A expansão da força de trabalho requer

Propaganda
respondendo a
urgentes
19
capítulo dois
necessidades
de Saúde
neste capítulo
19
Serviços de alta prioridade: recursos humanos para
a saúde e os ODM
Preparando a força de trabalho para a carga
25
crescente das doenças crônicas e agravos
30
Mobilização para necessidades em emergências:
desastres naturais e surtos epidêmicos
34 Trabalhando em ambientes de conflito e pós-conflito
37 Conclusão
Este capítulo identifica alguns dos mais
importantes desafios de desempenho que
os sistemas de saúde e a força de trabalho
em saúde estão encarando hoje, examina
as maneiras como a força de trabalho em
saúde os está enfrentando e sugere como
essas respostas podem ser aperfeiçoadas.
Esses desafios são, primeiramente, aumentar as intervenções para atingir os ODMs
relacionados à saúde; em segundo lugar, fazer a mudança bem-sucedida para
paradigmas de cuidados baseados na comunidade e centrados no paciente para
o tratamento de doenças crônicas; em terceiro lugar, lidar com os problemas dos
desastres e dos focos de doenças; e em quarto lugar, preservar os serviços de saúde
em estados de conflito e pós-conflito.
Esses desafios foram escolhidos porque oferecem uma amostra razoável
dos tipos de desafios que existem em muitos países e cenários. Cada uma
das quatro seções deste capítulo descreve as principais características
de um desafio de desempenho e como a força de trabalho em saúde
está respondendo a esse desafio ou como pode responder mais
adequadamente a ele.
SERVIÇOS DE ALTA PRIORIDADE: RECURSOS
HUMANOS PARA A SAÚDE E OS ODMs
Atualmente é aceito que o terrível déficit de trabalhadores de saúde
em muitos lugares está entre os obstáculos mais significativos para
o alcance dos três Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)
relacionados à saúde: reduzir a mortalidade
infantil, aumentar a saúde materna e combater
o HIV/Aids e outras doenças, como a tuberculose
e a malária (1-6). O Chade e a República Unida
da Tanzânia, por exemplo, têm menos do que a
metade da força de trabalho de que necessitam
para atender adequadamente às necessidades
essenciais de saúde (5). Não são apenas os
prestadores de serviços de saúde que estão em
falta – existem déficits em todas as categorias
de trabalhadores de saúde, incluindo técnicos
de laboratório, farmacêuticos, especialistas em
WHO
20
Relatório Mundial de Saúde 2006
logística e gerentes. A impressionante mobilização de fundos de doadores para
alcançar os ODMs relacionados à saúde, e em particular, combater o HIV/Aids, criou
um novo ambiente no qual o déficit de recursos humanos substituiu as questões
financeiras como o obstáculo mais sério à implementação de planos nacionais
de tratamento (7). O alcance dos ODMs dependerá da descoberta de abordagens
em recursos humanos que possam ser implementadas de forma rápida (6). Mas
a simples formação de pessoas para realizar intervenções específicas para cada
doença provavelmente não será suficiente. Essas abordagens também
devem considerar os desafios maiores dos sistemas de saúde que
estão relacionados às desvantagens penetrantes associadas à baixa
renda. Por exemplo, existem enormes disparidades entre o acesso de
diferentes grupos de rendas aos serviços de saúde (ver Figura 2.1). É
necessário um pensamento sistemático em várias áreas para formular
meios de recrutar e conservar trabalhadores de saúde para realizar as
ações de saúde relacionadas aos ODMs (ver Quadro 2.1). Esforços mais
eficazes na área de recursos humanos precisam empregar avaliação
crítica dos comportamentos atuais.
Um déficit de recursos
humanos substituiu as
questões financeiras
como o obstáculo mais
sério à implementação
de planos nacionais de
tratamento
Ciclo vicioso da formação em serviço
Os inúmeros projetos e programas criados em resposta aos ODMs estão
repletos de linhas orçamentárias para formar pessoal, mas não possuem
estratégias abrangentes para a força de trabalho. Como resultado
disso, uma grande quantidade de esforços é direcionada para cursos
% de nascimentos em estabelecimentos de saúde
Figura 2.1 Da privação maciça à exclusão marginal:
subindo os degraus da cobertura
100
República Dominicana 1996
75
Colômbia 1995
Costa do Marfim 1998
50
Costa do Marfim 1994
Guatemala 1998
25
Chade 1997
Bangladesh 1993
0
1
a
2
3
Quintis de bens a
4
5
Os quintis de bens oferecem um índice de situação socioeconômica das famílias. Eles dividem as
populações em cinco grupos (em ordem ascendente de riqueza de 1 a 5), usando uma metodologia que
combina informações sobre as características do chefe da família, bem como a posse de certos bens
pela família, a disponibilidade de serviços e as características habitacionais.
Fonte (8).
respondendo a necessidades urgentes de saúde
21
breves de formação, muitas vezes realizados em hotéis situados em outros paí­ses.
O objetivo da maioria desses cursos é dotar os trabalhadores de saúde ou os instrutores
dos trabalhadores de saúde com habilidades para realizar intervenções específicas.
Embora os alunos possam gostar de uma viagem para um grande centro urbano com
despesas pagas, essas viagens apresentam custos de oportunidade significativos.
Os funcionários são raramente substituídos quando viajam e é freqüente que os
mesmos funcionários façam vários cursos todos os anos. Além disso, os cursos
muitas vezes têm pouca relação com as instituições locais de formação, e portanto,
são perdidas oportunidades de envolver membros de faculdades ou de contribuir
para o desenvolvimento de cursos locais. Avaliações de cursos de formação curtos
na África em 2000-2001 levaram à forte recomendação de que a formação deve ser
realizada no local de trabalho sempre que possível e os cursos devem ser ministrados
por instituições locais (9).
Funcionários regionais sobrecarregados
Programas nacionais para alcançar os ODMs especificamente relacionados a doenças
colocam muitas demandas paralelas sobre gerentes regionais de saúde e prestadores
de serviços, como a leitura de documentos, o preenchimento de formulários, a
preparação de relatórios, a participação em reuniões e a realização de visitas de
campo. Essas demandas são muitas vezes impostas por doadores internacionais
e podem sobrecarregar rapidamente um quadro de funcionários regionais limitado,
mal financiado e que conta com apoio insuficiente. O simples fato de manter as
exigências relativas à preparação de relatórios dos vários programas pode ocupar
entre 10% e 20% do tempo de um gerente de regional saúde (10).
Dois níveis salariais
O dilúvio de programas relacionados aos ODMs também está exercendo
severas pressões sobre os salários. Para atrair trabalhadores, programas bem
financiados implementados através de mecanismos não-governamentais
– notadamente aqueles concentrados no tratamento do HIV/Aids – muitas
vezes pagam salários que excedem a remuneração local no setor público.
Como resultado, dois níveis de trabalhadores remunerados estão surgindo,
muitas vezes dentro da mesma instituição. Essa situação cria problemas
significativos. Os trabalhadores que recebem o salário menor normalmente se
sentem discriminados, ressentidos do fato de que, por exemplo, um profissional
Dois níveis de
trabalhadores
remunerados estão
surgindo, muitas vezes
dentro da mesma
instituição. Isso cria
problemas significativos
Quadro 2.1 Trabalhadores de saúde e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
A força de trabalho em saúde enfrenta vários obstáculos para
realizar intervenções objetivando o alcance dos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio relacionados à saúde. Os
principais problemas podem ser resumidos como se seguem:
• Formação imprópria ou inadequada, com currículos que
não se baseiam nas necessidades.
• Pouco acesso a recursos de informações e conhecimento.
• Quantidade e habilidades inadequados dos trabalhadores
de saúde.
• Distribuição desigual de trabalhadores em diferentes níveis
da prestação de serviços, de funcionários de programas
nacionais a pessoal de estabelecimentos de saúde.
• Baixa moral e motivação.
• Condições inseguras no local de trabalho.
• Políticas e práticas insuficientes para o desenvolvimento
de recursos humanos (estruturas de carreira,
condições de trabalho e remuneração baixa).
• Ausência de supervisão.
• Ausência de serviços de integração com o setor privado.
• Alta taxa de perda dos trabalhadores de saúde, causada
pela morte provocada pelas próprias doenças que eles
trabalham para curar, ou por causa da migração.
Fonte: (2).
22
Relatório Mundial de Saúde 2006
de enfermagem obstétrica ganhe menos do que um profissional de enfermagem que
cuida de pacientes com HIV. Além disso, certos serviços críticos podem não ser
executados se os empregadores não puderem oferecer salários competitivos para atrair
e manter o quadro de pessoal.
Estratégia 2.1 Aumentar o planejamento da força de trabalho
O enorme déficit de recursos humanos necessários para prestar serviços relacionados
aos ODMs demanda uma expansão acelerada da força de
trabalho. Três fatores devem estar presentes para que se dê esse
tipo de expansão – liderança política, financiamento adequado e
um plano abrangente.
Antes que as reformas necessárias sejam empreendidas, líderes
políticos, doadores e os governos devem ver a força de trabalho
como um investimento a ser nutrido, não como um custo a ser
minimizado. Junto com a liderança forte deve vir um compromisso
de aplicar os fundos necessários. Esse financiamento deve cobrir
não somente os prestadores de serviços de saúde, mas também
os trabalhadores administrativos, de gestão e apoio, que prestam
serviços cruciais para as linhas de frente do sistema de saúde.
A terceira condição é uma estratégia inteligente para
impulsionar a força de trabalho em saúde, que tenha objetivos de desempenho de curto
e de longo prazo. A estratégia deve se basear nas necessidades de recursos humanos
estabelecidas para os programas prioritários (2) e deve mobilizar as instituições
envolvidas na produção e na gestão da força de trabalho (ver Capítulos 3 e 4).
A expansão da força
de trabalho requer
liderança política,
financiamento adequado
e um plano abrangente
Quadro 2.2 Um programa de emergência para recursos humanos em Malawi
O recrutamento no serviço de saúde em Malawi não é
adequado para manter um nível mínimo de cuidados em
saúde e é particularmente baixo, mesmo pelos padrões
regionais. Também é insuficiente para a oferta de terapia
anti-retroviral e outros serviços relativos ao HIV/Aids em
resposta à demanda. De 27 distritos, 15 têm menos de
1,5 enfermeiras por instalação de saúde, e cinco distritos
não têm nem uma para cada instalação, enquanto quatro
distritos não têm nenhum médico. O desgaste numérico
relacionado ao HIV/AIDS entre a força de trabalho compõe
o déficit de trabalhadores. Além disso, até 800 enfermeiras
habilitadas que moram em Malawi escolhem não trabalhar
no setor saúde.
Em abril de 2004, o Ministério da Saúde realizou ações
para conservar o quadro de pessoal atual e evitar a fuga
de cérebros como prioridade número um, destacando a
necessidade de atrair de volta ao sistema aqueles que o
haviam deixado e permaneceram em Malawi. O Programa
Emergencial de Recursos Humanos de seis anos de duração
inclui: aumento dos incentivos para recrutamento e retenção
de pessoal do Malawi em 52%, aumento do salário bruto
para 11 categorias profissionais e técnicas; recrutamento
externo emergencial de médicos e pessoal de enfermagem;
e expansão significativa da capacidade interna de formação.
O programa reconhece a necessidade de abordar uma série
de fatores não-financeiros que afetam a retenção, incluindo
políticas de transferência e promoção, gerenciamento
de desempenho, revisão de notas obtidas em avaliações
e exames, oportunidades de formação e atualização
de conhecimentos profissionais, questões de gênero e
qualidade da habitação. As competências do planejamento e
gerenciamento de recursos humanos também estão sendo
fortalecidas no Ministério da Saúde e em nível local.
O programa, que tem o apoio do Fundo Global
de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, do
Departamento do Reino Unido para o Desenvolvimento
Internacional, do Governo de Malawi e outros
doadores, tem seu custo estimado em cerca de US$
278 milhões. Até US$ 98 milhões serão destinados
a incentivos financeiros aos trabalhadores, com mais
US$ 35 milhões para melhorias habitacionais para
os funcionários, e US$ 64 milhões destinados para a
expansão da capacidade de formação.
Embora ainda em seus primeiros dias, a abordagem
parece estar tendo um impacto positivo. Até o final de
2005, cerca de 5400 médicos, pessoal de enfermagem
e outros funcionários principais estavam recebendo os
incentivos monetários e houve uma redução no fluxo
de saída de funcionários do setor público. Acima de 700
novos funcionários de saúde foram recrutados pelo governo
desde julho de 2004, e atualmente estão sendo realizadas
entrevistas para quase 200 outros postos de trabalho. Planos
para a expansão da infra-estrutura e pessoal adicional de
ensino para as escolas de formação de Malawi, aumentarão
a capacidade de formação em mais de 50% em média, o
triplo do número de médicos e quase o dobro do número de
pessoal de enfermagem atualmente em formação. Embora
mais Malawianos estejam sendo formados, será necessário
contar com médicos estrangeiros para preencher postos de
trabalho críticos.
Fonte: (11).
respondendo a necessidades urgentes de saúde
Esses três elementos entraram em convergência em Malawi, onde o Programa
de Emergência de Recursos Humanos tornou-se a principal prioridade do Ministério
da Saúde (ver Quadro 2.2). Com o apoio da comunidade internacional, os países
que estão passando por crises parecidas de recursos humanos devem considerar o
desenvolvimento de planos similares.
Estratégia 2.2 Capitalizar com as sinergias
dos programas prioritários
Em resposta aos desafios de saúde específicos dos ODMs, devido à urgência e à
disponibilidade de financiamento, existe uma tendência no sentido de planejar
a força de trabalho em torno de doenças ou intervenções específicas. Conforme
mencionado, esse tipo de planejamento traz o risco de várias ineficiências que
resultam principalmente da consideração inadequada da natureza sistêmica dos
recursos humanos e da prestação de serviços de saúde de forma mais ampla. Cada
vez mais, isso está sendo reconhecido, e estão surgindo inovações importantes.
Em muitos casos, os canais para a realização dessas intervenções podem ser
combinados para o uso mais eficiente de recursos humanos escassos. O termo
“carona” foi criado para identificar maneiras nas quais os serviços podem ser
acrescentados aqueles que estão sendo realizados, evitando mobilizar trabalhadores
para intervenções separadas, com apenas um propósito e direcionadas à comunidade.
Por exemplo, o Programa de Controle da Oncocercose da OMS para evitar a cegueira
dos rios no oeste da África usou projetos de tratamento direcionados à comunidade
para adicionar vitamina A à distribuição de ivermectina. A utilização da “carona” para
veicular outros elementos de tratamento também é uma estratégia deliberada do
Programa Global para a Eliminação de Filariose Linfática, da OMS (12).
Estratégia 2.3 Simplificar serviços e delegar
adequadamente
Uma maior eficiência no desempenho da força de trabalho pode ser alcançada
através da aplicação de duas regras cardinais para o aumento eficaz de intervenções:
simplificação e delegação. A simplificação muitas vezes aumenta a produtividade dos
funcionários permitindo que se façam mais coisas, com maior consistência, e muitas
vezes por colegas com menor experiência profissional. A simplificação de todas as
tarefas básicas é o primeiro elemento da Iniciativa Global para Erradicação da Pólio,
é crucial para o aumento da terapia de reidratação oral em Bangladesh (13), e é uma
estratégia central da Iniciativa 3 por 5 da OMS/UNAids (14). Na Iniciativa Global para
Erradicação da Pólio, por exemplo, todas as tarefas básicas foram simplificadas como
resultado de decisões estratégicas, inovações tecnológicas e adaptações adequadas
para o local. Todos os recursos humanos disponíveis, desde os voluntários sem
prática até os trabalhadores mais especializados, tanto dentro quanto fora do setor
Saúde, foram considerados “vacinadores” em potencial e, se necessário, agentes de
vigilância (15). A Iniciativa 3 por 5 da OMS/UNAids mostrou que as pessoas portadoras
do HIV/Aids podem fazer contribuições importantes em todo o espectro da prevenção
do HIV/Aids e dos serviços de tratamento (16).
Em muitas áreas, programas direcionados à integração de conhecimentos entre
os prestadores de cuidados primários a crianças, adolescentes e adultos estão
sendo executados no nível distrital e nos cuidados primários. O Controle Integrado de
Doenças de Adolescentes e Adultos (Integrated Management of Adult and Adolescent
Illness, IMAI) da OMS e a adaptação ao HIV do Controle Integrado de Doenças Infantis
23
24
Relatório Mundial de Saúde 2006
Em vários países do sul
da África, a morte como
conseqüência do HIV/
Aids é a maior causa de
saída de trabalhadores
da força de trabalho
(Integrated Management of Childhood Illness, IMCIHIV) oferecem uma
nova abordagem para o aumento da prevenção, cuidado e tratamento do
HIV, assim como o cuidado da tuberculose e o co-controle de pacientes
de TB/HIV/Aids (ver Quadro 2.3). Apesar desses exemplos promissores,
esforços cada vez maiores serão necessários para identificar meios
pragmáticos de se trabalhar com todos os programas prioritários.
A simplificação facilita, mas não é um pré-requisito da delegação de
tarefas. As tarefas relacionadas à prestação de serviços podem muitas
vezes ser realizadas tão ou mais eficientemente por pessoal menos
experiente. A delegação de tarefas é especialmente importante em
cenários com restrições de recursos, onde há falta de pessoal experiente.
A delegação do diagnóstico de malária para trabalhadores voluntários
de saúde usando microscopia nos vilarejos em Mianmá e nas Filipinas,
por exemplo, demonstrou ser confiável e capaz de melhorar o tratamento da malária,
enquanto ao mesmo tempo elevou a moral e a auto-estima dos trabalhadores (18, 19).
Os planos para simplificar e delegar tarefas requerem uma avaliação cuidadosa
do impacto desejado. Nos anos 70 e 80, por exemplo, dezenas de milhares de
parteiras tradicionais foram formadas em todos os países em desenvolvimento (20)
na esperança de aumentar a taxa de sobrevivência materna em cenários em que as
parteiras profissionais eram raras. Mas, após mais de três décadas de tentativas bemintencionadas, não há evidências convincentes de que esta estratégia de formação
tenha reduzido as taxas de mortalidade materna (8).
Estratégia 2.4 Assegurar a saúde e a segurança
dos trabalhadores de saúde
Em vários países do sul da África, a morte em conseqüência do HIV/Aids é a maior causa
de saída de trabalhadores da força de trabalho. Aqueles que permanecem freqüentemente
trabalham em estabelecimentos de saúde com déficit de pessoal, excesso de pacientes
Quadro 2.3 Deslocamento de tarefas na força de trabalho prestadora de cuidados em saúde
Mais de 25 países da África seguem um conjunto de diretrizes
operacionais simplificadas do Controle Integrado de Doenças
de Adultos e Adolescentes (Integrated Management of Adult and
Adolescent Illness, IMAI) da OMS para formar trabalhadores
de saúde. Essas diretrizes definem claramente as tarefas
necessárias para a prevenção, cuidado e terapia anti-retroviral
(ARV) para HIV/Aids crônica, bem como para os cuidados em
casos de tuberculose e o co-controle de pacientes com TB/
HIV/Aids as diretrizes permitem que essas intervenções sejam
realizadas por pessoal de enfermagem, clínicos, parteiras e
várias categorias de assistentes médicos, trabalhando juntos
numa equipe clínica nas instalações hospitalares para pacientes
ambulatoriais ou em centros de saúde periféricos.
O deslocamento de tarefas entre os trabalhadores
prestadores de cuidados em saúde e a expansão da equipe
clínica podem aliviar limitações de curto prazo dos recursos
humanos em cenários que apresentam poucos recursos.
O aumento rápido envolve:
• deslocamento de tarefas para as categorias menos
especializadas;
• expansão da equipe clínica pela inclusão de pessoas
que convivem com a Aids;
• colocação de uma forte ênfase na auto-gestão do
paciente e no envolvimento da comunidade.
Com base nessa abordagem, as tarefas em muitos
cenários onde há prestação de cuidados em saúde podem
ser deslocadas dos trabalhadores especializados (e portanto
menos numerosos) para os menos especializados. O
deslocamento de tarefas mais importantes é aquele que
ocorre para os próprios pacientes (ou seja, a auto-gestão). A
comunidade pode se tornar cada vez mais envolvida com a
gestão de cuidados com HIV/Aids e a terapia anti-retroviral,
desempenhando tarefas como apoio ao tratamento,
repetição de receitas médicas e o simples monitoramento.
A formação do IMAI concentra-se nas necessidades da
equipe clínica. A formação usa métodos de capacitação
participativa para adultos que enfatizam a aquisição de
técnicas e prática de casos, em vez de apenas passar
conhecimento. A formação também considera as
pessoas portadoras do HIV/Aids como especialistas em
sua própria doença e um recurso educacional valioso
para apoiar a formação dos trabalhadores de saúde.
Fonte: (17).
respondendo a necessidades urgentes de saúde
25
(muitos com HIV/Aids) e meios inadequados de tratá-los. Essas condições de trabalho,
por sua vez, alimentam a moral baixa, o esgotamento e o absenteísmo. Em vista
disso, estão sendo realizados esforços para abordar a saúde ocupacional e os riscos à
segurança através da prevenção de acidentes por picadas de agulhas, profilaxia pósexposição e aumento no fornecimento de equipamento protetor. Cada vez mais países
estão tomando providências para assegurar o acesso a tratamento pelos trabalhadores
que se infectam com o HIV (21), e em 2005, a Organização Internacional do Trabalho
e a OMS fizeram um acordo com diretrizes conjuntas para ajudar os trabalhadores
envolvidos na luta global contra o HIV/Aids a se manterem saudáveis (ver Capítulo 5).
PREPARANDO A FORÇA DE TRABALHO PARA A CARGA
CRESCENTE DAS DOENÇAS CRÔNICAS E AGRAVOS
Da mesma forma que as doenças que formam o foco primário dos ODMs, o mundo está
enfrentando uma carga maciça e crescente de doenças crônicas, que estão entre as
principais causas de morte e incapacidade. As tendências indicam que essas doenças
provavelmente se tornarão ainda mais importantes durante a próxima década (22).
A importância epidemiológica dessas condições é igualada pelas suas conseqüências
socioeconômicas diretas e indiretas.
Novos paradigmas em cuidados requerem
uma resposta da força de trabalho
Nos últimos anos, o foco tradicional sobre os cuidados prestados em casos agudos,
a pacientes internados e por subespecialistas, deu passagem a novos paradigmas
em prestação de cuidados enfatizando a auto-gestão, e cuidados pré-hospitalares,
centrados no paciente e prestados na comunidade (23) (ver Figura 2.2). Essa
evolução tem sido acompanhada de um reconhecimento por parte dos especialistas,
das organizações profissionais e dos próprios trabalhadores de saúde quanto às
inadequações da formação tradicional e da organização e oferta da força de trabalho,
e ao imperativo de novas abordagens (25-29).
Quadro 2.4 Competências essenciais para o tratamento de pacientes a longo prazo
PRESTAÇÃO DE CUIDADOS CENTRADOS NO PACIENTE
• Aprender a negociar planos de prestação de cuidados
individualizados com os pacientes, levando em conta
suas necessidades, valores e preferências.
• Aprender a apoiar os esforços de auto-gestão dos pacientes.
• Aprender a organizar e implementar visitas médicas em grupo
para pacientes que têm problemas de saúde em comum.
a continuidade da prestação de cuidados e o
acompanhamento planejado.
• Usar a tecnologia e os sistemas de comunicação
disponíveis para intercambiar informações sobre
pacientes com outros trabalhadores prestadores
de cuidados em saúde e consultar especialistas
prestadores de cuidados em saúde primários.
FORMAÇÃO DE PARCERIAS
• Trabalhar como parte de uma equipe multidisciplinar
prestadora de cuidados em saúde.
PERSPECTIVA DE SAÚDE PÚBLICA
• Trabalhar num cenário comunitário e conduzir
atividades de divulgação nas comunidades para
promover estilos de vida saudáveis, encorajar
comportamentos responsáveis e seguros, e reduzir
o estigma associado à incapacidade física e às
doenças mentais.
• Aprender a pensar além da prestação de cuidados a
um paciente de cada vez e adotar uma perspectiva de
“população”.
• Aperfeiçoar habilidades para a prevenção clínica.
AUMENTO DA QUALIDADE
• Criar e participar de projetos de aumento da qualidade na
prestação de cuidados em saúde.
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO
• Desenvolver sistemas de informação (ex.: cadastros de
pacientes), mesmo que seja em papel, para assegurar
Fonte: (30).
Relatório Mundial de Saúde 2006
Estratégia 2.5 Distribuir adequadamente o pessoal para
garantir a continuidade da atenção
Cinco competências essenciais para a prestação de cuidados a pacientes por um
longo período foram identificadas: prestação de cuidados centrados no paciente,
formação de parcerias, aumento da qualidade, tecnologia da informação e da
comunicação, e uma perspectiva de saúde pública (Quadro 2.4). O desafio é traduzir
essas competências na prática através de instituições que produzem, organizam e
formam a força de trabalho em saúde. São necessárias mudanças no currículo, novos
métodos de ensino e modelos de formação inovadores (31-33).
As decisões em torno da formação e do recrutamento também devem
considerar a continuidade da prestação de serviços, a distribuição e o tipo de
trabalhadores necessários para atender às necessidades de saúde da população.
A prestação de serviços de saúde mental à comunidade, por exemplo, se apóia
fortemente em programas eficazes de extensão em educação para oficiais de
polícia, curandeiros religiosos e trabalhadores do serviço social. Trabalhadores não
profissionais podem ajudar a atender algumas das demandas pela prestação de
cuidados desde que sejam competentes e supervisionados, e possam contar com
o pessoal profissional sempre que necessário para lidar com casos complexos.
Voluntários em vilarejos consistem em outro recurso grandemente inexplorado,
mas potencialmente valioso. Em Gana, em 1999, por exemplo, o Projeto Nações
pela Saúde Mental da OMS lançou um projeto-piloto com duração de três anos
que treinou voluntários selecionados pelas suas comunidades para identificar,
encaminhar e acompanhar pessoas em suas vilas que sofriam de doenças mentais.
O governo agora adotou o projeto e está estendendo-o para outros distritos (24).
É importante reconhecer que o deslocamento para a prestação de cuidados
comunitários não deve esquecer o outro lado da série contínua, ou seja, a prestação
de serviços por especialistas ou subespecialistas. Em muitas partes do mundo, o
Figura 2.2 Composição ideal dos serviços de saúde mental
Baixa
Altos
Serviços
de saúde
mental
na comunidade
Serviços
psiquiátricos em
hospitais
gerais
Serviços de saúde mental prestados
através dos cuidados primários de saúde
Custos
Instalações
para estadia
longa e serviços
especializados
Freqüência da necessidade
26
Cuidados informais na comunidade
Auto-cuidado
Alta
Fonte dos dados: (24)
Quantidade de serviços necessários
Baixos
respondendo a necessidades urgentes de saúde
Figura 2.3 Distribuição global de psiquiatras
0–0.05
0.05–0.6
0.6–2
2–9
9–28.5
Por 100 000 habitantes
déficit desses especialistas é um grande impedimento à integridade do conceito de
série contínua de prestação de cuidados. O déficit de especialistas, como psiquiatras,
em muitas partes do mundo significa que a prestação de cuidados muitas vezes não
está disponível. Os psiquiatras têm um papel crucial a desempenhar na gestão e
tratamento de casos complexos de doenças mentais, na prestação de supervisão
contínua e apoio a não-especialistas que trabalham no campo da saúde mental, e no
ensino e formação de outros profissionais de saúde mental (ver Figura 2.3).
O deslocamento da prestação de cuidados do hospital para a comunidade, e a nova
ênfase em abordagens multidisciplinares e entre setores significa uma mudança de
papéis para os funcionários também. Essas mudanças de papéis apresentam desafios
para gestores, trabalhadores de saúde e agências reguladoras. Regulamentos do
escopo da prática, criados para estabelecer padrões mínimos e proteger pacientes,
podem se tornar impedimentos à busca da mudança. Os gestores devem manter um
diálogo ativo com os trabalhadores de saúde, ouvir suas reivindicações, justificar
a pertinência da reforma dos serviços e estabelecer uma nova forma de trabalho,
baseada em dados fundamentados. O desafio para os trabalhadores de saúde é
encarar a mudança como uma oportunidade de aprendizado e desenvolvimento
profissional e pessoal, devido as suas preocupações legítimas relacionadas à situação
pessoal e de renda.
Fonte:(34).
27
28
Relatório Mundial de Saúde 2006
Estratégia 2.6 Fomentar a colaboração
Uma característica do novo paradigma da prestação de cuidados é a grande
importância dada na colaboração e no trabalho em equipe entre trabalhador de
saúde e paciente­. A criação de um relacionamento que valoriza o paciente como
colaborador em seu próprio tratamento tem demonstrado freqüentemente que
melhora o comportamento da saúde e os resultados clínicos. Evidências extensas
demonstram que as intervenções criadas para promover a função dos pacientes na
prevenção e na gestão de doenças crônicas pode levar a resultados melhores (31,
35, 36). O que os pacientes e suas famílias fazem por eles mesmos diariamente,
como praticar atividades físicas, comer adequadamente, evitar o uso do tabaco,
dormir regularmente e aderir a planos de saúde, influencia significativamente em
sua saúde. Os trabalhadores de saúde são instrumentos para ajudar os pacientes
a iniciarem novos comportamentos e a praticar a auto-gestão de suas doenças de
forma mais eficaz, de forma que se deve prestar muita atenção às suas habilidades
de comunicação (33).
Quadro 2.5 Segurança do paciente
Um crescente corpo de investigações baseadas em evidências
sugere que a prestação de cuidados não seguros ao paciente é
muito comum em sistemas de prestação cuidados em saúde em
nível global. Nenhum país – rico ou pobre – pode reivindicar que
está superando o problema totalmente.
O cuidado de pacientes envolve uma interação complexa de
pessoas, tecnologia, dispositivos e remédios. Os trabalhadores
prestadores de cuidados em saúde devem tomar muitas decisões
e fazer julgamentos diariamente, as coisas podem dar errado, e de
fato dão errado.
A experiência na prestação de cuidados em saúde e outras
indústrias de alto risco mostra que erros e equívocos são muitas
vezes provocados por sistemas fracos. Deficiências na criação
de sistemas podem criar problemas em muitos níveis: o clínico,
a equipe de cuidados em saúde, a organização e os sistemas de
prestação de cuidados em saúde. Essas deficiências podem incluir
uma ausência de protocolos claros para o tratamento de pacientes,
a ausência de conhecimento e experiência entre os trabalhadores
prestadores de cuidados em saúde, supervisão deficiente do
pessoal subalterno, informações fragmentadas sobre os pacientes
e coordenação fraca.
Um ambiente de prestação de cuidados em saúde completamente
livre de riscos é provavelmente algo inatingível. Muito pode ser feito,
no entanto, para melhorar a “noção do erro” do pessoal da linha
de frente. Em particular, os trabalhadores de saúde com uma boa
formação e bem acostumados a trabalhar em equipe podem reduzir
os riscos para pacientes e para eles mesmos. Três conhecimentos
essenciais e requisitos de desempenho são sugeridos:
• Comunicar de forma eficaz e honesta com os pacientes e suas
famílias sobre os riscos das intervenções na prestação de cuidados
em saúde, especialmente quando as coisas deram errado.
O dano não intencional aos pacientes é muitas vezes tornado
pior pela forma defensiva com a qual muitas organizações
prestadoras de cuidados em saúde respondem aos pacientes
e suas famílias após um evento sério. Em alguns países, a
ocultação por parte das organizações prestadoras de cuidados
em saúde está associada ao aumento de litígios.
• Identificar riscos e perigos no ambiente de prestação de
cuidados em saúde e agir para reduzir seu potencial de causar
danos ao paciente. Na sua forma mais simples, isso requer
meios nos quais o pessoal possa relatar perigos e eventos
dentro da organização prestadora de cuidados em saúde. A
identificação de problemas deve ser vista como uma fonte
de aprendizado, não de culpa. No entanto, o fato de relatar
tem pouco valor se nada for feito. Estratégias para minimizar
riscos e perigos identificados também são vitais.
• Trabalhar com segurança como parte de uma equipe. Mesmo
quando os recursos humanos são limitados, o trabalho
em equipe eficaz pode promover uma boa comunicação,
boa vontade para compartilhar informações e relações
interpessoais eficazes. A transferência eficaz de informações
entre os trabalhadores prestadores de cuidados em saúde
está sendo cada vez mais reconhecida como uma parte
importante do aumento da segurança do paciente. Problemas
no trabalho em equipe podem levar a atrasos no diagnóstico
e controle deficiente de eventos que ameaçam a vida.
É vital assegurar que a segurança do paciente é um
componente principal do currículo educacional, dos programas
de formação e esquemas de indução. As organizações têm a
responsabilidade de oferecer os sistemas e o apoio adequado
para permitir que sua força de trabalho aprenda e aplique as
habilidades e o conhecimento necessários à segurança dos
pacientes. Neste sentido, é importante que exista uma liderança
organizacional forte e segura.
A Aliança Mundial pela Segurança do Paciente, da OMS, está
liderando o trabalho global sobre saúde de pacientes. Lançado
em outubro de 2004, a Aliança proporciona um veículo para a
colaboração e a ação internacional coordenarem, distribuírem e
acelerarem as melhorias na segurança dos pacientes ao redor do
mundo. Isso inclui ação internacional para educação e formação
na área de segurança do paciente. Maiores informações estão
disponíveis no endereço eletrônico www.who.int/patientsafety.
Fontes: (39, 40).
respondendo a necessidades urgentes de saúde
Uma abordagem em equipe é necessária não somente na gestão de indivíduos com
doenças crônicas, mas no tratamento mais geral desses desafios de saúde pública. Em
geral, a prestação de cuidados em casos de doenças crônicas é mais bem realizada
em esforço colaborativo, envolvendo especialistas de saúde pública, planejadores de
políticas e serviços, pesquisadores, criadores de tecnologia da informação e pessoal
de apoio. A equipe multidisciplinar em saúde pública inclui psiquiatras, psicólogos,
pessoal de enfermagem, clínicos gerais, terapeutas ocupacionais e trabalhadores
sociais/comunitários que podem compartilhar sua experiência e colaborar uns com
os outros (37).
Estratégia 2.7 Promover o aprendizado
contínuo para a segurança do paciente
Estudos mostram que
erros na prestação de
cuidados em saúde não
são apenas freqüentes,
eles são as principais
causas de mortalidade e
morbidez
A complexidade das doenças crônicas tem evoluído
na mesma medida que a prestação de serviços para
elas. Embora muita coisa tenha melhorado, o volume de
informações, o número de medicamentos e a miríade de
prestadores levaram a uma quantidade de conseqüências não
intencionais. Podem existir, por exemplo, erros relacionados
a dosagens, identificação errada de pacientes, práticas nãosanitárias ou não-higiênicas relacionadas à lavagem de mãos
ou de equipamentos, ou o acompanhamento inadequado
de pacientes. Estudos mostram que erros na prestação de
cuidados em saúde não são apenas freqüentes, eles são as
principais causas de mortalidade e morbidez (33).
Embora a consciência dos erros e das práticas inseguras seja
um primeiro passo importante para lidar com as complexidades
da prestação de cuidados, existe também uma necessidade de
desenvolver abordagens baseadas em evidências para lidar com elas de forma mais
eficaz, como programas de controle de riscos, abordagens centradas nos pacientes
e o empoderamento do paciente (38) (ver Quadro 2.5).
Para aumentar a qualidade da prestação de cuidados durante longos períodos
de uma forma mais geral, é necessária a educação contínua em controle de
doenças crônicas. O aprendizado contínuo é fundamental para a prática em
saúde, e está intimamente relacionado à qualidade da prestação de cuidados e à
segurança dos pacientes (25, 28).
Quadro 2.6 Reagindo a focos de doenças infecciosas – SARS
O Escritório Regional da OMS para o Pacífico ocidental
está localizado em Manilha, Filipinas. Quando respondeu
prontamente à ameaça da SARS, formou uma equipe de
prontidão e resposta ao foco. Inicialmente essa equipe se
valeu da experiência técnica do pessoal da OMS na região,
mas foi rapidamente complementada por profissionais no
campo da epidemiologia, controle de infecções, diagnósticos
laboratoriais e informações públicas.
As equipes da OMS de epidemiologistas e controle de
infecções se espalharam pela região até a China, Hong
Kong (China), Filipinas, Singapura e Vietnã. Equipamentos
de controle de infecções, como máscaras e túnicas, foram
despachadas de Manilha para países recentemente afetados
e para aqueles considerados vulneráveis a um ataque.
A região teve sorte de ter uma rede em funcionamento
antes do ataque da SARS, chamada Alerta Global de
Focos e Rede de Respostas, estabelecida em 2000.
Esse foi um fato importante, porque a rede forneceu
equipes de apoio operacional com tarefas específicas,
desde a coordenação até a mobilização de recursos,
incluindo recursos humanos. O apoio da OMS
aos países consistiu no oferecimento de diretrizes
técnicas, perícia no local e mobilização de recursos.
Era importante que o tipo de perícia desenvolvida
combinasse com as necessidades de cada país.
Entre as lições aprendidas estavam a necessidade
de ter um ponto focal para coordenar parceiros que
compartilham compromissos e objetivos comuns, e a
necessidade de políticas transparentes e compromisso
político no nível nacional.
Fonte: (41).
29
30
Relatório Mundial de Saúde 2006
MOBILIZAÇÃO PARA NECESSIDADES DE
EMERGÊNCIAS: DESASTRES NATURAIS E SURTOS
EPIDÊMICOS
Pelo menos 40 países ao redor do mundo estão sob o risco de serem afetados
por desastres naturais severos e nenhum país está imune a um foco de doença
altamente infecciosa. Eventos catastróficos repentinos podem esmagar rapidamente
os sistemas locais e nacionais de saúde, em especial aqueles que já estão sofrendo
de déficit de pessoal ou de ausência de fundos. Durante desastres, as comunidades
locais são as primeiras a reagir, seguidas pelos governos local e nacional. Como
nenhuma sociedade tem os recursos para estar adequadamente preparada o tempo
todo, nenhuma nação pode controlar um grande desastre ou um foco de doença
sozinha. Normalmente é necessário um grupo de profissionais internacionais de
saúde qualificados, experientes e bem preparados para ajudar (ver Quadro 2.6).
Além disso, quando a prioridade imediata da assistência humanitária é salvar
vidas, a parceria com as instituições locais e o seu fortalecimento é muitas vezes vista
por agentes externos como um obstáculo que atrasa a distribuição de assistência. O
investimento antecipado no quadro de pessoal doméstico raramente é considerado um
componente necessário de uma resposta de emergência. A África Sub-Saariana, a área
do mundo mais severamente afetada por desastres naturais e provocados pelo homem,
está particularmente vulnerável nesse sentido (42). Uma força de trabalho internacional
de reação a emergências ainda não foi organizada de maneira sistemática. Como
resultado disso, o déficit de recursos humanos permanece sendo um impedimento
sério ao alcance de melhores resultados humanitários e na área de Saúde.
Planos de preparação podem ajudar
A perda de vidas, os focos de doenças e moléstias, e os efeitos
dos desastres naturais podem ser reduzidos se houver planos de
preparação em funcionamento e se eles forem fáceis e rápidos de ativar.
A preparação para emergências requer a disponibilidade de uma base
de dados atualizada das competências reais do pessoal de saúde,
conhecimento sobre como comunicar os riscos eficazmente, e um
meio de priorizar as necessidades de formação, políticas e ações para
assegurar a segurança do pessoal de saúde.
Um plano de preparação completo deve conter componentes
relacionados à maneira que o sistema de saúde deve reagir e outros
relacionados à preparação da resposta geral da força de saúde. Três
respostas gerais são críticas durante uma situação de desastre ou
foco de doença: uma “abordagem do tipo comando-e-controle”, a
colaboração entre todos os setores e a comunicação de riscos. Por
sua vez, os planos para a resposta da força de trabalho devem incluir
formação de equipes qualificadas, uso adequado da força de trabalho combinando
suas habilidades, e proteção dos trabalhadores de saúde.
A perda de vida, os
focos de doenças e
moléstias, e outros
desastres naturais
podem ser reduzidos
pela preparação
Estratégia 2.8 Abordagem do tipo “comando-e-controle”
Uma abordagem à gestão do tipo “comando-e-controle” é fundamental para o
direcionamento de recursos em tempo hábil. Coordenação e trabalho em equipe
são essenciais, mas uma vez que se chegar a um consenso, a velocidade de uma
intervenção pode ser aumentada se a ação for deflagrada de uma maneira direcionada.
Nessas situações, canais de retorno devem ser estabelecidos para que se possa realizar
respondendo a necessidades urgentes de saúde
ações corretivas quando novas situações durante o desenvolvimento de uma crise
demandarem mudanças na direção da ação. Ferramentas simples de gerenciamento
para a supervisão e apoio do pessoal utilizando indicadores igualmente simples
facilitam o fluxo de informações nessas situações. Essa abordagem requer a
integração dos recursos existentes, evitando assim a duplicação ou o desvio
desnecessário de recursos humanos. Ela também requer o mapeamento de todos os
recursos existentes, incluindo cenários de apoio e resposta extras em caso de perda
de recursos ou aumento repentino da demanda.
Outra ação essencialmente necessária para controlar a rápida expansão de medo
e pânico durante focos de doença é a comunicação de riscos, que inclui passar
informações sobre o risco de infecção para os trabalhadores de saúde, leigos e a
mídia, de forma transparente, honesta, crível e compassiva (43).
Estratégia 2.9 Ajudar a remover limites setoriais
Uma resposta maciça a um desastre ou foco requer a remoção de limites entre
trabalhadores de saúde de diferentes setores. A preparação da força de trabalho em todos
os níveis do sistema e a coordenação com outros setores reduzem o impacto da emergência.
A colaboração com outros setores permite o melhor uso dos recursos existentes, evita a
confusão muitas vezes observada durante os períodos iniciais da intervenção e permite
a rápida implementação de medidas para salvar vidas. O planejamento de papéis e
funções específicos para pessoal dos setores militar, de transporte e educação minimiza
a confusão e maximiza a entrada de recursos humanos escassos. Além disso, como o
tsunami de dezembro de 2004 e o terremoto do Sul da Ásia em outubro de 2005 nos
mostraram, o apoio internacional deve ser mobilizado e coordenado.
Quadro 2.7 A resposta da Tailândia a epidemias e desastres
A Tailândia é um país de renda média (PIB per capita de US$
2000) que nos últimos anos tem sido afetado pela SARS, o
tsunami de dezembro de 2004 e a gripe aviária. Na epidemia
de gripe aviária, 60 milhões de aves foram mortas e o
governo pagou US$ 120 milhões em compensação para os
granjeiros. Um plano vertical para a gripe aviária foi aprovado
pelo conselho de ministros em janeiro de 2005, da ordem
de US$ 120 milhões para três anos, com um componente
intenso de recursos humanos. Na epidemia recente, a
Tailândia convocou 800 000 de seus voluntários de saúde em
vilarejos para auxiliar na vigilância de aves. Esses voluntários
existem nos vilarejos da Tailândia desde o início da prestação
de serviços primários de saúde. O país também usou sua
rede de 100 000 centros de saúde, 750 hospitais públicos,
95 hospitais de província e 1330 equipes em cada distrito,
que estiveram acessíveis 24 horas por dia.
A distribuição equilibrada de trabalhadores de saúde é da
maior importância na resposta rápida a doenças infecciosas
e desastres. A distribuição injusta tendendo aos centros
urbanos torna uma resposta eficaz difícil: durante o tsunami
foi possível recrutar nos distritos em torno da capital, por que
os trabalhadores de saúde estavam igualmente distribuídos.
Incentivos são importantes para facilitar a distribuição
equilibrada: um médico recém-formado recebe US$ 1500 por
mês para ir para os distritos mais remotos, o que consiste
num encorajamento muito forte para servir nessas áreas.
Também é importante fortalecer a especialidade
limitada que é a dos “epidemiologistas de campo”, já
que é o primeiro grupo a chegar a áreas de desastre. O
Programa de Formação em Epidemiologia de Campo (Field
Epidemiology Trainning Programme - FETP) da Tailândia
foi lançado em 1980 para formar epidemiologistas com
interesse em saúde pública e para aumentar a capacidade
epidemiológica no Ministério da Saúde Pública.
O programa requer três anos de formação após a formatura
na faculdade de medicina. Os alunos do FETP responderam
rapidamente a 353 ameaças à saúde até hoje, e o governo
começou a dobrar o número de matrículas.
Os epidemiologistas de campo da Tailândia foram
mobilizados quando o tsunami atacou em dezembro de
2004. Eles realizaram uma vigilância ativa de doenças em
todos os distritos afetados. Dados foram coletados em
todas as instituições médicas, dois abrigos para pessoas
desalojadas e dois centros de identificação forense.
Os alunos do FETP visitaram cada local diariamente e
coletaram formulários individuais de relatório de casos
que incluíam informações sobre síndromes, idade, sexo
e nacionalidade. Essas equipes analisaram os dados e
identificaram os eventos que necessitavam de mais ação.
Devido à ameaça das pandemias, os governos devem
investir agora em seus recursos humanos, antes que as
epidemias cheguem.
Fontes: (44, 45).
31
32
Relatório Mundial de Saúde 2006
No nível internacional, a Rede Global de Alerta e Resposta a Focos (Global Outbreak
Alert and Response Network, GOARN)1 oferece uma estrutura operacional que liga as
redes e instituições internacionais e mantém a comunidade internacional alerta para
a ameaça de focos, e pronta para reagir.
Estratégia 2.10 Formar pessoal de saúde adequado para
respostas a situações de emergência
A montagem de respostas imediatas e eficazes a desastres e focos tão variados
quanto terremotos, tsunamis, furacões, enchentes, SARS e gripe
aviária requer uma força de trabalho ágil com habilidades altamente
especializadas, incluindo a capacidade de conduzir diagnósticos
rápidos, vigilância, organização e logística, poder de restrição,
comunicações e de realizar cirurgias de emergência, e de criar
instalações temporárias. Mas a preparação de emergência deve ir
além da identificação de habilidades. As instituições e os programas
de formação devem designar onde essas habilidades são geradas e
atualizadas (ver Quadro 2.7).
Uma fraqueza encontrada em muitos países é uma falta de
capacidade de planejamento e gestão, tanto para a preparação
para emergências quanto para lidar com elas quando acontecerem.
Muitos países simplesmente não têm planejadores e gestores, de
forma que devem ser desenvolvidas novas formas de produzi-los e
ativá-los quando a necessidade surgir. Uma abordagem é oferecer
formação suplementar em gestão de emergências para gestores
que já ocupam postos importantes em agências ou organizações
em que há a possibilidade de envolvimento em uma resposta
de emergência. Essas organizações normalmente incluem
hospitais, ministérios de saúde, governos locais, a força militar,
os responsáveis pelo transporte e comunicações, proteção civil, seguro social e
assim por diante. Essa formação suplementar pode ser conduzida pelo governo
ou por agências não-governamentais.
Também deve haver prioridade para o desenvolvimento de novas categorias
focadas no planejamento e gestão de emergências nas várias agências e instituições
responsáveis pela gestão de emergências. Essas novas categorias poderiam ser
desenvolvidas através de formação, exercícios de avaliação de capacidade, simulações
e uso de emergências como oportunidades para aprender fazendo. Todas essas ações
devem fazer parte de uma estratégia nacional para o desenvolvimento de capacidades
que esteja afinada com os diferentes riscos e níveis de preparação de cada país.
No nível global, a formação de equipes constituídas por membros de várias
agências e nacionais deve enfatizar a importância de se trabalhar com eficácia,
eficiência e segurança, e de acordo com referenciais de excelência e padrões préacordados. Para isso, a OMS e outros membros do Comitê Permanente Inter-Agências
estão desenvolvendo uma Rede de Resposta de Ações Emergenciais em Saúde2,
da qual um dos componentes é um curso de formação especializado direcionado à
melhoria das habilidades do pessoal humanitário que trabalha no campo. O programa
de formação inclui a composição necessária de conhecimento científico, habilidades
técnicas, atitudes, comportamentos e como fazer no campo, e familiaridade com
procedimentos operacionais padrão e plataformas de apoio.
Na resposta a grandes
desastres naturais
ou focos de doenças,
equipes habilitadas
de coordenação de
desastres são tão
essenciais quanto um
grande número de
voluntários formados
1
2
http://www.who.int/csr/foconetwork/en/.
Para maiores informações, visite o site: http://www.who.int/hac/techguidance/training/hearnet/en.
respondendo a necessidades urgentes de saúde
Tabela 2.1 Organização e envio de funcionários públicos de saúde em resposta ao foco
de gripe aviária na Turquia
Competências
necessárias em um
foco de gripe aviária
Controle de operações
Vigilância
Identificação de casos
Verificação de casos
Isolamento de novos
casos
Tratamento de novos
casos
Quarentena dos contatos
Gestão das informações
para o pessoal de saúde
Comunicação de Riscos
Gestão de informações
para a mídia e para o
público
Contenção veterinária
(separação das galinhas)
Questões entre setores
(transporte, turismo)
Tipo de profissional de saúde no que diz respeito ao local de trabalho
Cuidados em saúde secunDiretoria de saúde
dários e terciários
Cuidados em saúde primários
MOH
(Central)
distrital
(hospitais)
(centros de saúde)
ESP/
CG/
PE/
PE/
OUTROS
OUTRO
PE/
PEP ESP CG PEP EDI
E
CG
PE ESP
E
CG PEP OS TSA
*
**
**
***
* Realizado por laboratórios centrais de referência nacional.
** Na Turquia, somente os especialistas em doenças infecciosas têm o direito legal de prescrever Tamiflu.
*** Ninguém, exceto altos funcionários do Ministério da Saúde, têm a autoridade de falar com a mídia.
TSA: Técnico de saúde ambiental: 4 anos de formação em escola secundária com especial ênfase em questões de saúde ambiental
CG: Clínico geral: formado após 6 anos de faculdade de medicina com licença para praticar a medicina
OS: Oficial de saúde: o mesmo que um profissional de enfermagem mas somente formado em escola secundária.
EDI: Especialista em doenças infecciosas: formado em faculdade de medicina com 4-5 anos de formação.
PE: Profissional de enfermagem: 4 anos de formação em escola secundária ou universidade; não há diferença na oferta de emprego ou na
definição do posto, embora um maior número de formados em escola secundária sejam empregados em hospitais
PEP: Profissional de enfermagem/parteira: o mesmo que um profissional de enfermagem, mas formado mais especificamente para prestar
serviços de saúde materna e infantil, incluindo partos domésticos.
Outro S: Outro especialista: medicina interna, pediatria, etc.: formado em faculdade de medicina com 4-5 anos de formação.
33
34
Relatório Mundial de Saúde 2006
Estratégia 2.11 Desenvolver uma estratégia de oferta
emergencial diferentes de trabalhadores de saúde
As estratégias para a organização e envio de tipos e categorias diferentes de
trabalhadores de saúde com papéis e funções específicos durante um período de
crise é um componente essencial de um plano de preparação emergencial. O plano
deve incluir uma distribuição de tarefas por toda a força de trabalho em saúde que
combine habilidades e capacidades a intervenções sanitárias esperadas. A Tabela
2.1 lista os vários tipos de pessoal de saúde que foram reorganizados no sistema
de prestação de cuidados em saúde pública da Turquia durante o foco recente de
gripe aviária. Além do pessoal do Ministério da Saúde, funcionários de outros setores
também devem ser mobilizados.
Na resposta a grandes desastres naturais ou focos de doenças, equipes habilitadas
de coordenação de desastres são essenciais, em especial para controlar o grande
número de voluntários capacitados que são enviados nessas situações. Devido à
escassez de trabalhadores habilitados e da demanda gigantesca, uma triagem
eficiente é imperativa. A transferência de tarefas e habilidades simplificadas para os
membros adequados da força de trabalho e evitar o desperdício de habilidades por
parte do pessoal altamente qualificado são princípios essenciais de uma distribuição
eficaz dos profissionais de saúde durante as situações de emergências.
Estratégia 2.12 Garantir apoio adequado para
trabalhadores na linha de frente
O pessoal que está lidando com emergências deve ser apoiado com transporte,
suprimentos e equipamentos de comunicação em quantidade suficiente. Isso deve
estar especificado no plano de resposta emergencial. No caso de pandemias, o acesso
da força de trabalho em saúde à prevenção e ao tratamento é uma prioridade(46).
Informações sobre medidas de controle de infecções devem estar disponíveis aos
trabalhadores da linha de frente.
Emergências demandam horas extras de trabalho, muitas vezes levando à
exaustão física e mental (21). Incentivos e recompensas, tanto financeiras quanto
pessoais, devem ser oferecidas para compensar os trabalhadores de saúde por seus
esforços extras. Isso ajuda a levantar a moral e manter os níveis de compromisso com
o serviço no nível mais alto possível. O planejamento de perdas intensificará ainda
mais a preparação (47).
TRABALHANDO EM AMBIENTES DE
CONFLITO E PÓS-CONFLITO
Conflitos muitas vezes causam danos severos e de longa duração à força de trabalho
em saúde. Pessoal qualificado pode ser morto ou forçado a abandonar seus empregos.
Em conflitos prolongados, surgem várias tendências destruidoras. Trabalhadores civis
fogem de centros de saúde e hospitais em áreas perigosas, e instalações localizadas
em áreas mais seguras ficam com excesso de pessoal. Os sistemas de gestão entram
em colapso, ambientes de trabalho se deterioram e os valores profissionais entram
em declínio (48). Trabalhadores de saúde desesperados para ganhar a vida podem
deslizar para práticas como aceitar pagamentos por baixo dos panos ou desviar
medicamentos. Em conflitos de longa duração, agências de assistência, cujo principal
objetivo é o de recrutar pessoal para cuidar de refugiados, podem competir pelos
poucos trabalhadores de saúde disponíveis. Nessas situações, os serviços públicos
locais são quase invariavelmente os perdedores (49).
respondendo a necessidades urgentes de saúde
Uma crise severa, especialmente se prolongada,
pode distorcer radicalmente a composição e diminuir
a competência da força de trabalho em saúde. “Cursos
rápidos”, com a intenção de preparar trabalhadores de
saúde a enfrentar epidemias de doenças infecciosas e
violência sexual durante a fase aguda de uma crise, são
muitas vezes inadequados. A formação improvisada tende
a continuar durante o período de reconstrução pós-conflito,
à medida que as complexidades de educar o pessoal de
saúde são ignoradas e iniciativas apressadas – como cursos
intensivos – são realizadas para preencher lacunas deixadas
por funcionários importantes, como médicos e pessoal de
enfermagem. Essas distorções – que impedem a recuperação do setor Saúde
após os conflitos terem terminado, e muitas vezes demandam estratégias
agressivas, sustentadas e bem-abastecidas para remediá-las – podem ser
minimizadas através de uma administração eficaz.
Conflitos muitas vezes
causam danos severos
e de longa duração à
força de trabalho em
saúde
Estratégia 2.13 Obter e manter informações estratégicas
No ambiente mutante de emergências complexas, as pessoas com
responsabilidades de administrar o setor Saúde têm que investir desde cedo na
obtenção e atualização de informações sobre a força de trabalho. Isso significa
descobrir quantos trabalhadores de saúde existem, onde estão, e quais são
suas capacidades. Essas avaliações, baseadas em informações quantitativas
e qualitativas, devem incluir todas as categorias de trabalhadores de saúde,
qualquer que seja seu status ou qualificações (não apenas os trabalhadores do
setor público). Um erro que ocorre muitas vezes é lançar estudos de campo
ambiciosos e detalhados ou inventários que levam muito tempo para tornaremse úteis e que carregam custos de oportunidade muito pesados. Esforços para
obter informações estratégicas devem ser pragmáticos e um estímulo à ação.
Essas informações, mesmo que incompletas, podem ajudar a manter um foco nos
recursos humanos em planos ou iniciativas setoriais mais amplos.
Estratégia 2.14 Investir em planejamento avançado e
intervenções focadas
O estabelecimento de um ponto focal de alto nível para os recursos humanos
dentro do Ministério da Saúde – como no Afeganistão, onde foi colocado no nível
da Diretoria Geral – ou no órgão que está agindo como autoridade de saúde, pode
ser um ponto de referência e de convocação útil (50). Uma ação dessas torna
mais provável que os planos avançados para a reabilitação de recursos humanos
sejam considerados quando as prioridades de desembolso e controle de gastos
públicos forem revistas. Moçambique, por exemplo, fez planos para recursos
humanos para a saúde antes do final do conflito e foi capaz de introduzir medidas
corretivas em tempo hábil (51). Ao mesmo tempo, a ação deve ser focada e
direcionada para o contexto específico. Em fases de conflitos intensos, a proteção
dos recursos humanos será da maior importância. Da mesma forma, em tempos
de conflito prolongado, reparos serão essenciais, como o será a reabilitação
durante as fases de transição.
35
36
Relatório Mundial de Saúde 2006
Mesmo nos países
em crise, muitos
profissionais trabalham
incansavelmente e
muitas vezes sem receber
nada por isso
Estratégia 2.15 Proteger o que funciona
Durante conflitos intensos, o foco deve recair sobre a manutenção
e o apoio àquilo que funciona. O Quadro 2.8 destaca a importância
de proteger sistemas e serviços de saúde durante conflitos. A força
de trabalho deve ser organizada para apoiar ilhas institucionais
de serviços fundamentais confiáveis, em especial depósitos de
suprimentos médicos e hospitais. A manutenção de uma série de
centros de boa prática clínica e gerencial é de suma importância para
salvaguardar o conceito do que significa realmente um hospital em
funcionamento, centro de saúde ou distrito operacional. Os recursos
financeiros de doadores devem ser canalizados para estruturas ainda
em funcionamento para conservá-las adequadamente abastecidas
e mantidas. Isso é melhor do que usá-los de forma apressada
para introduzir novas formas de intervenção, como clínicas móveis, ou para lançar
campanhas de imunização para toda a população. Tudo isso funciona melhor se for
feito com o total envolvimento de organizações não-governamentais e agências
humanitárias e com horizontes de planejamento de curto prazo como o ciclo de 90
dias usado em Darfur (Sudão) e Libéria.
Mesmo nos países em crise, existem muitos profissionais trabalhando incansavelmente,
muitas vezes sem receber nada por isso. Para que haja um avanço, a primeira necessidade
são recursos financeiros para fazer com que as instituições funcionem, para permitir que
aqueles que trabalham nelas possam se alimentar, e para evitar que recorram à cobrança
de taxas aos usuários ou ao furto de medicamentos. O pagamento de salários decentes aos
trabalhadores locais é muito mais barato do que trazer voluntários do exterior.
Estratégia 2.16 Recuperar e preparar
Conflitos prolongados e emergências complexas requerem que o foco inicial recaia
sobre o conserto, em fazer as coisas funcionarem, e não em sua reforma. A oferta
de serviços mínimos de saúde em áreas rurais requer um fortalecimento imediato
do sistema de prestação de cuidados em saúde e da força de trabalho. Esse é um
processo difícil de gerenciar e depende em parte da identificação de incentivos (como
por exemplo, incentivos monetários ou à carreira) para encorajar os trabalhadores de
saúde a assumirem postos em locais menos desejáveis.
Manter o foco na recuperação e preparação significa:
• reorganizar e reenviar trabalhadores de saúde levando em consideração áreas
ou distritos (e não programas), de forma pragmática e flexível;
• oferecer proteção e apoio aos trabalhadores de saúde;
• tomar medidas antecipadas para evitar a comercialização do setor Saúde. Taxas
de usuários são ineficientes e têm efeitos perversos;
• obter o compromisso da comunidade de doadores e de todos os outros principais
atores para chegar a um consenso sobre os critérios de planejamento para os
recursos humanos e padrões acerca de apoio para redes existentes, níveis
salariais, contratos e diretrizes para medicamentos essenciais.
Estratégia 2.17 Reabilitar quando a estabilidade
começar
Uma vez que uma situação de crise tenha começado a se estabilizar, a primeira
necessidade é adotar medidas para corrigir distorções no mercado, incluindo:
• Estabelecer sistemas para avaliar o nível de competência dos trabalhadores de
saúde que surgem da crise, combinado a uma revisão de categorias, descrição
de postos e programas de formação que tenham proliferado durante a crise.
respondendo a necessidades urgentes de saúde
37
• Estabelecer nova capacitação para preencher lacunas. Trabalhadores de saúde
que tenham recebido treinamento em sala de aula em sua maioria, devem receber
formação clínica, enquanto as pessoas que tenham recebido formação prática
devem, por sua vez, obter a experiência em sala de aula necessária para obter
maior autonomia.
• Limitar uma maior expansão irregular da força de trabalho. Se o tamanho da força
de trabalho for muito grande, congelar o recrutamento e a formação pré-serviço
e investir na formação em serviço. Deve-se considerar se é preferível formar
pessoal adicional ou se a prioridade deve ser dada à continuação da formação
de pessoal existente que possuam qualificações limitadas.
• Enfatizar educação de médicos e pessoal de enfermagem bem no início das
situações pós-conflito, para restabelecer padrões educacionais e evitar a
formação em massa de médicos e pessoal de enfermagem mal-qualificados.
• Continuar a organizar e enviar pessoal e estabelecer redes de prestação de
cuidados em saúde em áreas que tenham permanecido excluídas.
• Ampliar a prestação de serviços de saúde, oferecendo acesso a todos,
independente da capacidade de pagar, e estabelecendo medidas de
proteção contra possíveis conseqüências financeiras da busca pela
prestação de cuidados.
CONCLUSÃO
Os desafios destacados neste capítulo ilustram o espectro de necessidades às quais
se espera que a força de trabalho em saúde atue. A visão desses desafios a partir da
perspectiva da força de trabalho ajuda a identificar oportunidades e restrições. As
avaliações realizadas revelam uma grande diversidade e, ao mesmo tempo, várias
coisas em comum – trabalho em todos os setores, simplificação de tarefas, apoio
adequado aos trabalhadores de saúde.
Quadro 2.8 Protegendo os sistemas de saúde e a prática biomédica durante conflitos
Os usos e os maus usos de conhecimento biomédico
e de saúde pública durante tempos de guerra e conflito
armado são muito comuns. Crimes médicos e contra a
saúde pública, como o desvio de suprimentos médicos e
recursos humanos, abuso e tortura, assassinato médico
em nome da ciência, e eugenia para fins sociais, foram
perpetrados com a cumplicidade de profissionais médicos
e de saúde em países como Bósnia-Herzegovina, Camboja,
a Alemanha nazista e Ruanda. Muito mais freqüentes,
porém, são os casos em que profissionais de saúde são as
próprias vítimas. O ataque contra o Hospital de Vukovar na
véspera da guerra na antiga Iugoslávia, em 1991, enfatiza
a extrema vulnerabilidade das instalações de saúde e do
pessoal médico em operação em zonas de guerra.
Desde que o Código de Nuremberg concluiu, em 1947,
o julgamento do Processo contra os Médicos – o Caso dos
Médico dos subseqüentes Procedimentos de Nuremberg
– e fundou a biomédica como disciplina independente,
dúzias de tratados de compromisso, declarações e outros
textos apresentaram dispositivos bem específicos
que protegem o público e os biomédicos de danos (e
de causar danos) tanto em tempos de paz como em
tempos de conflito. Em junho de 1977, por exemplo, 27
artigos, conhecidos como os “princípios da neutralidade
médica” em tempos de guerra, foram acrescentados ao
corpo da Lei Humanitária Internacional, os Protocolos
Adicionais às Convenções de Genebra. A reformulação
mais recente das competências e responsabilidades dos
trabalhadores humanitários em tempos de conflito e
desastres provocados pelo homem, aparece no Guia da
Esfera, um documento que objetiva melhorar a qualidade
e a responsabilização do sistema humanitário.
A proteção dos sistemas de saúde e da prática
biomédica contra danos requer um compromisso
universal. Como pré-requisitos para esse compromisso,
os currículos educacionais formais dos profissionais
de saúde devem gradualmente incorporar estudos de
biomédica, direitos humanos e direito humanitário.
38
Relatório Mundial de Saúde 2006
O importante, para o tema deste relatório, é reunir esforços já mencionados várias vezes
no Relatório. A colaboração de todos os setores em casos de doenças crônicas e emergências,
realizando sinergias com todos os programas para o alcance dos ODMs, e reunindo as partes
interessadas para chegar a um consenso sobre as estratégias para proteger o que funciona no
contexto dos conflitos, defende com abundante clareza o trabalho em conjunto.
O exame de cada uma dessas estratégias sob a perspectiva da força de trabalho revela percepções
importantes não somente das necessidades, mas também de inovações empolgantes. Os esforços
para integrar o controle clínico de doenças de adultos e a mudança para competências surgindo do
novo paradigma de controle de enfermidades crônicas representam inovações importantes no âmbito
da formação e na distribuição da força de trabalho. Aproveitar e nutrir essas percepções e inovações
deve ser o foco principal de um planejamento mais sistemático para a força de trabalho em saúde.
O planejamento para a força de trabalho em saúde com relação a cada desafio importante
e com relação a todos os desafios é a mensagem principal que surge deste capítulo. Conforme
foi sugerido, em situações de conflito/pós-conflito, uma avaliação dos recursos humanos é um
primeiro passo importante. Quando sabe-se que há um déficit de trabalhadores de saúde em
relação à prestação de determinados serviços, será possível organizar respostas adequadas (e
não em incrementos). As descobertas dessas avaliações ajudam a criar um quadro mais realista
e amplo das necessidades do setor Saúde.
No entanto, essas análises específicas apontam para a necessidade de um planejamento
mais abrangente da força de trabalho em alinhamento com as linhas dos modelos de entrada,
permanência e saída (ver Visão Geral). A chamada para novos tipos de especialidades,
trabalhadores, melhor padronização de especialidades, novos programas e nova formação,
coloca demandas significativas sobre as instituições de formação dos trabalhadores de saúde.
Essas demandas são discutidas com maior profundidade no Capítulo 3. A importância de uma
gestão eficaz do tipo “especialidades para tarefas”, informações sobre desempenho e o uso de
diferentes métodos de gestão, desde a delegação à colaboração ao comando-e-controle, está
entre os desafios de otimizar o desempenho da força de trabalho in situ (ver Capítulo 4). Por fim,
a necessidade de assegurar a saúde da força de trabalho e de planejar um descanso adequado,
ou mesmo a perda de trabalhadores individualmente, consiste em dimensões importantes do
controle dos fluxos de saída (ver Capítulo 5).
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