PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Psicologia RECURSOS HUMANOS, DEMASIADAMENTE RECURSOS: uma experiência revisitada Terezinha Maria Araújo Belo Horizonte 2009 Terezinha Maria Araújo RECURSOS HUMANOS, DEMASIADAMENTE RECURSOS: uma experiência revisitada Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à aquisição do título de Mestre em Psicologia. Orientador: José Newton Garcia de Araújo. Belo Horizonte 2009 Terezinha Maria Araújo RECURSOS HUMANOS, revisitada DEMASIADAMENTE RECURSOS: uma experiência Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à aquisição do título de Mestre em Psicologia. ________________________________________________ José Newton Garcia de Araújo – Orientador ________________________________________________ Antonio Carvalho Neto – PUC MINAS ________________________________________________ Vanessa Andrade Barros - UFMG Belo Horizonte, 25 de março de 2008. FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais A663r Araújo, Terezinha Maria Recursos humanos, demasiadamente recursos: uma experiência revisitada / Terezinha Maria Araújo. Belo Horizonte, 2009. 129f. Orientador: José Newton Garcia de Araújo Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. 1. Recursos humanos. 2. Psicologia do trabalho. 3. Sociologia organizacional. 4. Poder (Ciências sociais). I. Araújo, José Newton Garcia de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III. Título. CDU: 658.013 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus em primeiro lugar, pela presença constante em minha vida, por me permitir realizar este sonho. A Ele, toda honra e toda glória. Agradeço a minha filha, pelo constante apoio e torcida, acreditando e possibilitando minha dedicação aos estudos. Agradeço especialmente a meu orientador, Professor Dr. José Newton, pelo estímulo, confiança e disponibilidade em compartilhar seu saber, incentivando-me a caminhar de forma independente. Agradeço a CAPES, pela bolsa integral de estudos. Agradeço à amiga e colega Prof. Patrícia Pinto de Paula, pelo incentivo constante, pelas trocas prazerosas e por estar sempre por perto nos momentos decisivos. Agradeço ao meu irmão Paulo, sempre junto comigo, sustentando-me com suas orações, seu carinho e apoio. Agradeço ao amigo Prof. Michel Le Ven, que me introduziu aos estudos da Psicossociologia e me incentivou a prosseguir. Agradeço aos amigos e ex-colegas da instituição objeto desta dissertação, por abrirem espaço em suas agendas, dedicando seu preciso tempo para me ajudarem na reconstrução desta experiência. Este projeto somente foi possível porque tive o apoio de amigos e familiares que, durante esta jornada, me presentearam com sua amizade e incentivo. “Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê é indispensável para continuar a olhar ou refletir” Foucault RESUMO O presente estudo baseia-se na análise de uma experiência de intervenção em uma organização hospitalar filantrópica em processo de profissionalização. Buscou-se analisar e fazer uma releitura, à luz da Psicossociologia francesa, da trajetória de construção de uma área de Recursos Humanos em que se pensava que as pessoas realmente eram o foco. A análise dos fenômenos organizacionais baseou-se em uma perspectiva crítica, que possibilitou a desconstrução das anteriores hipóteses de harmonia entre capital e trabalho. Pôde-se perceber, nesse sentido, que as ações do então RH estavam essencialmente a serviço da empresa. São relatados os momentos de aparente apogeu e também a queda, o fim de um programa que, apesar de interrompido antes de ser concluído, teve resultados positivos, tanto para os trabalhadores quanto para a organização. À época, tal experiência foi alicerçada nas teorias administrativas: Administração de Recursos Humanos Estratégica, Recursos Humanos como Vantagem Competitiva. Entende-se que o objetivo proposto nesta pesquisa foi cumprido, à medida que o aporte teórico da Psicossociologia permitiu compreender a lógica dos conflitos entre pessoas e grupos, nos níveis horizontal e vertical, dentro da organização. Conseguiu-se resgatar os vários discursos que, em um primeiro momento, apareciam como retalhos e precisavam ser costurados, a fim de se repensar as práticas de RH em uma perspectiva crítica, e, a partir daí, a atuação da autora como profissional de Recursos Humanos. A releitura da experiência na instituição significou, além disso, a possibilidade de visualizar práticas, principalmente a cargo dos profissionais com formação em psicologia, que restituam ao coletivo de trabalhadores seu lugar de sujeito nas organizações. Palavras-chave: Gestão. Intervenção. Psicossociologia. Recursos Humanos. Relações de Poder. ABSTRACT The present study is based on the analysis of an intervention experience developed in a philanthropic hospital organization under process of professionalization. Using the French Psychosociology approach, we aimed at analyzing and rereading the trajectory of building up its Human Resources department, which was believed to be focused on the people. The analysis of the organizational phenomenon was based on a critical perspective, which allowed the debuilding of the previous hypothesis of harmony between capital and work. In this sense, we realized that the actions of the HR department were essentially tracking the company perspective. We report the moments of apparent apogee and fall of a program that, though interrupted before its conclusion, yielded positive results for both the staff and employers. At that time, that experience was based on two management theories, namely, strategic human resources administration and human resources as competitive advantage. Our reading is that the goal of this research was reached, given that the fundamental basis provided by the Psychosociology theory improved the understanding of the conflicts among people and groups in both horizontal and vertical levels of the organization. Able to recover the various speeches that at first appeared as flaps and that needed to be stitched, to rethink of the HR activities under a critical perspective, and then, the impact of the author of this work as a HR professional was felt. In addition to that, the rereading of that experience in the institution allowed for the psychology professionals the possibility of proposing activities to retrieve the individual to its deserved place in the organization. Key Words: Management. Psycosociology. Human Resources. Power Relationship LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABTD - Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento CC - Centro Cirúrgico CEO - Chief Executive Officer CGT - Comando Geral dos Trabalhadores CLT - Consolidação da Leis do Trabalho CME - Central de Material Esterilizado CTI - Centro de Tratamento Intensivo DP - Departamento de Pessoal DRH - Departamento de Recursos Humanos IP - Intervenção Psicossociológica PS - Pronto-Socorro PRH - Profissional de Recursos Humanos R&S - Recrutamento e Seleção RH - Recursos Humanos SESMT - Serviço de Engenharia, Segurança e Medicina do Trabalho T&D - Treinamento e Desenvolvimento SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................12 1.1 Justificativa............................................................................................................................................................13 1.2 Objetivo.................................................................................................................................................................15 1.3 Metodologia..........................................................................................................................................................17 1.3.1 A implicação do pesquisador ..................................................................................................................................................................19 2 UMA EXPERIENCIA DE RH.............................................................................................................................21 2.1 A história da organização..................................................................................................................................21 2.1.1 Nova era: a profissionalização da organização.........................................................................................24 2.2 Relações de poder: nova estrutura, velhos vícios........................................................................................27 2.3 Cultura organizacional .......................................................................................................................................30 2.4 Criação do departamento de recursos humanos (DRH)...........................................................................33 2.4.1 O que encontramos........................................................................................................................................38 2.4.2 Conhecendo a empresa por meio de seus diversos atores...................................................................40 2.4.2.1 Os chefes.......................................................................................................................................................41 2.4.2.2 Os funcionários ............................................................................................................................................41 2.4.2.3 O corpo clínico ..............................................................................................................................................42 2.4.2.4 As descobertas através das entrevistas..................................................................................................44 2.4.3 A proposta de trabalho....................................................................................................................................46 3 GESTÃO DE PESSOAS, EXPLICITAÇÃO DE CONFLITOS..................................................................60 3.1 As abordagens teóricas de RH nas últimas décadas, no Brasil. .............................................................60 3.2 Psicossociologia: uma desconstrução das racionalidades........................................................................76 3.2.1 Breve histórico do surgimento da Psicossociologia: de Elton Mayo à sociologia das organizações 77 3.2.2 Intervenção psicossociológica e Psicossociologia clínica........................................................................79 3.2.2.1 A vida psíquica nas organizações ............................................................................................................81 3.2.2.1.1 Entre o psíquico e o somático, a pulsão ..............................................................................................84 3.2.2.2 O imaginário e a cultura organizacional como instrumento de poder................................................86 3.2.3 Gestão de pessoas na era da urgência, em tempos flexíveis ...............................................................88 3.2.3.1 Tempo e as práticas de RH.................................................................................................................................................................92 4 RE-VISITANDO A EXPERIÊNCIA...................................................................................................................97 4.1 Eixo da eficiência ................................................................................................................................................99 4.1.1 Profissionalização ou poder gerencialista.................................................................................................100 4.1.2 Cultura organizacional no modelo gestionário ........................................................................................103 4.1.3 O DRH a serviço da excelência .................................................................................................................106 4.2 O eixo do sentido...............................................................................................................................................111 4.2.1. O paradoxo da eficiência e do sentido......................................................................................................113 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................................117 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................................123 12 1. INTRODUÇÃO O presente estudo baseia-se na análise de uma experiência de intervenção em uma organização filantrópica, mantida por uma fundação. Trata-se de uma importante empresa do setor privado, bem posicionada no mercado mineiro, na área de saúde, com foco exclusivo no atendimento hospitalar e ambulatorial em diversas especialidades clínicas e serviços de exames complementares para apoio ao diagnóstico e tratamento, principalmente em casos de alta complexidade. Neste estudo, tal organização será chamada ZTEC. O que caracterizamos como organização é o conjunto formado pela empresa e a fundação que é sua mantenedora. Este trabalho apresentará estudo de caso narrando a trajetória de construção de uma área de Recursos Humanos (RH) em que se pensava que as pessoas realmente eram o foco. As ações a cargo do Departamento de Recursos Humanos (DRH) eram planejadas e executadas visando, sempre que possível, ao bem-estar dos empregados. No entanto, com a análise dos fatos à luz de uma perspectiva crítica, percebeu-se que tais ações estavam essencialmente a serviço da empresa. Relataremos aqui os momentos de aparente apogeu e também a queda, o fim de um programa que, apesar de interrompido antes de ser concluído, teve resultados positivos, tanto para os trabalhadores quanto para a organização. Com efeito, as ações de RH produziram melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores e melhores resultados operacionais e financeiros para a instituição, aspectos que serão analisados mais à frente. Durante três anos e meio, foram implementados na empresa em questão, por meio de uma equipe de pessoas que já atuavam no mercado como profissionais de recursos humanos (PRH), novas políticas e programas, levando em consideração aspectos biopsicossociais dos empregados, visando à implantação de uma empresa “humanizada”, mas que também atendesse aos interesses dos executivos, na medida em que os PRH se colocavam como “parceiros estratégicos” da instituição. Tendo a autora do presente trabalho feito parte da equipe de RH, em vários momentos o mesmo será descrito em primeira pessoa. 13 1.1. Justificativa Minha visão sobre a finalidade da área de recursos humanos nas empresas foi desenvolvida e alicerçada a partir das teorias da administração, segundo as quais a função básica dos departamentos de recursos humanos seria a de criar mecanismos de adaptação dos empregados, face às novas configurações decorrentes das mudanças na organização do trabalho. O objetivo sempre é produzir melhores resultados para as empresas. Trabalhamos sob o enfoque da Gestão do Comportamento Humano, adotando um modelo que considerava fundamental identificar as necessidades das pessoas e suas características psicológicas, para melhor interação entre elas e a empresa. Por modelo entendemos, como Fischer (apud LACOMBE; TONELLI, 2001), um conjunto de políticas, práticas, padrões atitudinais, ações e instrumentos empregados por uma empresa que interferem no comportamento humano e influenciam o ambiente de trabalho. Raciocinava dentro da lógica da escola de Relações Humanas: “a produtividade é função direta da satisfação no trabalho... em que pesem as diferenças individuais, todo homem possui necessidades de segurança, afeto, aprovação social, prestigio e auto-realização” (MOTTA, 1997a, p.21). Mas trabalhava também buscando formas de gerenciamento mais participativo, nas quais as pessoas pudessem contribuir com seu próprio trabalho e atuar em equipes. Buscava ainda implantar equipes de alto desempenho, visando atingir os objetivos da empresa e manter os empregados amalgamados a eles. Concordava com a Escola de Relações Humanas quanto à necessidade e possibilidade de harmonia entre o homem e a organização. Como ela, também não me preocupava em explicitar os conflitos entre os diversos grupos das empresas e principalmente entre os divergentes interesses do capital e do trabalho. Pelo contrário, trabalhava para que os conflitos não emergissem, evitando maiores problemas para a empresa. A escola de “relações humanas” pretendia fazer da fábrica um lugar sem conflitos, uma “comunidade” onde deveria reinar o consenso, a harmonia entre diferentes setores, onde as reivindicações sindicais tenderiam a desaparecer e o trabalhador conheceria o prazer pelo cumprimento do dever profissional. 14 Evidentemente, essa escola nunca foi um projeto das organizações sindicais. Ela teimou em não ver que os conflitos de classe - ou entre capital e trabalho - são inconciliáveis (ARAÚJO,s.d.). Enquanto profissional de RH, entendia que nossa principal função era motivar as pessoas para o trabalho, mantendo-as permanentemente envolvidas com os projetos organizacionais, garantindo um contrato de submissão a longo prazo. Era guiada pelo paradigma funcionalista, dirigido pelos valores de mercado, a serviço do capital. Tal paradigma propõe a economia no comando da sociedade, na qual “não se levaram em conta as variáveis humanas e sociais que não podem ser integradas num sistema de equações ou de inequações” (ENRIQUEZ, 1997b, p.11). Nas últimas décadas, mais que em períodos anteriores, as organizações mostram atitudes ambivalentes frente aos trabalhadores. Os dirigentes preconizam o espírito de equipe, querendo pessoas criativas, capazes de inventar soluções (sempre visando à melhoria de desempenho), mas também temendo que essas equipes e indivíduos conquistassem uma identidade tal que lhes permitisse desenvolver lutas, transgredir normas e querer transformar a organização. Na verdade, o que ocorre é uma nova roupagem dos velhos modelos de gestão sob novos tipos de contratos, gerando um grande contingente de trabalhadores alienados, controlados e subordinados à hierarquia das empresas. O século XXI, incorporando as novas tecnologias de gestão das últimas décadas, nasceu sob a égide do trabalho flexível, na cultura da urgência (SENNETT, 1999; AUBERT, 2003), em que se cobra dos trabalhadores cada vez mais produtividade e comprometimento, o que, em outras palavras, quer dizer indivíduos de corpo e alma entregues a empresa. Como profissional da área de Recursos Humanos, sentia uma angústia permanente em lidar com esses dois “mundos” tão antagônicos. Assim, a partir de 1998/1999, insatisfeita com minha atuação e com a falta de resultados com os programas de RH tradicionais, com os eternos treinamentos gerenciais que não produziam nenhuma mudança nas pessoas e na empresa, iniciei uma busca em outras fontes teóricas. Aprofundando os estudos em psicanálise, por meio dos principais textos sociais 15 de Freud (1913, 1921, 1927, 1929, 1933, 1939), tive o primeiro contato com a Psicossociologia através da obra de Enriquez (1996), “Da horda ao Estado”. A partir desse referencial teórico, além das teorias da administração, busquei um processo reflexivo sobre a minha prática, na função de RH. Paralelamente a esses estudos, no campo da administração, também tomei conhecimento de Ulrich (2001), que propunha um tipo de organização que podia agregar valor a investidores, clientes e funcionários. O autor apresenta uma “nova” visão sobre os processos e programas de RH: para a função treinamento, há uma perspectiva de cadeia de valor que une funcionários, fornecedores e consumidores em equipes. Sua teoria dos quatro papéis de RH visa conciliar o inconciliável, ou seja, ser “parceiro estratégico” da empresa, e “defensor dos funcionários”. À época, essa proposta pareceu-me muito atraente e principalmente um grande desafio. Entendia que a proposta do RH Estratégico seria a forma de mediar capital e trabalho, em uma relação ganha-ganha. Foi nesse contexto que aceitei o desafio de implantar o Departamento de RH, numa instituição que estava em processo de profissionalização, revendo sua forma de gestão e buscando projetar-se no mercado. A direção da empresa concedeu-me autonomia para implementar e gerir o DRH, de acordo com meus referenciais teóricos e éticos, mas em troca queria resultados como melhoria do atendimento ao cliente, redução do turnover e mais profissionalismo em todos os níveis da instituição, o que significava maior produtividade e menor custo. Acreditei ingenuamente, reconheço hoje, que poderia fazer um RH em que os dois lados, empresa e empregados, pudessem ter ganhos, o que geraria melhor qualidade de vida e trabalho diferenciado. 1.2. Objetivo O objetivo principal do presente trabalho é analisar e fazer uma releitura dessa experiência de Recursos Humanos à luz da Psicossociologia francesa (ENRIQUEZ, 1997, 2001, 2002; LEVY, 2001; BARUS-MICHEL, 2001, 2004; GAULEJAC, 2007, entre outros), buscando uma abordagem dialética dos fenômenos organizacionais. À época, tal experiência foi alicerçada nas teorias administrativas: Administração de Recursos 16 Humanos Estratégica e Recursos Humanos como Vantagem Competitiva, ou seja, teorias que privilegiam a gestão em detrimento do humano, “um sistema sócio-psíquico de dominação, fundado sobre um objetivo de transformação da energia psíquica em força de trabalho” (GAULEJAC, 2007, p.108). Como objetivos específicos propomos: • repensar as práticas de RH que adotamos como diferenciadas, procurando desvendar o que elas encobriam sobre as relações políticas, sociais e econômicas, no interior daquela organização hospitalar; • propor uma leitura que leve em consideração os diversos sujeitos e as várias configurações de poder existentes na organização; • identificar elementos na origem das relações contraditórias e de dominação entre líderes e subordinados, nos diversos escalões da hierarquia, elementos esses que culminaram com a interrupção do projeto; • repensar também minha atuação como profissional de Recursos Humanos. Assim, penso em uma releitura da experiência sob a ótica da Psicossociologia, na tentativa de compreender a lógica dos conflitos entre as pessoas e os grupos, dentro da instituição, resgatando os vários discursos que, em um primeiro momento, aparecem como retalhos e precisam ser costurados para fazer surgir a história da instituição, mesmo que apenas referente ao período em que lá estivemos. Como veremos mais à frente, nosso propósito no ZTEC foi a implantação de projetos que elevassem a qualidade de vida dos trabalhadores, garantindo-lhes desenvolvimento pessoal e profissional. Ganhos reais em benefícios e uma política de remuneração equiparada ao mercado foram também nossa proposta. Alguns desses programas foram efetivamente implantados e, inclusive, objeto de benchmarking (tornar-se referência em determinado assunto) para organizações congêneres, que nos procuravam a fim de conhecer nossas práticas e adotá-las. Ainda do ponto de vista da empresa, essas e outras atuações renderam maior produtividade e significativa redução de custos. No entanto, não foram suficientes para a manutenção do projeto de profissionalização da instituição, que foi abortado e, portanto, não concluído. Grande parte dos projetos e programas desenvolvidos nesse período, em RH e nas demais 17 áreas administrativas, foi totalmente desfeita. Tentaremos, pois, levantar na presente análise, a distância entre o que acreditávamos poder fazer e não fizemos, no que diz respeito à chamada gestão humanizada, tomando como base referenciais teóricos que não levavam em conta os sistemas visíveis e invisíveis de poder, na referida organização. Julgamos que a insuficiência crítica dos referenciais com os quais nos identificávamos à época impediunos enxergar alguns fenômenos organizacionais e institucionais, determinando a interrupção de nosso projeto. Hoje, parece instigante debruçar-me sobre essas questões que passaram despercebidas. Escaparam-me, certamente por falta de referencial teórico que baseasse o entendimento de questões mais complexas, como as relações de poder (MOTTA, 1986), os jogos de forças (MINZTBERG, 2001), a identificação da cultura institucional (FREITAS, 2002) e vários fenômenos que compunham o tecido social da instituição. Em síntese, a proposta deste trabalho é de uma análise dos acontecimentos segundo os múltiplos processos que os constituíram, em ruptura com o modelo então adotado (Gestão Estratégica de RH), a fim de repensá-los sob outra ótica, em uma perspectiva crítica. Foucault, ao falar sobre a busca do saber, instiga a buscar o novo: “existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou refletir” (FOUCAULT, 1984, p.13). Tenho um forte desejo, uma curiosidade de descobrir algo novo, diferente do que vi quando estava na organização. Analisando os discursos do RH e dos demais atores da instituição, espero poder ressaltar o que estava submerso, identificando o contexto histórico-ideológico e buscando desvendar os mecanismos de poder e dominação, com o intuito de realizar uma análise crítica que problematize as formas de atuação anteriormente estabelecidas. 1.3. Metodologia 18 Do ponto de vista metodológico, buscamos empreender a análise da experiência com base na abordagem psicossociológica das organizações, procurando, ao mesmo tempo, reconstruir e desconstruir seu sentido. Apresentaremos a história de implantação do DRH no ZTEC, através de analisadores institucionais, “que são elementos favorecedores de compreensão do real institucional, visando identificar e explicitar os modos de funcionamento de uma instituição” (ALMEIDA, 2005, p. 14). Sob essa perspectiva metodológica, entendemos a implantação do DRH no ZTEC como instituição passível de análise através desses quatro dispositivos: história da organização, relações de poder, cultura organizacional e criação do DRH. Entendemos com Baremblitt, 1992, p.156, instituição como: arvores de decisões lógicas que regulam as atividades humanas, indicando o que é proibido, o que é permitido e o que é indiferente. Toda instituição compreende um movimento que a gera: o instituinte; um resultado: o instituído: e um processo: da institucionalização. Buscaremos desconstruir a experiência de implantação de um DRH, visando contribuir para o aprendizado da operacionalização de práticas menos ortodoxas na gestão de pessoas, mas não deixando de perceber como essas práticas estão sempre voltadas para a adição de valor para as empresas. Para atingir tais propósitos, além de recorrer à literatura que sustenta tal abordagem, utilizaremos, como dados de campo, o conjunto de documentos de que disponho, tais como relatórios relativos aos trabalhos desenvolvidos à época, anotações particulares, além de relatos atuais de algumas pessoas que participaram da intervenção, visando a ajudar na reconstituição da mesma. O presente trabalho é constituído por cinco capítulos, sendo o primeiro esta breve introdução. No segundo, relatamos a experiência de implantação do DRH, apresentando a empresa, seu momento de profissionalização, a inserção do RH e suas propostas baseadas no modelo de recursos humanos estratégico. As bases teóricas que norteiam o trabalho são discutidas no capítulo três, dividido em duas seções principais. A primeira refere-se à Administração Estratégica de Recursos Humanos, com um breve percurso pela trajetória da gestão de pessoas no Brasil, desde o início da era industrial. A segunda, por sua vez, apresenta a Psicossociologia como abordagem crítica, capaz de explicitar os conflitos entre capital e 19 trabalho. O quarto capítulo analisa a experiência em questão, tomando a Psicossociologia como referência de análise, destacando aspectos que servem de base para desconstruir modelos de práticas em RH. Mostra também como a mudança do referencial teórico da administração estratégica de RH para a Psicossociologia descortina nova possibilidade de leitura do mesmo fenômeno, trazendo uma perspectiva menos ingênua para a atuação dos profissionais de RH nas empresas. No quinto e último capítulo do trabalho, expomos conclusões e reflexões fundadas na Psicossociologia e nas correntes críticas da administração, além de questionarmos se, partindo dessas abordagens, é possível pensar práticas alternativas às dominantes para um trabalho em Recursos Humanos. 1.3.1. A implicação do pesquisador “Na verdade, a questão do método só tem sentido ser escrita por último” (RIBEIRO, 2003, p. 324). Concordamos com Ribeiro e, por esse motivo, elaborei, neste trabalho, a metodologia por último. O relato que se apresenta como base do trabalho diz respeito a uma experiência da qual fui parte integrante. Escrevi sobre ela correndo os riscos que tal tarefa implica, pois pressupõe a necessidade de distanciamento crítico e, ao mesmo tempo, inevitável grau de implicação pessoal. Em outras palavras, guardo uma relação contra-transferencial com um trabalho com o qual me identifiquei e no qual investi por período relativamente longo. Desconstruir essa experiência foi motivo de dor e alegria. Dor pela descoberta de tantos equívocos, de tantos enganos, e alegria pela possibilidade de sair do círculo vicioso da compulsão à repetição. Qual a possibilidade que não a de nos desviarmos da realidade, na medida em que nossa implicação venha a obscurecer fatos e dados objetivos? Se esse risco é inegável, é preciso também lembrar as observações de Devereux (1980), que comenta que, em se tratando de ciências sociais, a subjetividade não constitui obstáculo epistemológico, mas pedra angular. O autor afirma ainda que a contra-transferência, mais que a transferência, é dado crucial de toda ciência do comportamento. O pesquisador em Ciências Sociais nunca está fora, neutro, observador distante. Ele 20 estará sempre dentro, implicado com seu objeto de pesquisa. Lourau (1995) questiona se não é a própria implicação o objeto de análise das relações que temos com a instituição, ou se o pertencimento/implicação não é justamente aquilo que possibilita nossa inserção nas situações sociais de intervenção, de formação e de pesquisa. Barus-Michel (2004) afirma que o fato de se estar implicado em uma situação garante a apreensão daquilo que se quer ver esclarecido, desde que se possua os instrumentos de análise. No caso do ZTEC, nossos instrumentos são a abordagem psicossociológica e a corrente crítica da administração. A autora continua: “pode-se sempre descrever estados, processos, fenômenos, mas não se pode alcançar as significações sem passar por sua experiência” (BARUS-MICHEL, 2004, p. 125). Acreditamos que, na análise de processos psicossociais, não há como o pesquisador ficar neutro ou pouco envolvido. Analisar as práticas de RH no ZTEC é proceder à análise de minha atuação enquanto demandante. O desejo de saber colocame, nesse sentido, como objeto de minha pesquisa. 21 2. UMA EXPERIENCIA DE RH Neste capítulo, descrevo a experiência de implantação do Departamento de Recursos Humanos em seus vários momentos, a fim de apresentar a trajetória que percorremos. Relatarei o percurso desde quando lá chegamos até o final da experiência, que culmina com nossa saída da empresa. Conto também com o relato atual de profissionais que ainda estão na organização e de outros que já saíram para ajudar a recordar fatos e realizar descobertas. Nosso foco será a reconstituição da experiência como história, entendendo história como: (...) um processo de conhecimento que pretende reconstruir os acontecimentos nos tempos, mas que o faz assumindo que qualquer reconstrução é feita desde uma perspectiva, que qualquer registro inclui os desejos, os interesses, as tendências de quem faz a história. (BAREMBLITT, 1992, p.37). Nossa experiência está contextualizada no momento de profissionalização da organização, em que se buscavam novas formas de atuação, interna e externamente.. 2.1. A história da organização O ZTEC foi fundado há mais de 50 anos, devido ao idealismo de dois grandes empreendedores, que criaram uma fundação privada, sem fins lucrativos, com o objetivo filantrópico de prestar serviços hospitalares à população de baixa renda. Expoentes da medicina mineira foram convidados para constituir o corpo clinico, formando o então conselho consultivo. Foi administrado por um de seus fundadores até o início da década de 70, que deixou a marca da preocupação constante com a ampliação da área física e o aprimoramento técnico dos profissionais da saúde e da área administrativa. Com sua morte, passou a ser gerenciado por um dos conselheiros, que o dirigiu por mais de trinta anos consecutivamente, mantendo a mesma direção de crescimento e aprimoramento. Em sua linha de trabalho, sempre foi dada ênfase ao padrão técnico e científico do ZTEC. Foi em sua gestão a maior adesão dos 22 profissionais que hoje encabeçam o qualificado corpo clínico da instituição. O fim de seu mandato coincide com o início de grandes mudanças na gestão da organização. O ZTEC caracteriza-se como um hospital de grande porte e alta complexidade, que trabalha com tecnologia de ponta. Posicionado como um dos principais hospitais da região sudeste brasileira e do País, possui serviços altamente especializados e de tratamento intensivo (caracterizados como centros médicos complexos) a partir do uso de novas tecnologias e formação de pessoal técnico e médico, com publicações de trabalhos científicos em revistas estrangeiras. A organização possui centenas de leitos distribuídos em apartamentos e enfermarias com leitos de berçário, Centro de Tratamento Intensivo (CTI) adulto, CTI cardiovascular e CTI pediátrico, várias salas de cirurgia, sala de recuperação pósanestésica, sala cirúrgica para pequenos procedimentos e salas de vídeo-endoscopia (respiratória, digestiva e laparoscopia). O contingente profissional congrega aproximadamente quatrocentos médicos (incluindo-se os pós-graduandos) de alta qualificação profissional, muitos com renome internacional. Nas áreas administrativas e técnicas, atua um corpo funcional de aproximadamente 1.500 funcionários. Nas últimas décadas, o ZTEC vem se destacando como organização pioneira em procedimentos no Estado e no País. O parque de equipamentos comporta a mais avançada tecnologia em saúde disponível em Minas Gerais, como ressonância magnética (uma das mais modernas do Brasil), tomógrafo para neurologia, tomógrafo helicoidal, gama-câmara para exames de medicina nuclear, aparelho de cirurgia neurológica estereotáxica LEKSELL, equipamentos para tratamento dialítico, aparelho de radiação superficial para tumores de pele, aparelho de citoferese, bomba de cobalto, holter, eletrocardiografia de alta resolução, ergoespirômetro, pletismógrafo de corpo inteiro, criostato, mamógrafo, artroscópios, aparelhos de hemodinâmica, de ecocardiografia, ergometria, ultrassonografia, vídeo-endoscopia diagnóstica e cirúrgica, arcos cirúrgicos, salas de radiologia convencional, telecomandada e de fluoroscopia. A história da organização é marcada, como vimos, por grande desenvolvimento na área técnica, que não é acompanhado pela área de gestão. O ZTEC pode ser identificado como uma empresa “missionária”, conforme Mintzberg (2001): com uma 23 forte ideologia que vem desde sua fundação, por meio de seu pioneiro, sendo uma instituição com objetivo filantrópico de prestar serviços hospitalares à população de baixa renda. Essa missão está acima de tudo, segundo o autor: Como resultado de seu apego à sua missão, os membros da organização resistem bravamente a qualquer tentativa de mudá-la e de interferir com a tradição. A missão e o resto da ideologia precisam ser preservados a qualquer custo. (MINTZBERG, 2001, p.178). Um médico da equipe confirma Mintzberg: “não deixamos nossa missão filantrópica, agora são vinte horas e tem médico operando uma varize, que não vai lhe render nada...” (médico do ZTEC, 2009). Ainda segundo o autor, nesse tipo de organização há uma tendência de homogeneidade de pessoas, como se todos fossem iguais, lutando pelas mesmas coisas. Para ocupação dos cargos diretivos, as eleições são realizadas a partir do princípio de que “qualificações objetivas não são decisivas, qualidades pessoais são mais importantes na eleição” (MINTZBERG, 2001, p.179). É exatamente assim que acontece no ZTEC: sua diretoria é composta por pessoas “sem qualificação em gestão, são médicos, e administram de forma conservadora, tem dinheiro, gasta; não tem, não gasta, é simples assim” (médico do ZTEC, 2009), sem as competências técnicas necessárias na área de gestão. Essa característica missionária vai também marcar as relações de poder no ZTEC, como veremos à frente. Como todo hospital, segundo identificou Mintzberg (1995), o ZTEC é um tipo organizacional que se configura como uma burocracia profissionalizada, principalmente no que se refere ao poder médico. Nesse tipo de configuração, predomina a autoridade de natureza profissional - poder da perícia ou do especialista. Aqui, essa autoridade é o médico, diferentemente, por exemplo, do que ocorre em uma indústria, que se apóia na autoridade de natureza hierárquica (poder do cargo). Isso fazia com que as padronizações e decisões administrativas provenientes da tecnoestrutura1 e que visavam eminentemente à redução de custos fossem desconsideradas (MINTZBERG, 2001), o que fica bastante claro no diálogo de uma gestora com uma médica: 1 São analistas que estão fora da linha de autoridade das empresas e desempenham funções de planejar e controlar formalmente o trabalho de outros. 24 Gestora: “os procedimentos devem seguir essa padronização, que visa minimizar custos...”. Médica: “aqui você não mexe..”. Sendo o ZTEC uma organização com uma cultura bastante enraizada, sedimentada no poder médico, foi difícil operacionalizar muitas das mudanças impostas pela nova administração. Nossa falta de habilidade na leitura dessas circunstâncias, além das intransigências de ordem técnico-ideológica, talvez tenham contribuído para o fracasso do modelo de gestão proposto. Por esse breve histórico, podemos perceber que a organização se caracterizava, à época de minhas atividades, por uma administração tradicional e conservadora no que diz respeito à gestão. Essa situação não mudou até o presente momento, como veremos nos relatos de pessoas que ainda estão na instituição. 2.1.1. Nova era: a profissionalização da organização A partir do início da década de 1990, o ZTEC começa a se desestruturar financeiramente em decorrência das mudanças ocorridas no SUS e de sua baixa rentabilidade. Essa situação é agravada com a ampliação do atendimento a planos de saúde privados. Em 2000, a situação financeira da fundação estava crítica, acumulando prejuízos, e necessitava de uma reestruturação em sua forma de gestão. A instituição embora não querendo operar nenhum tipo de mudança, na sua forma de gestão, sabia que precisava se profissionalizar, “modernizar a instituição para fazer face ao mercado” (gestora do ZTEC, 2004). Em 2000, uma conceituada consultoria foi contratada para dar novo rumo à instituição, mas não houve êxito. Elaborou-se o diagnóstico, mas sem agir sobre as questões financeiras e sem criar um programa de mudanças mais profundo: A consultoria fez o diagnóstico, mas na hora de viabilizar as soluções, deixou com a empresa, mas não forneceu as ferramentas para garantir a mudança, e não houve prosseguimento. As recomendações não foram seguidas... houve até proposta de terceirização, para uma empresa filantrópica, o que era uma burrice, muitos até queriam fazer, eu intervim e não fizeram...eram diagnósticos sem ferramentas, sem indicadores... (médico do ZTEC, 2009). Do ponto de vista econômico-financeiro, a instituição encontrava-se em uma 25 situação de instabilidade, pois a alta rentabilidade do setor de saúde estava concentrada nos grandes convênios, que as margens dos hospitais não acompanham devido à falta de reajuste nas tabelas de diárias e taxas, além do baixo poder de barganha dos mesmos em relação aos convênios que dominam o mercado. A organização vinha operando com déficit financeiro, e poderia vir à insolvência caso nada fosse feito. A diretoria e o conselho de administração, diante da análise do ambiente econômico e do posicionamento da organização em relação a seus concorrentes, entenderam como necessário adotar uma estratégia de recuperação econômica e financeira e, principalmente, iniciar um processo de profissionalização. Este seria voltado para aumento de sua competitividade, desenvolvimento de novos negócios e principalmente gestão de custos, ou seja, seria necessária uma mudança na cultura gerencial da instituição e do corpo clínico. A organização não conhecia esse aspecto: os responsáveis pelos serviços não sabiam quanto custava um determinado procedimento e, conseqüentemente, não realizavam a gestão dos mesmos, no sentido de buscar minimizar custo e aumentar rentabilidade. Segundo Falk (2001) a entidade hospitalar que não desenvolve a capacidade de apurar seus custos, determinar o nível de rentabilidade e controlar a utilização de recursos dos procedimentos médicos perde vantagem competitiva com relação às que dominam esse conjunto de informações. A análise dos custos hospitalares é ferramenta gerencial que visa proporcionar a melhoria do desempenho organizacional, por meio do fornecimento da informação necessária ao processo decisório. Acreditando nessa perspectiva, para sanear a organização foi contratado, em 2001, um administrador profissional, buscando recuperar a saúde financeira da instituição pela implementação do modelo de gestão com foco em resultado. A adoção de novos modelos de administração, decorrente das exigências de um ambiente mutável, impingia atuações diferenciadas para que a empresa sobrevivesse e crescesse. Iniciou-se assim, na fundação e no ZTEC, um processo de reestruturação no modelo de gestão organizacional, para promover sua recuperação econômica e financeira, voltado para o aumento de sua competitividade e atendimento das demandas dos clientes, cada vez mais exigentes. A busca de ganhos econômicos e 26 projeção no mercado foram as principais metas da nova administração. Internamente, a organização estava desgovernada. Para as áreas administrativas, não havia políticas e diretrizes, sequer controles, descrição de processos e procedimentos ou relatórios gerenciais confiáveis para a tomada de decisão. As habilidades e competências das chefias eram bastante questionáveis. As funções de auditoria, comunicação, qualidade, orçamento e custos, além de recursos humanos, não existiam. Foi esse ambiente de pressões internas e externas que levou o Conselho de Administração a buscar e implementar mudanças para modernização da gestão. Foram incluídos os aspectos relativos à organização da assistência, como sua humanização, e a busca de maiores níveis de desempenho e responsabilidade institucional. Tinha-se a pretensão de ser referência na área de saúde no mercado mineiro. Esse cenário apresenta uma situação na qual a organização se mostra com pouco ou nenhum diferencial competitivo. O que explica a permanência do ZTEC no mercado nessas condições, além do fato de estar respaldado por uma filantropia e ter quantidade respeitável de descontos em impostos, é o enorme comprometimento dos empregados da empresa e do corpo clínico. Porém, a falta de sinergia entre esses grupos foi também o maior causador de crises no ambiente interno. Eis o paradoxo institucional: enorme comprometimento em direções distintas, sendo sua maior restrição a falta de cooperação entre o corpo clínico e os setores administrativos da empresa. Os chefes de unidades (Centro de Terapia Intensiva (CTI), Pronto Socorro (PS), Centro Cirúrgico (CC), etc.) eram, em sua esmagadora maioria, profissionais da saúde (médicos e enfermeiros) sem nenhuma formação e orientação sobre os conceitos básicos de administração, o que inviabilizava a proposição de mudanças com foco em resultados e dificultava a comunicação dos setores técnicos com a área administrativofinanceira. Eles não tinham interesse em estabelecer controles e profissionalizar a instituição. Havia um conluio entre médicos e funcionários, uma relação de “mútua ajuda”, conforme relata uma gestora: Os funcionários assinam pelos médicos procedimentos não executados, ou alteram o tipo de procedimento para beneficiar o médico; funcionário muda folha de sala de cirurgia, muda material, para proteger os médicos. Há uma aliança dos médicos com funcionários – relação de troca, médico que pagava 27 faculdade de auxiliar, dava dinheiro por fora. O funcionário é leal ao médico e não ao hospital, ou ao gerente, ou chefe imediato – há uma relação velada entre médico-funcionário... isso corresponde a mais ou menos vinte por cento dos funcionários. (Gestora do ZTEC, 2008). Esse tipo de comportamento acontecia porque as informações gerenciais eram parcas, com pouca fidedignidade, elaboradas em planilhas passíveis de erros e manipulação, acessíveis a poucos. O administrador contratado para realizar a profissionalização da organização (CEO)2, tinha plenos poderes para comandar todas as empresas da fundação, embora houvesse uma estrutura formal, com diretores e gerentes, em cada unidade de negócio. Ele foi trazido por um médico e membro do Conselho de Administração da instituição. Chegou como a pessoa que mudaria a história da organização: “ele é austero, bravo, mas vai consertar o que for preciso, fica perto dele...” disse-me o referido conselheiro logo que cheguei à empresa. A busca de modernização da gestão inicia-se, por um lado, com medidas severas de contenção de despesas, controle de gastos, negociação com fornecedores, dispensa de pessoas contratadas por apadrinhamento e sem qualificações necessárias para o desempenho das funções, com reconhecidas situações de prejuízo para a instituição. Por outro lado, nesse ambiente evolutivo, tornava-se premente a contratação de gerentes com as competências demandadas pelos cargos e comprometidos com o alcance das metas e dos resultados organizacionais. A capacitação adequada e a atitude proativa eram os pré-requisitos dos profissionais desejados pela empresa naquele momento. A contratação de profissionais de mercado para funções administrativas e a introdução de ferramentas gerenciais era o início de uma nova era para a fundação e, mais especificamente, para o ZTEC. 2.2. Relações de poder: nova estrutura, velhos vícios Embora na cronologia da história da organização a fundação seja anterior e mantenedora do ZTEC, este sempre teve mais destaque que a fundação, que ficou 2 Chief Executive officer – CEO – corresponde, no Brasil, ao Diretor-Executivo ou Diretor Geral de uma empresa ou organização. 28 apagada e desconhecida por mais de cinqüenta anos, tanto para o público interno quanto para a comunidade externa. Foi a partir de 2001, com a nova forma de gestão corporativa, que ela “ressurgiu”, ganhando identidade própria3, configurando-se como mantenedora, e com autonomia, espaço e poder com a constituição de uma governança corporativa que imprimia um caráter profissional à organização. A fundação passou efetivamente a legislar sobre todas as unidades de negócio, inclusive o ZTEC, que, embora fosse a maior unidade de negócio e geradora de receita, passou a ser “dependente” da fundação, tanto econômica quanto politicamente. O novo desenho da estrutura corporativa veio criar as unidades de negócio, separando entidades mantidas e a mantenedora. Essa nova configuração foi o início da ameaça à soberania dos médicos. Uma insurreição inicia-se contra o CEO e seu grupo: “os médicos se uniram e fizeram um movimento velado, contra o CEO” (Gestora do ZTEC, 2008). Como afirma Cecílio: a resistência dos médicos pode ser designada como passiva, isto é, eles simplesmente ignoram as novas propostas de funcionamento feitas e seguem como sempre estiveram: uma pratica autônoma, sem subordinação real a nenhuma linha hierárquica, descomprometida com a equipe e com as diretrizes da organização. (CECILIO, 1997, p.40). Outra gestora confirma: “vocês desconheceram a força dos médicos na instituição...”. A estrutura administrativa da fundação formou-se com a implantação da superintendência e dos departamentos de auditoria, controladoria, informática e recursos humanos. A contratação de gerentes profissionais tinha o objetivo de constituir a base de apoio para as unidades de negócio. O modelo empresarial implantado na fundação assemelha-se ao de empresas de sociedade anônima, na qual o crescimento passa pelo fortalecimento de sua gestão, por meio de normas e condutas que assegurem a transparência de informações, a agilidade nas decisões e, principalmente, a profissionalização. Essa nova estrutura tinha no discurso uma proposta de ser mais participativa, mais democrática: “o novo modelo permite interação maior entre os diversos interesses 3 Foi refeito seu estatuto, desenhada sua logomarca (antes, era a mesma do ZTEC), e toda a papelaria da empresa foi mudada para receber a logomarca da fundação e também do ZTEC. 29 institucionais” (CEO, 2002). De fato, no entanto, a nova configuração não democratizou as decisões que estavam centralizadas na pessoa do CEO, e deixou os médicos de fora do centro de determinações institucionais. O organograma aprovado em 2002 pelo alto escalão veio referendar o poder do CEO na gestão da fundação e das unidades de negócio, aparentemente, confirmando o que Mintzberg (apud PAZ et al, 2004) define como poder: a capacidade de afetar resultados organizacionais. Sabemos, no entanto, com Barus-Michel (2004), “...que o poder não é uma coisa, é uma relação circular na qual estão igualmente envolvidos, embora em posições diferentes, os que sofrem e os que dele tiram proveito” (BARUSMICHEL, 2004, p.100). Nesse sentido, não existe “o” poder, mas poderes que se reproduzem, formando o tecido social institucional. É o que verificamos no ZTEC, onde identificamos as relações de poder, conforme propõe também ENRIQUEZ (2007). Esse autor, em seu estudo sobre a noção de poder, apresenta nove fontes do mesmo. No ZTEC, identificamos algumas, entre as quais a legitimidade, oriunda da hierarquia, como no caso do CEO, que detinha o poder legítimo e o exercia através de sanções, traduzidas por normas e procedimentos que deviam ser seguidos, além dos sistemas de recompensas e reconhecimento. Essas prescrições estavam internalizadas de tal forma que o púbico interno as reconhecia como marca de uma nova ordem sendo construída, que deveria ser incorporada aos novos valores da instituição, a ser referência no mercado mineiro na área de saúde. O poder na organização estava fundamentalmente nas mãos do CEO. Suas decisões quase nunca eram reprovadas, dada sua influência em todas as esferas da instituição. Porém, apesar de todo esse controle rígido, as mudanças advindas da nova estrutura organizacional, das transformações nos processos e de um maior número de informações, através dos sistemas informatizados, aos poucos eram introduzidas. Com novas práticas de gestão, desenhava-se nova cultura organizacional, baseada em princípios mais técnicos e de mercado. Era assim que imaginávamos que o processo estava acontecendo – na verdade, havia um contra-movimento por parte dos médicos que somente foi explicitado com a perda das eleições da chapa da situação e nossa saída da organização. No entanto, ainda que precariamente, foi adotada a gestão estratégica como abordagem gerencial. 30 Por administração estratégica, entendemos um conjunto de orientações, decisões, metas, políticas e ações que visam propiciar uma unicidade na organização, possibilitando coerência interna capaz de ordenar e alocar recursos, de forma a garantir que a organização seja singular e viável, criando um ambiente propício a mudanças, capaz de antecipar contingências e sair à frente dos concorrentes (QUINN, 2001). Outra fonte de poder advinha do conhecimento e do saber, “a competência técnica”, tendo como ícone os médicos. Essa fonte conflitava enormemente com o poder legítimo do CEO, uma vez que o poder dos médicos estava em suas habilidades e conhecimentos, quesitos difíceis de serem controlados, em função de sua complexidade. Havia ainda outra fonte, “estrutura das relações e posse dos meios de controle”, representada por alguns empregados que tinham domínio do cliente por conta do atendimento que lhes prestavam. Nessa categoria, enquadravam-se também alguns atendentes que, devido à proximidade com os médicos, exerciam poder até sobre seus chefes hierárquicos, como veremos em relatos mais à frente. Nesse caso específico, sabemos que o poder exercido é limitado, principalmente devido às restrições de tomada de decisão, mas não podemos desconsiderá-lo, pois sua influência é maior que as atribuições do cargo e, como afirma Enriquez (2007), é causa de muitos conflitos na empresa, o que efetivamente ocorria no ZTEC. 2.3. Cultura organizacional O conceito de cultura organizacional que adotamos está alinhado com Enriquez (1997), que destaca as dimensões imaginária e simbólica nas organizações, além da dimensão política, que caracteriza a cultura como instrumento de poder e constitutiva das representações sociais (FREITAS, 2002). A principal mudança na cultura da organização ocorreu na forma de encarar o ZTEC como unidade de negócio mantida e controlada pela fundação para passar a enxergá-lo como devendo ser gerido para dar resultado. Buscou-se identificar os pontos de perdas e, para isso, foram criados controles que não existiam anteriormente. Esse fato gerou nos médicos um sentimento de perda de poder: “o CEO não pode determinar 31 o que vamos ou não vamos fazer” (médico do ZTEC, 2002). As normas e mudanças de conduta preconizadas pelo CEO e aplicadas pelos departamentos administrativos da fundação e do hospital geravam desconforto e discordância por parte dos médicos, que não estavam habituados a prestar contas de seu trabalho, principalmente de seus gastos nos procedimentos que realizavam. Buscou-se criar uma organização do tipo tecnocrática, na qual imperava o conhecimento em todas as áreas da instituição e não mais somente na área técnica. Isso se fez pela contratação de profissionais para as áreas administrativas. A nova configuração não foi aceita pelo poder dos médicos, que se percebem como superiores: “o médico, pela sua formação, pelo poder de mudar uma vida, se percebe diferente, acha que é deus, e ainda há os deuses ricos e os pobres, aqui somos os pobres...” (médico do ZTEC, 2008). Essa hipótese se confirmou quando verificamos que a diretoria que sucedeu a administração da qual fazíamos parte demitiu, imediatamente após a sua posse, todos os profissionais das áreas administrativas, banindo de seus quadros todo conhecimento desse campo: “vocês foram substituídos por pessoas sem qualificação técnica, ou com muito pouca, pessoas sem experiência mesmo, mas também não precisa de muito conhecimento para apenas controlar” (médico do ZTEC, 2008). A obrigatoriedade do uso do crachá, em determinado momento, é outro exemplo da prepotência do corpo médico e da dificuldade em cumprir normas: visando aumentar a segurança no ZTEC, através do controle de acessos, o layout do crachá foi remodelado e ganhou código de barras. Foi feita uma norma determinando a obrigatoriedade de seu uso para entrada e trânsito no ZTEC. Os médicos, no entanto, sistematicamente não portavam o crachá, eram grosseiros com os porteiros, e muitos chegaram a colocar uma tarja preta onde estava escrito “em que posso servir”4. Essa atitude gerou mal-estar tamanho na diretoria que culminou com a retirada da frase dos crachás dos médicos. Quanto ao uso do crachá, levou um bom tempo para que efetivamente aderissem ao seu uso constante. Também é verdade, por outro lado, que muitas mudanças vinham de forma autoritária, sem consulta prévia, desconsiderando a cultura hospitalar e, às vezes, com 4 Esta mensagem fazia parte de uma mudança na cultura, trazendo o cliente como foco. Visava mostrar ao cliente que todos estavam ali para servi-lo, não importando o cargo. 32 punições para o não-cumprimento. Mudanças em procedimentos e formas de controles eram constantes, e sempre envolviam os médicos, na medida em que os mesmos precisavam gastar mais tempo com atividades administrativas, o que sempre recebiam de forma difícil. Em relação aos funcionários, os controles eram cada vez mais rígidos, para evitar perdas e propiciar redução de custo. A novidade fazia com que muitos se sentissem vistos com desconfiança. Alguns gestores exigiam que os funcionários chegassem antes do horário para passar o plantão sem pendências. A falta de cumprimento dessas exigências era vista como falta de comprometimento, como perfil inadequado para a nova cultura. Embora não concordássemos com essas atitudes, não tínhamos gerenciamento sobre elas, e o CEO, ao contrário, entendia-as como positivas. Nesses momentos, éramos chamados para solucionar situações de conflito: “precisamos do RH, o bicho tá pegando, os funcionários estão revoltados...” dizia uma gestora, solicitando nossa atuação para explicar porque havia mudado o horário de trabalho sem prévio acordo, ou porque não haveria pagamento de horas-extras para realização de treinamento fora do horário de trabalho (com comparecimento obrigatório), além de outros casos semelhantes. Embora tentássemos evitar esse tipo de situação, éramos surpreendidos por realidades com as quais não concordávamos ou que não controlávamos. Muitos gestores tinham atitudes autoritárias, em desacordo com o que entendíamos como gestão humanizada de pessoas, ou seja, uma gestão mais participativa, o que gerava um desgaste muito grande, pois enquanto trabalhávamos para ganhar a confiança dos empregados, alguns gestores trabalhavam na direção contrária. Embora fôssemos porta-voz da nova administração, o pilar gestão de pessoas que o CEO preconizava como indispensável para realização da modernização da organização, muitas vezes não estávamos alinhados. Não concordávamos com os métodos por ele aplicados, não tínhamos assento na mesa de negociações, não participávamos da elaboração das grandes estratégias. Assim, existia um foco de conflito velado, jamais explicitado, entre DRH e CEO. Na verdade, não houve um trabalho de gestão da mudança. O objetivo era colocar a empresa no padrão “...universalista, ou seja, aplicável em qualquer país, mantendo alguns valores, pretensamente neutros, assumidos simplesmente como ‘profissionais’....cada vez mais as empresas se parecem” (FREITAS, 2002, p. 24). Esse 33 caráter universalista, no entanto, não existe. Cada empresa tem sua cultura e seu modus operandis, que deve ser explicitado para evitar desgastes e conflitos: Os quadros de estresse e tensões são, antes, resultado de um fracasso na definição e na instauração de conceitos claros, no que diz respeito ao gerente, ao gerenciamento, à estrutura hierárquica, aos direitos e deveres nas relações laterais... (JAQUES, 2001, p. 213). Na época, faltou-nos conhecimento para realizar um trabalho efetivo de levantamento da cultura da empresa. Buscar entender como se davam as relações cotidianas, identificar os valores, os fundamentos que aglutinavam os diversos membros. Entrevistamos todos os representantes de cargos de gestão e funcionários, mas nosso objetivo era levantar demandas para RH e não identificar os instrumentos e relações de poder que permeavam a instituição. Não entendíamos cultura como instrumento de poder (FREITAS, 2002), de manipulação, e, dessa forma, não buscamos identificar como a cultura poderia nos mostrar o que era importante para os diversos atores da organização. Não percebemos a importância de identificar o imaginário da organização, a “causa a ser defendida” (ENRIQUEZ, 1997a). Hoje sei que esse erro foi decisivo para o fracasso da experiência. Várias pessoas com quem conversei também mencionaram esse fato: “...mas não fizemos a gestão da mudança – não consideramos a cultura, os públicos alvos, impactos, forças restritivas e propulsoras...” (PRH, 2008). “A cultura do ZTEC sempre foi competitiva, os jogos políticos sempre existiram, a rivalidade entre os médicos e os setores administrativos é desde sempre, vocês não perceberam a importância de tratar isso...” (Gestora do ZTEC, 2008). 2.4. Criação do departamento de recursos humanos (DRH) A visão do CEO do ZTEC sobre RH era uma visão utilitarista das pessoas, camuflada por uma fala de que pessoas eram o diferencial, um dos pilares da nova gestão, dando ao RH grande importância frente ao público interno e externo. Para atender esse discurso, foi criado o Departamento de Recursos Humanos. Hoje, no entanto, sabemos que somente a criação de um departamento não garante a 34 valorização das pessoas. A reboque do processo de mudança cultural, veio a valorização do capital humano, com a Criação do Departamento de Recursos Humanos, que tem como objetivo treinar e manter o corpo de colaboradores satisfeito e altamente qualificado. (CEO do ZTEC, 2004). O CEO preconizava que uma gestão de sucesso deveria ter como foco prioritário a satisfação do cliente e, para isso, era preciso haver sintonia e relações interpessoais satisfatórias entre administradores, auditores externos, conselhos fiscais, empregados e fornecedores. O DRH era um dos agentes que viabilizariam essa nova proposta da organização, com projetos e programas que introduzissem os empregados no rol de participantes da gestão institucional, mantendo o corpo de colaboradores satisfeito e altamente qualificado. A proposta, portanto, era de um DRH atrelado à nova gestão, com a pretensão de ser um RH Estratégico. Um RH Estratégico é o RH como staff, presente junto à diretoria desde o momento do planejamento da empresa, participando da elaboração da visão, da missão e do planejamento estratégico, realizando suas atividades e colaborando para que os planos departamentais aconteçam de acordo com esse compromisso, buscando atingir as metas estabelecidas. Busca-se, assim, ajudar a empresa a atingir objetivos empresariais, “instituir e gerir um processo que crie uma organização que atenda às exigências de seu negócio” (ULRICH, 2001). Na verdade, éramos apenas porta-vozes do novo discurso de modernização, das novas formas de gestão, pois as estratégias já vinham definidas, prontas, e na maioria das vezes não participávamos de sua elaboração ou não tínhamos uma atuação determinante. Para atender às propostas de mudanças, buscou-se um profissional de mercado para implantar e gerir as ações de RH na instituição. Foi nesse contexto que fui contratada, por meio de um processo seletivo mediado por uma empresa de consultoria de colocação de pessoas. Tinha a missão de aumentar a eficácia empresarial, através da gestão de pessoas, com foco na excelência na prestação de serviços para atendimento das demandas dos clientes. Trazia uma experiência de quatorze anos trabalhando em DRH, em empresas públicas e privadas, como analista e como gerente, além de experiência em implantação de DRH, mas acredito que minha 35 dupla formação, em administração de empresas e psicologia, foi um diferencial, pois como administradora tinha uma linguagem empresarial que me permitiu, desde o início, compreender a alta administração, o que nos fez parecer estar “do mesmo lado”. A alta administração demonstrava acreditar que RH seria um diferencial para condução dos planos de modernização da instituição, perspectiva que me seduziu quando, ainda no processo seletivo, acenaram-me com a possibilidade de fazer um RH no qual as pessoas poderiam fazer diferença. Estavam dispostos a investir em pessoas, e me senti entusiasmada com o projeto. Foi-me dado o desafio de criar uma equipe de RH para implementar programas que dessem suporte às transformações que estavam por vir. O que se buscava era uma abordagem estratégica, com o entendimento de que as pessoas são recursos para obtenção de vantagem competitiva, integração de políticas e práticas de gestão de pessoas com a estratégia de negócio. Esta proposta teve como referencial teórico o modelo dos quatro papéis de RH proposto por Dave Ulrich (2001), como veremos no capítulo três deste trabalho. Nessa abordagem, quando se fala de pessoas, fala-se de empregados, clientes, fornecedores, concorrentes e cidadãos em geral. Esses eram, então, nossos clientes, mas nosso foco eram os empregados, sempre os menos considerados deste conjunto. O diferencial nesta experiência é que tive a liberdade de sonhar e participar da construção de um RH que eu acreditava ser sensível às pessoas. Para nós, “pessoas” significavam os empregados, e, aparentemente, tínhamos todo respaldo e credibilidade da cúpula. De fato, contávamos com autonomia maior que a maioria das organizações, o que por si só já era um diferencial. Os RHs tradicionais cumprem as funções básicas de contratar, treinar, remunerar, por meio de rotinas operacionais e burocráticas que desembocam em controle e policiamento, trabalhando de forma isolada das demais áreas da empresa e, principalmente, longe da estratégia. Porém, eu tinha plena consciência de que estava ali para alavancar resultados para a instituição. O foco era a empresa. Pensar nos trabalhadores fazia parte de minha ideologia, mas isso não poderia ser muito evidenciado, sob pena de não ser bem vista. Muitas vezes, no período em que lá trabalhei, fui questionada sobre para quem eu estava trabalhando - para a empresa ou para os funcionários - o que explicitava o 36 conflito de classe e poder. Mesmo Ulrich (2001) reconhece o paradoxo de dois dos quatro papéis por ele proposto – parceiro estratégico e defensor dos funcionários. Gaulejac, por sua vez, afirma que a ambigüidade do poder gerencialista está na defasagem entre as intenções anunciadas de autonomia, inovação, criatividade e aplicação de dispositivos organizacionais, produtores de prescrição, de normalização, de objetivação, instrumentalização e de dependência (GAULEJAC, 2007, p.100). Acreditávamos que inauguraríamos uma nova era, que valorizasse o capital humano com ações de treinamentos em todos os níveis, por meio da implantação de novas propostas de formas de organização do trabalho, o que nos tornaria suporte do novo modelo de administração. Chegamos para fazer mudanças: de cultura, no perfil dos empregados, na gestão, nos processos, no ambiente físico. Estávamos ali, portanto, para sermos os “agentes de mudança” da instituição (ULRICH, 2001). O CEO da empresa sempre dizia que queria conversar com a administradora e não com a psicóloga, referindo-se a minha dupla formação. Assim, ele explicitava que a psicologia poderia estar a serviço dos empregados e que ele queria os serviços que atendessem à empresa, deixando claro que pessoas eram um dos recursos a serem administrados. Enquanto equipe de RH, contudo, nós tínhamos um ideal: queríamos um RH que atendesse aos interesses da empresa, mas também em que o funcionário fosse reconhecido e considerado. Sua voz deveria ser ouvida e respeitada, e os gestores eram nosso principal alvo, pois por mediação deles nossos objetivos poderiam ser atingidos. Não sabíamos, contudo, que o gerenciamento está essencialmente a serviço do capital, que é uma ideologia que traduz as atividades humanas em indicadores de desempenho, numa relação de custo/beneficio: “a função do manager é produzir um sistema que liga e combina elementos disparatados: capital, trabalho, matéria-prima, tecnologia, regras, normas, procedimentos” (GAULEJAC, 2007, p.39). Acreditávamos que, se sensibilizássemos os líderes para uma gestão de pessoas em que os funcionários fossem ouvidos e reconhecidos em suas necessidades, onde as condições de trabalho se ligassem a uma melhoria da qualidade de vida no trabalho, teríamos atingido nosso objetivo de sermos “defensores dos funcionários”. Tínhamos convicção que poderíamos implantar um modelo no qual as 37 pessoas e a empresa pudessem crescer de forma mais harmônica. Esse foi, contudo, nosso engano: “as políticas de RH seguem as exigências do mercado financeiro...” (GAULEJAC, 2007, p. 41). Implantamos um “RH com pessoas para pessoas”, ou seja, como equipe de RH, nos víamos como sujeitos que se relacionavam com outros sujeitos. Porém, se entendemos sujeito como aquele que está inserido em um dado momento histórico e com a perspectiva de poder transformá-lo minimamente - o “criador de história” que, segundo Enriquez (1997a, p.21), “...realiza seu trabalho, com outros, porque ele compreendeu que não passa de um elemento, de uma história coletiva que o ultrapassa e que ele ajudou a criar, não obstante” -, estávamos longe de sermos sujeitos. Nossa condição era muito mais de assujeitamento. Em uma perspectiva critica, e entendendo gestão como “conjunto de técnicas que permitam à organização a melhor utilização dos recursos financeiros, materiais e humanos, para garantir a perenidade da empresa” (ENRIQUEZ, 1997a, p.64), vemos que, enquanto nos orgulhávamos de fazer uma gestão de RH, na verdade estávamos garantindo a sobrevivência da empresa através das pessoas, clientes ou empregados: A gestão gerencialista preocupa-se antes de tudo em canalizar as necessidades dos clientes sobre os produtos da empresa e de transformar os trabalhadores em agentes sociais do desempenho: o trabalhador é considerado enquanto rentável e o cliente é rei se for solvível. (ENRIQUEZ, 1997a, p. 50). Vemos que o modelo adotado era pautado na racionalidade instrumental, embora na época o entendêssemos como uma “nova” forma de administrar pessoas. Na verdade, tratava-se mais de um modelo reformista, que considera a empresa como uma máquina que pode ser regulada de acordo como os interesses vigentes. Mas não tínhamos essa noção, e talvez a ingenuidade tenha nos possibilitado fazer algo diferente, pois realmente acreditávamos que poderíamos conciliar interesses tão divergentes. Estruturamos um departamento de recursos humanos com a contratação de profissionais com competência técnica e imbuídos do espírito de trabalho em equipe, cooperação e uma visão de RH voltada para estabelecer vínculos com funcionários e administração. A equipe era constituída por mim, a gerente - administradora de 38 empresas e psicóloga, além de mais quatro psicólogos, um médico do trabalho, um engenheiro do trabalho, quatro técnicos em segurança do trabalho e dois enfermeiros (um do trabalho e um da educação continuada), um auxiliar de enfermagem do trabalho e um assistente administrativo. Tínhamos ainda uma psicóloga clínica (não efetiva) que nos atendia em projetos específicos, como na escuta de funcionários de setores com altos índices de adoecimento e rotatividade. Essa equipe trabalhava de forma integrada e dentro da perspectiva multidisciplinar, na qual as pessoas eram ouvidas levando-se em considerações aspectos biopsicossociais. 2.4.1. O que encontramos Do ponto de vista do funcionamento interno, havia uma carência de pessoal qualificado e de pessoas suficientes para a realização do trabalho. Faltava material para realização dos procedimentos conforme os protocolos preconizavam, bem como de padrões de atendimento ao cliente nas suas várias necessidades, o que gerava um número enorme de reclamações. As relações interpessoais eram de péssima qualidade, o que tinha como conseqüência ruídos na comunicação e a insuficiência dos resultados propostos pela instituição. As relações eram ora paternalistas, ora autoritárias. Faltava clareza sobre as reais atribuições e sintonia entre os vários profissionais, como comentou um gerente, à época: Podemos observar, em nossa experiência profissional, que a comunicação entre os profissionais da área técnica e administrativa, muitas vezes, ocorre de forma distorcida ou mesmo contraditória, dificultando assim tanto a excelência no atendimento ao cliente, quanto a obtenção de resultados financeiros. (Gerente do ZTEC, 2002). O que até então era chamado de DRH era um setor de Recrutamento e Seleção (R&S), com duas psicólogas e o setor de medicina do trabalho, com uma médica, uma enfermeira e uma auxiliar de enfermagem, que funcionava precariamente, sem a preocupação com as pessoas e a instituição. Não se configurava nem como um Serviço de Segurança Medicina e do Trabalho (SESMT), pois o braço da Segurança do Trabalho estava totalmente desvinculado da Medicina do Trabalho e era tratado 39 separadamente, inclusive em termos de subordinação - era subordinado ao setor de produção. Havia alto índice de rotatividade ou turnover (giro de entradas e saídas de pessoal), na ordem de mais de 20% ao ano, indicativo de perda de produtividade, de lucratividade e de saúde organizacional, tendo grande ressonância na motivação das pessoas, em seu comprometimento, o que gera um ciclo vicioso, com aumento também do índice de absenteísmo, que poderá produzir mais aumento da rotatividade. Do ponto de vista da empresa, alta rotatividade significa, além de alto custo de reposição, perdas da ordem do intangível, como perda de conhecimento, de capital intelectual, de inteligência, de entendimento e de domínio dos processos, de conexões com os clientes, de mercado e de negócios. Do ponto de vista dos funcionários, por sua vez, essa alta rotatividade significa, principalmente, desatenção, falta de política que seja norteadora dos conflitos organizacionais. Não havia, na empresa, programas que avaliassem o ambiente de trabalho e a inserção dos trabalhadores no mesmo; não existiam mecanismos para identificar os tipos de relações existentes entre os diversos atores que compunham a rede de relacionamento e a origem dos conflitos decorrentes delas. Enfim, não havia nenhum projeto ou programa que levasse em consideração os trabalhadores e sua condição de trabalho. As pessoas eram tratadas como recursos passíveis de serem substituídos a qualquer momento, e o RH era tido pelos funcionários como “recursos des-humanos”. Para a direção e os gerentes, DRH não atuava enquanto prestador de serviços, fornecedor e gerador de soluções para reduzir ou minimizar problemas relativos a pessoas na organização. Empregados e chefias não conheciam qual era o papel de um DRH, seus produtos e serviços. Um chefe disse-me claramente, quando eu ainda tinha pouco tempo de trabalho no ZTEC: “você está querendo aparecer? Aqui não tem dessas coisas....”, quando foi informado que ele e sua equipe teriam verba para ir a um congresso fora da cidade. Eles não tinham conhecimento sequer das funções básicas de um RH tradicional, como, por exemplo, treinar e desenvolver pessoas. Não encontramos nenhum tipo de histórico funcional dos funcionários. Não havia estatísticas para possibilitar a análise sobre os dados de afastamentos (absenteísmo) e turnover, seus motivos, áreas e cargos de maior incidência, etc. Também não havia preocupação com capacitação e desenvolvimento das pessoas. Existiam poucos 40 treinamentos técnicos, ministrados por enfermeiras a seus auxiliares. As pessoas temiam o RH, pois só tinham algum contato com o setor em momentos de advertência ou demissão. As demissões eram feitas pelo responsável pelo setor de pessoal (que era confundido com o RH), como relatado por um funcionário: o “chefe do DP é que manda nas pessoas aqui”. As demissões aconteciam sem nenhum critério, nenhuma justificativa. Uma chefia de setor disse-me certa vez: “tem muita gente no mercado, não vou ficar perdendo tempo em conversar com empregado, pisou na bola uma vez, mando embora e pego outro, tem fila de gente querendo trabalhar aqui”. 2.4.2. Conhecendo a empresa por meio de seus diversos atores No momento de minha entrada na empresa, o CEO concedeu-me um mês para conhecer a instituição e elaborar um projeto para a área de RH. O primeiro passo foi entrevistar representantes de todos os segmentos da empresa, pois precisava conhecer as pessoas, os atores: chefias, empregados e médicos, além de suas necessidades, as estruturas de trabalho, o trabalho em si. Nunca havia trabalhado em uma instituição hospitalar, e tudo era novo. Nas primeiras reuniões de trabalho, muitas vezes não entendia o que se dizia. Assim, entrevistar as pessoas pareceu-me a única maneira de buscar entendimento da instituição e suas demandas. Realizei mais de quarenta entrevistas em sessenta dias, com o objetivo de conhecer a empresa e identificar as expectativas em relação ao que esperavam do RH, como percebiam a instituição, como era a visão desses públicos em relação à empresa, ao trabalho, às inter-relações entre os pares e à hierarquia. Ver e ser visto, tornar-se conhecido e às vezes reconhecido por sua própria história e por sua qualificação ou situação social na atualidade....há nesse momento, uma aproximação, uma descoberta e uma reciprocidade. (LE VEN, 1997, p.217). Foram entrevistadas todas as pessoas que ocupavam funções de comando na empresa, de encarregados a diretores. A cadeia de comando era: diretor - 41 superintendente - chefe - coordenador - supervisor - encarregado. O nível de escolaridade variava de ensino fundamental a pós-graduação, sendo a maioria de ensino médio. 2.4.2.1 Os chefes Os ocupantes de cargos de chefia tinham grande expectativa positiva em relação ao DRH, a julgar pelo discurso colhido nas entrevistas. Falavam de suas dificuldades em lidar com pessoas, da carência dos empregados de quem cuidasse deles. Diziam acreditar em RH, embora as experiências anteriores não tivessem sido positivas (segundo relato dos mais antigos na instituição). Algumas pessoas aproveitavam a entrevista para tecer insatisfações em relação a outros colegas ou chefes e dizer da dificuldade de relacionamento entre eles. Apresentavam a incompetência alheia com a maior naturalidade e alertavam-me a respeito de algumas pessoas: “cuidado com fulano, ele é perigoso... ele vai tentar te ferrar”. Essas falas eram indícios de uma rivalidade entre os gestores e destes com o corpo clinico, que, à época, não pareceu importante. Relatavam ainda seus medos e inseguranças em relação às mudanças que estavam sendo anunciadas. Alguns buscavam fazer alianças, na tentativa de garantir seu lugar, “olha, se eu ficar aqui pode contar comigo, eu sei de muita coisa e posso te ajudar...”. Poucos tinham a visão dos problemas da instituição e estavam realmente preocupados com ela. Ocupantes de cargos estratégicos, embora conscientes das necessidades de mudança para a sobrevivência da instituição, estavam mais empenhados em manter seus consultórios e afazeres particulares do que em parar para pensar a empresa. Verificamos a preocupação de algumas pessoas com sua baixa escolaridade frente à possibilidade de demissão: “sei que não tenho o perfil que a instituição está querendo agora... recursos humanos vai ajudar a gente?” 2.4.2.2 Os funcionários Solicitamos aos chefes que nos indicassem pessoas que poderiam conversar conosco sobre o trabalho e como estavam vivenciando o momento da instituição, e 42 escolhemos também algumas pessoas aleatoriamente. Todos chegavam muito inseguros, às vezes tremendo. Não estavam acostumados a conversar com “chefes” e, quando eram chamados no RH, era para serem punidos ou demitidos. Verificamos a total desinformação dos funcionários quanto ao momento que a instituição estava vivendo. Estavam revoltados por não receberem as horas-extras e não terem prometida cesta de Natal: “o homem lá [referência ao CEO] vai mandar muita gente embora, pessoas com vinte anos de casa estão sendo demitidas, ele vai trocar tudo...”5. Quanto aos empregados, a visão que tinham de RH era a pior possível: “só conhecemos recursos des-humanos” era uma fala recorrente. “Ninguém se preocupa com a gente...” “nunca me perguntaram sobre nada nesse lugar... me desculpe, estou tremendo, estou aqui há 20 anos e é a primeira vez que converso com um chefe”6. Nessas entrevistas, era necessário, inicialmente, acalmar as pessoas, explicar o objetivo do DRH e solicitar que nos dessem um voto de confiança. Algumas se abriam, diziam de suas necessidades, de como viam a empresa, tinham uma visão real e crítica dos acontecimentos. Outros, mais tímidos e sem recursos, limitavam-se a responder às perguntas, sempre desconfiados. 2.4.2.3 O corpo clínico O Corpo Clínico foi o último segmento a ser trabalhado, e já possuíamos uma proposta esboçada, com as prioridades que trabalharíamos. Apresentamos a mesma aos chefes de clínica e eles se colocavam na expectativa: “vamos ver no que vai dar, né, minha filha”7. Os médicos, de modo geral, não tinham noção de qual era o papel de uma área de RH. Muitos já eram idosos e tinham dificuldades de acompanhar o que estava sendo mostrado. No entanto, alguns se ofereceram como parceiros, e estabelecemos um diálogo bastante proveitoso durante o período em que lá estivemos. O corpo clínico era totalmente isolado e não participava oficialmente das 5 Anotações pessoais. 6 Anotações pessoais. 7 Anotações pessoais. 43 decisões administrativas, embora tivesse grande influência na prática, tanto nos procedimentos técnicos quanto nas contratações de pessoal. Em alguns setores, havia duplicidade de comando, muitas vezes contraditórios, entre médicos e gestores administrativos. Os funcionários ficavam perdidos e chegavam a ser punidos por não obedecerem a essas ordens múltiplas. Uma situação corriqueira era o médico orientar funcionários para usarem determinados materiais no tratamento do paciente e a chefia administrativa não autorizar, como medida para redução de custos. Era comum um funcionário ser advertido pelo uso “indevido” de materiais que haviam sido solicitados pelo médico. Outras vezes, um funcionário encarregado dos cuidados de um paciente recebia ordens da enfermagem para ir a outro andar, cobrir uma falta, por exemplo, e acabava sendo insultado pelo médico, às vezes na presença do paciente. Os médicos não eram funcionários do hospital e os funcionários sim, fato que era fonte de muitos conflitos. Nesse segmento, a organização estava dividida em no mínimo três grupos: um, que era contra todas as mudanças propostas, não queria a modernização, pois temia a perda de poder e os benefícios advindos de uma empresa mal-administrada e sem controle; um segundo, que era neutro esperava para ver o que aconteceria; e um terceiro, que patrocinava a mudança, trabalhava para que ela ocorresse, dava-lhe toda cobertura e, conseqüentemente, foi aliada das ações do DRH. Alguns médicos não acreditavam em nosso trabalho e, por vezes chegavam a atrapalhar várias atividades, seja pelo não-envolvimento nos programas, seja dificultando a participação de funcionários em treinamentos, programas de ginástica laboral, reuniões, etc. Havia ainda um grupo de freiras que, à época residiam no Hospital e exerciam autoridade junto a funcionários e clientes, sempre em oposição às determinações administrativas, sendo outro foco de conflito. Por não acreditarmos que poderiam afetar nosso trabalho, realmente não demos a devida atenção a elas e seu poder de minar projetos junto aos funcionários e até mesmo aos médicos, aos quais elas tinham grande acesso, seja pela relação de amizade, seja pelo respeito que impunham como religiosas. Tinham uma visão do ZTEC como “casa de saúde”, onde os relacionamentos eram “misturados”, não havendo separação entre o pessoal e profissional. Elas 44 atuavam diretamente junto aos clientes e, muitas vezes, denegriam os gerentes e suas ações. Não aceitavam as mudanças nos procedimentos de atendimento ao cliente, novas formas de acondicionamento de alimentos, regras de distribuição de roupas aos pacientes; enfim, não estavam alinhadas com “a modernidade”, como elas próprias diziam. Moravam no ZTEC, ocupando dois ou três apartamentos e, dessa forma estavam presentes a todo momento. Não obedeciam às normas referentes ao trato com pacientes e acompanhantes, trazendo sempre transtornos e conflitos. O capelão nos foi hostil desde o início: “vocês vieram para mudar tudo...vieram tirar a nossa paz”. Ele não aceitava as mudanças que estavam sendo implantadas, era dado a fofocas, o que também gerava desgaste e dificuldades com vários setores. 2.4.2.4 As descobertas através das entrevistas A partir das entrevistas, verificamos que era necessário criar uma política de RH, estabelecer programas, definir prioridades, pois a instituição era carente de forma geral. Não havia nenhuma prática de RH reconhecida pelos funcionários como algo benéfico para eles. As demandas da direção já eram conhecidas: ela queria, em última instância que as pessoas fossem um meio de atingir resultados. Era preciso, e esse era nosso sonho, compatibilizar as duas demandas. As falas nos preocuparam muito e chamaram a atenção para qual era o lugar dos empregados nessa empresa – considerada uma organização de saber e conhecimento, organização de “doutores”. Conhecendo os diversos atores da instituição, percebemos como as relações aconteciam e identificamos os vários subgrupos que ali existiam. Havia a história oficial e as histórias que íamos conhecendo, contida nos relatos das pessoas. Existiam situações curiosas, como a de empregados que nasceram e viveram, literalmente, dentro da instituição. Uma família inteira se constituiu dentro do ZTEC, residindo em uma casa no mesmo terreno. O casal trabalhava no hospital e dois filhos cresceram ali. Quando em idade de trabalhar, também foram para a instituição. Tinham forte ligação com o ZTEC, relação de amor e ódio. O pai era falecido e a mãe tinha sido demitida com a chegada do CEO, mas havia ainda dois filhos em funções de chefia. Havia outras pessoas que, pela história pessoal de relacionamento com a 45 diretoria, ocupavam posições de comando. Tinham perfil bastante autoritário, que causava verdadeiro pânico nos funcionários com os quais trabalhavam, e tratavam as pessoas de forma rude e sem profissionalismo, com exceção dos “protegidos”. Ouvia-se muito: “fulano é protegido(a) de sicrano”, do “Doutor tal”, “esse é filho de A, B, ou C... com esse aí você não pode mexer...”. Existia um motorista que era alcoólatra e também morava no hospital, em um pequeno quarto perto do estacionamento. Ele era protegido da diretoria, “era filho de um amigo do doutor X....”. Assim havia ali muitas pessoas que ganhavam e não trabalhavam. Em relação às lideranças, havia muitos “chefes”: de pessoal, de compras, de almoxarifado, de cozinha, de laboratório, etc. Eram pessoas, na maioria das vezes, com muitos anos de casa, promovidos a chefes sem uma avaliação das condições necessárias, em termos de competência técnica ou comportamental. Muitos tinham baixa escolaridade. O resultado dessa inadequação era o abuso de poder, oscilando entre o paternalismo e o autoritarismo. Casos de assédio moral e sexual aconteciam corriqueiramente. Entre os médicos, não era diferente. Eles associavam-se e trabalhavam em favor de seu próprio interesse, formando guetos onde algumas pessoas do setor administrativo tinham lugar (chefes e funcionários). Outra “facção” era a associação de alguns chefes (chefias administrativas), que se aliavam e se protegiam – “mexer com um era mexer com todos”. Nessas associações, existiam médicos que também os protegiam. Havia ainda as associações entre chefes e a diretoria, médicos e diretoria, enfim, várias combinações possíveis, todas visando a interesses particulares. A secretária da diretoria era a pessoa com mais poder na instituição, circulando em todos os subgrupos. Não se tratava de um poder legítimo, mas do poder da confiança, muito maior que qualquer outro na cultura missionária do ZTEC. Isso ficou claro para nós somente bem mais tarde. Diante desse barril de pólvora, onde tantos interesses estavam em jogo, optamos por “desconsiderar” essas associações e trabalhar de forma neutra, sem nos envolver em nenhuma delas, o que era bastante difícil, pois éramos “convidados” constantemente. Dentro do próprio RH, os profissionais eram seduzidos para “mudar de lado”, considerados como aliados do poder atual, na medida em que tinham sido 46 contratados nesse contexto. Tratávamos essas questões com imparcialidade, transparência e assertividade, de forma a termos o respeito e a credibilidade de toda a instituição. Mas no início não foi assim.... 2.4.3. A proposta de trabalho A proposta de trabalho que definimos e nos propusemos a realizar era orientada para uma parceria com as chefias e voltada para os resultados da instituição: “assessorar as diversas áreas da empresa na gestão de pessoas através de políticas e diretrizes, para captar, manter e desenvolvê-las, visando atingir os resultados esperados de forma transparente e integrada”8. As entrevistas indicavam que tínhamos questões urgentes para tratar do ponto de vista da gestão das pessoas. Em todos os nichos em que entramos, ficaram evidentes as dificuldades nas relações interpessoais e os problemas entre liderança e empregados, decorrentes da falta de políticas e diretrizes para nortear as relações entre os diversos grupos que compunham a instituição. Estabelecemos algumas prioridades, que definiram três grandes pilares, a saber: colocação de pessoas, treinamento/desenvolvimento e gerenciamento da remuneração. No pilar “colocação de pessoas”, a meta era: “suprir as demandas de RH com pessoas adequadamente qualificadas quanto a conhecimento, experiência e características necessárias à execução de suas responsabilidades”. Definimos os critérios básicos para admissão de pessoas, levando em consideração que queríamos elevar o nível de escolarização das pessoas e evitar relações de parentesco num mesmo setor (idade, escolaridade/cargo, nível de parentesco e relação de subordinação) e uma política de preferência pelo recrutamento interno para preenchimento de vagas; a definição dos instrumentos de avaliação psicológica de acordo com perfil do cargo; a participação efetiva dos gestores nos processos de seleção. Defendíamos a idéia de que quem é responsável pela gestão de pessoas é o 8 Proposta elaborada por toda a equipe de RH, quando realizamos um seminário, em julho de 2002, para definir nossa missão, nosso negócio, serviços e produtos, e traçarmos um plano de ação para atingirmos os resultados propostos. 47 próprio gerente, e que a função de RH era assessorá-lo para que fizesse essa gestão da melhor forma possível. Assim, os gestores participavam desde a análise dos currículos, nas entrevistas e dinâmicas, até a escolha final do candidato, que era, em última instância, responsabilidade dele. Havia alguns casos em que o RH considerava o candidato “inapto”, do ponto de vista psicológico, e o gestor bancava sua contratação, mostrando sua autonomia na condução de suas equipes. Esse envolvimento em todas as fases do processo criava uma co-responsabilidade que minimizava as demissões precipitadas. Sempre que possível, envolvíamos também pessoas da equipe no processo seletivo, com o objetivo de gerar melhor integração do recém-admitido na equipe. Com a política de recrutamento interno para suprir as demandas de vaga em qualquer nível (do operacional ao gerencial), criou-se uma perspectiva de crescimento na empresa, que agradava muito aos funcionários (tínhamos em média 5 a 8%/ano de pessoas promovidas a níveis mais elevados), e ultrapassou os muros da instituição, atraindo pessoas do mercado. Ouvíamos sempre de candidatos: “quero trabalhar aqui, porque a gente pode crescer rápido”. Ainda fazia parte do processo de colocação o treinamento de integração e acompanhamento, nos primeiros noventa dias de contratação, visando a uma melhor adaptação ao trabalho. Queríamos também criar a cultura de acompanhamento de pessoas. Por acompanhamento, entendemos o processo de análise conjunta, no qual o empregado faz uma auto-avaliação e é avaliado pela chefia imediata em vários aspectos, tais como: quantidade e qualidade do trabalho, capacidade de inovação, trabalho em equipe, relacionamento interpessoal com equipe e clientes, adaptação à cultura organizacional e outros, proporcionando um momento de troca de percepções sobre os vários aspectos acima citados. O acompanhamento tinha como principais objetivos: possibilitar uma análise dos fatores que influenciam no desempenho funcional do empregado; reforçar o papel do gerente como principal responsável pelo processo de acompanhamento do empregado; identificar possíveis necessidades de treinamento/acompanhamento. O treinamento de integração foi sendo alterado, ao longo do tempo em que estivemos na instituição, de acordo com as necessidades que identificávamos. Ele 48 começou com quatro horas e chegou ao seu formato final, com até quarenta horas, para o cargo de técnico de enfermagem. Era composto de três momentos: • Acolhimento (oito horas): os recém-admitidos conheciam a empresa através de palestras com os analistas de RH, que lhes contavam a história da instituição, o momento presente, apresentavam a cultura que estávamos implantando, o perfil de profissional que desejávamos; os gerentes se apresentavam e apresentavam seu setor, dizendo o que faziam e como o setor estava inserido no contexto da instituição. Eramlhes apresentadas ainda as regras de segurança no trabalho, seus direitos e deveres, recebiam um manual de boas-vindas e uma cartilha de como atender o cliente – “A excelência no Atendimento”, e faziam um tour por todo ZTEC para conhecerem os diversos setores e se localizarem dado o tamanho da instituição era fácil ficarem perdidos. • Treinamento a cliente (oito horas): treinamento de atendimento ao cliente, através do qual era passado o padrão de atendimento ZTEC para todo recém-admitido. • Treinamento técnico: específico para os cargos de técnico de enfermagem e serviços gerais, com duração de 40 e 24 horas, respectivamente, ministrado na escola de enfermagem da fundação. Esse treinamento visava manter o padrão de qualidade ZTEC e garantir que os procedimentos e protocolos fossem seguidos. Após esse período, os recém-contratados passavam por testes de aprendizagem e eram encaminhados para os setores onde ainda ficavam sob a supervisão do padrinho ou madrinha, que os acompanhavam durante os noventa dias do período probatório. Esses cargos eram chaves para a área técnica e exigiam um cuidado maior, mas todo recém-admitido tinha um padrinho ou madrinha, referência para uma adaptação satisfatória na empresa. No segundo pilar, “Treinamento e Desenvolvimento” (T&D), estabelecemos as políticas e diretrizes, assim definidas à época: “estabelecer uma política de desenvolvimento de RH visando à permanente qualificação do corpo técnico da 49 empresa, com prioridade para evolução/aumento de produtividade e ênfase na formação gerencial”. O plano de gestão de desenvolvimento de pessoas tinha como objetivo presumido o crescimento contínuo do ser humano em direção à realização de seus objetivos individuais e profissionais, através da educação e treinamento, para alcance dos objetivos da organização. Esse objetivo, sabemos hoje, não passa pelo crivo de uma análise das relações capital-trabalho: havia nele certa ingenuidade, como veremos mais à frente. Antes de nossa chegada, a função do treinamento era rara, dispersa e sem nenhum controle. Não havia nenhum dado relativo a horas de treinamento ou controle dos treinamentos efetuados pelos funcionários. Identificamos, pelas entrevistas em todos os níveis da empresa, que essa função era praticamente inexistente no ZTEC. Alguns chefes, que tinham acesso a verbas doadas por laboratórios ou outros fornecedores, utilizavam as mesmas para pagamento de congressos e seminários, principalmente, o que privilegiava sempre as mesmas pessoas. Não existia a cultura de participar de cursos de reciclagem ou aperfeiçoamento pago pela instituição. Foi-me relatado que, certa vez, um profissional foi para um evento de treinamento pago por ele, e ainda teve os dias de trabalho cortados. Essa era a política de treinamento e desenvolvimento para os funcionários do ZTEC. Existiam os treinamentos técnicos para os níveis operacionais (principalmente enfermagem e serviços gerais) ministrados pelos chefes ou enfermeiras que se dispunham a ensinar os técnicos, por livre iniciativa, no próprio local de trabalho, sem nenhum recurso. Com os treinamentos, pretendíamos mudar a cultura da organização, injetando idéias novas, trazendo novos conceitos e introduzindo novas metodologias de controle de custos, de verificação de produtividade. Até então, o ZTEC não tinha nenhum indicador de performance. A primeira ação de treinamento que fizemos foi comprar mais de cem livros, (também aqui, nossas referências eram o modelo da administração clássica, apoiado em alguns “gurus” em voga) e distribuir para os mais de mil funcionários lerem e trabalharem suas idéias em grupos. Foi nesse contexto que identificamos um número significativo de pessoas com escolaridade mínima e até mesmo analfabetos. Diante dessa situação, propusemos um programa de gestão de desenvolvimento, que era 50 constituído das seguintes etapas: • Treinamento introdutório: visava integrar os empregados recém-admitidos à fundação, através do Programa “Boas-Vindas”, com vídeos, palestras, visita às dependências da Unidade de Resultado e repasse de dados e informações. O objetivo era que o novo empregado fosse inserido na cultura da organização. Estávamos criando os ritos de doutrinação, era o primeiro passo para instituir a adesão à missão, filosofia e projetos da empresa. Criávamos um evento de sedução para que o recém-admitido se sentisse atraído pela empresa, criando vínculos de cumplicidade. Dizíamos abertamente que se ele se entregasse de corpo e alma à empresa, a instituição saberia reconhecê-lo e recompensá-lo através de crescimento na carreira, investimento em treinamento e desenvolvimento. Acenávamos com a possibilidade de realizar um “projeto e receber os aplausos e as gratificações indispensáveis aos seus anseios narcísicos” (FREITAS, 2002, p.76) • Educação ou qualificação: visava aperfeiçoar as pessoas para o crescimento profissional, a fim de se tornarem mais eficientes e produtivas, para assumirem funções mais diversificadas e complexas.Era composto das seguintes etapas: a) escolarização em nível fundamental (1º. grau) e médio (2º. grau), buscando proporcionar aos empregados a oportunidade de escolarização em nível fundamental e médio, através do curso de ensino Individualizado, com metodologia de ensino semi-direta e monitoria, e telecurso através do Sistema FHIEMG, modalidade 100% financiada pela empresa a qualquer empregado que desejasse. Em dois anos, conseguimos que todos os funcionários tivessem o primeiro grau completo, e era nossa meta que até 2006 não houvesse nenhum funcionário sem o 2o. grau. No período de 2002 a 2005, mais de 200 pessoas participaram desse projeto. b) escolarização em nível superior, cursos destinados aos alunos que tinham concluído o segundo grau e obtido classificação no vestibular em cursos afins ao negócio do ZTEC, de acordo com os critérios estabelecidos pelo DHR/Superintendência. As 51 bolsas variavam de 30% a 70%. c) programas de pós-graduação latosensu e stricto-sensu. Os cursos deveriam estar vinculados à área de atuação do empregado e ser autorizado pelo gerente, DRH e CEO. Tinham subsídios variando de 50% a 100%. • Aperfeiçoamento: visava preparar as pessoas para enfrentar situações variadas do ambiente de trabalho, ampliando conhecimentos tanto técnicos como atitudinais/comportamentais, para lidar com inovações e mudanças no ambiente organizacional. • Desenvolvimento gerencial: busca pela identificação e aperfeiçoamento do potencial de cada liderança da instituição, enquanto facilitadores, cujo papel é o de ser treinadores, construir equipes e desenvolver pessoas. Para isso, trabalhamos intensamente nos aspectos comportamentais, principalmente no tocante a mudanças, a trabalho em equipe, liderança, criatividade, visão sistêmica de negócios, planejamento e execução de ações, com vistas à execução dos objetivos organizacionais. • Desenvolvimento pessoal: busca pelo desenvolvimento pessoal dos empregados, através de ginástica laboral, cursos, palestras, filmes, livros, teatro e outras atrações, em que o objetivo era o aumento da qualidade de vida, através de mais informações e entretenimento. Tínhamos uma verba anual destinada a treinamento que, inicialmente, foi de R$ 235.000,00 (2002) e, no último ano, 2005, chegou a R$ 750.000,00. Podemos dizer que instauramos a cultura do treinamento na instituição e atingimos a média geral de 12,5 horas/homem treinado em 2004. Esse índice é bastante baixo, se comparado à média do Brasil de 39 horas/homem treinado (2005) e 37,5 horas/homem treinado (2007)9, mas é bastante significativo em termos de crescimento da própria instituição, que saiu praticamente do zero. Se considerarmos somente o grupo de lideres, este teve índices de treinamento superiores a 200 horas/homem treinado/ano. Dessas, mais de 80% foram destinadas a treinamentos comportamentais, objetivando uma gestão de pessoas mais eficaz. O terceiro pilar, “gerenciamento da remuneração”, teve como foco estruturar as 9 Dados da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), 2008. 52 bases para um programa de remuneração baseado em resultados, que garantisse a retenção de pessoas na empresa. Nosso objetivo era: “estabelecer uma política de carreira, remuneração e benefícios orientada para a manutenção do quadro de pessoal estável”. Quando chegamos, não havia nenhuma política ou diretriz sobre a questão salarial e de carreira, sequer uma tabela salarial. Havia ainda um número excessivo de cargos (154 cargos no total), o que dificultava as mudanças dentro da empresa e engessava as pessoas em determinadas funções/áreas. Elaboramos um plano de cargos e salários, reduzimos o número de cargos em mais de 54%, reelaboramos as descrições de cargos (criando, extinguindo, ampliando) para atender ao novo momento da empresa. Esse processo também foi trabalhado de forma participativa com todos os gerentes e representantes dos empregados. Assim, definimos os cargos necessários para a realização dos objetivos da empresa, estabelecemos carreiras, bem como políticas e diretrizes para admissão, promoção vertical e horizontal. Para a construção das tabelas salariais, instituímos a pesquisa salarial como mecanismo de manter os salários compatíveis com o mercado. Assim, conhecer o mercado e ajustar os salários era um procedimento rotineiro. Conseguimos ainda acertar pendências de ajustes salariais, referente à data-base de três anos anteriores. Com todo esse processo, as pessoas passaram a entender mais seu trabalho e seu impacto na empresa como um todo. Esses três pilares foram os norteadores para trabalharmos em conjunto com os líderes a gestão de pessoas na instituição. Trabalhamos exclusivamente nessas três frentes durante o primeiro ano – construindo o departamento como função R&S, T&D e Cargos e Salários. Mas também fomos nos consolidando como uma instância na qual empregados e organização pudessem dialogar e estabelecer relações de parceria. Colocávamo-nos como intermediários entre os interesses dos empregados e administração. Tivemos a diretriz da alta administração para mudar o perfil dos empregados, no sentido de buscar pessoas mais ágeis, mais criativas, orientadas para o atendimento ao cliente, dinâmicas, que buscassem soluções. Começamos a trabalhar com esse perfil e logo identificamos que essas pessoas não se adaptavam a suas equipes e entravam em embate com suas chefias. Percebemos que, se não mudássemos o foco para os 53 líderes, nada atingiríamos. Os chefes não conseguiam ter em suas equipes pessoas proativas, sentindo-se ameaçados. Muitas pessoas com ótimas qualificações foram demitidas assim. Iniciamos um programa de definição do perfil gerencial, seguido de avaliação de desempenho e de um extenso e pesado programa de desenvolvimento de gestores para suprir as deficiências encontradas. Alguns se demitiram e outros foram desligados por não apresentarem desejo de mudança. Essa foi nossa diretriz para o segundo ano na instituição: além das questões objetivas do RH, trabalhar as zonas de conflitos na sua origem, com todas as pessoas que estivessem envolvidas. É nesse ponto que começa o diferencial da experiência. Vários programas foram desenhados e executados visando atingir esse objetivo, tais como ginástica laboral, RH Nutri10, campanhas de vacinação, de prevenção de doenças (câncer de colo de útero e próstata) e outras. Um programa especial, não constante nos livros de RH, surgiu da escuta dos funcionários, de seus relatos e de observações nos locais de trabalho: o “Acompanhamento Psicofuncional”. Ele tinha como objetivo identificar as causas de insatisfação no trabalho, a relação com a liderança ou supervisão, problemas domésticos, doenças e outros que não conhecíamos, buscar soluções para as questões de ordem funcional e encaminhar para instâncias outras, quando as demandas fossem de ordem pessoal e não estivessem ao nosso alcance. Interessava-nos, sobretudo, pensar a relação indivíduo-empresa, indivíduo-coletivo, visando analisar as (im)possibilidades de melhoria dessa relação, tornando-a mais equilibrada, para propiciar ao trabalhador uma condição de trabalho mais saudável e prazerosa. Nossa proposta era a escuta dos funcionários. Uma escuta que fosse diferenciada, que realmente identificasse a demanda do empregado, mas que não fosse identificada à prática de psicanálise ou psicoterapia. Nosso foco não eram os problemas individuais, mas os coletivos, decorrentes das relações de trabalho dentro da empresa. Recebíamos os funcionários que nos procuravam, ouvíamos suas demandas e buscávamos uma solução que fosse adequada a cada caso. Atendíamos problemas psicoemocionais, que encaminhávamos para tratamento psicoterápico; problemas 10 Programa desenvolvido pela medicina do trabalho em parceria com as nutricionista do ZTEC, para atendimento aos funcionários que desejassem um acompanhamento nutricional, principalmente os que apresentavam taxas elevadas de colesterol, triglicérides e glicemia nos exames periódicos. 54 pessoais e de ordem familiar, que orientamos ou encaminhávamos, conforme o caso; problemas de ordem sócio-econômica, que orientávamos; viabilizávamos, através de adiantamento de salários, concessão de férias e outros; problemas de alcoolismo de empregado ou familiar, que encaminhávamos a instituições específicas; problemas de inadaptação ao trabalho, etc. Fazíamos um estudo para verificar se as questões eram de ordem pessoal (falta de treinamento, questões pessoais) ou da organização do trabalho, da atividade desenvolvida, problemas com a equipe ou chefia. Tivemos problemas com duas chefias, que tiveram que ser demitidas da empresa pela falta de competência na gestão de pessoas, caracterizando assédio moral: foram feitas tentativas de mudança em seus comportamentos, com treinamentos, conversas no RH e superintendência, mas as equipes continuavam sendo vítimas do autoritarismo e desmandos. Houve até mesmo um caso de adoecimento de uma funcionária, afastada do trabalho com sintomas de síndrome do pânico. Levávamos os casos ao CEO com indicação de demissão, que foram aceitas. Identificamos problemas de ingestão de drogas no próprio local de trabalho. Acompanhávamos e efetuávamos as mudanças necessárias, no ambiente de trabalho. Enfim, toda sorte de problemas chegavam até nós, muitos deles compartilhados e analisados por uma equipe multidisciplinar – médico do trabalho, psicólogo organizacional e psicólogo clínico, gerente de RH e gerentes das áreas dos respectivos empregados. Estudávamos os casos, buscando uma saída que atendesse a empresa e o funcionário; em outras ocasiões, tratávamos o assunto de forma totalmente sigilosa, conforme exigia o caso. Em todas as situações, imperava a ética e o respeito à pessoa do empregado. A partir dessas escutas individuais, surgiu a idéia da escuta de determinados grupos da instituição que eram considerados um problema. Nossos “pacientes” eram dois grupos de auxiliares de enfermagem que trabalhavam no CTI e CC do hospital. Essas áreas, conhecidas como “setores fechados”, são focos de conflitos, adoecimentos e altos índices de absenteísmo e turnover. Verificava-se ali um índice de adoecimento muito alto, graves problemas de relacionamento e até ações criminosas – roubos de pertences de médicos e funcionários. Queríamos escutar, a partir deles mesmos, sobre as reais dificuldades, o mal-estar e as crises contínuas. 55 Como já havíamos percebido através das entrevistas, as relações entre os corpos clínico e administrativo eram conflituosas. Verificávamos claramente duas vertentes de comando, com valores e interesses bastante divergentes. A preocupação dos responsáveis pelos serviços administrativos era voltada para questões práticas, referentes a custo de materiais, gastos, cumprimento de metas e tudo o que dizia respeito à racionalidade econômico-financeira. Já o corpo clínico estava orientado para as necessidades assistenciais, variando do autoritarismo ao paternalismo na relação com os auxiliares, sem nenhuma preocupação com itens relativos a custos, principalmente operacionais. Recentemente, uma gestora que atuava nessas áreas críticas relatou-me conluios entre médicos e auxiliares, que prejudicavam enormemente o trabalho e as relações interpessoais, na medida em que privilegiavam alguns em detrimento de outros. O projeto elaborado partiu das seguintes observações: a) relação direta entre o tipo de trabalho e as relações que ali se desenvolvem, bem como as causas de afastamento e adoecimento dos trabalhadores que lidam com perdas e situação de stress constante; b) focalização na necessidade de mudança da cultura organizacional, em especial no que dizia respeito ao relacionamento entre empresa-empregado e entre corpo clínico e administrativo; c) reconhecimento do papel de mediação administrativa, política, social e técnica entre gestores, médicos, trabalhadores e instituição a ser efetivado permanentemente pelos profissionais da área de recursos humanos. O trabalho foi conduzido por duas psicólogas - uma do RH e uma psicóloga clínica (contratada para o projeto). Os grupos vindos do CTI e CC (entre 8 e 10 pessoas cada) reuniam-se uma vez por semana, e os participantes relatavam suas necessidades, angústias, medos e sofrimentos advindos tanto do trabalho quanto de suas próprias vidas. Inicialmente, as principais queixas giravam em torno do trabalho e de questões objetivas, como questões salariais, falta de benefícios, excesso de trabalho, ausência de pessoas no trabalho devido a diversas licenças médicas, falta de participação nas decisões do setor e autoritarismo de algumas supervisoras. Dessas questões, algumas foram resolvidas: uma supervisora foi demitida, a questão salarial foi equacionada com o fechamento de acordo com o sindicato. Em relação aos benefícios, principalmente 56 plano de saúde, uma grande demanda, nunca conseguimos atender. O acúmulo de trabalho foi reduzindo aos poucos, na medida em que o índice de absenteísmo era reduzido. Com o passar do tempo o grupo foi estabelecendo uma relação de confiança com as psicólogas e falando de questões mais pessoais (ligadas ao trabalho, à segurança no emprego), de seus medos e angústias. Tinham enorme medo de adoecer e uma relação ambígua com os colegas que saíam de licença. Num primeiro momento, acolhiam essas demandas, mas se a licença se prolongasse ou fosse recorrente, surgiam atitudes de rejeição para com essas pessoas. “Ela é muito fraca, adoece à toa, não agüenta o que eu passo...”; “essa coisa de doença é para não vir trabalhar e a gente trabalhar pra ela...” (técnico de enfermagem, 2004). Essas falas exprimiam o desagrado com a dor do outro, a pouca solidariedade com o outro, em geral. O relacionamento era muito ruim e percebia-se certa competitividade. “No meu plantão...” era frase dita e repetida várias vezes, sempre para criticar alguma ação ou atitude do colega. Somente depois de quase um ano de convivência, as pessoas do grupo começaram a estabelecer vínculos mais fortes e se apoiarem. Percebemos isso quando, por iniciativa deles, promoveram um grande jantar de fim de ano, evento inédito, embora muitos já tivessem anos de trabalho no mesmo grupo. Era notória também a grande dificuldade para lidar com o sofrimento próprio e dos pacientes. Diziam gostar do CTI e CC porque tinham que se relacionar pouco com o paciente, mas se apegavam aos mesmos quando ficavam mais tempo, e sentiam muito a morte de alguns: “é melhor não apegar, para não sofrer”. Os empregados que trabalhavam no CC (em sua grande maioria, mulheres) eram os que mais tinham problemas de relacionamento entre si e com o corpo administrativo e médico. Demonstravam auto-estima muito baixa, eram os mais antigos na instituição e relatavam uma relação de amor e ódio com os cirurgiões: amor porque eles proporcionavam ganhos maiores com serviços de instrumentalização nas cirurgias, e ódio devido à forma como eram tratados por eles, em uma relação servil e antiética, na medida em que eram expostos a chacotas e tinham suas vidas pessoais abertas, nas salas de cirurgias. “Eles abrem a vida da gente, igual abrem um corpo de um paciente, rindo e contando piadas...” (técnico de enfermagem, 2004). Esses 57 funcionários tinham consciência dos fatos, mas não refletiam sobre como poderiam lidar com essa realidade que não com o silêncio a que estavam acostumadas. Praticamente todos faziam uso de remédios antidepressivos, e as prescrições eram deles mesmos. Praticavam a auto-medicação constantemente. Assim, ao introduzir a prática da escuta ao trabalhador como possibilidade de estabelecimento de uma práxis que criasse laços e introduzisse a diversidade, ensejávamos uma proposta emancipatória, que levasse em consideração os diversos sujeitos e as várias configurações de relação da instituição. Sabíamos, no entanto, que somente a escuta não produziria bons resultados, pois, para os trabalhadores, ainda representávamos o discurso oficial. Seria necessário traduzir o discurso em práticas que efetivamente trouxessem ganhos para o grupo. Os principais resultados desse trabalho são intangíveis, pois, afora os relatos dos sujeitos, não há medidas quantificáveis para dados como: sentimento de pertencimento e amparo (“tem pessoas se preocupando com a gente”); clima amenizado, com elucidação de conflitos e disputas internas; modificações de paradigmas culturais; maior envolvimento; prazer no trabalho (“tenho gostado mais de vir trabalhar”); motivação; maior envolvimento dos participantes nos processos decisórios da organização (começaram a fazer reuniões periódicas quando tinham que decidir sobre algum procedimento); quebra de paradigmas, como o caso de médicos e pessoal de nível operacional discutindo relações de trabalho; melhoria da comunicação intra e interdepartamental, entre outros. Existiam, por sua vez, também os resultados tangíveis, mensuráveis, que evidenciaram aspectos significativamente favoráveis quanto à implantação do projeto, podendo ser assim resumidos: estabilização do índice de turnover em torno de 1,5%/mês ou 20,0%/ano (anteriormente, esse índice era em torno de 2,5% e 34,5%, respectivamente), média inferior à da categoria que, à época, era de 30,7% (NORMURA, 2005); redução de até 25% no índice de reclamações de clientes. Apesar de todos esses ganhos, os trabalhos foram abortados por questões políticas, terminando com a desarticulação de toda a área de recursos humanos e demais gerências administrativo-financeiras. Os trabalhos implantados e em operação foram desarticulados, sem nenhuma análise dos resultados que estavam sendo 58 obtidos. O início do fim ocorreu a partir de fevereiro de 2005, quando se iniciou o processo político para a disputa da eleição da nova diretoria para o ZTEC, que iria ocorrer até 30 de março daquele ano. A cada dois anos, uma nova diretoria é eleita. Historicamente, havia sempre a reeleição da mesma. Foi a primeira vez, em muitos anos, que uma chapa de oposição surgia, opondo-se à “situação”, formada por membros da diretoria e outros candidatos do conselho administrativo11. A nova chapa era formada por membros do conselho administrativo. A chapa da situação era a favor das mudanças que estavam ocorrendo na empresa e era, inclusive, patrocinadora da profissionalização da instituição. Já a segunda era formada por médicos que não estavam satisfeitos com a atual administração, tendo em vista a “guerra” declarada junto à maior operadora de plano de saúde em Minas Gerais que estava em andamento, fato que gerava insegurança no corpo clínico, ameaçado diante da possibilidade da perda do referido convênio. Foram momentos tensos, de brigas acirradas, principalmente entre o CEO e os médicos. O ZTEC foi dividido em duas “facções”. Não se falava em mais nada a não ser nas ditas eleições e nas conseqüências da mesma. Naquele momento, sabíamos (os gerentes e o CEO) que, caso a oposição ganhasse, seria o início do fim. Mas o fim veio antes: a chapa da situação “desistiu” (houve pressões de todos os lados para isso), restando apenas a oposição. O CEO pediu seu desligamento da empresa. Com a sua saída sabíamos que, em questão de tempo, seríamos demitidos. A nova diretoria fez uma festa de posse, garantiu que nada mudaria na organização, que confiava nos gerentes atuais, que precisava de todos, em um discurso falacioso. Não havia razão para mentir: sabíamos que não éramos de “confiança” da nova diretoria, 100% associados à figura do recém-desligado CEO. Todos entenderíamos se fôssemos desligados nesse primeiro momento, mas não foi assim. Passaram-se dois meses de discursos dúbios e exercício dos jogos de poder, até o esperado fim. Recursos humanos e enfermagem foram as primeiras áreas a serem alteradas. Do DRH, eu, uma analista e minha assistente fomos demitidas em um 11 O conselho administrativo da empresa é formado por médicos e pessoas da sociedade mineira, representativas do meio empresarial e político. 59 primeiro momento, seguidos por todos os outros membros da equipe em menos de um ano. Da enfermagem, a gerente responsável por quase 70% da empresa foi dispensada, o que aconteceu com várias outras gestoras ao longo do tempo. A “rádio peão”12 disse que éramos a equipe mais próxima ao antigo CEO, mas todos os gerentes, um a um, foram demitidos, sob a justificativa de redução de custos: “era preciso enxugar a folha de pagamento... vocês tinham os salários mais altos...”, disseme, recentemente, o atual Gerente de RH da empresa13. Um médico, no entanto, traz a questão para a relação de confiança, que já dissemos ser tão preciosa para a diretoria: “eles não queriam profissionais, queriam pessoas em quem pudessem confiar.... 12 Expressão usada nas organizações para designar boatos veiculados por comunicação oral. As notícias, de modo geral, não são confirmadas oficialmente, e visam criar insegurança e desestabilizar a empresa ou um grupo da mesma. 13 Informação oral obtida em 2008 60 3. GESTÃO DE PESSOAS, EXPLICITAÇÃO DE CONFLITOS Neste capítulo, será abordada a fundamentação teórica deste trabalho, que se divide em dois eixos principais. O primeiro consiste em uma leitura crítica das teorias ligadas à função “Recursos Humanos”, construídas, a partir dos anos 2000, com ênfase especial nos conceitos de Recursos Humanos Estratégicos e Recursos Humanos como vantagem competitiva. Esses construtos formaram a base teórica que utilizamos quando da implantação do DRH no ZTEC. O segundo eixo será o da Psicossociologia, que fundamentará a crítica ao projeto desenvolvido no ZTEC, buscando compreender por que o projeto veio a fracassar, apesar de ter sido inovador, do ponto de vista das práticas de RH existentes, principalmente no ramo hospitalar. 3.1. As abordagens teóricas de RH nas últimas décadas, no Brasil. A maioria dos autores brasileiros (MOTTA, 1997; GIL, 2001; LACOMBE; TONELLI, 2001; DUTRA, 2002) situam o início da administração de pessoas como decorrente da industrialização, no século XX, com os departamentos de pessoal e seus chefes, acompanhando assim os movimentos de organização do trabalho ao longo da história. No entanto, é interessante pensar que o primeiro gestor de pessoas tenha sido o feitor ou o capataz que era responsável pelos negros escravos, mediando relações entre capital e trabalho. O feitor é o arquétipo dessa atividade em nosso país. Era ele quem cuidava da ‘negrada’... dos nossos primeiros trabalhadores... o escravo era instrumento de produção e fonte de renda... O feitor era a voz do dono, aquele que cuidava para que os desejos dele fossem atendidos e os ‘trabalhadores’ permanecessem sob seu jugo. (TRASSATI, 2005, p.29). Essa imagem é forte, mas pode bem caracterizar o nascedouro das relações de trabalho no País. Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil era essencialmente agrícola, 80% da população habitava o campo, caracterizando um fraco poder do 61 proletariado e das atividades industriais (GIL, 2001, p.52). Não havia legislação trabalhista e as atividades de recursos humanos restringiam-se a cálculo e pagamento pelos serviços prestados. A teoria clássica, ou movimento da administração científica, datada do início do século XX, firma-se com base no controle. Conforme ressalta Motta (1997), o bom administrador seria o que consegue planejar cuidadosamente seus passos, organizar e coordenar racionalmente as atividades de seus subordinados e comandar e controlar suas atividades. Este modelo prevaleceu até meados da década de 50, e a administração de pessoas era conhecida como personal manegement. A ênfase estava na divisão do trabalho, na “única maneira de realizar um trabalho”, preconizada por Taylor, na centralização das decisões e controle total sobre a mão-de-obra para suprir as demandas oriundas do setor de produção, em franco crescimento. Assim, pessoas e máquinas eram controladas e padronizadas, visando a uma maior eficiência. Eram esses os recursos necessários à produção. No Brasil, essa época corresponde ao período Vargas e à implantação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em 1943, com a carta magna das relações do trabalho, que “criou a carteira profissional, regulamentou o horário de trabalho no comercio e na industria, definiu o direito a férias remuneradas, instituiu as comissões mistas de conciliação, estabeleceu as condições de trabalho de menores nas indústrias etc”. (GIL, 2002, p. 53). O autor afirma também que surgiu nessa época a administração de pessoal, com o chefe de departamento de pessoal exercendo o papel disciplinador, punitivo e paternalista. Suas preocupações eram somente com os procedimentos legais. Os aspectos de integração, produtividade e bem estar da mão-de-obra não lhe interessavam. Enquanto o mundo capitalista passava por uma grande crise, com o crash de 1929, a escola de relações humanas, desenvolvida no final dos anos 20 com Elton Mayo, ganhava adeptos e experimentava grande desenvolvimento a partir de 1930. As empresas precisavam aumentar sua produtividade e reduzir custos, e os princípios desta escola eram aderentes a essas necessidades. Através das noções de homo social, grupo informal, participação nas decisões (MOTTA, 1997), buscava-se entender as organizações, através de sua organização informal. Motta (1997), define 62 organização informal como conjunto das relações sociais não-previstas em regulamentos e organogramas. As principais diferenças entre a escola clássica e a escola de relações humanas estão, respectivamente: na ênfase dada aos dois aspectos da organização do trabalho – formal e informal; no sistema de incentivos – monetários e psicossociais; na concepção de homem – homo economicus e homo social. No Brasil, no entanto, essas influências somente se fazem sentir por volta dos anos 50, com um representativo momento de crescimento industrial (químico, farmacêutico, petrolífero, siderúrgico e automobilístico) e a instalação de empresas multinacionais. Surge também uma nova classe operária, diferente do operariado das industrias têxteis, dos ferroviários e gráficos das décadas anteriores. Segundo Gil (2001), a nova classe não tem o mesmo ideal coletivista da anterior: “os atritos com os empresários assumiram mais o aspecto de conflito industrial do que de luta de classe” (GIL, 2001, p.54). É o período do governo de Getúlio Vargas. O varguismo é marcado pelo maior número de concessões de benefícios para os trabalhadores. Mas também é marcado, por acabar com o sindicalismo e o movimento operário. O ministério do trabalho assumiu o papel de interventor nos sindicatos. Somente a partir de 1945, com o fim do Estado Novo, o movimento operário ressurge. As multinacionais vieram trazendo na bagagem o modelo da administração científica, que foi logo incorporado aos princípios legalistas brasileiros (DUTRA, 2002). Diante desse cenário, um novo perfil de profissional para gerir os problemas de pessoal faz-se necessário. A exemplo das empresas americanas, criam-se departamentos de relações industriais. No inicio da década de 60, os sindicatos fortalecem-se, agrupados por categorias e federações, de acordo com o ramo industrial, constituindo, em 1962, uma central sindical, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Em 1964, com o golpe militar, os sindicatos passam a ser controlados pelo Ministério do Trabalho e a força sindical desapareceu, na realidade já não existia era peleguismo da era varguista, deixando campo livre para as empresas negociarem diretamente com seus empregados. O mundo começa a mudar mais rapidamente, o advento da tecnologia aproxima as economias mundiais, os trabalhadores iniciam uma mudança de perfil, mais 63 qualificados e mais reivindicativos. Foi ainda na década de 60, que as primeiras teorias do capital humano como ativo das organizações surgiu, com os teóricos Likert, Schultz e Schuster. Foram eles os primeiros a preconizarem o que mais tarde viria se tornar um jargão: “recursos humanos como principal ativo das empresas”. No início da década de 70, vivia-se um marco histórico com a primeira grande crise do petróleo, coincidindo com o final do ciclo dos “trinta anos gloriosos” do capitalismo, período caracterizado pelo pleno emprego, com Estado Providência, mãode-obra pouco especializada, trabalho massificado etc. A lógica do capital desenvolvida até então tinha como referência os modelos taylorista e fordista, e estava sendo questionada. Já não se ajustava ao momento de crise pelo qual passava a economia mundial, com o desemprego estrutural, a retração no consumo, o descontentamento do consumidor com produtos e serviços que não mais atendiam às especificações prometidas. No Brasil, com a ditadura militar, ocorreu o período artificial do “milagre brasileiro”, com o governo fazendo grandes empréstimos no exterior. A conseqüência foi o descontrole da inflação e um alto índice de desemprego, tempos de insegurança política e social. Foi o momento de reestruturar os modelos produtivos baseados no taylorismo/fordismo, sem, no entanto, transformar os pilares essenciais do modo de produção capitalista. O objetivo era resgatar os níveis de acumulação pré-existentes, reorganizando o ciclo produtivo, mas preservando seus fundamentos essenciais. O momento político do País influenciou a prática de gestão de pessoas, pois, ao mesmo tempo em que o paradigma taylorista/fordista era questionado na Europa e nos Estados Unidos, era engrandecido no Brasil. É neste contexto que “recursos humanos” aparece como um departamento que, na maioria das organizações, estava hierarquicamente subordinado às diretorias de administração e finanças, não participando de decisões estratégicas das empresas e não sendo considerado necessário à produção de resultados. Este modelo prevaleceu no Brasil até meados da década de 70, quando, face à crise mundial do petróleo, a massificação do ensino (lei no.6297 de 15/12/1975, que durou até o início da década de 90, dispunha sobre os incentivos fiscais ao investimento em treinamento; ou seja, toda a despesa enquadrada como treinamento podia ser deduzida em dobro para efeito do 64 cálculo do Imposto de Renda sobre o lucro) e, principalmente, o surgimento de um movimento sindical mais atuante, proliferaram greves como forma de reivindicação dos empregados, demandando um RH mais atuante para “proteger” as empresas. Trassati (2005) afirma: Neste cenário, surgiu a figura de uma área de recursos humanos importante. Coube a ela a elaboração de planos, táticas e ações contingenciais “contra” os sindicatos... o objetivo maior era manter a empresa trabalhando sem greve, quase a qualquer custo... Recursos humanos tinha a função de “proteger” a empresa,“fazer a cabeça dos funcionários” permitindo que esses “vestissem a camisa da empresa”. (TRASSATI, 2005, p.32). Nesse contexto, a escola de relações humanas firma-se como linha de conhecimento que insere o gerente como maior responsável pela mediação entre empregados e empresa, devendo ser o modelo da gestão de RH. Motivação e liderança são focos principais, tratados com treinamentos gerenciais, avaliação de desempenho, relações interpessoais. Essa escola defendia que o bem maior das organizações são as pessoas, com sua inteligência. O foco dos profissionais de RH era, então, o desenvolvimento de executivos para que pudessem ser gestores de pessoas. Para isso, deviam ser treinados e desenvolvidos. Era a época dos treinamentos glamourosos das grandes empresas, multinacionais e estatais, das “teles” (Telemig,Telerj, etc.), que construíram centros de treinamentos grandiosos, desenvolvidos a partir de técnicas muito bem elaboradas, dinâmicas, simulação de jogos (os business games), trabalhos em equipe. No entanto, na maioria das vezes esse conteúdo ministrado estava longe da realidade do cotidiano das empresas. Falava-se de gestão participativa, mas o modelo brasileiro era, e ainda é, em sua maioria, centralizado, fortemente influenciado pelos paradigmas da administração científica, adequados aos princípios legalistas brasileiros. As principais mudanças no campo das relações do trabalho ocorrem sob a influencia da escola de relações humanas, reação ao modelo racional do taylorismo/fordismo, introduzindo o estudo das pessoas e dos grupos no âmbito empresarial. Para Enriquez (1977d), Mayo, com a escola das relações humanas, presta-se a três tipos de interpretação: a) Ela é um prolongamento do sistema taylorista. 65 Ela não questionou o taylorismo. Algumas frases de Mayo, como “a natureza essencial do homem é de cooperar e para cooperar é preciso que ele conheça o objetivo não se opõem, de fato, às afirmações de Taylor, tais como: “opor-se, não. Cooperar, sim. A cooperação é pedida sob todas as formas possíveis, a oposição não é jamais tolerada”. Em outras palavras, entre os discursos de Taylor e de Mayo, a diferença se situaria unicamente nas modalidades de tratamento do problema da cooperação.(ENRIQUEZ, 1977d, tradução nossa). Apesar de Mayo não ter questionado a base ideológica do taylorismo, é inegável seu mérito em abrir novas perspectivas à teoria e às prática da administração, oferecendo novas formas de pensar a relação do homem com o trabalho, deslocando o foco para os grupos informais, ao invés da organização formal. Através de seus estudos da Western Eletric Company, ele trabalhou com a hipótese de que a produtividade é função direta da satisfação no trabalho, e que esta dependerá do grupo de trabalho. Ainda assim, no entanto, ele ignora que haja conflito entre indivíduo e grupo (MOTTA, 1997a). b) Ela resulta em outra concepção de empresa. A escola de relações humanas lança novo olhar sobre as organizações, vendoas como um sistema social, e os grupos como responsáveis pelo desenvolvimento de sistemas de informação, em que as "relações humanas" produziriam um novo tipo de empresa mais harmonioso. Enriquez, porém, afirma que suas práticas ocorrem através de um investimento massivo em uma categoria específica de indivíduos: os que decidem os quadros da empresa, os responsáveis. A grande maioria dos empregados continuava fora do centro de decisões. Mantém-se a separação (...) entre concepção e execução, entre os que decidem e os que obedecem, mesmo quando esses que decidem tenham trabalhado sua própria afetividade ou seu inconsciente, tornando-se mais “camaradas”, admitindo ser questionados e aceitando certas formas de diálogo. (ENRIQUEZ, 1977d, tradução nossa) c) Ela deixa ver a política na vida cotidiana. Através dos trabalhos de Mayo, fica inegável a importância dos grupos no âmbito das organizações, como lugar de trocas afetivas e criação de vínculos. Mas é Castoriadis que enxerga nos grupos outra possibilidade, de cunho político, que Mayo não considerou: 66 Assim, para Castoriadis, o grupo informal não é nem um lugar onde se tecem relações de simpatia, nem um lugar onde se movem as tendências à realização pessoal (achievement), desconectadas do trabalho cotidiano e do lugar ocupado na divisão do trabalho. É, ao contrário, o lugar onde se exprimem os sentimentos de uma solidariedade ligada à luta e à resistência operária, em relação às injunções da direção. (ENRIQUEZ, 1977d, tradução nossa). Assim, a partir de Mayo uma vertente de psicossociólogos franceses e italianos começa a se interessar por grupos elementares como lugar de palavra, de cultura, de aprendizagem de outras formas de vida, de desejos e de recalques. Entendem que o grupo seja uma célula representativa da estrutura da empresa, reproduzindo a mesma divisão do trabalho, o mesmo sistema de autoridade, sendo também lugar de questionamento da hierarquia, das competências, da organização do trabalho e das relações sociais. A escola das relações humanas, focada no estudo do comportamento humano nas organizações, reconhece que a subjetividade é o meio de garantir relações duradouras entre empresa e empregado, fazendo valer o velho clichê “vestir a camisa da empresa”, que sustenta uma relação de submissão de longo prazo – a empresa envolve e motiva as pessoas, implicando-as em seus projetos, mantendo-as cativas. O modo de produção capitalista não apenas se apropria do produto do trabalho, mas vem modelando a subjetividade, produzindo desejos, disciplinando os indivíduos em função das performances que lhes interessam. Nas empresas modernas e hipermodernas, há uma produção de subjetividade que é mistura de enriquecimento e empobrecimento, pois, a partir da aparente democratização do acesso aos dados e ao conhecimento, há o fechamento segregativo das instâncias de elaboração. As mentes devem estar abertas para serem cheias de material performático, de criatividade dirigida para produzir ganhos para as empresas. A cultura organizacional encarrega-se de homogeneizar a maneira de pensar, agir e sentir das pessoas, através de regras não escritas, de controle de comportamentos, em uma ressocialização. A década de 1980 trouxe mudanças significativas para o mundo das grandes corporações, principalmente com a explosão do modelo japonês, que vem mudar definitivamente o conceito de gestão nas empresas ocidentais com o toyotismo. Seus ícones são a qualidade total e o modelo flexível de produção, que desestabilizam a 67 hegemonia americana, no processo produtivo, e elegem a competitividade como principal agente da nova ordem econômica. Termos como vantagem competitiva, cadeia de valor, reinvenção passam a fazer parte do discurso empresarial e da produção de conhecimento administrativo. Essa visão de negócio atinge a administração de RH. Foram alterados os processos e a organização do trabalho. É nesse contexto que surge a administração estratégica de recursos humanos. Dois modelos foram desenvolvidos, visando conectar a gestão de RH à gestão empresarial. De acordo com Lacombe e Tonelli (2001), o modelo apresentado pela escola de Michigan concebia que a gestão de RH deveria buscar o melhor encaixe possível nas políticas empresariais e nos fatores ambientais: os planos de RH seriam derivativos das estratégias corporativas da empresa. Nesta perspectiva, o RH, com programas de seleção, avaliação, remuneração e desenvolvimento, deveria atender às estratégias ditadas pelas empresas, ao negócio, reafirmando assim um RH adaptativo. O modelo concebido pela Harvard Business School, citado por Lacombe e Tonelli (2001) apresenta um novo direcionamento para gestão estratégica de pessoas, que leva em consideração os fatores internos e externos da organização, atuando como interventor. A perspectiva é de um RH que intervém no planejamento estratégico da empresa, através de quatro áreas-chave para determinação de políticas de RH: • grau de influência do empregado – nível de participação • fluxo de RH – do recrutamento à demissão • sistemas de recompensa • sistemas de trabalho – organização do trabalho. As ações de RH serão derivadas dos interesses dos vários públicos que compõem a organização, os stakeholders (os vários públicos que participam das organizações: funcionários, gerentes, acionistas, fornecedores, sindicatos, governo, clientes e comunidade), criando um círculo virtuoso no qual o bem-estar dos empregados produz a efetividade organizacional, que, em última instância, trabalha para atender às demandas dos clientes. Essa forma de atuar no RH é o que se denomina de modelo de gestão de pessoas: O papel estratégico a ser desempenhado passa a ser repensar as atividades próprias da área de RH em termos estratégicos, ou seja, de forma a integrar os 68 objetivos de longo prazo da organização, as variáveis relevantes do ambiente e as necessidades decorrentes em termos de pessoas. (FISHER apud LACOMBE; TONELLI, 2001, p.159) Nesse modelo, a empresa define o tipo de relação que terá com os empregados, o grau de participação e a autonomia que supostamente lhes serão dados. Os subsistemas de RH são sempre os mesmos: seleção, avaliação, remuneração e desenvolvimento. O que difere é o tipo de contrato que a empresa irá adotar, buscando comprometimento e qualidade no e do trabalho. Uma das mudanças significativas na administração estratégica de RH ocorre em relação ao papel dos gerentes de linha e dos profissionais de RH. Aos primeiros, é dada a atribuição de gerir pessoas e, aos segundos, a incumbência de serem consultores, estrategistas de políticas e diretrizes para RH, facilitadores e mediadores, na busca de soluções para ganhos cada vez maiores de produtividade. A gestão de pessoas passa a ser responsabilidade dos gerentes, ficando a cargo deles contratar, avaliar, desenvolver, demitir, discutir salários e outras funções relativas ao cotidiano das pessoas sob sua gerência. Anteriormente, essas funções eram exclusivas do DRH. Os anos 80 foram marcados pela recessão econômica, com altos índices de desemprego que, aliados às inovações tecnológicas, geraram grandes perdas para a classe trabalhadora. A própria área de recursos humanos, que estava iniciando seu processo de desenvolvimento, com processos mais sofisticados nas funções de Recrutamento e Seleção (R&S) e Treinamento e Desenvolvimento (T&D), era muitas vezes a primeira a ter seus quadros de empregados reduzidos, vista como centro de custos. Essa configuração existia em poucas empresas, as maiores e já mais avançadas em termos de gestão. Para a grande maioria, existia apenas o Departamento de Pessoal (DP), porta-voz do discurso oficial, referendando a concepção de pessoas como recursos necessários para a empresa atingir os resultados pretendidos. Na década de 90, ganha força muito do que foi iniciado na década anterior, como o maior envolvimento do empregado em todo o processo de trabalho, o foco no cliente, o conceito de multifuncionalidade, e muitas empresas revêem sua forma de gestão, principalmente em termos de Recursos Humanos. Inaugura-se, para algumas poucas, uma nova era, em que o DRH é colocado no mesmo patamar das áreas de produção, 69 finanças e marketing, reconhecido como estratégico para o negócio. Esse DRH tem a missão de agregar valor ao negócio e contribuir para o desempenho organizacional, com seus programas. Pessoas passam a ser um diferencial competitivo. O capital humano é visto como ativo intangível14 que tem peso considerável no valor final da empresa. As que se destacam como as melhores para se trabalhar e que apresentam bons resultados são as que colocam as pessoas como essenciais para o sucesso e desenvolvimento do empreendimento. Para isso, o DRH cria várias práticas, pelo menos no plano discursivo, como gestão participativa, trabalho em equipe, relações de parceria com empregados e fornecedores, respeito ao consumidor. Trata-se de um conjunto de ações que tem como objetivo aparente democratizar e humanizar as relações de trabalho para motivar empregados e ganhar títulos de reconhecimento social e econômico. Na ótica do marketing empresarial, pretendem até denominarem-se empresas politicamente corretas; na verdade, essas “empresas cidadãs” como comenta Robert-Demontrond (2003), são as que pregam a cidadania como forma de minimizar os efeitos negativos por elas mesmas produzidos na sociedade, no meio ambiente e na vida das pessoas. Atuam prevenindo autuações que podem vir a prejudicá-las no futuro próximo, ocasionando crises e desgastes econômicos e de imagem. Assim, em cenários de concorrência acirrada, os recursos intangíveis - aqueles que não são mensuráveis, como marca, conhecimento e capacidade de inovação - são diferenciais competitivos (ULRICH, 2001). O objetivo do RH estratégico, para Ulrich (2001), é criar novos objetivos e novas formas de atuar, com foco em resultados e não mais nas atividades tradicionais de RH, como contratação de pessoas, remuneração, etc. O setor de Recursos Humanos não deverá, portanto, ser definido pelo que faz, mas pelo que é capaz de apresentar: resultados que enriqueçam o valor da empresa para clientes, investidores e funcionários. A nova ordem é agregar valor. “Têm que criar mecanismos que produzam rapidamente resultados de negócio” (ULRICH, 2000, p. 50). A Administração estratégica de Recursos Humanos visa alinhar as pessoas à estratégia empresarial. Elas passam a ser estratégicas para as organizações, pois podem criar um diferencial competitivo. O RH tem, assim, a função de ajudar as empresas a aprender com mais rapidez que o concorrente. Um exemplo é a atuação na 14 Recursos incorpóreos controlados pela empresa, capazes de produzir benefícios futuros. 70 formação de equipes de alto desempenho, comprometidas com os resultados organizacionais, trabalhando para assegurar a coesão interna, criar um clima de confiança e integração entre os membros, gerar maior produtividade e/ou redução de custos para a organização. Para isso, Ulrich (2000) define quatro papéis principais: • Parceiro estratégico: deverá ajustar as estratégias de RH às estratégias empresariais, criar projetos e programas que ajudem o corpo gerencial a executar a função de gerir pessoas, compreendendo como as mesmas criam valor, entendendo como tirar resultados concretos de suas competências, que são um conjunto de habilidades, conhecimentos e tecnologias que permitem à empresa criar produtos e serviços diferenciados para seus clientes, e definindo como medir os resultados atingidos. • Especialista administrativo: deverá melhorar sua eficiência e repensar como o seu trabalho pode ser realizado, para garantir maior eficácia para a empresa. • Defensor dos funcionários: diante da exigência de realizar mais com menos, deve verificar se os funcionários estão totalmente disponíveis para a empresa, tendo a incumbência de comprometê-los, fazer com que “se sintam obrigados com a empresa e colaborem em tudo” (ULRICH, 2000, p. 43). Deve ensinar aos gerentes como “operar sobre o moral dos funcionários” (ULRICH, 2000, p. 44). Pretende ser o porta-voz dos funcionários, prover os recursos a eles. • Agente de mudança: deverá promover as mudanças no interior da organização, de forma que estas sejam aceitas e que se obtenham ganhos, ou seja: deverá instaurar a cultura da urgência e ainda gerar entusiasmo nas pessoas. “O papel do RH é substituir a resistência por resolução, planejamento por resultado e medo da mudança por entusiasmo ante as possibilidades” (ULRICH, 2000, p.45). O desejo do profissional de RH nas ultimas décadas é ter um papel multifuncional, atuar no operacional e no estratégico, pensar em termos globais e agir em termos locais. A perspectiva de atuação do PRH deixa de ser somente interna para percorrer a cadeia de valor (ULRICH, 2001), ou seja, o foco do PRH deve estar também nos clientes e fornecedores. 71 Atuar na cadeia de valor significa que as práticas internas de uma empresa devem ser aplicadas a fornecedores e consumidores externos. O treinamento numa perspectiva de cadeia de valor une fornecedores, funcionários e consumidores em equipes. (ULRICH, 2001, p.20). O PRH assume-se como um agente de lucro, na medida em que, através das pessoas, participa do crescimento da receita. É tarefa do RH treinar as pessoas para criar necessidades nos clientes, incentivar o desenvolvimento de novos produtos e/ou serviços. As práticas de RH devem criar capacidades necessárias para isso e, nesse sentido, o RH tem que se re-inventar, buscar novas formas de atuar na empresa, no sentido de fazê-la crescer. A palavra de ordem é resultado. Então, que valor o RH pode adicionar à empresa?: “adicionar valor, não de redigir declarações de valor... é hora de desempenho, e não de pregação” (ULRICH, 2001, p.34) Neste modelo de atuação de RH, há o pressuposto da introdução de algumas práticas em que o sujeito, aparentemente, poderia atuar com mais autonomia, podendo exercer sua criatividade, e ter o trabalho auto-gerenciado. Gil (2001) lista alguns exemplos de experiências em empresas brasileiras em que houve ruptura com os modelos tradicionais de RH: Administração de recursos humanos entregue a funcionários: as decisões mais importantes são tomadas por um colegiado; grupo autônomo de operários que trabalham sem chefe e respondem pela quantidade e qualidade de produtos; avaliação de desempenho invertida, na qual os empregados apontam os defeitos de seus superiores; planos e metas traçados pela direção da empresa, ficando os subordinados a prestar contas apenas dos resultados. (GIL, 2001, p.58) Os pontos acima mostram o que seria, na prática, a atuação dos RHs enquanto defensores dos empregados no modelo de administração estratégica de recursos humanos. Esse é o modelo pregado por alguns consultores e diretores de RH, que, na verdade, não leva em conta o sistema de poder nas organizações, cuja gestão estratégica é uma sofisticação do modelo autoritário de gestão. Com efeito, “observa-se um grande descompasso entre o discurso e a prática (GIL, 2001, p.58). No Brasil a implementação da prática deu-se com anos de atraso, em função, principalmente, das condições macroeconômicas vigentes, que não evidenciavam a necessidade das mudanças preconizadas (LACOMBE; TONELLI, 2001). A esse respeito, vejamos as observações a seguir. 72 Pesquisas realizadas por Albuquerque, citada por Lacombe e Tonelli (2001) mostram como esse modo de se pensar recursos humanos era ainda incipiente no final da década de 1980 e, como na década de 1990, a maioria das empresas ainda não adotava muitas das práticas recomendadas por autores estrangeiros e nacionais. Nos primeiros anos da década de 1990, conforme observa Fischer (2001), as estratégias adotadas pelas empresas para enfrentar os novos cenários eram tipicamente reativodefensivas, concentradas no enxugamento e redução de custos. Em pesquisa realizada junto a 98 dirigentes de empresas, Venosa e Abbud, citados por Lacombe e Tonelli (2001), por sua vez, mostram que as funções identificadas como mais importantes dentro da área de recursos humanos eram recrutamento e seleção, benefícios, treinamento e de departamento pessoal, as rotinas burocráticas. Dos resultados das duas pesquisas, pode-se depreender que, apesar do reconhecimento da necessidade de se tratar a Administração de Recursos Humanos de forma estratégica, na prática a participação da área restringia-se à administração dos processos operacionais. Outra pesquisa realizada por Lacombe e Tonelli (2001) em 1999 teve por objetivo verificar junto a cem empresas da Grande São Paulo como a área de recursos humanos estava conduzindo suas práticas. Os resultados mostraram uma evolução na prática da ARH, comparado às pesquisas anteriores do final da década de 80. A abordagem estratégica não está totalmente implementada, mas a maioria das empresas já adotou um ou outro conceito, em uma tentativa de mudar a administração de pessoas. A tendência à manutenção e maior treinamento dos empregados contrapõe-se à ênfase em redução de custos apontada nos primeiros anos da década passada. Sennett (1999) demonstra como o taylorismo só mudou de roupagem, e que, já beirando o século XXI, sua essência continua a mesma. Na propalada autonomia dos trabalhadores, há uma “concentração sem centralização” – uma rede de relações desiguais que permite a concentração do poder sem centralização do poder. Dá-se, segundo este autor, a impressão de se haver descentralização do poder, permitindo a classes inferiores maior controle sobre seu trabalho, quando, na verdade, há ainda um alto controle, sobrando pouco espaço para efetiva participação. Exemplos como a Nike 73 e os computadores em que somente as caixas trazem uma marca e os componentes são globais mostram que há um esvaziamento do trabalho, com perda total de seu sentido – a marca é símbolo vazio, mas traz rendimentos monetários. Nesse contexto, o poder hierárquico permanece firme, o poder continua centralizado. São distribuídas metas que cada unidade pode cumprir da maneira que quiser, mas é obrigatório atingir o resultado esperado, em uma pressão que beira a irrealidade. Da mesma forma, no que tange o trabalho em equipe, Sennett (1999) aponta o equivoco. Esse tipo de trabalho transformou-se em um teatro, em que as aparências e comportamentos são manipulados e o conflito é sistematicamente adiado. Na realidade, o trabalho em equipe veio substituir a vigilância do administrador pela pressão dos colegas, tornando-se excelente estratégia para aumentar a produtividade. As responsabilidades são partilhadas e não há uma figura que simbolize a autoridade, mas a dominação continua permeando as relações entre os indivíduos no trabalho. Outro ponto a ser destacado é a relação de parceria entre o RH e a empresa, que o deixa mais próximo da alta administração, participando de decisões importantes e podendo intervir em questões que anteriormente não faziam parte do escopo de suas atividades como, por exemplo, definir estratégias de atuação nos campos de remuneração, contratação, desenvolvimento, estabelecer prioridades, treinar gerentes para serem gestores de pessoas, incentivar e implementar mudanças que levem em consideração as necessidades e demandas dos funcionários, dentre outras, conforme comenta Ulrich: “as principais atividades para a administração da contribuição dos funcionários são ouvir, responder, e encontrar maneiras de dotá-los de recursos que atendam suas demandas variáveis” (ULRICH, 2001, p.47). Na prática, contudo, vemos que os PRH, como parceiros estratégicos de gerentes e diretoria, são vistos como aliados do poder, o que dificulta sua credibilidade junto aos funcionários. O RH passa a ser o porta-voz daquilo que a empresa quer, deve estar afinado com as políticas da empresa. Nessa posição, torna-se “mais real que o rei”, adotando políticas de pressão, de coerção, de metas impossíveis, utilizando o assédio moral ou outras táticas de pressão. Esse é o paradoxo do modelo que exige uma dose alta de confiança de ambos os lados: 74 O sucesso em ser parceiro tanto dos funcionários quanto da diretoria requer que ambos os lados confiem no PRH para alcançar o equilíbrio entre as necessidades desses acionistas potencialmente concorrentes. (ULRICH, 2001, p.66) Mesmo que o PRH busque solucionar o desafio demanda/recurso, sempre o fará visando atingir os objetivos da empresa: A contribuição do funcionário se torna uma questão empresarial crítica porque, ao tentar produzir mais com menos funcionários, as empresas não tem outra escolha senão tentar envolver não só o corpo, mas a mente e a alma de cada um deles. (ULRICH, 2001, p.158) Esse é o discurso enganoso. Prestes Motta (1998), em seu artigo sobre a função ideológica nas empresas, afirma que as empresas hipermodernas (PAGÉS, 1987) criam uma religião própria para disseminação de valores e sentidos e, mais ainda, fazem crer a seus trabalhadores que os conflitos são de origem sempre psicológica, impedindo qualquer possibilidade de mudança no âmbito das relações de trabalho. A função da ideologia é transformar a organização em objeto de amor, garantindo comportamentos adequados, alinhado aos interesses da empresa. As relações sociais e os conflitos que ocorrem nas organizações seriam relações econômicas, políticas e ideológicas. Motta afirma que, através das funções de RH - treinamento e carreiras, por exemplo -, a empresa vai moldando uma ideologia: “os administradores de nível médio são, principalmente, treinados no trabalho, o que significa aprender muito mais que um oficio (...) consiste, em larga escala, na interiorização dos valores dominantes do mundo empresarial” (MOTTA, 1998, p.46). Não é difícil perceber que, na prática, o que as organizações apresentam são atitudes ambivalentes frente aos trabalhadores. Os dirigentes preconizam o espírito de equipe, querem pessoas criativas, capazes de inventar soluções (sempre visando à melhoria de desempenho), mas também temem que essas equipes e indivíduos conquistem uma identidade que lhes permitam desenvolver lutas, transgredir normas e transformar a organização, mantendo, por isso, grande contingente de trabalhadores alienados e controlados. Pondo a coisa em termos mais formais, o poder está presente nas cenas superficiais de trabalho de equipe, mas a autoridade está ausente. Figura de 75 autoridade é alguém que assume responsabilidade pelo poder que usa. Numa hierarquia de trabalho do velho estilo, o chefe pode fazer isso abertamente, declarando: “eu tenho o poder, sei o que é melhor, me obedeçam”. As modernas técnicas de administração buscam fugir do aspecto “autoritário” de tais declarações, mas fazendo isso os administradores conseguem escapar também de ser responsáveis por seus atos. (SENNETT, 1999, p.136). A área de Recursos Humanos, com a perspectiva de novos papéis, pode vir a extrapolar suas funções originais e desenvolver habilidades para identificar a dimensão subjetiva das organizações, em todos os elos da cadeia produtiva. Em algumas empresas, a alta administração começa a perceber que não há produtividade plena sem reconhecimento da subjetividade do trabalhador. A subjetividade no âmbito das organizações nasce com Elton Mayo, trazendo a psicologia para dentro das empresas. Sua proposta era de uma psicologia adaptativa, que negava os conflitos e visava neutralizar a resistência operária.Tinha como objetivo maior a busca do equilíbrio e da harmonia nas empresas. Araújo comenta que: Mayo faz da psicologia um instrumento do capital. E ao preservar de críticas a empresa, ele atribui os problemas organizacionais a causas “meta-sociais”, ou seja, transtornos psicológicos que os trabalhadores, especialmente os dirigentes sindicais, projetam na organização. (ARAÚJO, s.d.). Ter um RH estratégico é o que as empresas modernas almejam e têm conseguido implantar. Mas ele não garante novos programas e práticas quando não contempla a real participação do trabalhador, a mudança nas relações de trabalho. Desempenhar o papel estratégico seria a forma de integrar os objetivos de longo prazo da organização às variáveis do ambiente e às necessidades das pessoas, zelando para que a filosofia da empresa seja seguida por todos os seus prepostos. Na verdade o que vemos como RH estratégico é um discurso vazio, ideológico, enraizado nas teorias da administração estratégica, na qual o capital não prioriza as necessidades das pessoas, mas da empresa. Estarão os RHs prontos para desempenhar esses papéis? A resposta será sempre negativa, pois compatibilizá-los é impossível. Organizações e empresas hipermodernas têm tratado a questão das pessoas de forma destacada: nunca se privilegiou tanto o indivíduo quanto hoje, há um culto ao eu, um narcisismo exacerbado. Enriquez (1997a), no entanto, defende a tese de que o indivíduo moderno está 76 encurralado nas malhas da organização/empresa, cativo de corpo e alma. A estrutura estratégica pretende, pois, que a empresa seja, artificialmente, uma comunidade, não apenas uma comunidade de trabalho, mas ainda de vida e de pensamento. Voltamos aqui ao engodo discursivo das relações harmoniosas entre trabalho e capital. A temática do grupo, do trabalho em equipe, aí está sempre presente. (ARAÚJO, s.d.). 3.2 Psicossociologia: uma desconstrução das racionalidades A Psicossociologia e a sociologia clínica foram escolhidas como aporte teórico para o presente trabalho, tendo em vista o objetivo dessas disciplinas no âmbito das organizações, principalmente a partir dos autores franceses - Eugène Enriquez, André Levy, Jaqueline Barus-Michel, Nicole Aubert - de buscar uma desconstrução das racionalidades impostas pelo mundo do trabalho nas organizações, que começa com a administração dita cientifica de Taylor e caminha até os dias de hoje pela administração estratégica e o trabalho flexível na cultura da urgência. A análise psicossociológica está mesmo profundamente implicada nos processos organizacionais; ela contribui para relacionar e para desconstruir representações reificadas, para novamente questionar o sentido das regras situando-as na história coletiva, da qual nasceram e favorecendo-lhes trocas e confrontos. (LEVY, 2001, p. 211) O objeto de estudo da Psicossociologia é o indivíduo inserido no tecido social, onde se articulam simultaneamente processos conscientes, racionais, e também fantasias, desejos que constituem o imaginário e o inconsciente. Assim, compreender os indivíduos inseridos nas organizações é compreender os vínculos afetivos, imaginários e inconscientes (ENRIQUEZ, 1997a; 1997b, 2001) A intervenção psicossociológica trabalha para elucidar relações de poder e conflitos, levando em conta os aspectos psíquicos, políticos, conscientes e inconscientes e, em última instância, a busca da constituição do sujeito, sua subjetividade, a dos grupos e a possibilidade de relações reais de alteridade no trabalho, enquanto espaço de reconhecimento. Sua matéria prima é a palavra, diferentemente do que é para a administração estratégica: 77 A palavra, neste contexto [da administração estratégica] é supérflua, é perda de tempo, e a questão do sujeito não vem ao caso, Para que deveria o sujeito fazer perguntas, quando ele deve se juntar à sua organização pronta para a guerra, para a violência da concorrência, para a urgência da performance? (BARUS-MICHEL, 2001, p.174). Inserir a clínica nas organizações é possibilitar a invenção de nós mesmos, instalando nas organizações um setting que possibilite identificar e analisar o material trazido pelo grupo, buscando significações para além da realidade organizacional, deixando aparecer o imaginário, criando um lugar de vivência das angústias e restaurando os vínculos entre as pessoas, permitindo um repensar sobre si mesmo e sobre as relações possíveis no âmbito da organização. A psicologia tem por fim permitir aos indivíduos e aos conjuntos concretos que estão implicados nessas formas de trabalho, de se interrogar sobre o que eles são, e sobre o que eles fazem, sobre o lugar que lhes é reservado pela estrutura social no processo de produção e de reprodução, de elucidar os mecanismos dos quais eles são os objetos e ao mesmo tempo os suportes e os atores, e de poder raciocinar, viver e falar diferentemente, quer dizer, com seus sentimentos, suas pulsões, sua palavra própria. (ENRIQUEZ, 1977, tradução nossa). 3.2.1 Breve histórico do surgimento da Psicossociologia: de Elton Mayo à sociologia das organizações Situamos o nascedouro da Psicossociologia nos trabalhos de Elton Mayo, nos anos entre 1920 e 1930. Mayo foi um dos precursores da escola de relações humanas, que veio como uma crítica às idéias de Taylor sobre a racionalização do trabalho. Surge como proposta de humanização das relações de trabalho, decorrentes do modelo taylorista/fordista, que mantinham rígido controle sobre os trabalhadores, que não dispunham de nenhuma autonomia ou qualificação e nunca questionavam os conflitos existentes entre capital e trabalho. O homem de Taylor é uma extensão das máquinas, formando com estas uma relação bem amalgamada, em que não há espaço para o pensamento, o afeto ou as trocas que pudessem produzir algo diferente do prescrito. O homem de Taylor deve ser controlado, não pode ter iniciativa, não pode pensar. Araújo (s.d.) afirma que Mayo através de sua obra “The Social Problema of an Industrial Civilization”, de 1945, propõe o que viria a ser uma primeira interpretação 78 psicossociológica da organização do trabalho. O grupo enquanto categoria de estudo passa a ocupar lugar de destaque nos estudos organizacionais. As pesquisas da escola de relações humanas deixaram claro que um dos aspectos que interferem na produtividade remete a fatores subjetivos, ligados a relações entre as pessoas, possibilidades de criação de vínculos, e não apenas fatores ambientais ou de ordem prática. Eram as questões de ordem subjetiva, pela primeira vez introduzidas nas relações de trabalho, alterando definitivamente o entendimento da racionalidade organizacional. Mayo percebeu que, mesmo em condições adversas, a produção aumentava quando os operários se relacionavam. Ele identificou o lado humano nas empresas, mostrando a importância das relações e das trocas afetivas entre os operários e percebendo o valor do grupo para a qualidade das relações entre os operários, sendo ele responsável por sua alta performance. Como proposta humanista, destacou a importância das relações e inter-relações, dos sentimentos e da afetividade entre as pessoas e os grupos, no contexto das organizações, mas não insurgiu contra o taylorismo. Seu modelo não apresenta uma proposta para a questão dos conflitos e das diferenças de interesses no seio das organizações. A escola de relações humanas (...) não questionou o taylorismo. Algumas frases de Mayo, como “a natureza essencial do homem é de cooperar e para cooperar é preciso que ele conheça o objetivo” não se opõem, de fato, às afirmações de Taylor, tais como: “opor-se, não. Cooperar, sim. A cooperação é pedida sob todas as formas possíveis, a oposição não é jamais tolerada.” Em outras palavras, entre os discursos de Taylor e de Mayo, a diferença se situaria unicamente nas modalidades de tratamento do problema da cooperação. Mayo vislumbrou o aumento da cooperação, ao levar em conta um sistema de interesse e de investimento afetivos que Taylor não teria percebido. (ENRIQUEZ, 1977, tradução nossa). A história da Psicossociologia vai perpassar ainda os valores libertários do século XIX , além dos trabalhos de dinâmica de grupo. Ela está sempre ligada aos movimentos democráticos e à busca de práticas que produzam relações e modos de gestão que possibilitem a participação efetiva de todos os grupos sociais no interior das organizações (LEVY, 2001). Há ainda influências do grupo Ballint, do marxismo, do freudo-marxismo, da análise institucional (Lourau, Lapassade), da antropologia (Mauss, Levis Strauss), da sociologia (Weber, Norbert Elias) etc. 79 3.2.2 Intervenção psicossociológica e Psicossociologia clínica A Psicossociologia trabalha com a relação entre o individual e o social, processos sociais e grupais, tendo como referência as contribuições do marxismo e da psicanálise, estando em permanente reflexão interdisciplinar, buscando elementos da antropologia, da história, da economia e de outros campos. “Ela só pode existir num entre-dois, num interdito, numa relação conflituosa entre duas lógicas causais irredutíveis uma a outra. Há algo de irreconciliável entre ‘psíquico’ e ‘social’” (GAULEJAC, 2001, p. 46). É uma disciplina que transita em vários campos teóricos articulados entre si, firmando-se num lugar de encruzilhada teórica e metodológica (ARAÚJO, 2004). Trabalha fazendo surgir significações e discursos que estão latentes, intervindo nos processos de produção de sentido. Faz um processo de desconstrução, que “representa o momento forte que permite que se volte ao essencial, a tudo aquilo que o ‘construído’ finge ignorar” (LEVY, 2001, p.213). A visão da Psicossociologia busca significações, questiona práticas sociais e suas interrelações, explicita o mal-estar inerente a toda sociedade e organização, tendo em vista os conflitos subjacentes. Com a psicanálise, um de seus eixos teóricos, permite uma leitura dos fenômenos grupais também como manifestações das pulsões de vida e de morte. Sua concepção enquanto clinica é a que particularmente nos interessa, na medida em que promove “...uma recuperação do sentindo para os atores e, a partir daí, da melhor maneira para estes em relação à instituição e ao que dela detêm, uma mobilidade maior e um domínio dos fins institucionais” (BARUS-MICHEL, 2004, p.191). Enriquez (1997a), ao apresentar o estudo das organizações à luz da psicanálise, está fazendo crescer a Psicossociologia enquanto clínica. Nesse sentido o papel do consultor não deve ser somente o de organizar ou ajudar na organização, mas analisar os processos e as significações, identificar novas perspectivas, que permitirão: (...) fazer funcionar os fatores não mais disfarçados ou latentes, mas sim os fatores inconscientes na vida social. Inconsciente (nunca é demais repetir) não significa desconhecido ou não exprimível, mas designa os fenômenos que, mesmo marcados, atuam com uma força e uma intensidade indomáveis e cujos efeitos sobre as condutas persistem, ainda que as causas tenham desaparecido, e que sobretudo obedecem a uma lógica própria: nela reinam os processos primários, as pulsões sexuais, o principio do prazer e não os 80 processos secundários, as pulsões do eu, e o principio da realidade. (ENRIQUEZ, 1997a, p.26). É a teoria freudiana contribuindo para o estudo das organizações, trazendo o aporte teórico que enseja Enriquez (1997a) a postular as organizações como sistemas culturais, simbólicos e imaginários, possibilitando o estudo dos conflitos grupais e explicitação dos conflitos de poder. Como sistema cultural entende-se um conjunto de representações, valores e maneiras de se posicionar no mundo que caracterizam determinada organização, identificando-a como algo a que todos os membros se identificam. Há um modo de ser e existir que possibilita a todos os atores saberem que papéis lhes cabem. A cultura fornece identidade aos membros de determinada organização e é a responsável por imprimir a marca da empresa ou da organização no aparelho psíquico das pessoas. Leva os empregados a se sentirem partícipes e, com isso, subservientes para servir à empresa através de seus representantes. Como sistema simbólico, as organizações criam mitos, ritos, sagas, heróis (reais ou imaginários) que vão sendo inculcados na memória dos componentes da empresa/organização. Essas figuras têm a finalidade de “sedimentar a ação dos membros da organização, de lhes servir de sistema de legitimação e de dar assim uma significação preestabelecida às suas práticas e à sua vida” (ENRIQUEZ, 1997a, p.34). O sistema simbólico garante às organizações controle afetivo de seus membros, para muitos a organização fornece identidade - “vestem a camisa” de tal modo que é como se a empresa fosse deles. Já o sistema imaginário é o que garante que os outros sistemas (cultural e simbólico) aconteçam. Para o autor, há dois tipos de imaginário: o enganador e o motor. No primeiro, a organização dá a ilusão de garantir a realização dos desejos de seus membros, passando uma imagem de forte, sólida, capaz de proteger, realizar desejos, suprir carências de afeto, garantindo uma identidade poderosa. A organização se exprime assim, de um lado, como uma organização-instituição divina, toda-poderosa, única referência que nega o tempo a morte, de um lado a mãe englobadora e devoradora e ao mesmo tempo a mãe benevolente e nutriz, de outro lado, genitor castrador e simultaneamente pai simbólico. (ENRIQUEZ, 1997a, p.35) 81 O imaginário motor é o que possibilita, de fato, o ato criador das pessoas, se ou quando a empresa permite que a imaginação criativa tenha espaço no trabalho e este não seja regido por normas rígidas e controladoras. Enriquez (1997a) divide o imaginário motor em três categorias diferentes, que permitem às pessoas idealizar e poder realizar o sonho da mudança e da transformação. São eles: a) mentor da diferença: objetiva sair da repetição constante pela invenção de novas imagens para remodelar a realidade; b) mentor de inovações: apresenta o imaginário como incubador das inovações, “raiz das utopias”; c) criador de ruptura: traz novos paradigmas, novas formas de ver, falar, executar o cotidiano do trabalho e das relações sociais. O exercício do imaginário motor possibilita experiências inéditas, que permitem a revitalização das relações com as pessoas e com o trabalho, sua constante reavaliação, de modo a impedir a cristalização de ações e pensamentos, favorecendo que mudanças sempre sejam introduzidas. Possibilitar a realização do imaginário motor nas organizações é permitir o livre expressar, a possibilidade de tudo questionar, de transgredir, de nada fazer, de buscar o lúdico como método de reflexão, enfim, de criar um espaço para o prazer, o humor e, muitas vezes, o ócio. A respeito das considerações de Enriquez (1997a), cabe perguntar se, na cultura da urgência em que estamos vivendo, haverá lugar para o imaginário motor. Permitirão as empresas abrir espaço para o prazer, o lúdico, o tempo gasto uns com os outros, sem que necessariamente isso lhes gere mais lucro? As empresas estão constantemente buscando reinventar-se, buscando novas roupagens para o mesmo paradigma de controle total de seus recursos, principalmente o “humano”, que cada vez mais se enreda na teia da “grande empresa”, “mãe devoradora”. 3.2.2.1 A vida psíquica nas organizações As novas formas de gestão introduzem práticas de descentralização, maior participação, possibilidade de criação e flexibilidade para os funcionários. No entanto, essa participação é falaciosa. Não há espaço para participação real e ainda menos para todos os níveis de empregados. Na verdade, criam-se mecanismos que definem e transmitem o que é necessário para a aderência total do empregado ao imaginário 82 organizacional. A diferença essencial é que hoje em dia todas as organizações (e não somente as empresas) tratam, consciente e voluntariamente, de construir tais sistemas a fim de modelar os pensamentos, induzir os comportamentos indispensáveis à sua dinâmica. Se elas são levadas a proceder assim, isto é porque buscam converter-se em verdadeiras microsociedades que sejam ao mesmo tempo comunidades: em uma palavra, elas visam a substituir a identificação com a nação e com o Estado pela identificação com a organização que se torna assim o único sagrado transcendente ao qual é possível se referir e se crer. (ENRIQUEZ, 1997a, p.37). Enriquez (2002) mostra como as organizações, de Taylor à atualidade, com a concepção estratégica, têm levado em consideração a vida psíquica dos empregados, criando um imaginário social que os tornam cativos da organização. O autor apresenta quatro etapas, que vão da visão taylorista à atual concepção estratégica. Na perspectiva taylorista, o importante é a adaptação do homem à máquina, formando uma engrenagem, que leve a empresa a funcionar ininterruptamente. O homem de Taylor era egoísta, movido a dinheiro, preguiçoso e passível de questionar a ordem vigente. Dessa forma, os procedimentos de controle visam domar seus processos psíquicos, “que poderiam ser investidos em ações solidárias (revolucionárias) e a chegar mesmo à criação de executores sem alma (na época Ford dizia: eu não pago aos meus trabalhadores para pensar).” (ENRIQUEZ, 2002, p.12). Na ótica cooperativista, aplicada no século XIX e tendo por representantes SaintSimon e seus seguidores, as organizações eram constituídas como cooperativas em situação de igualdade, com decisões tomadas coletivamente. As relações de poder não tinham razão de existir. O pressuposto era o de que não existiam conflitos permanentes. “O imaginário subjacente é aquele da comunhão, se não da fusão, em todos os casos, da obsessão da plenitude” (ENRIQUEZ, 2002, p.15). Nesta concepção, somente a pulsão de vida impera. Já na visão tecnocrática, há o predomínio da pulsão de morte, havendo forte separação entre o alto escalão, que se identifica com os ideais de sucesso econômico da organização, e os subordinados, a quem é oferecida a chance de participar de decisões menos importantes para se sentirem integrados. Nessa configuração, impera a racionalidade ilimitada, o poder nas mãos dos experts, que possuem um perfil definido por Mac Dougall, citado por ENRIQUEZ (2002) como “tipo normal”: como 83 aquele que cria para si uma couraça que o protege de seus conflitos neuróticos e psicóticos, respeita todas as regras da sociedade em que vive e nunca transgride. Não busca nada que não lhe seja dado. Essa normalidade, segundo a autora, é uma carência que passa pela vida fantasmática e distancia o sujeito de si mesmo. O tecnocrata, esse homem normal, é o protótipo da racionalidade instrumental. Enxerga seu semelhante “como simples ferramenta performática, tão somente como instrumentos, como objetos manipuláveis a seu bel prazer” (ENRIQUEZ, 2002, p.16). Enriquez (2002) afirma ainda que ele é colocado pela organização numa posição perversa, já que a organização é perversa. Ele usa de manipulação e sedução para atingir seus objetivos, sugando o potencial de cada membro da empresa. “Estão presos na armadilha de seus desejos de reconhecimento. O imaginário nesta visão é aquele do domínio do mundo e dos seres mais fracos, graças ao triunfo da intelectualidade pura e simples”. (ENRIQUEZ, 2002, p.17). Mas o tecnocrata é uma vitima em potencial de seu veneno, na medida em que, tanto quanto seus subordinados, precisa se sentir reconhecido e ter seu valor destacado, e também ele poderá ser dispensado e rejeitado. A última concepção de tipo de gestão pelo afeto tratada por Enriquez (2002), é a atual, estratégica. Nesta, o imaginário do profissional é centrado no culto à excelência e na performance. Na organização estratégica, todos devem buscar a excelência, distintamente da tecnocracia, na qual uma elite detinha o saber maior. Hoje, a busca é pela perda dos medos inerentes aos seres de falta que somos, enquanto humanos. A organização coloca-se como capaz de suprimir toda a angústia, fazer morrer a dúvida, gerar seres idealizados para “favorecer a emergência de condutas performáticas” (ENRIQUEZ, 2002, p.19). Constrói-se o imaginário enganoso, já descrito anteriormente, e a doença de idealização, que é a devoção total à empresa ou organização. Neste estado de amor cego, todos os ditames são seguidos e introjetados e, conseqüentemente, há a perda da identidade, da autonomia. Outra característica que se encontra na organização estratégica é o que Enriquez (2002) chama de psicologização dos problemas: o indivíduo está no centro, e todo sucesso e fracasso recaem sobre ele. A organização passa a não se responsabilizar por nenhuma inconsistência ou inconformidade. Está instituído o sentimento de culpa, caso não se 84 consiga cumprir as tarefas propostas pela empresa, e o sentimento de vergonha vem a reboque. O fracasso da empresa é o fracasso dos indivíduos, fusionados a ela. Instaura-se a busca desenfreada por ganhos cada vez maiores, performances a serem superadas, e há vergonha do fracasso, da inabilidade, da decadência. Nesse estágio, a doença da idealização está completamente instalada. “A organização instala a certeza, que favorece o domínio das coisas e de si mesmo, bem como sua adaptação ás circunstancias. Ao fazer isso, ela tende a infantilizá-lo, por mais que afirme o contrário” (ENRIQUEZ, 2002, p.21). A boa noticia é que a gestão na organização do tipo estratégico, pode propiciar o surgimento de pessoas com parcela de originalidade e autonomia, pois são justamente essas pessoas que terão condições de promover o real sucesso das organizações, embora as mesmas trabalhem para imprimir a sua marca no aparelho psíquico de seus empregados, fazendo-os crer que são reconhecidos e admirados pelos seus superiores (ENRIQUEZ, 1997). 3.2.2.1.1. Entre o psíquico e o somático, a pulsão Os conceitos de pulsão de vida e pulsão de morte postulados por Freud também são determinantes para a compreensão das organizações. Embora as pulsões trabalhem silenciosamente, podemos identificar seus efeitos. O conceito de pulsão é definido como um conceito-limite entre o psiquismo e o somático, e tem como objetivo suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional. São princípios gerais que regem o funcionamento não só da vida psíquica, mas de toda a vida orgânica. A teoria das pulsões em Freud sempre foi dualista, tendo a pulsão sido dividida primeiramente em pulsões sexuais e pulsões do ego (conservação), modificadas depois para pulsão de vida (formada pela pulsão sexual e pulsão de autoconservação) e pulsão de morte: Depois de muito hesitar e vacilar, decidimos presumir a existência de apenas duas pulsões básicas, Eros e Pulsão destrutiva. O objetivo da primeira da primeira dessas pulsões básicas é estabelecer unidades cada vez maiores assim preservá-las, em resumo – unir; o objetivo da segunda pelo contrario, é desfazer conexões e, assim, destruir coisas. (FREUD, 1938/1980, p.173). A tese defendida por Freud é a de que pulsão de vida e pulsão de morte estão 85 amalgamadas e em conflito. “Se portanto, não quisermos abandonar a hipótese das pulsões de morte, temos de supor que estão associados, desde o inicio, com as pulsões de vida” (FREUD,1938/1980, p.78). Não há como separar os termos que formam o par que rege a vida psíquica dos indivíduos, embora Freud afirme a oposição de seus modos de funcionamento: “Essa ação concorrente e mutuamente oposta das duas pulsões fundamentais dá origem a toda variedade dos fenômenos da vida” (FREUD, 1938/1980, p.174). Nas organizações, a pulsão de vida é perceptível pela busca de eficiência, dinamismo, mudança e criatividade. Ela ativa o funcionamento do processo de ligação, favorecendo a coesão e harmonia entre os membros. É o que permite as relações de amor e amizade, e é representada por Eros. “O Eros, no que diz respeito ao domínio humano, está na origem do reconhecimento do outro enquanto outro, quer dizer, na condição de sujeito que visa a autonomia e tem desejos próprios” (ENRIQUEZ, 1997a, p.125) Já a pulsão de morte é percebida pela compulsão à repetição e a tendência à redução das tensões ao estado zero – o que seria a “harmonia” total. Manifesta-se nas organizações como uma força que tende à homogeneização do trabalho, à recusa da criatividade, e a própria burocratização. Seus derivados seriam a auto e a heterodestrutividade, a agressividade, o marasmo, a limitação de vida. Enriquez (1997a) afirma que é a mais facilmente identificada nas organizações. Estas buscam impor seu funcionamento a partir da pulsão de vida, do dinamismo, da eficácia, da harmonia, das mudanças constantes. Porém, dada a necessidade de controle e de massificação das pessoas frente a um único ideal, o que acaba por predominar é a pulsão de morte. O autor afirma também que a pulsão de morte pode conter aspectos positivos: É pela familiaridade com a morte que o indivíduo pode conformar-se à ordem do ser vivo: criador sem ser paranóico, transgressor sem se tornar perverso, apaixonado sem ter condutas histéricas, animado por uma idéia fixa sem cair na neurose obsessiva... A luta pelo reconhecimento arranca assim cada um de sua cotidianidade e do compromisso (...) o trabalho de morte é também possibilidade de provocar rupturas, aceitar se confrontar com a perda (...) o confronto com o malogro mais radical, com a depressão mais inquietante (...) é muito freqüentemente, o trampolim para uma renovação e uma alegria de viver. (ENRIQUEZ, 1997a, p.131). O predomínio das pulsões de vida ou de morte determinará a cultura 86 organizacional, pois há imbricada correlação entre o contexto organizacional e os processos inconscientes. 3.2.2.2 O imaginário e a cultura organizacional como instrumento de poder Para Freitas, a cultura organizacional1 é, em primeiro lugar, instrumento de poder: “através da cultura organizacional se define e transmite o que é importante, qual a maneira apropriada de pensar e agir em relação aos ambientes internos e externos, quais são condutas e comportamentos aceitáveis, o que é realização pessoal, etc.” (FREITAS, 2002, p.97). A organização passa a ser o ideal do eu, fazendo com que as pessoas aceitem restrições, carga de trabalho aumentada e trabalho estressante para garantir a satisfação de pertencimento e reconhecimento: “eles são cúmplices, presos na armadilha que lhes prepararam seus próprios desejos, medos e fantasmas” (FREITAS, 2002, p.100). A empresa quer ocupar todo o espaço psíquico dos membros, e passa a ser fonte rica de identidade para o indivíduo. É virtuosa e merece todos os esforços. O indivíduo troca sua identidade por um crachá. Perde-se, assim, a possibilidade de resistência ou processo critico. A ideologia transmitida passa a ser o próprio real. Barros e Cruz (2008) fazem uma análise do conteúdo de reportagens, legendas de fotos, manchetes e subtítulos (textos) do anuário da edição especial da Revisa Exame (2007) com a manchete principal “150 melhores empresas para se trabalhar”. A amostra contempla as dez primeiras empresas do ranking. Através dessa análise, verifica-se que a imagem das empresas é sempre positiva e os funcionários mostramse “felizes e realizados no trabalho”. O discurso é, portanto, totalizante: o indivíduo é amalgamado no instituído da empresa. Não existem conflitos e contradições, o que sabemos, com a teoria das pulsões, não ser possível. Os autores afirmam: O imaginário organizacional instituído pelo conteúdo veiculado na revista é o 1 O conceito, para a autora, compreende os três sistemas definidos por Enriquez: cultural, simbólico e imaginário. 87 das empresas como local atrativo, em que uma grande família compartilha um sentimento fraternal e relações de confiança, e age em prol do sucesso de todos. (BARROS; CRUZ, 2008, p. 8). Quando a empresa nega a realidade de ser falível, conflituosa, de poder vir até a desaparecer, está recusando a castração, sem suportar a idéia de não ser objeto de admiração dos públicos internos e externos (ENRIQUEZ, 1997a). A imagem da empresa como família, onde todos devem ter o mesmo ideal, lutar em defesa do bem comum para que todos tenham sucesso está crescendo dia a dia. As organizações estão deliberadamente buscando cúmplices, e convencem as pessoas de que é uma escolha delas participar ou não da “grande família”. Através do imaginário enganoso, empresas e organizações fazem as pessoas acreditarem que são livres para escolher. A empresa é apresentada como objeto amoroso, digno de ser reverenciado. A cultura organizacional internacional da empresa multinacional, tem um apelo maior ainda. É fácil ser seduzido, “ser um de nós” é um apelo a que poucos resistem. Firma-se assim um contrato psicológico: o indivíduo está agora inserido na cultura da empresa, pronto para produzir, para obedecer aos chefes, para ser dominado ou dominar, caso tenha subordinados. Neste contexto, Perde-se a noção de sujeito sociológico, em que a identidade seria entendida como a “ponte” que interliga o sujeito e a estrutura, na medida em que ele buscará em lugares sociais objetivos os significados que alinharão seus sentimentos subjetivos. (BARROS; CRUZ, 2008, p. 9). A empresa enquanto grupo engendra um imaginário que é a “capacidade de o indivíduo, o grupo, ou a sociedade se ver, se pensar, se querer de forma diferente daquela em que se encontra” (FREITAS, 2002, p.48), criando nas pessoas que a formam uma mentalidade comum, um projeto construído a centenas e milhares de mãos, para dar sentido a suas vidas. O líder da organização propõe um sonho a ser sonhado por todos, e faz deste o sonho de cada um. Em uma época em que o poderio econômico assume papel preponderante, a ideologia neoliberal coloca os líderes empresariais como gurus e referência para pessoas, que farão de suas determinações o sentido para suas vidas. “As empresas modernas constroem para si e em torno de si, uma imagem grandiosa, que se enraíza num imaginário próprio, repassado não só aos membros, mas a sociedade com um todo” (FREITAS, 2002, p.55). 88 Para descrever esse imaginário encobridor das verdadeiras disfunções que ocorrem nas empresas modernas, Freitas (2002) apresenta cinco tipos característicos de empresas atuais, a saber: a empresa cidadã, a empresa excelente, a empresa eternamente jovem, a empresa ética e guardiã da moral e a empresa comunidade. Esse último modelo, particularmente, muito nos ajudará no presente estudo de caso. A empresa comunidade, vista como uma família, talvez seja a que mais induza o indivíduo a uma aderência total com a organização. O local de trabalho é também entendido como o local do lúdico, do hobby, da convivência harmoniosa. Misturados de forma tal, os vários escalões da hierarquia convivem visando a evitação das diferenças e conflitos: “a imagem da empresa passa a ser a do lugar onde o trabalho, a convivência, os laços fraternos se juntam de forma entusiasmada e prazerosa” (FREITAS, 2002, p.63). Nessas circunstâncias, não há lugar para o diferente ou para os indiferentes. Esse tipo de empresa busca sempre a harmonia, o consenso. A falta de discussões e de diferentes pontos de vista pode levar ao empobrecimento, a falta de criatividade, que em última instância irá prejudicar não somente os indivíduos, mas a própria empresa. Há o perigo da falta de oxigenação, do novo. “Consenso demais é sinal de repetição, homogeneidade, reprodução, calmaria, portanto do signo da pulsão” (FREITAS, 2002, p.64). 3.2.3. Gestão de pessoas na era da urgência, em tempos flexíveis A área de RH tem levantado a bandeira da importância das pessoas, do capital humano como diferencial competitivo, como foi visto no início deste capítulo. Sendo as pessoas o foco, precisam ser encantadas e precisam de “defensores” para suas demandas. O discurso da área de recursos humanos proclama o funcionário como a mais valiosa matéria-prima que o capital humano de qualidade é o grande diferencial e que precisa de cuidados e mimos, bem como propõe um mundo do trabalho festeiro e idílico com funcionários felizes, exercendo todo o seu potencial criativo. (FREITAS, 2006, p.3). Nicole Aubert tem trabalhado desde a década de 80, em questões fundamentais 89 na relação do homem com o trabalho, como o estresse profissional (1989), o custo psíquico frente às exigência de alta performance e da excelência (1990) e, mais recentemente (2003), a discussão a respeito da “ditadura do tempo real”, em que o imediatismo e a instantaneidade configuram novas formas de relacionamento no trabalho e na própria organização do trabalho:. A base dessa nova relação com o tempo é a aliança entre a lógica do lucro imediato, dos mercados financeiros que reinam como donos da economia, a instantaneidade dos novos meios de comunicação. Isso gerou o indivíduo “em tempo real” que deve funcionar no ritmo da economia e querendo ser aparentemente dono do tempo. Mas essa aparência é enganadora, pois esconde um indivíduo prisioneiro do tempo real e da lógica do mercado, incapaz de diferençar o que é urgente do que é importante, o acessório do essencial. Economia de “fluxo tenso” gerando indivíduo de fluxo tenso. (AUBERT, 2003, p. 24, tradução nossa) Vive-se hoje uma nova relação com o tempo, segundo Freitas (2006): O tempo é um organizador da vida, mas o novo tempo das empresas desconsidera a noção de hora, dia e semana. Não existe fim de expediente, fim de semana ou vida privada. Fortalecido pela tecnologia mais moderna, principalmente em relação aos poderosos telefones celulares e computadores, o mundo do trabalho invade a vida familiar e amorosa do indivíduo e lembra-o de que ele deve estar sempre a postos. Noites insones, olheiras, úlceras e infartos são sinais de status, exibidos por esses funcionários insubstituíveis e imprescindíveis. (FREITAS, 2006, p.3). Ao relacionar a questão do tempo com os processos de subjetivação e as práticas de RH, verifica-se como as estratégias de gestão de pessoas estão promovendo um retrocesso no que diz respeito às relações de trabalho: sob o imperativo da cultura da urgência (AUBERT, 2003), trabalhadores estão cada vez mais comprimidos e submetidos, o que afeta profundamente a maneira como ocupam seu tempo, seja no trabalho, seja na sua vida particular. A questão da temporalidade tem influenciado sobremaneira as relações de trabalho e a vida privada do homem, nesses contextos em que a cultura da urgência impera e amalgama todos os tipos de relação. Sennett (1999) fala do capitalismo flexível, no qual as características básicas são o trabalho ágil, a abertura à mudança, os riscos constantes e, como conseqüência, o alto nível de ansiedade. A flexibilização na gestão, ou o “flexitempo” é uma estratégia a serviço do capital, para moldar as vidas. 90 Nesse contexto, o espaço do trabalho confunde-se com espaço privado, e o escritório pode estar ao lado da cama. A partir da forma de lidar com o tempo, é possível realizar uma leitura sociológica de determinada sociedade. Essa relação vem mudando, à medida que mudam as relações com o trabalho e com outros. Ela não se configura como de causa e efeito, mas como dialética. O que muda não é o tempo, mas a relação do homem com o mesmo. O tempo existe porque existe o homem, é um dado social. Elias (1989) vê o tempo como síntese humana, instrumento simbólico-social. Do ponto de vista do indivíduo, apresenta-se como autodisciplina aprendida socialmente e internalizada. A relação com o tempo ocorre concomitantemente aos processos de subjetivação e não numa linearidade, mas um e outro se influenciam mutuamente, não se percebendo onde começa um e termina o outro. Essa nova forma de subjetivação, na qual impera a rapidez, a urgência, vai repercutir diretamente na relação que o homem vem desenvolvendo com o trabalho, sujeitando-se a trabalhar cada vez mais, a buscar empresas que sabidamente lhe exigirão sacrifícios, a sofrer pressões de demandas cada vez maiores, a buscar novos desafios. É a organização utilizando em seu proveito as contradições psicossociais, para forjar novas relações com o trabalho através dos processos de subjetivação de uma sociedade caracterizada pela instantaneidade e pela fugacidade. A cultura da urgência não possibilita processos de singularização, o que vemos é o tempo como regulador de um sistema que é global e não conhece fronteiras. As novas tecnologias vêm para resolver a questão da comunicação, possibilitando o tempo real, no qual o mundo conversa no mesmo instante e é possível assistir a guerras pela TV ou internet, realizar jogos virtuais, etc. Fica difícil saber o que é real ou virtual. Elias (1989) comenta que a transformação da coação externa da instituição social do tempo resulta em uma auto-coação, que abarca toda a existência do indivíduo, como exemplo da maneira como o processo civilizador contribui para modelar uma atitude social que se torna parte integrante da estrutura da personalidade individual. Sennett (1999) afirma que essas mudanças na forma dos relacionamentos geram o capitalismo de curto prazo, que corrói o caráter, dificultando as ligações entre os seres humanos, impedindo o senso de identidade sustentável. 91 Assim, quanto mais complexa a sociedade, mais necessária se faz a ação do tempo como mediador das relações entre as diversas facetas da mesma. “O tempo é uma rede de relações, muitas vezes bastante complexa e que substancialmente, determinar o tempo é uma atividade integradora, uma síntese" (ELIAS, 1989, p. 67). A forma como a temporalidade é abordada no contexto histórico-estrutural fornece elementos para análise e compreensão das relações psicossociais e, dentro dessas, das relações de trabalho. Toda representação do tempo depende da ordem social que ela estrutura. Sua medida faz referência a um contexto sócio-cultural específico, é fruto de um consenso coletivo e está diretamente atrelada às formas produtivas que marcam uma dada sociedade. Por que é interessante pensar o tempo como uma categoria de análise das relações de trabalho? O crescimento do capitalismo e as constantes transformações nos processos de trabalho tendem a tirar do homem toda e qualquer forma de trabalho que não seja alienada, sem significação, e o tempo tem sido seu algoz. A temporalidade é estruturante para o homem. Perder a dimensão de passado, presente e futuro é ficar à deriva. O tempo funciona como agente regulador das diversas atividades que desenvolvemos ao longo de um dia, mês ou ano(s). A forma como principalmente as empresas e organizações têm usado o tempo tem deixado as pessoas presas nas malhas dos ciclos produtivos e burocráticos. Agindo como autômatos, o trabalho deixa de ser criativo para ser produtivo e voltado para o mercado de consumo. A urgência e o imediatismo impedem a construção de projetos de trabalho e de relações duradouras, saudáveis. Impele aos relacionamentos fluidos, leves, superficiais e sem compromisso, como os que acontecem hoje nas organizações e até mesmo na família e nas relações sociais. Os atuais estudos da subjetividade procuram no indivíduo as marcas da sociedade, do tempo, no seu tempo. Ou seja, dizer que o indivíduo é mediado socialmente não significa que ele seja afetado externamente pela sociedade mas sim que se constitui por ela. A subjetividade é constituída socialmente, em relação recíproca entre o eu e o mundo, e ainda em relação muito próxima com o significado tempo-espaço. Como afirma Castells (1999, p. 490), é o espaço material que organiza o tempo, “estruturando a temporalidade em lógicas diferentes e até contraditórias de 92 acordo com a dinâmica socioespacial”. Assim passamos da referência de tempo como duração para a referência de tempo como velocidade, ou, dizendo de outra maneira, para a cultura da urgência. A subjetividade é então produzida pelas forças econômicas e sua relação com o tempo determina comportamentos de acordo com as várias realidades biopsicossociais. Em outras palavras, a maneira como as pessoas, sob o império do tempo, percebem o mundo determinará gestos, sentimentos, valores, etc. É a alta velocidade, a agilidade na tomada decisão que gera lucros. O potencial de realização do trabalho depende da autonomia de profissionais qualificados e esclarecidos para a tomada de decisão em tempo real. Dessa forma, nossa subjetividade é sempre modelada tanto dentro como fora de nós mesmos e, nesse sentido há o risco de sermos reprodutores de uma subjetividade pré-anunciada, característica do sistema capitalista de produção. Se pensarmos nas empresas como uma das fontes de subjetivação, o que verificamos, na prática é que as organizações têm uma atitude ambivalente diante dos sujeitos-trabalhadores. Os dirigentes preconizam o espírito de equipe, querem pessoas criativas, mas temem que elas conquistem uma identidade que lhes permitam desenvolver lutas, transgredir as normas e queiram transformar a organização, e por isso ainda mantém um grande contingente de trabalhadores alienados. Diante da fluidez das relações de curto prazo nenhum trabalho verdadeiramente em equipe pode ser realizado, a lógica subjacente é a lógica do lucro imediato, dos mercados financeiros. 3.2.3.1 Tempo e as práticas de RH Algumas questões aqui se colocam: como as práticas de Recursos Humanos têm lidado com as mudanças na abordagem do tempo? Qual é a posição das áreas de Recursos Humanos frente à frenética busca por lucros e resultados e o impacto disso na vida dos trabalhadores? Aubert (2003) trabalha com os conceitos de urgência, instantaneidade, imediatismo e velocidade, mostrando as conseqüências dessa nova cultura nas relações de trabalho e na subjetividade. 93 Os últimos anos do século XX, assim como os primeiros do novo milênio, parecem marcados pela ascensão irresistível do reino da urgência, em vias de se estabelecer como modo privilegiado de regulação social e de uma modalidade de organização da vida coletiva. (AUBERT, 2004, p.34, tradução nossa). Com o advento da informatização e das novas formas de gestão (participativa, trabalho em equipe, gestão por resultado e outras), houve maior flexibilidade do horário de trabalho, mas, ao contrário do que se poderia esperar, não houve incremento do tempo livre. Na realidade, a carga laboral sofreu aumento. A exigência subjetiva (decorrente de uma exigência objetiva) de produzir cada vez mais tem sua motivação na vivência opressora e constrangedora do tempo. As organizações têm sido vitrines onde seus funcionários são expostos para exibir performances e níveis de excelência que mudam a cada dia de patamar, para fazer frente ao concorrente em uma corrida em que o tempo é o diferencial. Exige-se a adaptação ao mundo do imediatismo. As pessoas estão sendo impelidas a se tornar aceleradas para atender às demandas da economia de uma sociedade que gira cada vez mais apressadamente. Na descrição de algumas características do perfil do trabalhador moderno, podemos identificar referências implícitas ou explícitas ao tempo: dinamismo, agilidade, raciocínio rápido, ritmo e tônus alto (preferência por prazos curtos e pressa em apresentar resultados). O trabalhador que as empresas buscam deve gostar de trabalhos árduos e de grande intensidade, de manter-se permanentemente ocupado. Este perfil vai definindo um tipo, engendrando uma nova subjetividade, novas configurações de relacionamento, agenciadas pela forma como o homem lida com a questão do tempo. A maneira de lidar com esse fator no trabalho será a mesma que se levará para a família, o que explica a criação das famílias self-service, que jamais sentam à mesa juntos, por falta de tempo e de objetivo compartilhado. Esse perfil arrojado traz como conseqüência as patologias da urgência – depressão, doença do pânico, esgotamento e adoecimentos diversos, que vêm contra o tempo desenfreado. O homem está em luta para dominar o tempo, assenhorar-se dele. Torna-se incapaz de distinguir entre o que é urgente e o que é importante, e o mundo do trabalho passa a ser lugar propício ao sofrimento físico e psíquico, tanto nos escalões inferiores quanto superiores. Pesquisa realizada por Tanure, Carvalho e 94 Santos (2007) com uma amostra constituída por 965 executivos de 344 das maiores empresas no Brasil, buscando identificar as possíveis correlações entre o padrão de comportamento e o nível de estresse ocupacional percebido pelos altos executivos, demonstra que também os altos executivos são vítimas da velocidade que imprimem em suas organizações: Nossa pesquisa indica que o comportamento da maioria dos altos executivos das grandes empresas no Brasil é marcado pela pressa, agressividade e competitividade, características marcantes do Tipo A. A pesquisa mostrou claramente, como já dito, que estes executivos se consideram mais estressados tanto na vida profissional quanto na vida privada que seus colegas do Tipo B. Além disso, se consideram mais infelizes na vida privada e mesmo no geral, quando se junta espaço privado e espaço do trabalho. (TANURE; CARVALHO; SANTOS, 2007, p.15). Os pesquisadores concluem que o retrato das grandes empresas brasileiras traz a imagem do executivo que gosta de viver em constante adrenalina, com exigências de desempenho cada vez maiores, que, mesmo gostando do que faz, não é feliz em vários aspectos da vida pessoal e profissional, uma vez que não consegue atingir um equilíbrio entre ambas as atividades. Os sentimentos de prestígio, de autonomia, independência e respeitabilidade, além do desejo de ganhos sempre maiores, fazem-no aumentar cada vez mais a carga de trabalho para si e para os outros. O RH tem sido a área responsável por disseminar essa cultura, através de seus múltiplos papéis – operacional e estratégico, com foco nos processos e nas pessoas. Essa mudança visa a garantir que pessoas sejam tratadas como capital intelectual, parceiras da organização, mas podemos pensar em “novos tempos modernos”, já denunciados por Charles Chaplin: se estudamos o tempo do ponto de vista das práticas de RH, identificamos retrocessos no que tange à qualidade de vida dos trabalhadores. Isso vem gerando as patologias da urgência, que de acordo com Aubert (2003), estão assolando as empresas desde a última década do séc.XX. As novas formas de regulação do trabalho através de “contratos temporários”, “horário flexível”, “trabalho part-time”, “redução de jornada”, “teletrabalho” e outras são práticas que visam agregar valor somente à empresa, pois o trabalhador fica à deriva na medida em que perde a capacidade de mobilização coletiva, tornando-se solitário. O tempo pode então ser visto como categoria de análise que produz uma redefinição de 95 trabalho no novo contexto da contemporaneidade. O mercado global e o uso de tecnologias no processamento de dados e na comunicação (redes, correio eletrônico, internet, intranet, videoconferência, etc.) têm contribuído para eliminar distâncias, mas também busca implicação maior: re-organizar o tempo de trabalho, no ritmo do mercado, da alta velocidade, do tempo real. No mundo contemporâneo, não há longo prazo. A carreira tradicional, a perspectiva do passo-a-passo está acabando. Como afirma Sennett (1999), os empregos foram trocados por projetos e campos de trabalho. Depois da conquista do espaço, é a conquista do tempo que interessa. Verifica-se um atravessamento da racionalidade instrumental, na qual homens e mulheres, além de recursos para as organizações, devem ser também produtos que exigem um plano de marketing estratégico para se vender. Coisas e pessoas são apenas mercadorias e obedecem às leis de mercado e de custo-benefício. Essa realidade, contudo, não pode aparecer de forma explícita e precisa ser camuflada. Criam-se ilusões como a “melhor empresa para se trabalhar”, embaçando a passagem para um capitalismo que exclui e deixa de fora aqueles que não respondem com presteza ao que a cultura da urgência impõe. A administração estratégica de RH está preocupada essencialmente com o negócio, e seu principal papel é o de orientar e treinar gestores sobre a importância de elevar o moral dos funcionários e a forma de fazê-lo. A área de recursos humanos vem ganhando destaque na economia neoliberal, onde pessoas têm sido vistas como recurso valioso e estratégico – capital intelectual, que, ao lado dos ativos intangíveis, resultam em até 90% do valor de uma empresa. Porém, continuam atuando apenas como mecanismo legitimador das estruturas de dominação e domesticação dos trabalhadores e, em última instância, da ideologia oficial. As conseqüências são práticas que levam à produção excessiva de trabalho para um número sempre reduzido de pessoas e em espaço de tempo também cada vez mais escasso. Vê-se assim uma retórica destoante da realidade, em que se preconizam o desenvolvimento das pessoas, novos padrões de trabalho, valorização do capital humano, quando na realidade o que ocorre é a manipulação e a busca do ajustamento dos indivíduos. O suposto empowerment que muitas empresas vêm praticando através 96 da delegação de maior autonomia e participação nas decisões deixa entrever o incremento do poder da empresa sobre o indivíduo, na medida em que lhe tira a clareza de seu papel de cidadão e de questionador dos modelos vigentes. Como “parceiros” e “sócios” do negócio, os indivíduos jamais questionarão qualquer atitude que venha de cima, vivendo-se assim de forma egoística, cada um visando aumentar seus próprios ganhos, deixando de haver um pensar coletivo que leve a mudanças políticas e até mesmo à busca de seus próprios desejos. Sob a égide da urgência, não há possibilidade de reflexão, seja ela do próprio trabalho, seja das relações do e no trabalho. A empresa flexível trabalha com o “flexitempo”, em que a instabilidade é a única certeza: “a matemática do risco não opera garantias, e a psicologia do correr risco se concentra muito razoavelmente no que se pode perder” (SENNETT,1999, p. 97). Correr riscos, vencer dificuldades e superar obstáculos passa a ser a ordem do dia. Ganhar sempre é a tônica das empresas modernas ou hipermodernas, sem espaço para o fracasso, para a perda, que, quando ocorre é sempre pessoal e de inteira responsabilidade do indivíduo. Captar a ambigüidade do tempo como necessária para a vida em sociedade e como possível causador de sofrimento para a mesma é buscar compreendê-lo em seus múltiplos aspectos e dinâmicas. 97 4. RE-VISITANDO A EXPERIÊNCIA Neste capítulo, analisamos o estudo de caso que é objeto desta dissertação na perspectiva psicossociológica. Isso significa desmontar o pressuposto teórico anterior, que visava a conciliar as necessidades dos empregados e demandas da empresa. Significa também admitir o caráter conflitivo das várias instâncias da instituição e abdicar da possibilidade de harmonização em que eu acreditava, preconizando a visão funcionalista e a racionalidade instrumental. Tal perspectiva nos leva a pensar a organização com seus diversos grupos e como se articulam, influenciam e são influenciados pelos atores que os constituem. Pensar psicossociologicamente é entender grupos e pessoas na articulação do psíquico com o social. Assim, compreender o ZTEC na ótica da Psicossociologia possibilita identificar as várias crises acontecidas e seus efeitos sobre os diversos públicos, identificando dificuldades, falhas, armadilhas em que caímos, desconhecimentos. Como já foi dito no capítulo dois, fomos contratados para participar da profissionalização da instituição, fazer as mudanças necessárias e atingir os resultados propostos. Recursos Humanos era considerado um dos pilares do novo momento da empresa. Barus-Michel (2001) afirma que um consultor ou interventor, quando requisitado para favorecer um processo de mudança, deve questionar a demanda: “mudança desejada por quem e para quem? em qual perspectiva? inserida em quais contextos? com quais objetivos? em nome de que? de quais princípios? de que valores? com quais efeitos prováveis? etc.” (BARUS-MICHEL, 2001, p.172). Identificar o cliente e sua demanda, além de nossa implicação, é requisito básico, para se proceder à intervenção. À época, contudo, não seguimos nenhum desses passos, não tínhamos respostas para as perguntas acima e não tínhamos sequer formulado questões. Nosso tipo de mudança seguiu o eixo da eficiência, como veremos a frente. Entramos na organização imaginando saber o que tínhamos que fazer, com muitas certezas, principalmente a de que todos queriam aquela mudança. Trabalhávamos com a lógica da gestão estratégica, que afirma que mudanças devem 98 acontecer para homogeneizar os vários públicos, criando uma mentalidade comum, “quando os funcionários, dentro da organização, e os clientes ou fornecedores, fora dela, esposam pensamentos automáticos similares sobre os processos da organização” (ULRICH, 2001, p.215). Barus-Michel (2001) afirma que o propósito de mudança é evidenciar os conflitos, as contradições, os interesses divergentes, tanto no coletivo, quanto no individual. A autora mostra ainda que a intervenção deve obedecer à escolha do tipo de mudança que pretende, a partir de dois eixos distintos e aparentemente incompatíveis: o eixo que enfatiza o sentido do trabalho e o que visa à eficiência. No primeiro, privilegia-se o indivíduo e sua busca por se expressar, se afirmar com identidade própria, elevar a sua voz no âmbito da organização, garantindo que se torne sujeito social pelo reconhecimento do outro, nas relações, nas trocas, na apropriação do sujeito de seu espaço. “O sentido só se elabora na relação com os outros, na troca e na reciprocidade” (BARUS-MICHEL, 2001, p.174). É a possibilidade de discussão de qual é seu lugar no contexto em que está inserido como ator participante de sua história, atento ao seu inconsciente, preocupado em explicitar seus conflitos internos e os decorrentes das relações, visando à busca de perspectivas emancipatórias. Trata-se de propiciar trocas, relações de cooperação, deixar marcas, sofrer influências e influenciar na construção da sua própria identidade. Nesse espaço, é a busca do reconhecimento, que se coloca: O que chamo de espaço de reconhecimento é, pois, uma noção próxima daquilo que Flahaut denomina “espaço de realização dos sujeitos”, ou seja, um espaço no qual são produzidas e no qual circulam mediações que suportam o simbólico e o imaginário, mediações pelas quais o sujeito se satisfaz ao “alienar-se” em um outro (...). Esse espaço compreende, para Flahaut, na perspectiva discursiva, à trama cotidiana dos pequenos fatos de linguagem, através dos quais cada um de nós tenta justificar o próprio fato de existir. Acrescentemos: justificar-se como alguém de valor, fazendo algo de valor para si mesmo, para o outro, para sua comunidade ou até, se possível, para toda a humanidade. (ARAÚJO, s.d.). O segundo eixo aponta apenas para um lado, que é o da organização e sua necessidade de resultados: é o eixo da eficiência. Nele, não há espaço para o sujeito livre, para a palavra, para o questionamento. Não há tempo para perguntas. A busca é pela excelência, onde tudo é urgente e onde quem dá as cartas é o mercado, com suas 99 exigências de rentabilidade cada vez mais intensas e onde o indivíduo é parte da engrenagem responsável por sua performance, sua capacidade de responder com agilidade e presteza ao mundo da instantaneidade no qual vivemos. Nesse território, a única possibilidade é de ganho. Ganhar sempre e cada vez mais! Esses dois eixos orientarão nossa análise da experiência de RH no ZTEC, na qual se buscará explicitar os “arranjos, os encadeamentos, as equivalências, os sistemas de oposição, os vazios através dos quais uma instituição se significa e engendra a prática” (BARUS-MICHEL, 2004, p.152). 4.1. Eixo da eficiência Como já foi dito, quando chegamos na instituição, não levamos em consideração a ocorrência de conflitos, crises e as conseqüências das mudanças que estávamos ali para facilitar. Também não tínhamos dimensão do quanto as mudanças mexeriam profundamente com as pessoas da organização, em todos os níveis hierárquicos (conselheiros, médicos, executivos e funcionários). Não havia uma procura pelo significado ou pela interpretação das diversas relações que ocorriam na empresa. Na verdade, o que queríamos era criar uma empresa que fosse referência na área de saúde na capital mineira. Estávamos preocupados com performance, embora o discurso fosse a “satisfação do cliente” interno e externo. Atuávamos sob o paradigma da gestão, definido por Bouilloud e Lécuyer (apud GAULEJAC, 2007, p.64) como “conjunto de técnicas destinadas a pesquisar a organização da melhor utilização dos recursos financeiros, materiais e humanos, para garantir a perenidade da empresa”. Mas Gaulejac propõe que pensemos a gestão não como conjunto de técnicas racionais, mas como sistema ideológico. A gestão atua no imaginário das pessoas, criando ilusões e dissimulando um sistema de dominação que considera o indivíduo como recurso necessário ao funcionamento da empresa. 100 4.1.1. Profissionalização ou poder gerencialista Como vimos no capítulo II, o ZTEC estava em busca de modernização, de profissionalização, para se fazer competitivo. Buscando atender essa demanda, foi contratado um gestor que se enquadra no modelo gerencialista (GAULEJAC, 2007). Esse modelo suscita o tipo de personalidade narcísica, agressiva, pragmática, centrado na ação, pouco reflexivo e pronto para ter sucesso a todo custo. O então CEO tinha uma relação de dependência com o trabalho: um workaholic, com dificuldade para se descontrair, necessidade incoercitível de atividade, dor de cabeça dos fins de semana, angústia das férias (durante os mais de quatro anos que lá esteve, nunca saiu de férias) e dose acentuada de paranóia. Pesquisa realiza por Tanure, Carvalho Neto e Santos (2007) com o objetivo de identificar as correlações entre o nível de estresse percebido pelos altos executivos das grandes empresas no Brasil e seu padrão de comportamento mostra o conceito de Tipo Comportamental (Tipo A ou Tipo B) de Friedman e Rosenman. Os autores definem o Tipo A como “um complexo de ação-emoção observado em indivíduos que se mostram agressivamente envolvidos em uma luta crônica e incessante de conseguir cada vez mais, em tempo cada vez menor”. Este é exatamente o perfil do gestor responsável pela profissionalização no ZTEC, características que tinham impacto grande na vida de todas as pessoas da instituição. Seu “jeito de ser” logo ficou conhecido na empresa e era motivo ora de admiração, ora de medo, tendo em vista seus rompantes. Suscitava amor e ódio nas pessoas que com ele convivia. O modelo gestionário por ele implantado teve exatamente os aspectos positivos e nefastos observados por Gaulejac (2007). Os aspectos positivos foram: maior rentabilidade financeira decorrente da eficácia dos controles, do investimento em tecnologia e negociações com fornecedores e ampliação de negociações até mesmo com concorrentes, gerando ganhos de escala; a criação de novos produtos e serviços, além da melhoria dos existentes; o aumento de receita e melhoria na percepção do cliente. No que se refere à gestão de pessoas e organização do trabalho, através das ações do DRH, o novo modelo remetia a “um progresso em relação ao modelo hierárquico e disciplinar (...) favorece a autonomia, a 101 iniciativa, a eficiência, a responsabilidade, a comunicação e a mobilidade”. (GAULEJAC, 2007, p.191). Esse aspecto realmente ocorreu no ZTEC, através de ações de investimento nas pessoas: qualificação profissional, treinamentos técnicos e comportamentais, melhoria das relações interpessoais, desenvolvimento gerencial, propiciando relações mais humanizadas, maior autonomia no trabalho e participação nas decisões afetas ao seu cotidiano. Porém, do lado dos empregados, o modelo teve conseqüências contraditórias: se, por um lado, promoveu a melhoria para uns, com aumentos salariais, reconhecimento e outros ganhos, também propiciou “a degradação e exclusão para outros, devido a falta de adaptabilidade aos novos modos de funcionamento, a falta de habilidade para novas tarefas agregadas a sua função” (GAULEJAC, 2007, p.192). A pressa constante, a aceleração, a lógica do “mais com menos” geram o ciclo infernal da melhoria contínua. No ZTEC, não foi diferente. A pressão era constante para a redução de custos, o que levava à redução do quadro de pessoal e à substituição de efetivos por estagiários, o que gerava mais trabalho para supervisão e técnicos, uma vez que os estagiários não tinham (e não deviam ter) a mesma desenvoltura de um profissional. Ninguém podia adoecer ou faltar, pois isso gerava um transtorno total. No tocante ao quadro de líderes, o modelo de gestão implantado tinha como objetivo produzir gestores empreendedores, capazes de gerir unidades de negócio como sendo sua: “você vai comandar sua unidade como se fosse o dono da ‘padaria’... é o olho do dono que engorda o negócio” eram falas recorrentes do CEO. O perfil empreendedor que era solicitado dos gerentes e gestores estava diretamente ligado ao paradigma de negócio. Cada setor ou área deveria ser vista como um negócio rentável e, para isso, a figura do manager era decisiva, conforme afirma Gaulejac (2007): Na nova ordem mundial, dominada pelos valores de empreendimento, tudo é business (...) o manager emerge como figura ideal do homem que empreende, capaz de assumir riscos, decidir, resolver problemas complexos, suportar o estresse, desenvolver sua inteligência cognitiva e também emocional, por todas as suas qualidades a serviço da rentabilidade. (GAULEJAC, 2007, p.179). Diante desse apelo, os gerentes sentiam-se desafiados e estimulados a atender a demanda de se superar a cada dia. Na nova configuração da empresa em Unidades 102 de Negócio, cada gestor tinha um desafio, metas a serem cumpridas. A competitividade entre eles, era inevitável, até porque o próprio CEO estimulava a competição, exaltando uns em detrimento de outros. Não era levada em consideração a peculiaridade de cada unidade, pois somente o resultado importava e isso, para muitos, era frustrante. Muitas vezes, a unidade não cumpria suas metas devido a questões estruturais, falta de recursos, problemas que não estavam em seu nível de competência, e ao gestor era cobrado resultado independente das condições para isso. A falta de resultados era tida como falta de comprometimento, como se fosse uma escolha. Os alvos propostos pela empresa deveriam ser abraçados por todos, principalmente gestores, que tinham a tarefa de convencer seus liderados a atender ao ideal da empresa – “empresa como objeto (no sentido psicanalítico) de investimento comum. O sucesso da empresa depende do comprometimento de todos” (GAULEJAC, 2007, p.85). Na empresa do tipo gestionário, as relações de poder tendem a ficar camufladas por princípios interiorizados. O poder do CEO, entretanto, era reconhecido por todos os membros da instituição. Era ele quem estabelecia todas as regras do jogo, suas ordens e proibições eram explícitas, mas vinham embrulhadas em papel de presente, como forma de seduzir, fazendo perpetuar a lógica da organização. Os instrumentos de gestão não são contestados por não serem confiáveis, mas porque parecem colocar transparência onde reina o arbitrário, objetividade onde reina a contradição, segurança em um mundo instável e ameaçador. A existência de regras é fator tranqüilizador. (GAULEJAC, 2007, p.101). Gaulejac afirma que a empresa gerencial é um sistema sociopsíquico de dominação. Pudemos constatar claramente essa assertiva no caso ZTEC. A grande maioria dos gerentes e gestores era totalmente rendida ao trabalho. Trabalhava-se ali no mínimo dez horas por dia, às vezes doze ou quatorze, em total adesão, com bom humor e agradecendo a possibilidade de viver aquela experiência: Sinto-me privilegiada de poder fazer parte dessa equipe que está construindo a história dessa instituição.. O que eu aprendo aqui não tem preço. Vocês ensinam demais a gente.. Pode me corrigir, eu quero melhorar... sei que não estou pronta, mas vou chegar lá... quero crescer com a empresa, conta comigo sempre. (falas de 103 15 gerentes, 2002; 2003; 2004) . Diante dessas falas, percebe-se um consentimento pleno para ser manipulado, outorga que a empresa usava, sem dúvida nenhuma. “Na empresa gerencial, o desejo é exaltado por um Ideal do Ego, exigente e gratificante. Ela se torna o lugar da realização de si mesmo” (GAULEJAC, 2007, p.109). Uma nova cultura organizacional estava sendo gestada, e com ela a organização estava sendo dividida: por um lado, a cultura gestionária representada pelos gerentes e gestores de unidade, e por outro lado, o corpo clínico que não aceitava essa cultura e, portanto, não aderia, não participava. 4.1.2. Cultura organizacional no modelo gestionário No capítulo II, vimos que não conseguimos identificar e trabalhar a cultura da instituição no que se refere a pressupostos básicos, sua cultura profunda, cultura hospitalar, poder dos médicos. Embora estivesse em nosso escopo de trabalho a gestão da mudança de cultura, realizamos a mesma de forma superficial e até inocente: pensávamos que estávamos provocando grandes mudanças, atingindo todos os atores, quando na verdade atuávamos apenas em mudanças de processos, aparentes e temporárias, que foram abraçadas apenas pelo grupo de gerentes. Logo que saímos, tudo voltou ao estado anterior, permanecendo a cultura hospitalar. A cultura hospitalar é bastante forte e a tentativa de mudá-la sem considerar os diferentes fatores internos e externos, os contextos político, cultural e social (CHANLAT, 1997) está fadada ao insucesso. Tentamos redirecionar os serviços hospitalares, promover mudanças no enfoque do paciente (paciente-cliente) e enfatizar a “empresa” hospitalar. Buscou-se transformar a cultura hospitalar em cultura organizacional, nos moldes do que vem ocorrendo em várias instituições no Brasil e em Minas Gerais. Faltou, porém, sensibilidade em relação à natureza do serviço médico. Buscávamos inaugurar um novo modelo de gestão, mas não entendemos à época que “o método de administração é uma construção social. (...) Ele pode ser modificado se os atores assim 15 Análise de documentos. 104 desejarem. Certamente não se pode transformar tudo de uma só vez sem algum embaraço” (CHANLAT, 1997, p.125). Desconsideramos a cultura e atropelamos pessoas e processos, como nos relato do caso do uso crachá, citado no capítulo II. Atitudes desse tipo foram decisivas para grandes embates na organização, e foram determinantes para instalar a doença do gerenciamento conforme, devido à falta de coerência entre a gestão prescrita (participativa) e a gestão real (tecnocrática). (MINTZBERG apud CHANLAT, 1997, p.126) As entrevistas que fizemos com os diversos atores da instituição eram material de pesquisa muito rico, que não soubemos trabalhar. Ao contrário do que cabe a uma verdadeira intervenção, sequer o utilizamos para lidar com conflitos de interesses, conhecer a cultura, minimizar os impactos das mudanças implantadas, para não agredir ou ameaçar pessoas ou grupos, como de fato ocorreu. O grupo de chefias, quando chegamos na instituição, era fraco do ponto de vista da moderna gestão. Faltava-lhes conhecimento técnico e habilidade para gerir pessoas, processos, com vistas a atingir resultados. Não havia união entre eles, e cada um buscava se impor, denegrindo o outro. Alguns se sentiam acuados e temerosos por seu futuro na instituição, face às mudanças que estavam ocorrendo. Buscavam aliados junto aos médicos, à diretoria, ao conselho de administração; os conchavos eram vários. Sentiam-se em risco constante, em um alto nível de ansiedade. A maioria estava na instituição há muito tempo, mas a nova cultura se impunha sob o ditame da urgência e abalou as relações do grupo, relações de confiança, compromisso e lealdade construída ao longo do tempo: “nós já fomos um grupo coeso, hoje é cada um por si, salve-se quem puder...” (gestor do ZTEC, 2002). Pouco fizemos para amenizar essa angústia (o que fazíamos era ouvir as pessoas que nos procuravam e tranqüilizá-las, na medida do possível), porque não tínhamos autonomia para garantir segurança ou informações sobre o que iria acontecer. O RH estratégico, que participa de todas as decisões, era uma falácia. Muitas vezes, sabíamos dos acontecimentos ao mesmo tempo em que as demais pessoas da organização. Com essa autonomia “relativa” (o discurso era de um RH poderoso, autônomo em suas decisões), pouco podíamos fazer para minimizar a dor das pessoas, que estavam à deriva (SENNETT, 1999), esperando o que fariam com suas vidas. Sabíamos de algumas alianças que eram feitas, mas 105 achávamos que não devíamos intervir (na verdade, não sabíamos como o fazer), não tínhamos nada melhor para oferecer e imaginávamos que essas alianças não seriam fortes o suficiente para abalar nosso projeto de mudança. Desconhecemos o poder das interações e a força de uma cultura como o corporativismo médico. O corpo clínico em sua maioria não aceitava a profissionalização sendo implantada no hospital. Sentia-se extremamente incomodado, não queriam prestar contas de seus atos a quem quer que fosse. O médico tem uma postura de poder muito grande, sentem-se donos da vida das pessoas, principalmente, os cirurgiões, que efetivamente mudam a vida das pessoas, sentem-se deuses mesmo, e não aceitam interpelações. (médico do ZTEC, 2009). A relação dos médicos com o hospital era de cliente-fornecedor, na qual os médicos eram clientes do hospital, mas tratados como clientes incômodos e que traziam mais problemas que resultado. Essa era a visão da administração, razão dos conflitos constantes e insolúveis. A grande maioria de médicos já estava na instituição há vários anos e tinha notório reconhecimento interno e externo, o que lhes autorizava a agir conforme lhes aprouvesse. Identificamos assim algumas relações de poder (BARUS-MICHEL, 2004): os médicos imbuídos do poder de perícia, a administração ligada ao instituído e decorrente da hierarquia. Havia ainda os que manejavam as transferências e o discurso, como a secretaria de diretoria, as freiras, o padre, os apadrinhados. Esses últimos, através de suas funções veladas e encobertas pela própria natureza das atividades, passavam conhecimentos, informações, que ninguém na instituição detinha. Era a munição necessária para ataque e defesa, que variavam o alvo. É interessante observar como essas pessoas se perpetuam na instituição, sobrevivendo a toda e qualquer mudança, perfeitamente “adaptáveis”. Era o poder engendrando poderes. No jogo do poder há mudanças de acordo com os interesses, os jogos políticos, a rivalidade entre os setores...a diretoria sabia da rivalidade entre médicos e nada fazia para mudar essa situação. (médico do ZTEC, 2008). Embora soubéssemos das várias “facções” existentes na empresa, não lhes demos a devida atenção e nem possibilitamos os debates para explicitação de conflitos 106 e divergências. Também não entendíamos que havia vários “clientes” na instituição. Em nossa visão limitada, tínhamos no máximo dois: a direção e os empregados. 4.1.3. O DRH a serviço da “excelência” O DRH nasceu sob a égide da gestão e foi estruturado em três pilares: colocação de pessoas, treinamento e desenvolvimento e gestão da remuneração. Veremos a seguir como cada um deles estava comprometido com os valores da gestão, e realmente privilegiando a instituição em detrimento dos funcionários. Muitas vezes até o próprio cliente, que era a razão de ser de todo o processo de mudança e profissionalização, era desconsiderado. “O trabalhador é considerado enquanto rentável, e o cliente é rei se for solvível” (GAULEJAC, 2007, p.50). No pilar “colocação de pessoas”, buscávamos pessoas “adequadamente qualificadas”, com o perfil profissional que Gaulejac descreve como sendo: “batalhadores, ganhadores que têm gosto pelo desempenho e pelo sucesso, prontos para se devotar de corpo e alma. Devem gostar ainda do que seja complexo e tenha capacidade de viver em um mundo paradoxal e contraditório” (GAULEJAC, 2007, p.116). Buscávamos para todos os níveis da organização pessoas com capacidade para mudar, prontas a começar de novo, com capacidade de desprender-se do passado, com forte tolerância e confiança com a fragmentação. O ambiente em que vivíamos era esse, um mudar constante. Certa vez, uma pessoa da minha equipe, analista de RH, disse: ”eu não agüento mais, cada vez que você tem reunião com o CEO vem uma novidade, e temos que começar tudo de novo, nada termina, é um eterno recomeço que não sei onde chegaremos assim.”16. Esse era o perfil que buscávamos, pois acreditávamos que ele garantiria o sucesso da empresa e do indivíduo, mas não víamos que estávamos contribuindo para o desenvolvimento de um grupo com alto grau de dependência psíquica e idealização da empresa. Vários profissionais (de saúde, nível médio e superior) nos procuravam pedindo uma oportunidade para trabalhar no ZTEC: “trabalhando aqui, estaria 16 Notas pessoais. 107 realizado” era fala recorrentes de candidatos. Os profissionais da instituição que se enquadraram nessa descrição estavam altamente motivados e usaram a oportunidade para crescer e se firmar. Assumiram a postura proposta e se entregavam de corpo e alma. A realização profissional faz crescer a auto-estima. A identidade profissional, integrando a identidade pessoal, passou a ser a equação neste tipo de sistema de gestão: “nunca pensei em chegar onde estou, muito menos ascender a cargos mais elevados, eu sou a melhor de minha família... estou muito feliz” (gestora do ZTEC, quando promovida)17. Outra gestora me abraçava muito e dizia que era feliz por poder participar do momento de modernização do ZTEC, pois sempre esperou por ele (já estava na empresa há mais de 10 anos). Por outro lado, a definição desse perfil não foi boa para todos e teve como conseqüência a exclusão de várias pessoas da empresa, tanto no nível gerencial quanto no operacional. Um chefe, logo no início das mudanças, demitiu-se, dizendo que não tinha o novo perfil que o ZTEC estava definindo e não queria sequer tentar: “isso não é para mim”. Seu pedido de demissão ocorreu logo após uma reunião com o CEO, em que este expôs o que esperava de cada gestor e como seriam as novas formas de atuação e cobrança de resultados. Outros foram demitidos por não apresentar as características performáticas que o momento exigia. Agilidade e rapidez nas respostas era o quesito mais cobrado, em todos os níveis. Tinha-se urgência em tudo que era feito. Uma analista de RH foi demitida por mim: embora tivesse um trabalho de boa qualidade, não tinha o ritmo do hospital naquele momento, acumulando reclamações dos gestores, que diziam que ela era lenta e não conseguia repor as vagas com a rapidez necessária. A pressão foi grande e a demissão dela foi pedida pelo CEO. A sensação de fracasso era inevitável, embora tentássemos sempre mostrar, sem sucesso, que a questão não era pessoal, mas funcional. Um dos ex-diretores disse-me que o ZTEC anteriormente vivia na cultura do serviço público: A instituição não queria a gestão, o controle, porque vivia na cultura do funcionário publico, na qual os ganhos são fixos e trabalha-se menos. Agora na cultura da participação em resultados, significa ter mais trabalho e mais envolvimento. Esse discurso é ideológico, e produtor de grande estresse para a maioria dos trabalhadores. (ex-diretor do ZTEC). 17 Notas pessoais. 108 O treinamento de integração era o passo seguinte para o processo seletivo. Visava a integrar todos os empregados recém-admitidos à fundação, através do “Programa Boas-Vindas”, com vídeos, palestras, visita às dependências do ZTEC e repasse de dados e informações. O objetivo era que o novo empregado fosse inserido na cultura da organização. Esses ritos de doutrinação eram o primeiro passo para instituir a adesão à missão, filosofia e projetos da empresa no novo empregado. Criamos um evento de sedução para que o recém-admitido se sentisse atraído pela empresa, estabelecendo vínculos de identificação. Dizíamos abertamente que se ele se entregasse de corpo e alma à empresa, a organização saberia reconhecê-lo e recompensá-lo, através de crescimento na carreira, investimento em treinamento e desenvolvimento, ou seja, acenávamos para eles com a possibilidade de realizar um “projeto e receber os aplausos e as gratificações indispensáveis aos seus anseios narcísicos” (FREITAS, 2002, p.76). Mas a maior ênfase recaía sobre as vantagens de se estar sob a bandeira de uma grande empresa, organização de notório reconhecimento. Ao final, as pessoas deviam se sentir agradecidas e orgulhosas por terem sido aceitas em uma instituição tão séria e grandiosa. O segundo pilar de nossa atuação era Desenvolvimento de Pessoas. A própria definição das políticas e diretrizes já explicitava o objetivo de qualificar o corpo técnico da empresa, garantindo aumento de produtividade. Nesse sentido, era declarada a intenção das ações de treinamento e desenvolvimento. Embora T&D seja importante para o progresso da empresa, ele efetivamente traz um ganho para o trabalhador, que se qualifica para melhores posições tanto na empresa quanto no mercado de trabalho. No caso especifico do ZTEC, tivemos a chance de qualificar pessoas com escolarização em nível de ensino fundamental e médio, através dos telecursos implantados dentro da empresa. Também foram beneficiados os funcionários que obtiveram ajuda18 para custear estudos em nível técnico, de graduação, pós-graduação e mestrado/doutorado. Em troca desse beneficio, o empregado assinava um termo no qual se comprometia a permanecer na empresa por pelo menos dois anos após o fim do curso, ou teria que ressarcir os valores pagos por ela. Esse “acordo”, além de 18 O percentual do beneficio era de 100% para o nível técnico e variava de 50% a 70% do valor das mensalidades para os cursos de graduação e pós-graduação. Para os casos de mestrado ou doutorado, a empresa liberava o empregado do trabalho para as aulas e custeava viagens quando necessário. 109 colocar o empregado “refém” por determinado período, criava um sentimento de eterna gratidão do empregado, que em muitos casos se transformava em subserviência, como vemos nos relatos de pessoas que tiveram estudos custeados pela fundação: Eu sou eternamente grata pelo que vocês estão fazendo por mim, eu sozinha não conseguiria. Saiba que podem contar comigo para qualquer coisa. A gente tem que agradecer muito, porque essa oportunidade de crescer, estudar, poucas empresas dão. Eu valorizo muito esse benefício, e vou procurar retribuir da melhor forma. Podemos inferir, através desses relatos, que os empregados se sentiam em dívida para com a empresa, sendo presa fácil para servir aos interesses da organização. A maioria dos gerentes da fundação e do ZTEC teve seus cursos de pósgraduação pagos dessa forma. Esse benefício gerava uma cobrança maior por resultados e pressão de tempo por parte da diretoria: “estamos investindo em vocês, e esperamos que tragam algo novo para a instituição, que agreguem valor” (CEO do ZTEC, 2004). Outra etapa do pilar T&D era o Desenvolvimento Gerencial. Nesse programa, o objetivo precípuo era desenvolver nos gestores habilidades para gerir pessoas, processos e resultados. Queríamos criar a mentalidade do “gestionários”, que Gaulejac tão bem descreve como sendo a (...) arte de governar homens e coisas: - fazer a arrumação e dirigir, ordenar e arranjar. (...) Conjunto disparatado de tecnologias, de regulamentos, de procedimentos, de arranjos e de discursos que emergem em dado momento histórico. (GAULEJAC, 2007, p.107). A idéia era formar um corpo gerencial com conhecimento em gestão de pessoas, financeiro e negócios. Os gerentes deveriam ter ainda habilidades em planejamento, trabalho em equipe, administração de conflitos, visão estratégica e outras, sempre voltadas para resultado. A proposta do CEO era preparar líderes, conceito que estava associado à capacidade de influenciar pessoas, levando-as a sonhar o sonho da organização. Trabalhava-se com a idéia que um líder tem seguidores fiéis até a morte. Investimento em profissionalização gerencial estava no mesmo patamar de 110 aquisição de novas tecnologias, equipamentos médicos, melhoria do atendimento, etc. Essas ações eram atreladas à prática da inovação organizacional e de novos serviços, novos negócios, para agregar valor aos serviços prestados ao cliente. Entendemos hoje que desenvolver um “poder gerencialista” era o objetivo final, com os treinamentos gerenciais nos quais “(...) busca-se transformar a energia libidinal em força de trabalho. Mobilização psíquica a serviço da empresa. A repressão é substituída pela sedução, a imposição pela adesão, a obediência pelo reconhecimento” (GAULEJAC, 2007, p.109). O último componente do pilar T&D que trabalhávamos era o desenvolvimento pessoal. Nele, estavam inclusas práticas de ginástica laboral, palestras, filmes, livros. O nosso objetivo era melhorar a qualidade de vida dos empregados, mas tais atividades também tinham veio ideológico forte, que não identificávamos a época. Sabíamos que estávamos criando, moldando uma cultura, mas não tínhamos a dimensão da profundidade com que estávamos atingindo as pessoas, modelando comportamentos para gerar uma identificação total com a empresa como locus de orgulho e confiança. Os filmes e livros que introduzíamos sempre estavam ligados a algum tema que gostaríamos de desenvolver nas pessoas, como trabalho em equipe, foco no cliente, iniciativa, busca de melhores resultados, relacionamento interpessoal e outros. A discussão de um filme ou livro sempre era dirigida com cunho pró-empresa, levando as pessoas a raciocinarem num tipo de pensamento que era “fundado sobre um objetivo de transformação da energia psíquica em força de trabalho” (GAULEJAC, 2007, p.108). Nosso discurso incitava à busca da implicação subjetiva e afetiva dos empregados. O terceiro pilar proposto pelo DRH foi Gestão da Remuneração, que tinha como objetivo estabelecer a implantação da remuneração baseada em resultados. Para isso, reduzimos o número de cargos, extinguimos algumas funções, aglutinamos outras, sempre com o objetivo de permitir maior flexibilidade para a empresa gerir seus recursos humanos. Muitos cargos consagrados, como eletricista, marceneiros e mecânicos foram extintos, e suas funções foram aglutinadas em cargos genéricos, como “oficial de manutenção”, o que tirou a identidade de seus ocupantes, como se verifica nas falas de empregados quando da mudança de seus cargos, em 2003: “eu fui eletricista a minha vida toda, e agora ? o que é que eu sou ?”; “se eu sair daqui, como vou provar que sou marceneiro? na minha carteira não vai ter mais” (trabalhadores do 111 ZTEC, 2003). Apesar das reclamações, tentávamos explicar os motivos da mudança dizendo da necessidade de ser ágil, que estávamos propiciando um ganho para as pessoas, favorecendo o desenvolvimento dos ocupantes, dando-lhes oportunidade de agregarem outras atividades a seus cargos, enriquecendo suas funções, aumentando-lhes as responsabilidades e até ganhos reais de salários (promessa nunca cumprida). Mais uma vez, privilegiamos a gestão em detrimento dos empregados, desconsiderando a identidade funcional das pessoas. Achando que estávamos sendo democráticos, agindo de forma participativa, pois nesse projeto trabalhamos com os gerentes e um grupo de representantes dos empregados. Fomos, porém, arrogantes e pretensiosos, tirando do empregado o que realmente lhe pertencia, sua profissão. E não foi coincidência que, justamente na área de manutenção, concentraram-se os maiores problemas de adaptação à nova cultura, com fortes resistências às mudanças que exigiam cada vez mais dos empregados. A tensão chegou ao limite, gerando briga séria entre os empregados, na qual um feriu o outro com uma faca, devido à rivalidade entre os colegas, pois um dizia que o outro era “puxa saco do patrão...”. Agora, com certa distância dos acontecimentos, não é difícil perceber que a racionalização das tarefas que impusemos, a obrigação de aprendizagem de novas funções e a pressão por tempo provocaram perda de identidade nos profissionais que tinham um saber desconsiderado pela nova ordem, pelo novo modelo de gestão. As conseqüências eram visíveis: nível de stress profissional aumentado, relações degradadas, embora não piores do que antes de chegarmos. Porém, não entendíamos o nexo causal entre as nossas racionalidades e os comportamentos desadaptados dos empregados. Chegamos à instituição para mudar a imagem do RH de “recursos des-humanos” para uma atuação que levasse em conta as pessoas, mas cometemos erros crassos para quem tinha essa pretensão. 4.2. O eixo do sentido Embora o projeto do DRH tenha sido planejado para privilegiar as pessoas da organização, sabemos hoje que atuamos no eixo da eficiência, privilegiando a gestão, 112 atendendo à demanda da administração. Por outro lado, também adotamos algumas práticas diferenciadas, que possibilitavam a escuta dos empregados, procurando darlhes melhores condições de trabalho e melhoria da qualidade de vida. Trata-se do acompanhamento psicofuncional, descrito no capítulo II. Entendemos que esse tipo de prática, além de inovadora no escopo das atividades de RH, traz um conceito, uma ideologia subjacente, na qual pessoas não são recursos, mas sujeitos. Considerar o outro sujeito é considerar o indivíduo ou grupo como interlocutor e reconhecer neles a capacidade de compreender as próprias dificuldades, bem como a capacidade de elaborar significações que lhes permitam um certo distanciamento, uma nova forma de mobilização que tenha efeito sobre eles mesmos e sobre a situação. (DESPRAIRIES, 2001, p.231). Quando escutávamos as pessoas individualmente, estávamos buscando os sujeitos, dizendo-lhes que eram importantes e que queríamos ouvir o que tinham a dizer. Barus-Michel explicita bem o que é ser sujeito reconhecido: “para ser sujeito, é preciso ser reconhecido em sua semelhança, em sua diferença, sua palavra, seu lugar. O sentido só se elabora na relação com os outros, na troca e na reciprocidade” (BARUS-MICHEL, 2001, p.174). Nossa escuta aproximava-se de uma intervenção psicossociológica (IP), na medida em que não tínhamos nada definido a priori. As psicólogas estavam ali para escutar, como facilitadoras para fazer emergir os conflitos do grupo. Araújo (2007) esclarece bem a diferença entre a atuação de orientação psicossociológica e orientação positivista. Esta segunda compreende ações: (...) autoritárias e, em geral, simplificadoras, típicas de modos de gestão baseadas na eficácia, na eficiência, na equivocada qualidade total. (....) remete a uma prática de expertise diretiva...propostas prontas, conselhos, receitas. (ARAÚJO, 2007, p.407). Nossa escuta, no entanto, não possibilitava a ligação entre o mal-estar das pessoas e a dinâmica da organização. Não tínhamos recursos teóricos para efetuar essas conexões e oferecer uma real intervenção, que gerasse relações mais amigáveis, de cooperação entre os vários atores implicados. Quando instituímos os grupos do CTI e CC, queríamos ouvi-los com a pretensão de minimizar ou extinguir os conflitos entre os vários coletivos que ali existiam (médicos, técnicos, enfermeiros, administrativos e 113 estagiários). Em primeiro lugar, nossa “intervenção” não atingia todos os representantes do grupo (os médicos nunca participaram de nenhum tipo de trabalho realizado pelo RH). Outra questão é que a demanda era analisada do ponto de vista funcional, conforme definido nas premissas do projeto (vide capítulo I), aspecto que definiu também nossos limites de ação. Fornecer uma linguagem não basta, pois isso pode se limitar a tornar comunicável de modo soft aquilo que não faz sentido para ninguém. Necessário seria quebrar ou derreter a crosta do pensar ordinário, para encontrar o fluxo pulsional e guiá-lo para novos imaginários. (BARUS-MICHEL, 2004, p.184). Entendemos agora, com Max Pagés (1987), que as empresas modernas e hipermodernas, através de suas políticas de pessoal, comercial, financeira, buscam antecipar os conflitos: “elas visam reger a conduta dos trabalhadores, dos clientes e de todos os grupos sociais com os quais a empresa tem ralações, de maneira a evitar que estes se agrupem e entrem em conflito com as finalidades da organização” (PAGÈS, 1987, p.34). Em ultima instância, o que se buscava com esses grupos era a possibilidade de uma catarse de seus membros, a possibilidade de falar da angústia, dos medos, da dificuldade de lidar com a dor própria e do outro (pacientes e colegas de trabalho). 4.2.1. O paradoxo da eficiência e do sentido Enquanto profissionais de RH, tínhamos o ideal de possibilitar aos trabalhadores relações de trabalho mais prazerosas, melhores condições para execução das atividades e relações entre chefia e empregado menos autoritária, mais respeitosas. Queríamos dar voz aos sujeitos na instituição, fazer surgir conflitos para tratá-los, mas tínhamos limitações de falta de respaldo teórico e, principalmente, a orientação da gestão voltada para o eixo da eficiência. As práticas que desenvolvíamos para além dessa orientação eram camufladas sob a bandeira da eficiência. O “para que” dos nossos projetos e programas visava sempre garantir melhores resultados para a instituição. Tínhamos liberdade de trabalhar no “como”, e era essa a brecha que usávamos para buscar o sentido do trabalho para as pessoas, para que as mesmas se 114 sentissem cuidadas, ouvidas em suas necessidades, para que a instituição fosse um lugar de construção de um projeto de vida. Agindo assim estávamos atuando enquanto “mães” zelosas, longe de propiciar o desenvolvimento de seres autônomos e livres para pensar. Quando criamos o programa de “desenvolvimento de equipe”, ele propiciou a experiência do “nós” em várias equipes da organização. Pessoas que não conversavam umas com as outras, chefes que sequer cumprimentavam seus subordinados, indivíduos que não sabiam para que trabalhavam, qual era o resultado de seu trabalho. Lembro-me de uma auxiliar da Central de Material Esterilizado, que trabalhava com esterilização de roupas e equipamentos que, quando soube que o índice de infecção hospitalar do ZTEC era próximo de zero devido ao bom trabalho de seu setor, chorou de felicidade: “e sou eu que faço isso acontecer, é o meu trabalho que dá isso”. As pessoas descobriam os objetivos de seu trabalho, as interrelações entre as várias funções e os setores e a necessidade de ajuda recíproca. Descobriam a possibilidade de cooperação real e passavam a interagir de forma a facilitar o trabalho uns dos outros. Estabeleceram também relações de confiança entre os membros do grupo e da chefia para com o grupo. Em alguns setores, esta delegou ao grupo a montagem das escalas de trabalho, de férias, de forma a atender as necessidades das pessoas (escola, filhos etc.). Baremblitt nos mostra que: devido ao processo que se chama de “divisão técnica e social do trabalho”, cada coletivo de uma organização está alienado no não-saber, no não conhecer quais são as condições reais em que está trabalhando. É vitima de um desconhecimento devido à desinformação e à estrutura e funções mesmas de instituições e organizações (BAREMBLITT, 1992, p.80). Através desse programa, as pessoas apropriavam-se do processo de seu trabalho, discutindo sobre a melhor forma de atuar, gerando mudanças significativas no dia-a-dia dos trabalhadores do ZTEC. Uma mudança substancial ocorreu no trabalho das pessoas da farmácia hospitalar e sua interface com os setores de enfermagem. Esse processo era gerador de grande estresse para ambos os setores e foi totalmente remodelado pelas pessoas que executavam as funções – do mensageiro aos gestores. O ganho foi enorme para os envolvidos, e o programa serviu como: 115 (...) dispositivo no qual os coletivos possam analisar cada um dos fenômenos de mal-estar, de conflito, de impotência, de disfunção que aparece devido a toda esta divisão injusta e perversa do trabalho. (BAREMBLITT, 1992, p.81). Conseguimos, em alguns casos, mudar atribuições de áreas e cargos, para possibilitar uma melhoria nos processos de trabalho, a partir da efetiva participação das pessoas envolvidas nos mesmos. Essas práticas não chegaram a ser institucionalizadas, ficando restritas a alguns setores, mas era nossa intenção estendelas para toda a instituição. Lançávamos esses programas com chefias mais sensíveis a pessoas e, quando havia resultados positivos, divulgávamos como “cases de sucesso”, buscando a adesão dos demais gerentes: “não quero ficar de fora, vamos fazer aqui também“. Com essa estratégia, implantamos práticas que, para os funcionários, foram um diferencial. Usávamos a lógica do sistema, a competição entre os setores para implantarmos crenças e valores. Quando incentivamos as pessoas a estudarem, a se qualificarem, estávamos promovendo seu desenvolvimento dentro e para fora da instituição. O saber que adquiriram está com elas. Muitas, hoje, já estão fora da instituição, em condições de trabalho melhores devido à qualificação que receberam à época. Sabemos que a motivação para esse benefício era dar a noção de empresa “cidadã” para os públicos interno e externo, mas também produzir benefício real para os funcionários. As práticas adotadas pelo DRH no ZTEC podem ser inseridas, em sua maior parte, no eixo da eficiência, e outras poucas, porém significativas, no eixo do sentido. Vivemos, assim, minimamente que seja, o paradoxo entre os dois eixos. Nosso desejo era que ocorressem mais práticas que produzissem sentido para os atores da instituição. As empresas modernas, e o ZTEC pode ser caracterizado como uma delas, buscam habitar o imaginário de seus empregados, fazendo deles amantes ardorosos totalmente rendidos à grande mãe, como observa Pagès (1987). A relação transferencial da empresa com os indivíduos é de tal monta que “cria um ambiente que sugere a possibilidade de resgatar e resolver dilemas e conflitos adormecidos no psiquismo humano” (MOTTA, 2002, p.70). Sendo ainda o ZTEC uma instituição de saúde, sugere-se que seja o lugar onde se busque tratar todo tipo de sofrimento. A grande maioria do corpo funcional (auxiliares e técnicos de enfermagem, 116 correspondendo a mais de 50% do total de empregados) era formada por mulheres oriundas da classe D e E, mães solteiras e responsáveis pela família. Essa configuração clamava por uma empresa que funcionasse como o ideal do eu e que tratasse de problemas pessoais. O ZTEC atendia a esse anseio, pois tem “nome e sobrenome”, com uma história de meio século de credibilidade e confiabilidade em seus serviços. Ser parte da equipe é se apoderar desse sobrenome, que abre portas e créditos (ouvíamos relatos dos empregados de que a simples apresentação do crachá funcional da empresa era suficiente para abertura de crédito em lojas da capital) e é garantia de auto-estima e respeito da comunidade na qual vivem. Trabalhávamos para atender a demanda dessas pessoas, mas não problematizávamos suas necessidades e terminávamos por infantilizá-las, criando dependência cada vez maior da instituição, que, em contrapartida, cobrava mais comprometimento e identificação com os projetos institucionais. Essa relação está destinada ao fracasso, é um “amor destinado à desilusão e ao abandono, pois se trata, desde o inicio, de um amor fictício ou de um amor impossível e sem chance de concretização, dado que é um sentimento entre um indivíduo e uma coisa” (MOTTA, 2002, p.71). Dialetizar as relações, no âmbito da organização, significa abrir espaço para reflexão, discussão e negociação, mas também mediatizá-las pelas estruturas inconscientes e suas interrelações sociais. 117 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de pesquisa influencia e modifica o olhar do pesquisador. Nosso olhar inicial sobre o objeto de estudo também é modificado. Nesse sentido, o conhecimento pode mesmo vir a ser revolucionário. Não fazemos uma pesquisa e saímos incólumes. Nossa percepção da realidade é alterada. Neste trabalho, questionamos o que fizemos até aqui, enquanto profissional de RH, para buscar novas formas de atuar, rupturas, sair do lugar no qual nos sentimos confortáveis, fazendo cair saberes conhecidos com novas perguntas que dessem lugar a outros modos de intervenção. Definitivamente, nossa atuação não será mais a mesma. Essa tomada de consciência e elaboração, não nos permite atuar com os mesmos métodos anteriores. Nossa prática está sendo re-elaborada, tentando construir intervenções que possibilitem o surgimento de questionamentos no interior das organizações, através da liberação da palavra que busque o sentido do trabalho para os diversos atores da organização. O principal objetivo desse projeto foi fazer uma releitura de uma experiência de Recursos Humanos à luz da Psicossociologia francesa, com uma abordagem dialética dos fenômenos organizacionais. A Psicossociologia é uma prática clínica que se distancia criticamente da racionalidade instrumental, tão em voga nos receituários dos gestores. Sem negar a necessidade da racionalidade técnica, necessária ao funcionamento de qualquer organização, busca também levar o trabalhador a interrogar-se sobre o sentido do trabalho, seu lugar de sujeito que pode pensar e ajudar a redefinir processos e a organização do trabalho, de modo que possa, como sujeito coletivo, sair do lugar de mero objeto, de mero “recurso”, para, em algum momento, construir sua história. Entendemos que esse objetivo foi cumprido à medida que o aporte teórico da Psicossociologia permitiu compreender a lógica dos conflitos entre pessoas e grupos, nos níveis horizontal e vertical, dentro da organização. Conseguimos resgatar vários discursos que, em um primeiro momento, apareciam como retalhos e precisavam ser 118 costurados, a fim de repensar as práticas de RH em uma perspectiva crítica e, por conseguinte, repensar minha atuação como profissional de recursos humanos. Identificamos, ainda que, em parte, a origem dos conflitos entre o corpo clínico e a nova gestão partia das atuações do CEO, buscando alterar a forma de trabalho e controle dos médicos. Localizamos vários níveis de poder, individual e coletivo, bem como jogos de poder, nos quais os vários atores buscavam controlar as ações uns dos outros. A identificação da cultura missionária da organização, que privilegia as relações de confiança entre os diversos atores, principalmente entre os escalões mais altos, possibilitou compreender uma das razões de nossa saída da empresa quando da troca de diretoria. Hoje, entendemos que estávamos construindo uma cultura, a gestionária, que desconsiderava a existente na organização. Esse conflito de culturas também foi determinante para o fim da experiência. O diálogo que estabelecemos ao longo dos quatro capítulos, com as abordagens críticas, à medida que teorizávamos uma prática, possibilitou enxergar os equívocos ligados a nossa atuação. Verificamos que, na verdade, estávamos reproduzindo práticas perversas da ideologia capitalista, tão típicas do mundo gerencialista. Embora efetivamente tenhamos implantado projetos e programas diferenciados, na organização hospitalar aqui analisada estes foram incipientes e não provocaram mudanças definitivas na arraigada cultura médico-hospitalar. Nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI, vimos a passagem do clássico modelo de administração de recursos humanos para o de “gestão de pessoas”. Na verdade, esse movimento não representou uma ruptura. O velho paradigma continua a ser a busca por pessoas meramente funcionais, a serviço de melhores resultados organizacionais. O discurso das empresas modernas é o da parceria, do ganha-ganha. Mas o modelo é o da gestão, que pressupõe “recursos” ou “pessoas” como instrumentos passivos para levar a termo as estratégias organizacionais. As organizações têm construído um modelo equivocadamente idealizado, baseado na harmonia social, para atingir objetivos econômicos contingentes. As empresas são hoje, ou pelo menos até o presente momento (a crise econômica mundial faz voltar à cena o Estado intervencionista), uma das instituições mais influentes da sociedade. Elas são responsáveis pelo imaginário que povoa as 119 mentes de um grande contingente de pessoas, que sonham fazer parte de uma grande empresa, “as melhores para se trabalhar”. Essas empresas hipermodernas estão edificando uma nova subjetividade em seus atores. São ícones de sucesso, desejadas tanto quanto se deseja a felicidade. Mas sempre foram e continuarão sendo palco de tensões, conflitos e crises, de ambigüidades e desigualdades. As áreas de RH têm trabalhado para incrementar a maximização do resultado econômico e da melhor performance dos empregados, uma vez que, em tese, toda a comunidade organizacional seria beneficiada pelo aumento da produtividade. No entanto, sabemos que os objetivos da administração estratégica de RH jamais atenderão às necessidades dos empregados, pois seu substrato teórico e suas práticas não permitem a análise crítica das organizações. Em nossa atuação no ZTEC, não questionamos o modelo de gestão, que era totalmente voltado para o aspecto econômico, em detrimento do humano. A proposta de construção de uma empresa humanizada, no entanto, jamais saiu do discurso. Nós, enquanto área responsável pela gestão de pessoas, não conseguimos fazer das pessoas o centro de nossas ações, embora acreditássemos nisso. Críamos que, se ajudássemos na produção de resultados para a empresa, através da capacitação e motivação das pessoas, no preparo para se superarem, estaríamos atendendo aos nossos principais “clientes” – empresa e empregados. Trabalhamos muito na busca de recompensas, de contrapartida para o envolvimento das pessoas com a nova gestão. Queríamos que tivessem retorno sobre o que estavam investindo. Nossos programas incentivavam a assumir mais responsabilidades, dando uma pseudoparticipação nos processos de trabalho, mas abemos hoje que essa era mais uma tentativa de instrumentalizar e manipular com novas roupagens. A lógica era totalmente voltada para a competitividade. Apregoávamos o culto da excelência, mexendo com o narcisismo das pessoas, fazendo-as crer que poderiam alçar vôos jamais imaginados. Pensar a organização com seus diversos grupos e suas articulações e influências pelos atores que os constituem é pensar psicossociologicamente, é entender os grupos e pessoas na articulação do psíquico com o social. A intervenção que realizamos no ZTEC teve alguns pontos de aproximação com a intervenção psicossociológica. A possibilidade de efetiva intervenção, em certos processos de 120 trabalho, possibilitou para algumas pessoas a “apropriação” do mesmo, dando lugar à melhoria das relações interpessoais, da comunicação, e gerando ganhos de produtividade. Quando, através dos trabalhos de desenvolvimento de grupos, possibilitávamos a discussão dos processos, as relações entre chefe e subordinado, as interfaces com outros setores, estávamos possibilitando, mesmo que em pequena escala, a produção de sentido para o trabalho. Quando reconhecíamos as pessoas, o trabalho ganhava novo sentido e, provavelmente, melhorava os relacionamentos com colegas, pacientes e outros atores da organização. Este tipo de intervenção tem caráter emancipatório. Do ponto de vista empresarial, que é a eficiência, acreditamos que um processo de intervenção seja mais eficaz que os “treinamentos mecânicos”, que também praticávamos com o objetivo de melhorar a comunicação e as relações interpessoais. Desses últimos, tudo o que conseguíamos era um sorriso forçado e falsas amabilidades (que duravam pouco tempo, aliás) e a continuação de todas as formas de alienação, de exploração, de submissão, etc. A sonhada harmonia no modo de produção capitalista é estruturalmente impossível, devido aos conflitos de interesse. Vimos como a vida psíquica coloca-se nas organizações, através dos vínculos afetivos, das manifestações das pulsões de vida e de morte. Os novos conhecimentos descortinados pela descoberta do inconsciente permitem entender as contradições inerentes à natureza humana, onde quer que ela esteja, seja na vida privada ou nos interstícios institucionais e organizacionais. Na atualidade, mesmo sob as sombras do chamado desemprego estrutural, o trabalho tem ocupado quase que a totalidade da vida das pessoas. Entender as organizações somente com base nas teorias administrativas, sem buscar aporte de outras disciplinas, seria reduzir a dimensão humana à insignificância. Por outro lado essa pesquisa também nos permitiu compreender que há brechas para o questionamento das práticas de RH. Discussões que levem em conta as dimensões psíquicas, sociais, políticas, ideológicas inerentes a toda organização poderão levar a resultados que privilegiam o sentido do trabalho, não apenas a busca da eficiência. Vimos a importância da leitura crítica das organizações, analisando-as em dimensões diversas, especialmente quando estas, identificadas como sistemas cultural, 121 simbólico e imaginário, capturam os trabalhadores em sua teia. Tal análise permite discernir o que está oculto, de forma perversa, nas diversas práticas gerenciais. A possibilidade de introdução de novas formas de atuar em RH requer, pois, maiores investigações, uma vez que esse terreno é dominado por teorias e práticas funcionalistas, visando prevalentemente os interesses do capital. É inegável, no entanto, especialmente nos meios acadêmicos, que existe uma corrente crítica dos discursos e das práticas organizacionais, que inclui alguns autores os quais recorremos ao longo desta dissertação. Porém, quando examinamos a maioria das publicações relativas à administração, percebemos nelas a falta de embasamento teórico ou, mais que isso, de um modelo de pensamento crítico frente aos modismos gerenciais que sempre se repetem sob rótulos diferentes, o que impede os profissionais de RH de buscar novas alternativas à sua atuação. Logo, as práticas tradicionais, bem como as oriundas da reestruturação produtiva, estão a serviço do pensamento dominante no sistema gestionário, fundado essencialmente na racionalidade instrumental. O presente estudo faz reconhecer, antes de tudo, que as práticas de RH se situam em um terreno de conflitos e contradições, pois visam atender a interesses estruturalmente inconciliáveis: do capital e do trabalho. Assim ao mesmo tempo em que o gestor busca criar valores para a organização através das pessoas, coloca-se cada vez mais distante delas, de suas necessidades e de sua subjetividade. Afinal, os setores de RH são concebidos essencialmente como área estratégica, suporte e ponte para levar a termo as políticas da empresa. Apesar dessa constatação, ainda julgamos ser possível repensar a atuação do RH. Mesmo que esse setor seja estruturado como área de resultado, acreditamos que ele pode assimilar práticas fundadas no pressuposto de que o coletivo de trabalhadores é um coletivo de sujeitos que podem discutir, se não as políticas gerais da empresa, pelo menos os processos, a organização e as condições de trabalho, sem que isso signifique apenas um “faz de conta” sobre sua participação. Neste sentido, entendo que a releitura de minha experiência na instituição hospitalar significou não somente um exercício de análise crítica dos sistemas de RH, mas a possibilidade de visualizar práticas, principalmente a cargo dos profissionais com formação em psicologia, que restituam ao coletivo de trabalhadores seu lugar de 122 sujeitos na organização. Talvez aqui resida um resto da utopia que imagina modelos de gestão efetivamente mais “humanizados”, desde que o termo humanização não se reduza a vazias armadilhas retóricas perversamente presentes em inúmeros receituários. Trata-se, afinal, de pensar a dimensão ética da gestão dos trabalhadores. Sabemos, no entanto, que tal proposta é quase marginal. Ao final na experiência aqui discutida, prevaleceu a cultura dos sistemas empresariais: em nome dos “valores de mercado”, ninguém é poupado. Até o CEO, no ZTEC, foi demitido, e, com ele, todos os gerentes que foram contratados para profissionalizar os serviços daquela organização. No entanto, acreditamos que ainda restam brechas para intervir nas organizações e instituições na perspectiva aberta pela Psicossociologia ou pela corrente crítica da administração. Enquanto consultores, somos demandados a ajudar nos processos de mudanças, embora estas sejam quase sempre previamente impostas, sem que se crie um espaço de discussão que permita ao conjunto de trabalhadores repensar os rumos da organização. No caso de participação efetiva, esse coletivo teria real acesso a seu lugar de sujeito, e o trabalho poderia ter, para ele, um sentido não de alienação, mas de realização. É nessa ótica que entendemos a mudança no interior das organizações. 123 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Dalton Barros de. Introdução. In: PEREIRA, William César Castilho (Org.) Análise Institucional na vida religiosa consagrada. Belo Horizonte: Publicações CRB, 2005. p.11-15. ARAÚJO, José Newton Garcia de. Angústia e temporalidade. In: ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto (Org.). Angústia e psicoterapia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. p.143-173. ARAÚJO, José Newton Garcia de. Elton Mayo e a escola das relações humanas. Mimeo. s.d. ARAÚJO, José Newton Garcia de. Uma clínica do sujeito plural. In: BARUS- MICHEL, Jacqueline. O sujeito social. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2004. p.11-15. ARAÚJO, José Newton Garcia de. Trabalho, organizações e instituições. In: JACÓVILELA, Ana Maria; SATO, Leny (Orgs.). Diálogos em psicologia social. Porto Alegre: Editora Evangraf, 2007. p.399- 411. ARAÚJO, José Newton Garcia de; CARRETEIRO, Teresa Cristina (Orgs.) Cenários sociais e abordagem clínica. São Paulo: Escuta/Belo Horizonte, Fumec, 2001. AUBERT, Nicole. L`individu hypermoderne. Ramonville: Èrès, 2004. AUBERT, Nicole. Lê culte e l’urgence: la société malade du temps. Paris: Flammarion, 2003. AZEVEDO, Creuza da Silva; BRAGA-NETO, Francisco C.; SÁ, Marilene C. Indivíduo e a mudança nas organizações de saúde: contribuições da Psicossociologia. Caderno de saúde publica, Rio de Janeiro, v. 1, n. 18, p. 235-247, jan/fev. 2002. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. BARREMBLIT, Gregório. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Instituto Felix Guattari, 2002. BARROS, Amon Narciso de; CRUZ, Rafaela Costa. Melhores para quem? O conteúdo instituído de uma revista. In: Encontro de Estudos Organizacionais da Anpad, 5, Belo Horizonte, 2008. BARUS-MICHEL, Jacqueline. O sujeito social. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2004. BARUS-MICHEL, Jacqueline. Intervir enfrentando os paradoxos da organização e os 124 recuos do ideal In: ARAÚJO, José Newton Garcia de; CARRETEIRO, Teresa Cristina (Orgs.). Cenários sociais e abordagem clínica. São Paulo: Escuta/Belo Horizonte: Fumec, 2001. p.171-186. BOURDIEU, Pierre et al. Compreender. In: A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1997. p.693-732. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. v. I. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CECÍLIO, Luiz Carlos de Oliveira. A modernização gerencial dos hospitais públicos: o difícil exercício da mudança. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n.3, p. 36-47, maio/jun. 1997. CHANLAT, Jean-François. Ciências sociais e management: reconciliando o econômico e social. São Paulo: Atlas, 1999. CHANLAT, Jean-François. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In: DAVEL, Eduardo; VASCONCELOS, João. “Recursos” humanos e subjetividade. Petrópolis: Vozes, 1997. p.118-128. DAVEL, Eduardo e VASCONCELOS, João. “Recursos” humanos e subjetividade. Petrópolis: Vozes, 1997. DEVEREUX, Georges. De l'Angoisse à la méthode dans les sciences du comportement. Paris: Flammarion, 1980. DUTRA, Joel. Gestão de pessoas. São Paulo: Atlas, 2002. ELIAS, Norbert. Sobre el tiempo. México: Fondo de Cultura Económica, 1989. ENRIQUEZ, Eugène. A noção de poder. In: ENRIQUEZ, Eugène. As figuras do poder. São Paulo: Via Lettera, 2007. p.13-56. ENRIQUEZ, Eugène. A organização em análise. Petrópolis: Vozes, 1997a. ENRIQUEZ, Eugène. Instituições, poder e desconhecimento. In: ARAÚJO, José Newton Garcia de; CARRETEIRO, Teresa Cristina (Orgs.). Cenários sociais e abordagem clínica. Belo Horizonte: FUMEC, 2001. p.48-74. ENRIQUEZ, Eugène. Os desafios éticos nas organizações modernas. Revista de Administração de Empresas – RAE, São Paulo, v.37, n.2, p. 6-17, abr/jun. 1997b. ENRIQUEZ, Eugène. Perda do trabalho, perda da identidade. In NABUCO, Regina; CARVALHO NETO, Antonio (Orgs). Relações de trabalho Contemporâneos. Belo Horizonte: PucMinas, IRT, 1999. ENRIQUEZ, Eugène. Prefácio. In: DAVEL, Eduardo; VASCONCELOS, João (Org.). “Recursos” humanos e subjetividade. Petrópolis: Vozes, 1997e. p. 7-22. 125 ENRIQUEZ, Eugène. Rapport au travail et pratique psychosociologique. Connexions, no. 24, Paris, 1977d. p. 85-108 ENRIQUEZ, Eugène. O homem do século XXI: sujeito autônomo ou indivíduo descartável. Revista de Administração de Empresas Eletrônica – RAE, v.5, n.1, jan/jun. 2006. ENRIQUEZ, Eugène. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. Revista de Administração de Empresas – RAE, São Paulo, v.37, n.1, p. 18-29, jan/mar, 1997c. ENRIQUEZ, Eugène. Vida psíquica e organização. In MOTTA, Fernando C. Prestes; FREITAS, Maria Ester (Orgs). Vida psíquica e organização. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.11-22. FALK, J. A. Gestão de custos para hospitais. São Paulo: Atlas, 2001. FERREIRA NETO, João Leite. A formação do psicólogo: clínica, social e mercado. São Paulo: Escuta, 2004. FERREIRA NETO, João Leite. Processos de subjetivação e novos arranjos urbanos. Revista de Psicologia da UFF. v. 16, n. 1, 2004. FISCHER, André Luiz. O conceito de modelo de gestão de pessoas: modismo e realidade em gestão de Recursos Humanos nas empresas brasileiras. In: DUTRA, Joel Souza (Org.) Gestão por competências. São Paulo: Editora Gente, 2001. FISCHER, André Luiz. Um resgate conceitual e histórico dos modelos de gestão de pessoas. In: FLEURY, Maria Tereza L. (Org.). As pessoas na organização. São Paulo: Ed. Gente, 2002. p.12-34 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2000. FOUCAULT, Michel. Historia da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984. FREITAS, Maria Ester de. A moda que não é mais moda. Revista de Administração Empresas-RAE, v. 5, n. 1, jan./jun. 2006. Disponível em: <http://www.rae.com.br/ eletronica/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=4162&Secao=RESENHAS&Volume=5&Nu mero=1&Ano=2006>. Acesso em 20 mar. 2009. FREITAS, Maria Ester de. A questão do imaginário e a fronteira entre a cultura organizacional e a psicanálise. In MOTTA, Fernando C. Prestes; FREITAS, Maria Ester. (Orgs). A vida psíquica e organização. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.41-74. FREITAS, Maria Ester de. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas – RAE, São Paulo, v.40, n.2, p. 6-15, abr/jun, 2000. 126 FREITAS, Maria Ester de. Cultura organizacional: identidade, sedução e carisma. Rio de Janeiro: FGV, 2002. 180p. FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. (1930 [1912]). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. v. XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1980. FREUD, Sigmund. Psicologia de grupo e análise do ego. (1921). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. v. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1980. FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. (1927). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1980. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. (1930 [1929]). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1980. FREUD, Sigmund. Por que a guerra? (1933 [1932]). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. v. XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1980. FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer (1938). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. v. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1980. FREUD, Sigmund. Moisés e o monoteísmo (1939 [1934-38]). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. v. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1980. GAULEJAC, Vincent. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Idéias e letras, 2007. GAULEJAC, Vincent. Psicossociologia e Sociologia. In: ARAÚJO, José Newton Garcia de; CARRETEIRO, Teresa Cristina (Orgs.). Cenários sociais e abordagem clínica. São Paulo: Escuta/ Belo Horizonte: Fumec, 2001. p.35-47. GIL, Antônio Carlos. Gestão de pessoas: Um enfoque nos papéis profissionais. São Paulo: Atlas, 2001. GIUST-DESPRAIRIES, Florence. O acesso à subjetividade, uma necessidade social. In: ARAÚJO, José Newton Garcia de; CARRETEIRO, Teresa Cristina (Orgs.). Cenários sociais e abordagem clínica. São Paulo: Escuta/Belo Horizonte: Fumec, 2001. p.231244. JAQUES, Elliot, AMADO, Gilles. Um debate entre Elliot Jaques e Gilles Amado. In: ARAÚJO, José Newton de Garcia de; CARRETEIRO, Teresa Cristina (Orgs.) Cenários sociais e abordagem clínica. São Paulo: Escuta/Belo Horizonte: Fumec, 2001. p. 207230. LACOMBE, Beatriz Maria B.; TONELLI, Maria Jose. O discurso e a prática: o que nos dizem os especialistas e o que nos mostram as práticas das empresas sobre os modelos de gestão de RH. Revista de Administração Contemporânea - RAC, Rio de Janeiro, v.5, n.2, p.157-174, 2001. 127 LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1983. LE VEN, Michel Marie et al. História oral de vida: o instante da entrevista. In: SIMSON VON, Olga Rodrigues de Morais (Org.). Os desafios contemporâneos da história oral. Campinas: Centro de memória – Unicamp, 1997. p. 213-222 LÉVY, André. Ciências clinicas e organizações sociais: sentido e crise do sentido. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. LÉVY, André. Violência, mudança e desconstrução. In: ARAÚJO, José Newton Garcia de: CARRETEIRO, Teresa Cristina (Orgs.) Cenários sociais e abordagem clínica. São Paulo: Escuta/Belo Horizonte: Fumec, 2001. p.75-89. LIMA, Francisco de Paula Antunes. Ética e trabalho. In: BARBOSA, Íris Goulart (Org.) Psicologia organizacional e do trabalho: teoria, pesquisa e temas correlatos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p.69-120. LOURAU, René. Análise institucional. Petrópolis-RJ: Vozes, 1995. MACHADO, Marilia Novais da Mata. Três cenários da prática Psicossociológica. In: ARAÚJO, José Newton Garcia de: CARRETEIRO, Maria Teresa (Orgs.) Cenários sociais e abordagem clínica. São Paulo: Escuta/Belo Horizonte: Fumec, 2001, p.187209. MARTINS, Mônica Mastrantonio. A questão do tempo para Norbert Elias: reflexões atuais sobre tempo, subjetividade e interdisciplinariedade. Revista de Psicologia Social e Institucional do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina, Paraná, n. 2, 2000. MARX, Karl. O Capital. v.1. São Paulo: Editora Abril,1983. MATA-MACHADO, Marília N. Práticas psicossociais: pesquisando e Intervindo. Belo Horizonte: Edições do Campo Social, 2004. MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). A construção do projeto de pesquisa. In: Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 31-50. MINTZBERG, Henry; QUINN, James Brian. O processo da estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001. MORIN, Estelle M. Os sentidos do trabalho. In: Revista de Administração de Empresas - RAE, São Paulo, v.41, n.3, p. 9-19, jul/set. 2001. MOTTA, Fernando C. Prestes. As empresas e a transmissão da Ideologia. Revista de Administração de Empresas – RAE, São Paulo, p. 38-46, nov/dez. 1998. MOTTA, Fernando C. Prestes. Cultura organizacional e cultura brasileira. São 128 Paulo: Atlas, 1997b. MOTTA, Fernando C. Prestes. Organização e poder: empresa, Estado e escola. São Paulo: Atlas, 1986. MOTTA, Fernando C. Prestes. Teoria geral de administração: uma introdução. São Paulo: Pioneira, 1997a. MOTTA, Fernando C. Prestes; FREITAS, Maria Ester de (Orgs.). A vida psíquica e organização. Rio de Janeiro: FGV, 2002. NOMURA, Felícia Hiromi; GAIDZINSKI, Raquel Rapone. Nursing staff turnover: a study at a school-hospital. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 13, n. 5, oct. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid=S0104-11692005000500007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 21 Mar. 2009. PAGÈS, Max. Et al. O poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1987. PAZ, Maria das Graças Torres da et al. O poder nas organizações. In: ZANELLI, José Carlos et al (Orgs.). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004. p.380-406 PEREIRA, William César Castilho. Movimento Institucionalista: principais escolas. In: PEREIRA, William César Castilho (Org.). Análise institucional na vida religiosa consagrada. Belo Horizonte: o Lutador, 2005. p.59-90. RIBEIRO, Renato Janine. Não há pior inimigo do conhecimento que a terra firme: sobre o mau uso da bibliografia nas teses em ciências sociais. In: RIBEIRO, Renato Janine. A universidade e a vida atual: Felini não via filmes. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p.124-131. ROBERT-DEMONTROND, Philippe. L’entreprise socialement responsable: de l’ideal de citoyanneté à la aquestion des incivilités ordinares. Revue Internationale de Psychosiologie, Paris, v.IX, n. 21, p.133-155, 2003. SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2004. SILVEIRA, Rafael Alcadipani da. Michel Foucault: poder e análise nas organizações. Rio de Janeiro: FGV, 2005. TANURE, Betania; CARVALHO NETO, Antonio; SANTOS, Carolina. Estresse,insatisfações e infelicidades: um retrato dos altos executivos. In: I Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho da ANPAD – Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Natal, 2007 TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro. Por entre planos, fios e tempos: pesquisa em 129 sociologia da educação. In: ZAGO, Nadir et al. Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.81-105. TRASSATTI, Sidney Roberto. Treinamento de competências funcionais: moldando o futuro organizacional pelas pessoas. In: NERI, Agnaldo (Org.). Gestão de RH por competências e a empregabilidade. São Paulo: Papiros, 2005. p. 28-49. TURATO, Egberto Ribeiro. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.39, n. 3, 2005, p.507-514. ULRICH, Dave. Os campeões de recursos humanos: inovando para obter os melhores resultados. São Paulo. Futura, 2001. ULRICH, Dave (Org). Recursos humanos estratégicos: novas perspectivas para os profissionais de RH. São Paulo. Futura, 1998. VIEIRA, Marcelo M. F.; CALDAS, Miguel P. Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista. Revista de Administração de Empresas RAE, São Paulo, v.46, n.1, p.59-70, jan/mar. 2006.