artigo imunidade tributária estatais

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A Imunidade Tributária das Empresas Estatais Prestadoras de Serviços Públicos
Rodrigo Varanda, Advogado Tributarista no Rio de Janeiro, Sócio do Mendes Costa Advogados
Associados, Pós-Graduado em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal
Fluminense, Professor de Direito Processual Tributário da UCAM/IVM.
Introdução
Como é difícil o trabalho do operador do direito! Por vezes, temos que empreender
tamanho esforço, para descobrir o sentido oculto da norma, uma vez que a literalidade do texto pode
conduzir a sua interpretação equivocada.
E é justamente isto o que ocorre quando o operador de direito tem a tarefa de
interpretar o artigo 173, §2º, da Constituição Federal1. Este dispositivo constitucional prevê que as
empresas estatais2 não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às empresas do setor
privado.
Todavia, é preciso ter em mente, que este dispositivo constitucional deve ser
interpretado com ressalvas, pois na grande maioria das vezes é preciso deixar de lado a literalidade
da lei, para se buscar qual é a finalidade da norma, alcançando-se o seu verdadeiro sentido.
Ora, este é o fim perseguido neste trabalho, o de demonstrar que a correta
3
interpretação do §2º, do artigo 173, da Constituição Federal, conduz ao entendimento de que as
empresas estatais não podem sofrer a tributação dos impostos incidentes sobre seus patrimônios,
rendas e serviços, uma vez que fazem jus à imunidade tributária recíproca.
I – As Empresas Estatais
1
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só
será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei. (...) § 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado.
2
O termo “estatal” é aqui empregado como gênero, do qual são espécies as empresas públicas e sociedades de
economia mista.
3
A nosso ver, a correta interpretação a ser aqui utilizada é a finalística.
Pela expressão empresa estatal, designa-se todas as sociedades, civis ou comerciais,
de que o Estado detenha o controle acionário, abrangendo a empresa pública e a sociedade de
economia mista.
Muito embora estas empresas sejam geridas pelo Poder Público, existem traços que
as diferenciam, tais como: a forma de organização e a composição do capital social da empresa.
Com relação à forma de organização, a sociedade de economia mista, por força no
disposto no artigo 5º, do Decreto-lei nº 200/67, somente pode ser constituída sob a forma de
sociedade anônima.
Por sua vez, a empresa pública, segundo o mesmo dispositivo legal, pode ser
constituída sob quaisquer das formas admitidas em direito, ou seja, sociedade anônima ou sociedade
limitada.
Mas a diferença primordial entre ambas encontra-se na composição do capital
social da empresa.
Na empresa pública, o controle acionário que o Estado detém é integral, ou seja, o
Ente político é detentor de 100% das ações da sociedade. Como exemplos de empresas públicas,
pode-se citar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT -, a Caixa Econômica Federal –
CEF -, a Infraero, a Dataprev, dentre outras mais.
Já na sociedade de economia mista, a composição do capital é mista, uma vez que
há participação conjunta do capital público e privado. No entanto, a controle societário deve ser
público. Como exemplos de sociedades de economia mista, podemos citar a Petrobrás e o Banco do
Brasil.
Todavia, dentro desta distinção entre sociedade de economia mista e empresa
pública, existe uma classificação que é essencial para o fim perseguido neste trabalho, como será
demonstrado abaixo.
A Constituição Federal de 1988 distingue dois tipos de empresas estatais: as que
exploram atividades econômicas e as prestadoras de serviços públicos.
A exploração de atividade econômica assemelha-se as atividades exercidas pelas
particulares, pois neste caso, o Estado está exercendo uma atividade que visa o lucro, e não o
interesse da população. Por esta razão, é que a Petrobrás não vende combustível a preço de custo; a
Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil não se abstêm de cobrar juros elevados e ainda altos
valores pelos serviços por eles prestados.
Situação diametralmente oposta é a que ocorre com a estatal prestadora de serviço
público. Neste tipo de sociedade, o Estado não visa o lucro, mas tão somente satisfazer o interesse
da população, através da prestação de serviços essenciais, sem os quais a vida em sociedade seria
pior, e em alguns casos impossível. São exemplos da afirmação acima, os serviços públicos de
correios e telégrafos; o fornecimento de água e tratamento de esgoto; a fiscalização do trânsito
municipal; dentre outros mais.
II – A Imunidade Tributária Das Estatais
As imunidades tributárias caracterizam-se como limitações constitucionais ao poder
de tributar dos Entes políticos, impedindo que estes exerçam suas atividades legislativas sobre o
patrimônio, renda e serviços de determinadas pessoas.
Todavia, tal limitação à competência tributária impositiva dos Entes políticos não é
absoluta, sofrendo mitigações ao longo do Texto Constitucional.
Tradicionalmente em nosso ordenamento jurídico, as imunidades tributárias
somente alcançavam os impostos. No entanto, com o advento da Emenda Constitucional 33/2001,
que acrescentou o §2º, inciso I, ao artigo 149, da Carta Magna, foi criada uma imunidade que
abrange a todas as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, mas tão somente
as que incidem sobre as receitas decorrentes de exportação.
Além desta imunidade, que atinge a certos tipos de contribuições, existe ainda a
imunidade prevista no artigo 197, §7º, da Constituição Federal, cujo texto menciona uma regra de
isenção, mas que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a regra ali descrita
refere-se à imunidade4.
Entretanto, a imunidade que interessa para o presente trabalho, é tão somente a que
impede os Entes políticos de instituírem impostos sobre patrimônio, renda e serviços uns dos outros.
É a chamada “imunidade tributária recíproca”.
Esta limitação constitucional ao poder de tributar é considerada como corolário da
forma federativa do Estado Brasileiro, tendo em vista a igualdade político-jurídica existente entre os
Entes da Federação.
A imunidade tributária recíproca representa um mecanismo indispensável à
preservação institucional das próprias unidades da Federação. É de se frisar a preocupação do Poder
Constituinte Originário de inibir a submissão fiscal de um Ente da Federação a outro, o que
certamente inviabilizaria o funcionamento do Estado Nacional.
Dada a sua importância para a preservação do Estado Brasileiro, esta imunidade é
considerada pelo Supremo Tribunal Federal como cláusula pétrea, não podendo ser suprimida da
Carta de Outubro nem mesmo por emenda constitucional5.
Mas este tipo de imunidade6, por força do artigo 150, §2º, da Carta Magna, atinge
também as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, mas desde que o
patrimônio, renda ou serviços destas entidades sejam vinculados às suas finalidades essenciais ou
delas decorrentes.
Contudo, uma questão que vem despertando a atenção dos juristas, é a de saber se
esta imunidade tributária pode ser extensiva às empresas públicas e sociedades de economia mista.
Com efeito, como visto no capítulo anterior, as empresas estatais classificam-se,
quanto ao tipo de atividade, em exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços
públicos.
4
Supremo Tribunal Federal, RMS nº 22192/DF, Relator: Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 19-12-1996.
Supremo Tribunal Federal, Adin 939, Relator Ministro Celso de Mello, Plenário.
6
Este tipo de imunidade, por levar em consideração a pessoa que se busca atingir, classifica-se como subjetiva. Mas
quando a imunidade atinge a determinado bem, diz-se que se trata de uma imunidade objetiva.
5
A empresa estatal exploradora de atividade econômica, por exercer uma atividade
tipicamente privada, que visa o lucro, e não é de interesse público, deve ser equiparada, para fins
tributários, às pessoas jurídicas de direito privado, por força do disposto no artigo 173, §2º, da
Constituição Federal, sujeitando-se, portanto, à incidência dos impostos incidentes sobre o seu
patrimônio, renda e serviços.
Todavia, a empresa estatal prestadora de serviços públicos, por exercer uma
atividade de interesse público, e que não tem finalidade lucrativa, seria equiparada, para fins
tributários, à autarquia, sendo, portanto, beneficiária da imunidade tributária recíproca. E como se
sabe, esta imunidade dispensa a autarquia, do recolhimento dos impostos incidentes sobre o seu
patrimônio, renda e serviços, por força do artigo 150, VI, “a”, c/c 150, § 2º, todos da Constituição
Federal.
No voto proferido pelo Ministro Carlos Velloso, no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 407.099, que, muito embora se refira a Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos – ECT –, entendemos ter aplicação para toda e qualquer empresa estatal prestadora de
serviços públicos, fica evidenciado a necessária distinção entre estatais, para fins de tributação,
como se verifica pelo trecho do seu voto abaixo transcrito:
“É preciso distinguir as empresas públicas que exploram atividade
econômica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e
tributárias (C.F., art. 173, § 1º), daquelas empresas públicas
prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de
autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do art. 173
da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço
público, inclusive, à responsabilidade objetiva (C.F., art. 37, § 6º).”
Muito embora, pela redação do artigo 173, §1º, II, e §2º, da Constituição Federal,
possa parecer que todas as empresas estatais devem se sujeitar ao regime jurídico das empresas
privadas, inclusive em relação às obrigações tributárias, é preciso ter em mente que este dispositivo
deve ser interpretado com ressalvas.
Em casos como este, o intérprete deve se abster de interpretar literalmente o texto
legal, buscando-se a mens legislatore, ou seja, a finalidade da norma, interpretando-se o mesmo de
forma teleológica.
Sendo assim, através de uma interpretação teleológica7 do §2º, do artigo 173, da
Carta Magna, verifica-se que a finalidade da tributação das empresas estatais é evitar a concorrência
desleal, pois, caso a estatal exploradora de atividade econômica tivesse direito à imunidade
tributária recíproca, haveria a quebra das empresas do setor privado, gerando, conseqüentemente,
desemprego e perda de arrecadação tributária para o Estado.
A nosso ver, o que a Poder Constituinte deseja é que o Estado-Empresário não
tenha privilégios em relação aos particulares que exerçam o mesmo tipo de atividade empresarial.
Contudo, a grande maioria de empresas estatais prestadoras de serviços públicos
exercem tais atividades em regime de monopólio, ou seja, somente elas prestam aquele serviço no
território onde atuam. Seria o caso, por exemplo, da Companhia Estadual de Águas e Esgotos –
Cedae -, que nos Municípios onde ela presta o serviço público de fornecimento de água e
tratamento de esgoto, somente ela atua, não havendo empresas particulares disputando o mercado
com ela.
Mas, caso a empresa estatal preste o serviço público em regime de monopólio,
inexistindo concorrência entre ela e as empresas do setor privado, desaparece a razão da tributação,
pois não pode haver concorrência se somente uma empresa presta um determinado serviço.
Assim sendo, se a estatal prestar o serviço público em regime de monopólio, tornase ainda mais evidente o seu direito de não ser compelida à tributação dos impostos incidentes sobre
o seu patrimônio, renda ou serviços.
Cabe ressaltar que não obstante terem ocorrido diversas modificações na
Constituição Federal, estas não tiveram o condão de modificar este benefício fiscal, sendo este o
entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário
acima citado, onde o Ministro relator, Carlos Velloso, manifestou-se nos seguintes termos:
7
Ou como alguns preferem chamar de finalística.
“As
reformas
constitucionais
que
sobrevieram,
Emendas
Constitucionais 6/95, 7/95, 8/95, 9/95, 19/98, 33/2001 e 42/2003
não alteram o entendimento.”
Ademais, no mesmo sentido, existem muitas outras decisões do Supremo Tribunal
Federal, dos quais são exemplos os Recursos Extraordinários nºs 398.630 e 354.897.
Outro ponto a ser abordado, diz respeito à aplicação, ou não, da regra inscrita no
§3º, do artigo 150, da Constituição Federal, uma vez que o referido dispositivo constitucional
estabelece que a imunidade tributária recíproca das autarquias não se aplica ao patrimônio, à renda e
aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas
aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou
tarifas pelo usuário.
Não nos parece que a regra acima citada tenha o condão de afastar o direito das
estatais prestadoras de serviços públicos de fazerem jus à imunidade tributária recíproca, uma vez
que tal dispositivo da Constituição tem a sua aplicação restrita às estatais que explorem atividade
econômica.
Neste sentido, são as palavras proferidas pelo Ministro Carlos Velloso, no
julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.099, abaixo transcritas:
“Dir-se-á que a Constituição Federal, no § 3º do art. 150,
estabelecendo que a imunidade do art. 150, VI, a, não se aplica: a)
ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a
exploração de atividades econômicas regidas pelas normas
aplicáveis a empreendimentos privados; b) ou em que haja
contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário; c)
nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar
imposto relativamente ao bem imóvel, à ECT não se aplicaria a
imunidade mencionada, por isso que cobra ela preço ou tarifa do
usuário.
A questão não pode ser entendida dessa forma. É que o § 3º do art.
150 tem como destinatário entidade estatal que explore atividade
econômica regida pelas normas aplicáveis a empreendimentos
privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços
ou tarifas pelo usuário. No caso, tem aplicação a hipótese inscrita
no § 2º do mesmo art. 150.”
Desta forma, não há dúvidas em se afirmar que as empresas estatais prestadoras de
serviços públicos, por exercerem uma atividade de interesse da população, e que não encontra
paralelo nas atividades desenvolvidas pelas empresas privadas nas suas áreas de atuação, não
podem se sujeitar à competência tributária impositiva dos demais Entes da Federação, eis que são
beneficiários da imunidade tributária recíproca.
III – Quais os Tributos Alcançados pela Imunidade Tributária
Uma vez demonstrado acima, que as empresas estatais prestadoras de serviços
públicos, principalmente as que prestam tais serviços em regime de monopólio, equiparam-se, para
fins tributários, às autarquias, fazendo jus ao privilégio da imunidade tributária recíproca, imperioso
se faz discriminar quais os impostos que seriam abrangidos por esta regra.
Sem embargo, a Constituição Federal estabelece que a imunidade tributária das
autarquias abrange os impostos incidentes sobre o seu patrimônio, renda e serviços.
Assim sendo, entendemos que os impostos abrangidos por este benefício fiscal
seriam: Imposto de Renda, ISS, IPTU, IPVA, ITR, ITBI, IOF e ITD, uma vez que estes tributos
utilizam como aspecto material da regra matriz de incidência tributária a renda, o serviço e o
patrimônio, respectivamente.
No entanto, muito embora o fato gerador do Imposto de Importação, ICMS e IPI,
não seja a aquisição de renda, ou prestação de serviços, estes impostos, quando incidentes sobre
bens destinados ao patrimônio da estatal, estariam também sujeitos a tal regra da imunidade, pois o
aspecto material da regra matriz de incidência tributária seria o patrimônio.
Questão interessante é a de se saber se o ICMS incidente sobre o serviço de
telecomunicações estaria abrangido pela regra da imunidade tributária recíproca.
Como o serviço de telecomunicações é prestado por uma concessionária de serviço
público, esta deve se sujeitar ao pagamento do ICMS incidente sobre tal serviço.
Ocorre, porém, que o ônus tributário é transferido pela concessionária para o
tomador do seu serviço. Há nesta operação, a figura do contribuinte de direito (a concessionária) e
do contribuinte de fato (o tomador do serviço de telecomunicações).
E, segundo o nosso entendimento, neste caso, há que se levar em conta quem
assume o ônus fiscal, ou seja, que é que tem que desembolsar aos cofres do Estado-Membro o
pagamento do ICMS.
Ora, e como nesta hipótese, o ICMS é pago pela empresa estatal, que é a tomadora
do serviço de telecomunicações, resta induvidoso que a mesma não poderia se sujeitar a tal exação,
pois este tributo tem como objeto a prestação de um serviço, pouco importando se a estatal é a
prestadora ou a tomadora de serviço.
Frise-se que a Constituição Federal não faz distinção se a imunidade tributária sobre
serviços somente se aplicaria no caso do Ente Público ser o prestador do serviço, e não o tomador
deste.
Assim sendo, o que deve ser levado em conta é o objeto da tributação – o serviço -,
e não o fato de a estatal ser a prestadora ou a tomadora deste.
Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, desde longa data, vem
interpretando de maneira bem extensiva o conceito de impostos incidentes sobre patrimônio, renda
e serviços, pelo que mostra-se plenamente cabível a tese defendida nas linhas acima.
Ademais, como já visto anteriormente, a finalidade da imunidade tributária
recíproca é evitar a tributação de Ente da Federação por outro, eis que isto pode comprometer o
funcionamento do Estado Brasileiro.
Isto posto, entendemos que a imunidade tributária recíproca das estatais prestadoras
de ser viços públicos engloba os seguintes impostos: Imposto de Renda, ISS, IPTU, IPVA, ITR,
ITBI, IOF e ITD. O Imposto de Importação, ICMS e IPI somente seriam atingidos pela imunidade
quando incidentes sobre um bem que está sendo destinado ao patrimônio da estatal. E ainda o ICMS
incidente sobre o serviço de telecomunicações.
IV — A Jurisprudência dos Tribunais Pátrios sobre o Tema
Sobre o tema em exame existem inúmeras decisões judiciais, algumas
reconhecendo a imunidade tributária das estatais, e outras em sentido contrário, afirmando que estas
empresas não podem gozar de tal privilégio fiscal.
Sendo assim, veremos a seguir decisões em ambos os sentidos.
IV.a - Decisões Reconhecendo a Imunidade Tributária
Perante o Supremo Tribunal Federal, o leading case sobre o assunto foi o Recurso
Extraordinário nº 407.099, sob a relatoria do Ministro Carlos Velloso, que fez profundo estudo
doutrinário acerca do tema.
No referido recurso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a imunidade tributária
recíproca da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT -, em decisão que restou assim
ementada:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA
DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE
EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA
PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As
empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das
que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação
obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida
pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E.
conhecido em parte e, nessa parte, provido.”8
Em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a imunidade
tributária da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia – CAERD, in verbis:
“O Tribunal concedeu medida cautelar em ação cautelar ajuizada
pela Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia - CAERD para
suspender os efeitos de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do referido Estado-membro em apelação, até julgamento de agravo
de instrumento interposto contra decisão que não admitira recurso
extraordinário da empresa no qual pretende seja reconhecido seu
direito à imunidade recíproca incidente sobre o fato gerador do
IPTU (CF, art. 150, VI, a). Entendeu-se que, em situações
excepcionais, nas quais são patentes a plausibilidade jurídica do
pedido — decorrente do fato de a decisão recorrida contrariar
jurisprudência ou súmula do STF — e o perigo de dano irreparável
ou de difícil reparação — consubstanciado pela execução do
acórdão recorrido —, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar
mesmo que o recurso extraordinário tenha sido objeto de juízo
negativo de admissibilidade e o agravo de instrumento interposto
contra essa decisão ainda não se encontre sob a jurisdição do STF.
Considerou-se que, no caso, o acórdão objeto do recurso
extraordinário parece afrontar jurisprudência da Corte firmada no
julgamento do RE 407099/RS (DJU de 6.8.2004), tendo em conta
que a CAERD é sociedade de economia mista prestadora do serviço
público obrigatório de saneamento básico, portanto, abrangida pela
aludida imunidade tributária. Além disso, ressaltou-se ser manifesta
a urgência da pretensão cautelar, porquanto, com a execução do
acórdão recorrido, a companhia será obrigada a pagar os débitos
8
Supremo Tribunal Federal, RE 407099, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 06-08-2004.
tributários em discussão, gerando a inscrição em dívida ativa e as
conseqüências oriundas desse fato.”9
Mas a jurisprudência de nossos Tribunais Regionais vem se posicionando no
sentido de que a Infraero, por ser uma estatal, prestadora de serviço público, e em regime de
monopólio, também tem o direito à imunidade tributária recíproca, como se vê pela decisão abaixo:
“TRIBUTÁRIO.
IMUNIDADE
FISCAL
DA
EMPRESA
BRASILEIRA DE INFRA-ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA INFRAERO.
- O patrimônio, as rendas e os serviços da Empresa Brasileira de
Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO são alcançados pela
imunidade tributária recíproca estabelecida no art. 150, VI, "a", da
CF/88, pois a estatal, embora tenha sido instituída sob a forma de
empresa pública, não exerce atividade econômica, prestando
serviço público típico em regime monopolizado.”10
Como se vê, o Supremo Tribunal Federal, bem como o Tribunal Regional Federal
da 4ª Região possuem diversos precedentes reconhecendo a imunidade tributária recíproca das
estatais prestadoras de serviços públicos, que atuem em regime de monopólio nas suas respectivas
áreas concedidas.
IV.b - Decisões Negando a Imunidade Tributária
Mas a beleza do Direito está justamente na divergência de opiniões, e como não
poderia deixar de ser, da mesma forma que existem decisões reconhecendo a imunidade, existem
também decisões em sentido contrário, senão vejamos.
9
Supremo Tribunal Federal, AC 1550 MC/RO, rel. Min. Gilmar Mendes.
10
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível 200404010472817, Relator Desembargador Federal João
Surreaux Chagas, Segunda Turma, DJU 16/02/2005.
Na decisão abaixo, vemos que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região interpretou
o §2º, do artigo 173, da Constituição Federal, de forma literal, negando o direito da ECT à
imunidade. Vejamos a decisão:
“CONSTITUCIONAL
E
PROCESSO
CIVIL.
EMPRESA
BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT.
IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA.
BENEFÍCIO
QUE
NÃO
ALCANÇA A ECT. ISS SOBRE O SERVIÇO POSTAL. NÃO
INCIDÊNCIA. VEDAÇÃO DO EMPREGO DA ANALOGIA
PARA EXIGÊNCIA DE TRIBUTO SOBRE INCIDÊNCIA NÃO
PREVISTA EM LEI.
1. A imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea
"a" e parágrafo 2º, da Constituição Federal, foi concedida à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou seja,
entidades dotadas de poder tributante, com extensão às autarquias e
fundações instituídas pelo Poder Público. Assim, embora a Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos preste serviço público
decorrente de monopólio estatal, tal benefício não a alcança, por se
tratar de empresa pública.
2. Contudo, para que haja fato gerador do ISS, faz-se necessário
que o serviço prestado esteja tipificado na legislação tributária
municipal, sendo vedado o emprego da analogia para se aferir fato
gerador de tributo.
3. Se o serviço postal - atividade-fim da Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos - não se encontra listado no rol dos serviços
tributados pelo ISS, não pode subsistir a execução que tem como
origem a autuação por ausência de pagamento do ISS e pelo
descumprimento de obrigação acessória relacionada ao referido
tributo. Precedentes deste TRF da 1ª Região.
4. Apelação e remessa oficial tida por interposta desprovidas.”11
11
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Apelação Cível nº 1997.01.00.042112-8, Relator Juiz Federal Wilson Alves de
Souza, Terceira Turma Suplementar, DJ 02/06/2005.
Ressalte-se que a Corte Regional da 4ª Região, negou o benefício em estudo a uma
sociedade de economia mista, sob o fundamento de que o artigo 150, §3º, da Carta Magna, veda o
direito à imunidade tributária recíproca a empresas estatais que cobrem pelos seus serviços.
Vejamos a decisão:
“TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. CF, ARTIGO 150,
VI.
A imunidade recíproca prevista no artigo 150, inciso VI da
Constituição Federal diz respeito somente a impostos, não
alcançando contribuições sociais ou tarifas públicas.
A CORSAN é sociedade de economia mista, com personalidade
jurídica de direito privado, que presta serviço público mediante
concessão na forma do artigo 175 da Carta Política, cobrando tarifa
diretamente do usuário, o que a afasta do benefício da imunidade
recíproca.”12
No mesmo sentido, é a decisão abaixo transcrita, proferida pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro:
“TRIBUTÁRIO.
ICMS.
FORNECIMENTO
DE
ÁGUA.
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO.
ART. 150, VI, § 3º, DA CF. A nulidade, como é de sabença, só
deve ser declarada em face da inobservância dos requisitos formais
previstos nos incisos do art. 202 do Código Tributário Nacional.
Logo, estando o título formalmente perfeito, com a consignação
expressa, nos respectivos campos, de todos os elementos
informativos previstos na norma em comento e no art. 2º da Lei nº
6.830/80, o que proporcionou ao executado, sem sombra de dúvida,
o conhecimento da exação cobrada e o exercício da ampla defesa,
Excluem-se do campo da imunidade as concessionários de serviço
público, assim como as sociedades de economia mista, ainda que
exerçam atividade monopolizada, e as empresas públicas, tanto
12
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível nº 9604497103, Relator Vilson Darós, Segunda Turma, DJU
data:29/03/2000.
mais quando seus serviços forem remunerados por tarifas, a teor do
que se contém no art. 150, § 3º, da CF. Ao extrair matéria prima da
natureza, numa atividade assemelhada à mineração, e, em seguida,
realizar o beneficiamento e, por fim, a entrega na residência do
consumidor final, realiza a empresa exploradora atividade de
tratamento e comercialização de produto, que se submete a
incidência do correspondente imposto. SENTENÇA CORRETA.
IMPROVIMENTO DO RECURSO.”13
Da análise das decisões acima transcritas, verificamos que os fundamentos
utilizados pelos julgadores para negar o direito da estatal prestadora de serviços públicos à
imunidade tributária são: 1) ausência de previsão constitucional, estendendo a imunidade tributária
recíproca às estatais; e 2) aplicação da vedação contida no §3º, do artigo 150, da Carta Magna, uma
vez que estas empresas cobram pelos seus serviços.
No entanto, já demonstramos acima, que estes fundamentos não são suficientes para
se negar o direito da estatal prestadora de serviços públicos à imunidade tributária, eis que a
interpretação finalística do §2º, do artigo 173, CF/88, conduz ao entendimento de que este benefício
fiscal é extensivo a este tipo de sociedade. Ademais, a regra contida no artigo 150, §3º, CF/88,
somente se aplica para as empresas estatais que exploram atividades econômicas, entendimento este
defendido pela doutrina mais autorizada, e também pelo Ministro Carlos Velloso, no julgamento do
RE 407.099.
Além do mais, como a tendência dos tribunais de apelação é acompanhar o
entendimento da nossa Corte Suprema, acreditamos que em pouco tempo, a quase unanimidade da
jurisprudência irá reconhecer a imunidade tributária das estatais prestadoras de serviços públicos.
Conclusão
As empresas estatais dividem-se em: empresas públicas e sociedades de economia
mista, tendo como critérios de distinção a forma societária e o controle do capital social da empresa.
13
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2004.001.07927, Relator Des. Maldonado de
Carvalho, Nona Câmara Cível, Julgamento: 29/06/2004.
Nas sociedades de economia mista, o controle acionário da empresa é do Poder
Público, e somente pode ser constituída sob a forma de sociedade anônima.
Já a empresa pública pode ser constituída sob qualquer forma admitida em direito,
tendo o seu controle societário exercido integralmente pelo Poder Público.
Quanto à atividade desenvolvida, estas empresas dividem-se em: exploradoras de
atividade econômica e prestadoras de serviços públicos.
Segundo o entendimento de grandes doutrinadores e da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, somente as estatais que prestam serviços públicos podem fazer jus à imunidade
tributária recíproca.
Este entendimento baseia-se em três fatores: 1) o serviço prestado é de interesse da
população, considerando-se prestado pelo próprio Ente Político; 2) a interpretação teleológica do
artigo 173, §2º, da Constituição Federal, conduz a este posicionamento; e 3) a prestação de serviços
em regime de monopólio faz desaparecer a razão da tributação.
Os tributos alcançados pela imunidade tributária das estatais são, tão somente, os
impostos incidentes sobre patrimônio, renda e serviços. Por esta razão, subentende-se que os
impostos alcançados são: Imposto de Renda, ISS, IPTU, IPVA, ITR, ITBI, IOF e ITD, uma vez que
estes tributos utilizam como aspecto material da regra matriz de incidência tributária a renda, o
serviço e o patrimônio, respectivamente.
Ademais, pode-se argumentar que este benéfico fiscal alcança também o Imposto
de Importação, ICMS e IPI quando incidentes sobre um bem que está sendo destinado ao ativo
permanente da estatal. E ainda o ICMS incidente sobre o serviço de telecomunicações, pois o
contribuinte de fato deste imposto é a empresa estatal, que é a tomadora deste tipo de serviço.
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