seu patrimônio, renda e serviços. Assim sendo, entendemos que os impostos abrangidos por este benefício fiscal seriam: Imposto de Renda, ISS, IPTU, IPVA, ITR, ITBI, IOF e ITD, uma vez que estes tributos utilizam como aspecto material da regra matriz de incidência tributária a renda, o serviço e o patrimônio, respectivamente. No entanto, muito embora o fato gerador do Imposto de Importação, ICMS e IPI, não seja a aquisição de renda, ou prestação de serviços, estes impostos, quando incidentes sobre bens destinados ao patrimônio da estatal, estariam também sujeitos a tal regra da imunidade, pois o aspecto material da regra matriz de incidência tributária seria o patrimônio. Questão interessante é a de se saber se o ICMS incidente sobre o serviço de telecomunicações estaria abrangido pela regra da imunidade tributária recíproca. Como o serviço de telecomunicações é prestado por uma concessionária de serviço público, esta deve se sujeitar ao pagamento do ICMS incidente sobre tal serviço. Ocorre, porém, que o ônus tributário é transferido pela concessionária para o tomador do seu serviço. Há nesta operação, a figura do contribuinte de direito (a concessionária) e do contribuinte de fato (o tomador do serviço de telecomunicações). E, segundo o nosso entendimento, neste caso, há que se levar em conta quem assume o ônus fiscal, ou seja, que é que tem que desembolsar aos cofres do Estado-Membro o pagamento do ICMS. Ora, e como nesta hipótese, o ICMS é pago pela empresa estatal, que é a tomadora do serviço de telecomunicações, resta induvidoso que a mesma não poderia se sujeitar a tal exação, pois este tributo tem como objeto a prestação de um serviço, pouco importando se a estatal é a prestadora ou a tomadora de serviço. Frise-se que a Constituição Federal não faz distinção se a imunidade tributária sobre serviços somente se aplicaria no caso do Ente Público ser o prestador do serviço, e não o tomador deste. Assim sendo, o que deve ser levado em conta é o objeto da tributação – o serviço -, e não o fato de a estatal ser a prestadora ou a tomadora deste. Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, desde longa data, vem interpretando de maneira bem extensiva o conceito de impostos incidentes sobre patrimônio, renda e serviços, pelo que mostra-se plenamente cabível a tese defendida nas linhas acima. Ademais, como já visto anteriormente, a finalidade da imunidade tributária recíproca é evitar a tributação de Ente da Federação por outro, eis que isto pode comprometer o funcionamento do Estado Brasileiro. Isto posto, entendemos que a imunidade tributária recíproca das estatais prestadoras de ser viços públicos engloba os seguintes impostos: Imposto de Renda, ISS, IPTU, IPVA, ITR, ITBI, IOF e ITD. O Imposto de Importação, ICMS e IPI somente seriam atingidos pela imunidade quando incidentes sobre um bem que está sendo destinado ao patrimônio da estatal. E ainda o ICMS incidente sobre o serviço de telecomunicações. IV — A Jurisprudência dos Tribunais Pátrios sobre o Tema Sobre o tema em exame existem inúmeras decisões judiciais, algumas reconhecendo a imunidade tributária das estatais, e outras em sentido contrário, afirmando que estas empresas não podem gozar de tal privilégio fiscal. Sendo assim, veremos a seguir decisões em ambos os sentidos. IV.a - Decisões Reconhecendo a Imunidade Tributária Perante o Supremo Tribunal Federal, o leading case sobre o assunto foi o Recurso Extraordinário nº 407.099, sob a relatoria do Ministro Carlos Velloso, que fez profundo estudo doutrinário acerca do tema. No referido recurso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a imunidade tributária recíproca da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT -, em decisão que restou assim ementada: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido.”8 Em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a imunidade tributária da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia – CAERD, in verbis: “O Tribunal concedeu medida cautelar em ação cautelar ajuizada pela Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia - CAERD para suspender os efeitos de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do referido Estado-membro em apelação, até julgamento de agravo de instrumento interposto contra decisão que não admitira recurso extraordinário da empresa no qual pretende seja reconhecido seu direito à imunidade recíproca incidente sobre o fato gerador do IPTU (CF, art. 150, VI, a). Entendeu-se que, em situações excepcionais, nas quais são patentes a plausibilidade jurídica do pedido — decorrente do fato de a decisão recorrida contrariar jurisprudência ou súmula do STF — e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação — consubstanciado pela execução do acórdão recorrido —, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar mesmo que o recurso extraordinário tenha sido objeto de juízo negativo de admissibilidade e o agravo de instrumento interposto contra essa decisão ainda não se encontre sob a jurisdição do STF. Considerou-se que, no caso, o acórdão objeto do recurso extraordinário parece afrontar jurisprudência da Corte firmada no julgamento do RE 407099/RS (DJU de 6.8.2004), tendo em conta que a CAERD é sociedade de economia mista prestadora do serviço público obrigatório de saneamento básico, portanto, abrangida pela aludida imunidade tributária. Além disso, ressaltou-se ser manifesta a urgência da pretensão cautelar, porquanto, com a execução do acórdão recorrido, a companhia será obrigada a pagar os débitos 8 Supremo Tribunal Federal, RE 407099, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 06-08-2004. tributários em discussão, gerando a inscrição em dívida ativa e as conseqüências oriundas desse fato.”9 Mas a jurisprudência de nossos Tribunais Regionais vem se posicionando no sentido de que a Infraero, por ser uma estatal, prestadora de serviço público, e em regime de monopólio, também tem o direito à imunidade tributária recíproca, como se vê pela decisão abaixo: “TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE FISCAL DA EMPRESA BRASILEIRA DE INFRA-ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA INFRAERO. - O patrimônio, as rendas e os serviços da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO são alcançados pela imunidade tributária recíproca estabelecida no art. 150, VI, "a", da CF/88, pois a estatal, embora tenha sido instituída sob a forma de empresa pública, não exerce atividade econômica, prestando serviço público típico em regime monopolizado.”10 Como se vê, o Supremo Tribunal Federal, bem como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região possuem diversos precedentes reconhecendo a imunidade tributária recíproca das estatais prestadoras de serviços públicos, que atuem em regime de monopólio nas suas respectivas áreas concedidas. IV.b - Decisões Negando a Imunidade Tributária Mas a beleza do Direito está justamente na divergência de opiniões, e como não poderia deixar de ser, da mesma forma que existem decisões reconhecendo a imunidade, existem também decisões em sentido contrário, senão vejamos. 9 Supremo Tribunal Federal, AC 1550 MC/RO, rel. Min. Gilmar Mendes. 10 Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível 200404010472817, Relator Desembargador Federal João Surreaux Chagas, Segunda Turma, DJU 16/02/2005. Na decisão abaixo, vemos que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região interpretou o §2º, do artigo 173, da Constituição Federal, de forma literal, negando o direito da ECT à imunidade. Vejamos a decisão: “CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. BENEFÍCIO QUE NÃO ALCANÇA A ECT. ISS SOBRE O SERVIÇO POSTAL. NÃO INCIDÊNCIA. VEDAÇÃO DO EMPREGO DA ANALOGIA PARA EXIGÊNCIA DE TRIBUTO SOBRE INCIDÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. 1. A imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea "a" e parágrafo 2º, da Constituição Federal, foi concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou seja, entidades dotadas de poder tributante, com extensão às autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público. Assim, embora a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos preste serviço público decorrente de monopólio estatal, tal benefício não a alcança, por se tratar de empresa pública. 2. Contudo, para que haja fato gerador do ISS, faz-se necessário que o serviço prestado esteja tipificado na legislação tributária municipal, sendo vedado o emprego da analogia para se aferir fato gerador de tributo. 3. Se o serviço postal - atividade-fim da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - não se encontra listado no rol dos serviços tributados pelo ISS, não pode subsistir a execução que tem como origem a autuação por ausência de pagamento do ISS e pelo descumprimento de obrigação acessória relacionada ao referido tributo. Precedentes deste TRF da 1ª Região. 4. Apelação e remessa oficial tida por interposta desprovidas.”11 11 Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Apelação Cível nº 1997.01.00.042112-8, Relator Juiz Federal Wilson Alves de Souza, Terceira Turma Suplementar, DJ 02/06/2005. Ressalte-se que a Corte Regional da 4ª Região, negou o benefício em estudo a uma sociedade de economia mista, sob o fundamento de que o artigo 150, §3º, da Carta Magna, veda o direito à imunidade tributária recíproca a empresas estatais que cobrem pelos seus serviços. Vejamos a decisão: “TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. CF, ARTIGO 150, VI. A imunidade recíproca prevista no artigo 150, inciso VI da Constituição Federal diz respeito somente a impostos, não alcançando contribuições sociais ou tarifas públicas. A CORSAN é sociedade de economia mista, com personalidade jurídica de direito privado, que presta serviço público mediante concessão na forma do artigo 175 da Carta Política, cobrando tarifa diretamente do usuário, o que a afasta do benefício da imunidade recíproca.”12 No mesmo sentido, é a decisão abaixo transcrita, proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “TRIBUTÁRIO. ICMS. FORNECIMENTO DE ÁGUA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. ART. 150, VI, § 3º, DA CF. A nulidade, como é de sabença, só deve ser declarada em face da inobservância dos requisitos formais previstos nos incisos do art. 202 do Código Tributário Nacional. Logo, estando o título formalmente perfeito, com a consignação expressa, nos respectivos campos, de todos os elementos informativos previstos na norma em comento e no art. 2º da Lei nº 6.830/80, o que proporcionou ao executado, sem sombra de dúvida, o conhecimento da exação cobrada e o exercício da ampla defesa, Excluem-se do campo da imunidade as concessionários de serviço público, assim como as sociedades de economia mista, ainda que exerçam atividade monopolizada, e as empresas públicas, tanto 12 Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível nº 9604497103, Relator Vilson Darós, Segunda Turma, DJU data:29/03/2000. mais quando seus serviços forem remunerados por tarifas, a teor do que se contém no art. 150, § 3º, da CF. Ao extrair matéria prima da natureza, numa atividade assemelhada à mineração, e, em seguida, realizar o beneficiamento e, por fim, a entrega na residência do consumidor final, realiza a empresa exploradora atividade de tratamento e comercialização de produto, que se submete a incidência do correspondente imposto. SENTENÇA CORRETA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.”13 Da análise das decisões acima transcritas, verificamos que os fundamentos utilizados pelos julgadores para negar o direito da estatal prestadora de serviços públicos à imunidade tributária são: 1) ausência de previsão constitucional, estendendo a imunidade tributária recíproca às estatais; e 2) aplicação da vedação contida no §3º, do artigo 150, da Carta Magna, uma vez que estas empresas cobram pelos seus serviços. No entanto, já demonstramos acima, que estes fundamentos não são suficientes para se negar o direito da estatal prestadora de serviços públicos à imunidade tributária, eis que a interpretação finalística do §2º, do artigo 173, CF/88, conduz ao entendimento de que este benefício fiscal é extensivo a este tipo de sociedade. Ademais, a regra contida no artigo 150, §3º, CF/88, somente se aplica para as empresas estatais que exploram atividades econômicas, entendimento este defendido pela doutrina mais autorizada, e também pelo Ministro Carlos Velloso, no julgamento do RE 407.099. Além do mais, como a tendência dos tribunais de apelação é acompanhar o entendimento da nossa Corte Suprema, acreditamos que em pouco tempo, a quase unanimidade da jurisprudência irá reconhecer a imunidade tributária das estatais prestadoras de serviços públicos. Conclusão As empresas estatais dividem-se em: empresas públicas e sociedades de economia mista, tendo como critérios de distinção a forma societária e o controle do capital social da empresa. 13 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2004.001.07927, Relator Des. Maldonado de Carvalho, Nona Câmara Cível, Julgamento: 29/06/2004. Nas sociedades de economia mista, o controle acionário da empresa é do Poder Público, e somente pode ser constituída sob a forma de sociedade anônima. Já a empresa pública pode ser constituída sob qualquer forma admitida em direito, tendo o seu controle societário exercido integralmente pelo Poder Público. Quanto à atividade desenvolvida, estas empresas dividem-se em: exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços públicos. Segundo o entendimento de grandes doutrinadores e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, somente as estatais que prestam serviços públicos podem fazer jus à imunidade tributária recíproca. Este entendimento baseia-se em três fatores: 1) o serviço prestado é de interesse da população, considerando-se prestado pelo próprio Ente Político; 2) a interpretação teleológica do artigo 173, §2º, da Constituição Federal, conduz a este posicionamento; e 3) a prestação de serviços em regime de monopólio faz desaparecer a razão da tributação. Os tributos alcançados pela imunidade tributária das estatais são, tão somente, os impostos incidentes sobre patrimônio, renda e serviços. Por esta razão, subentende-se que os impostos alcançados são: Imposto de Renda, ISS, IPTU, IPVA, ITR, ITBI, IOF e ITD, uma vez que estes tributos utilizam como aspecto material da regra matriz de incidência tributária a renda, o serviço e o patrimônio, respectivamente. Ademais, pode-se argumentar que este benéfico fiscal alcança também o Imposto de Importação, ICMS e IPI quando incidentes sobre um bem que está sendo destinado ao ativo permanente da estatal. E ainda o ICMS incidente sobre o serviço de telecomunicações, pois o contribuinte de fato deste imposto é a empresa estatal, que é a tomadora deste tipo de serviço.