- Encontro ABET 2015

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GESTÃO DE PESSOAS: ANÁLISE CRÍTICA DAS ESTRATÉGIAS DA
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Resumo:
O objetivo deste artigo é analisar de forma crítica como a gestão de pessoas,
enquanto estratégia de organização do trabalho inserida nas novas configurações da
reestruturação produtiva pode intensificar a exploração da força de trabalho, direcionar
valores humanos em hábitos funcionais para a produtividade e repercutir na saúde dos
trabalhadores. Nesse cenário, discutiu-se acerca do mecanismo de controle sobre a
subjetividade do trabalhador para a manutenção da capacidade produtiva, com a finalidade de
compreender tais mecanismos e quais as possibilidades de desenvolver essas estratégias éticoorganizacionais num capitalismo amoral. Para tanto, buscou-se o conceito de “estranhamento
do ser social” que permite analisar os elos subjetivos e objetivos através dos quais os homens
se adequam à finalidade produtiva ou resistem aos instrumentos engenhosos da organização
do trabalho. A metodologia qualitativa foi desenvolvida a partir da observação participante e
do estudo de caso de uma empresa pública de grande porte para compreender o significado
das estratégias constituídas na esfera de gestão de pessoas que contribuem para a precarização
social do trabalho.
Palavras-Chave: Trabalho, Gestão de Pessoas, Saúde, Precarização.
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XIV Encontro Nacional da ABET – 2015 – Campinas/UNICAMP
GT (Grupo de Trabalho) escolhido: Condições de Trabalho e Saúde
GESTÃO DE PESSOAS: ANÁLISE CRÍTICA DAS ESTRATÉGIAS DA
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Ana Claudia C. Mendonça Semêdo e Tássia Cristina P. Sampaio Nascimento
Doutoranda em Ciências Sociais e Mestranda em Ciências Sociais
Universidade Federal da Bahia - UFBA
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Introdução
Este artigo pretende discutir como a técnica de gestão de pessoas pode causar efeito
reverso ao propósito de adaptação do trabalhador ao contexto organizacional, através da
discussão e reflexão sobre o processo de estranhamento do ser social e do desenvolvimento
dos mecanismos ético-organizacionais da organização do trabalho num capitalismo amoral.
Para compreender esse objetivo, construiu-se uma reflexão sobre tais categorias de análise a
partir de uma metodologia qualitativa com o intuito de verificar como se manifesta o processo
de estranhamento do ser social frente aos instrumentos engenhosos de humanização do
cenário laboral e quais os impactos para a saúde do trabalhador.
Para tanto, o artigo está dividido em três perspectivas de análise que reúnem as
contribuições teóricas dos estudiosos sobre o tema, ao tempo em que problematiza a conexão
e mediação entre os significados de gestão de pessoas e estranhamento do ser social. Dessa
forma, a primeira parte aborda o próprio conceito de gestão de pessoas e o seu contexto; a
segunda perspectiva de análise discute os mecanismos ético-organizacionais no âmbito do
capitalismo amoral; e a terceira perspectiva de análise reflete sobre o “estranhamento do ser
social” e sua manifestação no contexto organizacional do trabalho.
1. Metodologia
Frente ao propósito de discutir como as estratégias desenvolvidas sob a ótica de
gestão de pessoas pode causar comportamentos humanos não funcionais ao contexto
organizacional, buscou-se analisar a repercussão e os respectivos impactos para a saúde dos
trabalhadores. Para compreender esse objetivo, construiu-se uma reflexão a partir de uma
metodologia qualitativa, consubstanciada na análise dos prontuários psicossociais construídos
mediante o acompanhamento da equipe multiprofissional constituída pelos profissionais de
Serviço Social, Psicologia e Medicina do Trabalho, na observação participante desenvolvida
nas entrevistas realizadas com os empregados, e no levantamento realizado a partir do sistema
de saúde da Empresa. Optou-se pela observação participante visando contemplar a
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experiência das autoras em empresas de grande e médio porte nos setores de recursos
humanos e de saúde do trabalhador. A pesquisa teve como público os trabalhadores atendidos
pela área de segurança e saúde no trabalho no período de 2013-2014, e como objeto de estudo
as políticas internas organizacionais e os respectivos reflexos sobre os trabalhadores.
O acompanhamento realizado pela equipe interdisciplinar de saúde era desenvolvido
por meio de dois programas corporativos: o Programa de Saúde Mental no Trabalho - PSMT,
e o Programa de Acompanhamento Sócio-ocupacional – PAS. O PSMT tinha como objetivo
principal realizar avaliação psicológica dos empregados juntamente com os exames médicos
periódicos, construir a estatísticas dos adoecimentos, identificar os casos de transtornos
mentais e comportamentais relacionados ao trabalho, e acompanhar a recuperação do
processo de saúde dos empregados.
Já o PAS tinha a finalidade de identificar os casos de afastamento por motivo de
saúde que eram encaminhados para o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS,
construir a epidemiologia dos adoecimentos, e orientar os empregados acerca dos direitos
sociais, celetistas e previdenciários para casos relacionados e não relacionados ao trabalho. O
estudo epidemiológico referente ao absenteísmo médico era construído a partir do gênero,
setor de trabalho, tipos de adoecimento, pela existência ou não de nexo causal, por idade e
tempo de empresa.
Para o universo desta análise, priorizaram-se os adoecimentos relativos aos
transtornos mentais e comportamentais, uma vez que a saúde mental é o campo que
possibilita a análise e compreensão do comportamento humano frente às influências
decorrentes do mundo do trabalho.
Diante de tais instrumentos, observou-se que os transtornos mentais e
comportamentais
lideraram
os
afastamentos
por
motivo
de
saúde
no
período
supramencionado. De 150 casos acompanhados, 97 eram de saúde mental. Desses, 90
apresentou pelo menos um fator problemático relacionado com o ambiente de trabalho, entre
várias causas: conflitos interpessoais na equipe e entre chefia e empregado, violência
psicológica, assédio moral, abuso de autoridade, perseguição da chefia, perseguição de
colegas de trabalho, desrespeito ao trabalhador, mudança de atividade e setor sem
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comunicação com o trabalhador, diminuição da remuneração sem comunicação prévia, entre
outros fatores.
Apesar da variedade de situações psicossociais que contribuíram para o surgimento
ou agravo do transtorno mental e comportamental relacionados ao trabalho, observou-se que a
cultura organizacional e as técnicas de gestão de pessoas que buscavam o controle sobre a
subjetividade do trabalhador, na expectativa de adaptar o comportamento dos empregados à
produtividade, tinha o efeito reverso, levando ao descontentamento, questionamento e agravo
do processo de adoecimento.
Do total de 97 empregados afastados por saúde mental, todos contestavam e
apresentaram como um dos fatores de risco psicossocial para o adoecimento, a desvalorização
do trabalhador em detrimento da priorização dos negócios da empresa, que se expressava de
diversas formas, desde o controle sobre a vida do empregado às formas superficiais para
conquistar a fidelidade do trabalhador.
Por outro lado, foram observadas duas características que sempre estavam presentes
no comportamento dos trabalhadores: aqueles que questionavam a cultura organizacional e
retornavam ao trabalho, demonstrando adaptação ao ambiente de trabalho; e aqueles que
questionavam e contestavam a cultura da empresa, trazendo tal descontentamento ao longo de
todo o acompanhamento de sua saúde, sem êxito no processo de recuperação, e com a
manutenção de longo período de afastamento, superior a dois anos.
No que se refere ao primeiro grupo de trabalhadores considerados, no decorrer do
acompanhamento da equipe multiprofissional, constatou-se que a maioria dos trabalhadores
no processo de recuperação e tratamento do diagnóstico de transtorno mental e
comportamental retornou ao trabalho, apesar da constante resistência à cultura organizacional.
No entanto, apesar de retornarem ao trabalho, esses mesmos empregados apresentavam novos
afastamentos pelo INSS, em períodos intermitentes, demostrando uma inconstante
readaptação à realidade laboral.
Quanto ao segundo grupo de trabalhadores observados, percebeu-se uma
manifestação do estranhamento da cultura organizacional, pondo em análise as próprias
condições de trabalho oferecidas pela Empresa. Porém, tal grupo de trabalhadores apresentava
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longo período de afastamento, sem indicação de retorno ao trabalho até o final do período
analisado.
Diante de tais dados, a seguir analisaremos a categoria de estranhamento discutida
por Lukács, bem como a compreensão da técnica de gestão de pessoas com o objetivo de
construir um paralelo com a realidade observada neste campo de pesquisa.
2.
A função da estratégia de gerir pessoas na organização do trabalho: as trajetórias
da exploração do ser
A administração de pessoas nas empresas/indústrias como forma de controle do
trabalhador, pode-se dizer, surgiu com a administração cientifica proposta por Taylor, ele que
tivera origem como trabalhador operário, conseguiu reunir uma diversidade de técnicas em
uma “política” de gestão única que ficou conhecida como Taylorismo. Inicialmente
implantada somente nas indústrias automobilísticas, logo essa técnica se espalhou por
diversas outras.
Algumas características que definiam essa forma de gestão eram a divisão entre
administração/planejamento e execução das atividades, o controle do tempo e eliminação dos
“tempos mortos”, a expropriação do conhecimento da atividade do operário, o controle da
vida fora da empresa, e a escolha do operário padrão.
Essas características foram se perpetuando em todas as empresas e se caracterizando
como um padrão de administração do sistema capitalista. Esse processo se aprofundou ainda
mais com a Ford. Henry Ford, que integrou e aperfeiçoou as técnicas trazidas pelo taylorismo,
teve como diferencial a introdução da esteira rolante que permitiu ainda mais a eliminação
dos tempos mortos e o aumento da intensidade do trabalho.
Ford não só propôs um aumento na produtividade como também impulsionou o
aumento no padrão de consumo que apontava para a aquisição em larga escala de produtos.
Ele abarrotou o mercado com sua produção e junto com ele, todos que aderiram a esse
modelo de gestão.
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A partir daí, no final da década de 60 e início da década de 70, a “crise da
superacumulação”, por conta da desaceleração do crescimento, motivou um processo de
reorganização do capital, com vistas à retomada do seu patamar de acumulação e de seu
projeto global de dominação.
Ou seja, a crise do padrão de acumulação Taylorista - Fordista, que aflorou neste
período, acarretou um processo de reestruturação produtiva visando a recuperação dos
patamares de lucratividade do capital. A organização do trabalho que se seguiu denominada
de "modelo japonês" de produção se expandiu, pois se mostrava como uma opção possível
para a superação capitalista da crise. A grande questão, neste caso, era saber como adaptar
este modelo às especificidades de cada região (ANTUNES, 2002).
Esse novo modelo, conforme esclarece Antunes (2002, p. 58), é baseado numa nova
forma de organização industrial. Ele pretendia constituir uma relação entre o capital e o
trabalho mais favorável, tendo em vista a caracterização de um trabalho mais qualificado,
polivalente, “participativo”, e multifuncional dotado de maior realização no espaço produtivo.
Isso, entretanto, não se verificou, uma vez que, subjaz a essas novas formas de organizar o
trabalho, houve um processo de controle e intensificação, que termina por gerar um
aprofundamento dos mecanismos de alienação do trabalhador.
Essas mutações repercutiram de forma profunda no âmbito do trabalho, e podem ser
identificadas como a era de uma mundialização inédita do capital, apoiada num projeto político
e econômico de cunho neoliberal e que se concretizou essencialmente através de uma
reestruturação intensa e longa da produção e do trabalho (DRUCK, 2011). “A flexibilização do
trabalho trouxe, sim, mudanças na aparência dos fenômenos, o refinamento dos discursos e a
ampliação de instrumentos de controle sobre o trabalho dominado e do sequestro da
subjetividade dos indivíduos.” (Franco, 2011)
Harvey (1992) denominou o novo processo de reorganização do trabalho de
“acumulação flexível”, em função da característica de flexibilização de processos, produtos e
das relações de trabalho. Esse processo envolveu rápidas mudanças de desenvolvimento
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desigual tanto de setores como de regiões, de tal forma a aumentar o controle e a exploração
da força de trabalho.
A reestruturação produtiva, portanto, deu inicio a um processo generalizado de
exploração e precarização do trabalho e os seus efeitos podem ser constatados em todos os
ambientes de trabalho. Mesmo com o aumento dos empregos no setor dos serviços, os
paradigmas da flexibilização e precarização têm sido reproduzidos indiscriminadamente.
Essas formas, pela exarcebação dos mecanismos de exploração, terminam aumentando os
níveis de adoecimento e aprofundando a precarização social do trabalho e da própria vida.
Compreendemos com isso que “o trabalho prescrito tem sido revertido por uma
roupagem científica desde o final do século XIX. A imposição do modo de trabalhar foi
consagrada e radicalizada pelo Taylorismo e sucessivamente enriquecida e refinada pelas
diversas escolas de humanização do trabalho e se consolidaram na esteira das resistências e
críticas ao Taylorismo no século XX.” (Franco, 2011)
Diante deste contexto é importante compreender o significado da “gestão de pessoas”
que se consolida no cenário da reestruturação produtiva. Surge, então, o que se pode chamar
de “Escola de Relações Humanas” que teve como objeto de estudo a administração de
recursos humanos, - ou atualmente, a conhecida gestão de pessoas - e as suas competências
dentro da organização das empresas.
De acordo com Lemos (2003, p. 67), a gestão de pessoas nasce com o propósito de
administrar, como todos os setores de administração; ela tem uma multiplicidade de atuações e
de campos de conhecimento e atua em diversas frentes, mas sempre com foco no indivíduo. A
gestão de pessoas possui uma atuação focada na implantação de políticas direcionadas pelas
diretorias das empresas e estas são fundamentalmente votadas para o aumento da produtividade
e lucro.
No Brasil, o desenvolvimento deste setor está diretamente atrelado às mudanças
políticas e econômicas do país e das transformações no âmbito mundial também. Isso alterou
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ao longo dos anos a organização e a sua atuação, gerando muitas vezes críticas devido ao seu
distanciamento dos setores operacionais e da implantação de políticas inadequadas às
empresas.
Em nossa experiência com o setor, deparamo-nos muitas vezes com a incoerência
entre a construção de políticas e planos de gestão e a realidade do trabalhador a qual será
aplicada aquela política. Isso demonstra muitas vezes a incapacidade da gestão em conhecer
os demais setores, mas reflete também a tentativa de “enquadrar” um universo de pessoas em
um padrão de gestão que não leva em conta seus tempos biopsicossociais.
Com isso acreditamos que não se pode pensar em gestão de pessoas sem uma análise
crítica da sua atuação, umas vez que seus processos e procedimentos induzem a um aumento
da produtividade e da superexploração sob o véu ilusório de “desenvolvimento de pessoas” e
do “vista a camisa do time”, que pressupõe equivocadamente a participação do trabalhador
nas decisões da empresa.
Na análise dos subsistemas de uma organização, observa-se que todas as áreas
(recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, qualidade de vida no trabalho e
administração de benefícios), estão voltadas a captação de funcionários mais adequados aos
cargos (chamados operários padrão), capacitação para a melhor produtividade possível e a
manutenção da vida no trabalho.
Essas características sugerem que, apesar de aparentemente o foco da gestão de
pessoas ser os indivíduos, na realidade seu foco é na organização e na ampliação da obtenção
de resultados com a maior eficácia possível. Ela tem, a depender da estrutura da empresa, a
possibilidade de transição da sua posição hierárquica podendo estar tanto ligada diretamente à
diretoria, como também abaixo de coordenações e diretoria administrativa. (Lemos, 2003)
Quanto à Administração de Recursos Humanos – ARH, Limongi-França (2009) a
compreende com foco na Psicologia social. Para ela, a pedra fundamental da gestão de
pessoas está na contribuição conceitual e prática para uma vida humana mais saudável, com
resultados legítimos de produtividade, qualidade, desenvolvimento e compatibilidade
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sustentável. Trata-se de um enfoque nos processos comportamentais integrados aos aspectos
administrativos da empresa.
As técnicas de gerenciamento, atualmente, predominantes, dentro dos paradigmas
voltados à acumulação flexível e maximização de lucros, ao estimular a exacerbação da
competição entre os empregados, concorrem, simultaneamente para reforçar o individualismo e
promover o aumento do cansaço. Existem múltiplos aspectos na gestão desgastante. O discurso
sedutor marcado pela ideologia da excelência e por promessas de liberdade se disseminou a
partir de grandes empresas e contrasta com a implementação de políticas de pessoal,
extremamente, opressivas. “Esse aspecto que instituiu uma tecnologia de mascaramento para
superexploração se constitui no interior das organizações o motor central da produção de danos
à saúde mental dos assalariados”. (Seligmann, 2011, pág. 468). Com isso as formas de gestão
levam a insegurança quanto ao futuro e a vivências de medo e incertezas.
A doença da gestão contemporânea é o “gerencialismo”, e este “se tornou uma
verdadeira epidemia”, segundo as palavras do sociólogo Vincent de Gaulejac (2011), para ele
esta obsessão tem como objetivo maximizar as vantagens de lucro e domínio de mercado com
o mínimo de custo e no prazo mais curto possível. Para isso, recorre-se a práticas de gestão
engessadas que não levam em conta as variações e complexidades dos contextos locais,
situação de trabalho, inadequação de recursos e de condições de trabalho por muitos dirigentes
e gestores.
A partir deste quadro, e do contexto no qual o trabalhador vivencia, a impotência diante
da sua realidade produz instabilidade, insegurança, desconstruindo laços e desestruturando a
participação social e política, gerando isolamento social, vivências de mal estar e sofrimento
psíquico que podem desdobrar em patologias e adoecimento mental.
Assim, a precarização do trabalho tem impactos na realidade subjetiva vivida pelos
trabalhadores, ou seja, “a convivência em um mundo onde se perdeu uma série de garantias
trabalhistas, direitos adquiridos”; direitos e garantias que protegem não só socialmente, mas
psiquicamente as pessoas. (Lancman; Toldrá; Santos, et. al. in Glina; Rocha, 2010). Além
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dessa perda, houve também o superestímulo ao individualismo o que demoliu o corpo social,
destruindo grupos coesos, dissolvendo a união e solidariedade que unia equipes de trabalho.
Essa destruição facilitou a precarização do trabalho e da saúde e fragilizou os coletivos de
resistência, o que inclui também a relação com sindicatos.
Seligmann (2011) afirma que a saúde “sofre os impactos da desregulamentação e da
flexibilização do trabalho.” Ela aborda que a flexibilização não desestabilizou somente o
trabalho, mas outros aspectos da vida humana, isso se refletiu também em uma ilusão de
liberdade trazida por esta concepção de flexibilização. Com isso foi permitida a
desestruturação dos contratos de trabalho, na exigência da rapidez e velocidade no ambiente de
trabalho o que, segundo ela, desconsidera os tempos necessários ao trabalho mental cognitivo e
afetivo. O trabalho humano tem se tornado cada vez mais mental, mas o seu desgaste passou a
ser ignorado.
A partir desse cenário foi possível também a criação do “banco de horas” (que prolonga
as jornadas sem o devido pagamento), os salários variáveis, valorização da polivalência, o que
desqualifica o trabalhador especializado. Dessa forma se abala também um dos suportes da
saúde mental que é o reconhecimento, não só do trabalhador como pessoa, mas também do seu
trabalho realizado.
Considerando as questões colocadas, inicialmente, elabora-se uma crítica a estes
modelos de gestão, uma vez que eles podem tornar o mundo do trabalho patológico e
adoecedor. Para tanto, discute-se, a seguir, as possibilidades de implementação dos
mecanismos ético-organizacionais no contexto de um capitalismo amoral.
3.
A gestão de pessoas e os mecanismos ético-organizacionais no âmbito do
capitalismo amoral, duas trilhas contraditórias.
A gestão de pessoas alcança formas cada vez mais ampliadas com o desígnio de
conquistar a subjetividade do trabalhador para fins funcionais à organização do trabalho. No
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decorrer do desenvolvimento do capitalismo, tais estratégias são intensificadas por meio de
mecanismos que põem a ética no centro de atenção das organizações. Nesse sentido, o
discurso do desenvolvimento de equipes, do trabalho interdisciplinar, a gestão participativa
são temas que precisam estar fundamentadas nos princípios morais cujos pilares estão
consubstanciados na valoração do humano.
De fato, gestão de pessoas, ética organizacional e valores humanos não têm como ser
fragmentados quando o objetivo é tornar o ambiente de trabalho menos destrutivo ao
trabalhador. Ocorre que, tais mecanismos se revelam incompatíveis na essência de um
capitalismo amoral, na proporção em que essa contradição é a própria mola propulsora do
sistema produtivo que sustenta a acumulação de riqueza. Sem tal contradição, as estratégias
de gestão de pessoas se tornariam sem efeito para o fim ao qual se propõe: produzir formas de
relações sociais pautadas na alienação social, fortalecidas pela imagem da humanização de
interesses objetivamente econômicos. Para refletirmos acerca deste contrassenso, definiremos,
antes, sobre a natureza do capitalismo.
O capitalismo não é nem moral e nem imoral, mas um sistema que segue a lógica de
sua própria finalidade de livre acumulação de capital. Sponville (2011, p.51) afirma que na
sociedade há um domínio de “ordem econômico-tecnocientífica” que não se limita por valores
morais. Dessa forma, a organização do trabalho contemporâneo está na esfera deste
capitalismo amoral. As relações de trabalho presentes na organização do trabalho são parte
dos processos de trabalho que produzem o capital.
Tais relações de trabalho são os objetos de intervenção da gestão de pessoas
desenvolvida no âmbito dos mecanismos ético-organizacionais. Isso porque somente se
desenvolve uma política de gestão de pessoas a partir do código de ética institucional, ou no
mínimo uma cultura, ainda que não formalizada, que estabelece regras morais de respeito
mútuo nas relações que valorizam a dignidade, o bem comum, e a ética nas relações de
trabalho. Todavia, em que proporção é possível sobrepor valores humanos aos valores
econômicos? O que é priorizado no contexto organizacional, o bem estar do trabalhador ou a
produção econômica, quando tais necessidades são incompatíveis? É nesse cenário que os
mecanismos ético-organizacionais pertinentes à ideia de gestão de pessoas se põem em
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desenvolvimento num mundo do trabalho de um capitalismo amoral. São postas, dessa forma,
duas trilhas contraditórias que tornam complexa a eficácia ou concretude das estratégias de
gestão de pessoas: o exercício da ética num contexto que não obedece qualquer regramento
moral, quando o que se está em risco é o lucro e a riqueza mercadológica.
O progresso técnico e científico não muda seu percurso evolutivo para priorizar
questões da humanidade – aqui vale citar o exemplo dado por Sponville (2011) acerca do
lançamento da bomba atômica. “Ele (o progresso tecnológico) pode se voltar contra nós, a
ponto de ameaçar a própria existência da humanidade (...); A economia (que está na ordem
tecnocientífica) ameaça, mais cotidianamente, as condições de vida” (Idem). Nesse sentido, só
há uma lógica que o sistema do capital está submetido: a finalidade a qual ele próprio
estabelece de acumulação sem limites de riqueza.
O conflito e a dialética constituem uma esfera mais ampla da formação da nossa
sociedade capitalista. No mundo do trabalho, a supressão dessa realidade contraditória é uma
forma de conquistar a própria subjetividade do trabalhador. Para tanto, constrói-se uma
trajetória reversa à realidade, constituindo cenários irreais do consenso e da harmonização, no
intuito de tornar invisível a amoralidade do trabalho capitalista de fato. Dessa forma, o que é
uma técnica voltada para a manutenção da saúde do trabalhador pode redirecionar trajetórias
de resistência do ser social ao seu contexto do trabalho.
Tal resistência pode ser desenvolvida sob três formas: o trabalhador alienado adaptado
ao sistema fetichizado de supervalorização do trabalho produtivo capitalista; o trabalhador
que, apesar de resistir aos mecanismos de alienação e do processo de estranhamento do ser
social, sobrevive ao contexto do trabalho sem perder a razão para a sobrevivência; e aqueles
que manifestam a perda de si e adoecem em função do contexto do trabalho. Vejamos, a
seguir, como o fenômeno do estranhamento do ser social pode repercutir na subjetividade dos
trabalhadores.
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4. O “Estranhamento” e sua manifestação no contexto organizacional do trabalho
Recorre-se a discussão construída por Lukács (2013) acerca do estranhamento para
compreender como é possível realizar uma abstração, mediação e conexão do seu significado
com as suas possíveis formas de manifestação no cenário organizacional e a repercussão para
o processo de adoecimento do indivíduo no contexto do trabalho.
O estranhamento se manifesta mesmo antes da sociedade capitalista, mas é no
processo da sociabilidade humana no cenário do capitalismo que se torna ainda mais evidente
a reflexão do problema. Isso porque é no desenvolvimento da divisão social do trabalho que
se evoluem as forças produtivas e se desenvolve o ser social.
Em decorrência disso, o autor parafraseia Marx, para esclarecer que o
desenvolvimento das forças produtivas proporciona o desenvolvimento das capacidades
humanas, mas não acarreta o desenvolvimento das personalidades humanas. Dessa forma, “as
atividades produtivas são mais bem-sucedidas quando se reprime o sentimento ou a razão (...).
Correspondentemente as manufaturas operam mais onde menos se consulta o espírito” (Idem,
p. 582).
Para Lukács, o estranhamento é um fenômeno sócio-histórico, de caráter ontológico,
que está centrado no indivíduo social. Entretanto, não se perde de vista que todo indivíduo,
para o autor, é um ser social cuja personalidade também é uma categoria social. Nesse
sentido, é fundamental que compreendamos o estranhamento a partir da complexidade do ser
que se expressa sob formas historicamente diversas.
Ao mesmo tempo em que o indivíduo apreende novas formas de transformar o objeto
do trabalho e aperfeiçoar a sua capacidade produtiva, de igual forma ele está submetido às
regras e as leis desse processo de trabalho produtivo. O autor afirma que isso exige sacrifícios
da própria classe trabalhadora, inclusive da sua própria formação de personalidade face à
adaptação necessária ao funcionamento da totalidade.
Nesse processo, Lukács explica que o mesmo ato de trabalho desse processo
produtivo dá origem a objetivação do objeto material e alienação do sujeito. Não tão somente
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o objeto material é produzido, mas o próprio trabalhador se forma e se transforma, fato que
constitui a alienação do sujeito.
É nesse sentido que o estranhamento possui um conceito mais amplo e de caráter
ontológico, pois é a própria manifestação dessa contradição entre a existência do ser social e a
sua existência funcional constituída a partir do processo de produção do objeto material; é a
manifestação desse antagonismo entre o desenvolvimento da capacidade humana no processo
produtivo e o seu desdobramento para a personalidade.
Frente a essa reconstituição do conceito de estranhamento para Lukács, e
considerando que é no contexto do capitalismo que tal significado é ainda mais aparente,
analisa-se as repercussões deste fenômeno social nas novas configurações da organização do
trabalho, a partir da técnica de gestão de pessoas que utiliza instrumentos de convencimento e
fortalece estratégias fetiches para controlar comportamentos humanos no sistema laboral.
Realizar uma mediação entre estranhamento e as técnicas de dominação da
subjetividade do trabalhador da organização do trabalho, trata-se do próprio processo em que
o indivíduo produtivo se submete à ideologia do consenso para adaptar-se ao contexto do
trabalho. Ao reverso, o sujeito está subjugado às regras de determinada cultura organizacional
e alienado as normas institucionais para a sua própria sobrevivência e reprodução social.
Nesse processo, o indivíduo pode manifestar o estranhamento e manter “à realização ou o
fracasso do desenvolvimento pleno da personalidade, quanto à superação ou à persistência do
estranhamento na própria existência individual” (Lukács, 2010).
Ocorre que, após a presente análise acerca das formas de enfrentamento pelo sujeito
trabalhador a tais estratégias de dominação no contexto organizacional do trabalho,
observaram-se duas possibilidades: àqueles que, diante do estranhamento, constroem
estratégias de resiliência para a sua manutenção na esfera do trabalho, e outros que perdem a
própria razão, desenvolvendo transtornos mentais e comportamentais relativos às dificuldades
de se adaptar ao contexto do trabalho. Neste último caso, o indivíduo afasta-se da sua própria
realidade e do seu devir, de forma que parece permanecer fixo no papel de produtor exclusivo
da organização, suprassumindo a totalidade de sua vida social, e dos diversos papéis sociais
que os indivíduos experimentam na sociedade.
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De outra parte, observou-se que, na consolidação do processo adoecedor, o indivíduo
questionava os mecanismos ideológicos e superficiais da organização do trabalho,
reconhecendo os interesses contrapostos na esfera organizacional, o que evidenciou a
manifestação do processo de estranhamento do indivíduo. Entretanto, alguns processos de
estranhamentos resultaram em reações dos indivíduos de distanciamento do contexto
produtivo, e até mesmo uma rejeição ao cenário organizacional, considerando os afastamentos
do trabalho por longos períodos.
Na tentativa do trabalhador de superação do estranhamento, muitos adoeceram e as
técnicas de gestão de pessoas somente reforçavam os mecanismos de alienação não mais
aceitos pelos trabalhadores e já problematizados pelos próprios. Constatou-se, assim, que nem
sempre as estratégias de gestão de pessoas correspondem ao fim a que se propõe de consenso
nas relações de trabalho e de adaptação do trabalhador ao ambiente organizacional.
Ao contrário, em alguns casos, tais técnicas da organização do trabalho captura a
subjetividade do trabalhador e provoca o efeito reverso: a não adaptação ao contexto de
trabalho através, inclusive, de adoecimentos no âmbito de saúde mental relacionada ao
trabalho. Assim, as experiências vivenciadas pelo trabalhador no contexto da organização do
trabalho repercutem no adoecimento do trabalhador e contribuem para uma desorganização
própria e a perda de si próprio.
Apesar de não se referir com constância a distinção entre alienação e estranhamento,
importante se faz esclarecer que Lukács (1981, p. 397) aclara tal distinção dos conceitos: “O
estranhamento pode originar-se somente da alienação. (...) é verdade que determinadas formas
de estranhamento podem nascer da alienação, mas esta última pode muito bem existir e operar
sem produzir estranhamentos”. Enquanto a alienação é uma exigência do processo produtivo,
o estranhamento se direciona a formação do ser social em sua complexidade e multiplicidade.
Para esclarecer, Lukács dá o exemplo de situações cotidianas “de revolucionários
combatentes que perceberam o estranhamento no trabalho, mas em casa, mantiveram a
postura de opressão em relação à mulher” (Costa, 2012). Ou seja, apesar de trazer a
consciência parte do processo de estranhamento, não o fez em sua totalidade. Por meio de tal
exemplo, o autor pretende chegar à constatação de que a superação social do estranhamento
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ocorre em atos do indivíduo na vida cotidiana, entretanto, tal sublimação só é possível no
plano social.
Se ampliarmos o contexto de análise, tal compreensão é possível porque o autor não
realiza uma separação/fragmentação entre o individual e o social. Pelo contrário, toda “reação
individual tem uma base social que a determina”. Ilustra que o “estranhamento nunca será
reduzido a uma contraposição abstrata de subjetividade e objetividade, a uma contraposição
de homem singular e sociedade, de individualidade e socialidade” (p. 588).
5. Considerações Finais
Este artigo permite a conclusão de que as técnicas de gestão para a organização do
trabalho podem construir trajetórias reversas ao seu propósito de manter o indivíduo adaptado
ao contexto institucional, considerando as características estruturais de um capitalismo amoral
e o processo de estranhamento do indivíduo às regras e normas postas na cultura
organizacional.
Assim, a partir deste estudo, observou-se que a técnica de controle ora em análise, de
forma contraditória, pode ser fator que repercute no processo de adoecimento do trabalhador.
Dessa forma, a técnica de gestão de pessoas captura a subjetividade do trabalhador e pode
provocar o efeito contrário: o distanciamento do contexto de trabalho através, inclusive, de
adoecimentos no âmbito de saúde mental relacionada ao trabalho, e, portanto, gerando o que
ela mesma tenta combater, o absenteísmo. É então, que as estratégias de gestão de pessoas
evidencia a incompatibilidade entre sua técnica e o contexto do capitalismo amoral, por meio
do estranhamento do indivíduo e a perda de si próprio.
De outra parte, observou-se que, na consolidação do processo adoecedor, o indivíduo
questionava os mecanismos ideológicos e superficiais da organização do trabalho,
reconhecendo os interesses contrapostos na esfera organizacional, o que evidenciou a
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manifestação do processo de estranhamento do indivíduo. Entretanto, alguns processos de
estranhamentos resultaram em reações dos indivíduos de desmotivação para a produção, e até
mesmo uma rejeição ao cenário organizacional, considerando os afastamentos do trabalho por
longos períodos.
Pressupõe-se, assim, a necessidade de estudos como este para compreender quais as
formas de dominação e exploração no âmbito organizacional que repercutem no adoecimento
do trabalhador, e como poderão ser construídos os mecanismos de resistências, para além do
âmbito individual.
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