1 O POSITIVISMO NO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO André Halloys Dallagnol1 RESUMO O artigo tem início com a discussão conceitual de positivismo. É abordado o surgimento do ideário de Augusto Comte, e as mutações que referida teoria sofreu até chegar ao Brasil que pouco guardou de seu ideal inicial e permeou sobremaneira o ensino jurídico nacional. É tratado da questão do positivismo e do jusnaturalismo presentes no ensino jurídico nacional e seus reflexos no sentido de excessivo apego ao formalismo, dogmatismo, propugnando o exegetismo e o tecnicismo. Concluirá que a função das faculdades de Direito, ainda mais após o advento da portaria 1.886/1994 do MEC é a formação sólida, crítica, histórica, social e política dos acadêmicos de Direito. PALAVRAS-CHAVE: Ensino Jurídico; positivismo; formação social; humanismo; crítica; formalismo; dogmatismo; exegetismo; tecnicismo. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objeto a análise do conceito de positivismo criado por Augusto Comte, e o acompanhamento de sua mutação para embasar e defender os interesses das classes dominantes brasileiras. Após, identificadas as mutações da teoria original, será proposta uma análise das matrizes positivista e jusnaturalista, verificando se ambas são suficientes para apreender um objeto tão dinâmico como o Direito, verificando se existe, através do positivismo a redução do Direito à lei. Por fim buscarse-á qual a função que as faculdades de Direito têm exercido diante do paradigma positivista, e qual seria a função que deveriam exercer, sobre tudo, após a entrada em vigor da portaria 1.886/1994 do MEC, apurando-se uma possível extensão da 1 Acadêmico do décimo período do Curso de Graduação em Direito da Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil. 2 responsabilidade que recai sobre o Ensino Jurídico nacional e de seus produtos, os profissionais do Direito. 1 POSITIVISMO: DISCUSSÃO CONCEITUAL O século XIX marca, não só o triunfo do liberalismo europeu, ligado ao direito natural, que por sua vez considera a natureza humana como base para a própria lei natural, cuja única realidade é a liberdade do homem. Mas marca, também, o triunfo do cientificismo, que reconhece uma só natureza material, que engloba e explica o mundo dos valores e o mundo dos fatos.2Por tal motivo que se constitui o marco inicial para o desenvolvimento do presente artigo. O liberalismo, como descreve o professor João RIBEIRO JUNIOR, afirmava ser o desenvolvimento moral, cultural, econômico e político da sociedade alcançado somente pelo livre desenvolvimento do espírito e das faculdades do indivíduo, e que o valor da personalidade era anterior a todas as condições históricas, políticas, sociais e culturais, impondo o respeito à liberdade e à igualdade inata nos indivíduos.3 A estrutura apriorística adotada pelo liberalismo, como visto anteriormente, teria que se conciliar com o empirismo, que ensinava que todo o conhecimento se reduz aos dados da experiência sensível, e com o materialismo, segundo o qual a matéria e suas leis são tudo o que existe ou a explicação de tudo, diante do encontro de fundamentos da filosofia científica que se esboçava.4 Conforme explica o professor RIBEIRO JUNIOR, pouco a pouco, a tendência da ciência e do pensamento político-social foi se centrando no empirismo e reduzindo a autoridade do racionalismo, que sustentava a primazia da razão, capacidade de pensar em relação ao sentimento e à vontade.5 E no ceio da contestação ao racionalismo abstrato dos adeptos do liberalismo que surgem os defensores do cientificismo, que, seduzidos pelo progresso contínuo, propunham que os fatos só 2 RIBEIRO JUNIOR, João. O que é positivismo.São Paulo: Brasiliense, 2003. p. 11. Idem. 4 Ibidem, p. 12. 5 Idem. 3 3 seriam conhecidos pela experiência e que a única experiência válida seria a dos sentidos.6 Deste ponto em diante, como revela RIBEIRO JUNIOR, pode-se verificar uma reconciliação da natureza e da história, e o romantismo filosófico tenta encontrar um equilíbrio de sua postura perante a ciência, ao disciplinar com severidade crítica os estados de espírito existentes na época, visando assentar um sistema de noções sobre o homem e sobre as sociedades, recriando os fundamentos de um empirismo experimentalista no estilo de Bacon e Galileu, sem excluir o ceticismo deste apenas para as realidades metafísicas e teológicas.7 Constituiu, esta, a primeira forma de positivismo intentada por Augusto Comte, e o positivismo, nos termos descritos acima, passou a dominar o pensamento típico do século XIX, tanto como método, quanto como doutrina.8 Como método é embasado na certeza rigorosa dos fatos de experiência como fundamento da construção teórica e como doutrina se apresentando como revelação da própria ciência, em outras palavras, o próprio conteúdo natural da ordem geral que a ciência mostra junto com os fatos particulares, como caráter universal da realidade e como significado geral da mecânica e dinâmica do Universo.9 Houve uma substituição do método, visando buscar as leis que davam as causas, observando todos os mecanismos do mundo, invés de inventá-lo.10 E neste panorama, descreve RIBEIRO JUNIOR As leis naturais, assim descobertas, constituem a formulação geral de um fato particular, rigorosamente observado; e daí resulta que a ciência, segundo Comte, não é mais do que a sistematização do bom senso, que acaba por nos convencer de que somos simples espectadores dos fenômenos exteriores, independentes de nós, e que não podemos modificar a ação destes sobre nós, senão submetendo-nos às leis que os regem.11 Diante das características demonstradas acima, tem-se que o Positivismo, seria 6 Idem. Ibidem, p. 12-13. 8 Ibidem, p. 13. 9 Idem. 10 Ibidem, p. 14. 11 Idem. 7 4 uma filosofia determinista que professa, de um lado, o experimentalismo sistemático, e de outro, considera aticientífico todo o estudo das causas finais. Assim, admite que o espírito humano é capaz de atingir verdades positivas ou da ordem experimental, mas não resolve as questões metafísicas, não verificadas pela observação e pela experiência.12 Pelo fato de não se pronunciar acerca de qualquer substância cuja existência não possa ser submetida à experiência, como também sobre as causas íntimas e as origens últimas das coisas, nem mesmo a respeito de suas próprias finalidades, o positivismo é um dogmatismo físico e um ceticismo metafísico, conforme ensina o professor RIBEIRO JUNIOR.13 O que se observa, no entanto, ao se estudar o positivismo de Augusto Comte, é que este se constituiu em uma matriz, enquanto paradigma, para a compreensão, dentre outros objetos de estudo, da sociedade14. Porém, nas palavras do professor RIBEIRO JUNIOR ...enquanto na Europa o positivismo servia para justificar as novas atitudes da burguesia em sua fé no progresso retilíneo da humanidade, nas Américas se apresenta de maneira diversa daquela como era compreendido no continente europeu, trazendo em seu bojo um acentuado caráter político. É assim que no Brasil, galvanizando as aspirações revolucionárias da classe média urbana, assenta suas bases nas cidades e sobre tudo nas Academias de Direito, na pretensão de se criar e definir uma nova consciência da realidade nacional, frente à ordem político-social dominante.15 Conforme ilustra o professor RIBEIRO JUNIOR, “No Brasil o liberalismo, como doutrina clássica do individualismo político e econômico com sua ênfase no racionalismo, na lei natural, na igualdade, na liberdade e na democracia, sofria também uma revisão de seus fundamentos”16. Assim eram travadas discussões entre liberais românticos da escola do direito natural e os cientificistas.17 Ocorre que diferentemente da Europa, aqui no Brasil a expansão da cafeicultura determinou as transformações da sociedade, dando ensejo ao alcance da 12 Ibidem, p. 15. Ibidem, p. 16. 14 Ibidem, p. 19-27. 15 Ibidem, p. 55-56. 16 Ibidem, p. 56. 17 Idem. 13 5 hegemonia da oligarquia rural sobre o Estado.18Desta forma, favorecidos pela oligarquia cafeeira, o positivismo e o evolucionismo instala suas bases nas cidades e permanecem no círculo restrito das camadas letradas.19 E, de modo geral, os intelectuais brasileiros se vinculam a duas orientações filosóficas principais, quais sejam o positivismo de Augusto Comte, que pretendia lançar as bases de uma nova ordem social, ao mesmo tempo que desenvolvia a doutrina da religião da humanidade, substituindo o pensamento abstrato pela razão e pela observação e o evolucionismo social de Herbert Spencer, caracterizado pelo individualismo extremado, embasado no princípio do progresso contínuo e da evolução social.20 Neste panorama, RIBEIRO JUNIOR, assim explica a adaptação sul-americana do positivismo A princípio, o positivismo resultou em uma mentalidade científica generalizadora, alheia às particularidades sul-americanas. Porém, a pouco e pouco, aproveitando como método de trabalho, juntamente com o evolucionismo de Spencer e as idéias democrático-liberais do constitucionalismo norte-americano, servirá de esteio aos que advogam uma república democrática, frutificando-se, assim, em um instrumento teórico a ser utilizado na transformação da realidade concreta.21 A aceitação da doutrina positivista, mesmo entre os históricos republicanos brasileiros, pode ser expressa pelo lema constante da nossa Bandeira com seu Ordem e Progresso, e desta forma, dominando a consciência das classes privilegiadas, o positivismo irá repercutir intensamente nas escolas, influenciando a mocidade.22 Para o desenvolvimento do presente trabalho, utilizar-se-á a expressão “positivismo” com sentido mais restrito, no sentido de “positivismo jurídico”, excluindo-se outras correntes “jurídicas” de índole positivista (em sentido lato), 18 Idem. Ibidem, p. 65. 20 Ibidem, p. 64. 21 Ibidem, p. 65. 22 Ibidem, p. 67-68. 19 6 adotando-se aqui a cautela científica adotada também pelo professor Horácio Wanderlei RODRIGUES.23 2 AS MATRIZES JUSNATURALISTA E JUSPOSITIVISTA A produção do conhecimento jurídico no Brasil, como delineado anteriormente, passa por dois grandes momentos, são eles o Imperial, quando a teorização e o ensino do Direito eram fortemente vinculados ao jusnaturalismo, com matriz principalmente teológica, com a visão do dever-ser idealizado, tendo como método dominante a revelação dogmática, e desconhecendo a observação empírica.24 O segundo momento, por sua vez tem como marco inicial o final do século XIX, coincidindo, de certa forma, com o início da propaganda dos ideais republicanos e posterior proclamação da República.25 “É quando o positivismo e o evolucionismo adentram o conhecimento e o ensino jurídicos brasileiros.”26 O conhecimento produzido pelo jusnaturalismo, por ter como base a revelação dogmática (sem observação empírica), tem como objeto o dever-ser ideal, que dá ênfase à questão da legitimidade, porém em nível metafísico.27Tem como estrutura a crença em valores naturais, e acaba confundindo, nas palavras de Wanderlei RODRIGUES, “o seu ideal ideológico com o Direito”28, que na sua visão aparece como algo dado.29 O professor RODRIGUES assim o explica “Ou seja, é ele – condicionado a abstrações ou fatores metafísicos – visto como padrão de julgamento do direito positivo, deslocando, conseqüentemente, a questão da sua validade para parâmetros ahistóricos”.30 23 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico e Direito Alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 115. 24 Ibidem, p. 113. 25 Idem. 26 Idem. 27 Idem. 28 Idem. 29 Idem. 30 Idem. 7 Embora esta concepção seja uma antítese do positivismo, é igualmente reducionista, coloca o Direito fora da sociedade, constrói, assim uma visão de mundo unívoca, consensual e não democrática, tendo sido utilizada historicamente tanto para legitimar o poder estabelecido como para justificar os movimentos de resistência às ditaduras.31 Segundo o professor Wanderlei RODRIGUES, o jusnaturalismo é incapaz de basear uma crítica consistente ao positivismo e uma nova prática profissional, afirmando que sua proposta se esvai em princípios vagos, ambíguos e ineficazes.32 E vai além, afirmando que “Se de um lado [o jusnaturalismo] tem um compromisso com o formal, de outro [...] tem um compromisso com um ideal não bem explicitado. Resta esquecida, à margem, a realidade concreta, que no Brasil atual é deprimente.”33 Como teoria metafísica, o jusnaturalismo abstrai a juridicidade da história e a coloca em nível do idealismo. Por seguir um método dogmático-dedutivo, acaba por tentar apreender o Direito fora da realidade social, tratando dele como padrão de julgamento do direito positivo, e não o conhece em sua totalidade.34 No nível epistemológico, RODRGUES afirma que o jusnaturalismo foi a corrente teórica vigente no pensamento jurídico brasileiro durante todo o período do Império, sendo que apenas no final do século teve sua hegemonia inicialmente quebrada pelo ingresso no país das idéias positivistas no sul e evolucionistas no Nordeste.35 O nascimento de novas idéias marca o século XIX, além do rompimento com a tradição jusnaturalista, então vigente.36 Como visto anteriormente, tanto o positivismo como o evolucionismo constituem o resumo do conjunto de tendências emergentes que tiveram influência sobre a teoria jurídica.37 31 Ibidem, p. 113-114. Ibidem, p. 114. 33 Idem. 34 Idem. 35 Idem. 36 Idem. 37 RIBEIRO JUNIOR, João. Op. cit., p, 55-75. 32 8 Destaca, com uma separação didática, o professor RODRIGUES, que o positivismo teve maior influência no Sul do país, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul enquanto que o evolucionismo destacou-se no Nordeste, sobretudo através da Escola do Recife.38 A matriz do positivismo explica o fenômeno jurídico caracterizado por estruturar o conhecimento a partir de dogmas mantidos fora de discussão e que, regra geral, são o direito estatal vigente. Tal paradigma encara o conhecimento produzido como dever-ser formal e que dá ênfase à questão da legalidade.39 Este tipo de visão como expressa o professor RODRIGUES, ...confunde a norma com o Direito e crê na isenção valorativa e na objetividade e neutralidade ideológicas do ato cognoscente. Confunde juridicidade com positividade – Direito como ordem e controle sociais – e busca construir um sistema legal unívoco fechado e completo. Já a sua sustentação ideológica está no liberalismo, que vê a lei escrita com instrumento de controle do Estado pela sociedade.40 RODRIGUES define ainda que o imaginário positivista é reducionista por colocar o Direito dentro da visão histórica dos que detém o controle político e econômico do Estado e da sociedade, que buscando legitimação do poder estabelecido, cria uma representação do mundo que é unívoca, consensual e não democrática, pecando neste ponto assim como o jusnaturalismo.41 Os juristas que se atrelam a esse paradigma, nas várias atividades que desempenham, acabam por se transformar em burocratas – técnicos a serviço de técnicos.42 A apelação retórica à justiça é capaz de revelar algumas das pequenas nuances jusnaturalistas que surgem no positivismo, que por esse mesmo motivo é considerado travestido no período histórico contemporâneo.43 Esta prática acaba por refletir e se repetir no ensino jurídico, que atrelado ao paradigma positivista não tem conseguido 38 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Op. cit., p. 114. Ibidem, p. 115. 40 Ibidem, p. 115-116. 41 Ibiden, p. 116. 42 Idem. 43 Idem. 39 9 superar as suas deficiências. As salas de aula, transformam-se em lugares de reprodução de leis mortas que continuamente se chocam com a realidade social.44 Prepara-se, de modo geral, o estudante para trabalhar com códigos e estes são insuficientes para atender aos diversos e conflitantes interesses sociais45, e conforme bem descreve RODRIGUES, “A prática jurídica embasada unicamente no direito positivo só pode servir a grupos e classes dominantes, mantendo marginalizados os oprimidos e dominados”.46 Enquanto teoria antimetafísica, o positivismo se prende à análise da norma positivada pelo Estado e, dessa forma, não consegue superar o direito posto, acabando por reproduzi-lo.47 O método lógico-formal por ele adotado, apenas consegue aprender o dever-ser, e não tem condições de superar o direito positivado existente, sequer de vê-lo de forma mais dinâmica dentro da dialética social.48 Nas palavras de Luiz Alberto WARAT O Ensino jurídico que se satisfaça com a simples e ingênua transmição da chamada cultura jurídica tradicional estará reforçando os ingredientes ideológicos do Direito, caracterizando, nessas circunstâncias, como um processo educacional dogmático. Consequentemente, os recursos utilizados na elaboração do instrumental teórico desse Direito são também recursos dogmáticos.49 E assim se perpetua o dogmaticismo impedindo o progresso do conhecimento sobre o Direito. 3 AS CONSEQUÊNCIAS DO POSITIVISMO NO ÂMBITO DO ENSINO JURÍDICO O método lógico formal, vindo da prática do positivismo, teve como conseqüência o exegetismo, que nada mais é do que aprender e aplicar as leis em 44 Idem. Idem. 46 Idem. 47 Idem. 48 Idem. 49 WARAT, Luiz Alberto. CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino e Saber Jurídico. Rio de Janeiro, Eldorado Tijuca, 1977. p. 12. 45 10 vigor, as conseqüências disto são inúmeras, dentre elas, RODRIGUES aponta o fato de quando revogadas as leis que o jurista aprendeu, este, em relação à nova legislação, ficaria sem nada saber, além do que, por ser ensinado no método informativo, o jurista tem as soluções normativas para um determinado contexto histórico, que por certo não será o mesmo quando este estiver atuando profissionalmente.50 As proposições acima podem parecer um tanto quanto exageradas na medida em que todo jurista será para sempre um estudioso e deve sempre se atualizar. Porém, quando se está a falar de ensino jurídico, referida situação passa a ser mais séria, visto que o sistema de educação jurídica admitirá em seu seio a proposição de que sozinho não dá conta de fornecer as bases necessárias para a vida profissional do bacharel, e aí se perde o objetivo do próprio ensino jurídico. De outro ponto, as faculdades de Direito, que devem compor a vanguarda do pensamento encontrando novas soluções para os problemas sociais, tornam-se apenas reprodutoras de leis oferecendo estudo do passado.51 Ainda quanto ao método informativo, aponta RODRIGUES, que o ensino deve ter antes um caráter formativo, na medida em que deve capacitar os acadêmicos para pensar o Direito e abordar os casos jurídicos com que vier a se deparar.52 Alerta que somente um ensino jurídico crítico permite ao jurista ser um precursor de mudanças, ou no mínimo, sobreviver a elas, através do ensino formativo, tem o jurista em formação, a base para enquadrar todas as alterações legislativas que vierem a surgir.53 Alem disso, o ensino exegético, pela sua própria estrutura, é contrario a idéia de progresso social, por bloquear o dinamismo próprio do processo de aprendizagem, serve para preservar o status quo.54 Também, aponta-se que este tipo de ensino está diretamente relacionado ao caráter legalista apresentado pela cultura jurídica ocidental e que isso influencia a ciência do Direito.55 E arremata “Decorre disso a atual 50 Ibidem, p. 116-117. Ibidem, p.117-118; 52 Idem. 53 Idem 54 Idem. 55 Ibidem,p. 118. 51 11 inflexibilidade e imobilidade da estrutura dos cursos de Direito limitados a simples escolas de legalidade”.56 E, nas palavras de Luiz Alberto WARAT As Faculdades de Direito devem deixar de ser centros de transmissão de informação para dedicarem-se, prioritariamente, à formação da personalidade do aluno, do advogado, do jurista, de sujeitos que saibam reagir frente aos estímulos do meio socioeconômico.57 E conclui que: Para cumprir essa tarefa deve-se discutir, profundamente e sem falsos preconceitos normativos, as relações entre a produção teórica dos juristas e os requerimentos da vida comunitária. Discutir como e por que a cultura jurídica cria ficções ou promete situações de segurança, mediante um sistema normativo, que na condição de ordenamento jurídico formal não pode eludir a insegurança muitas vezes gerada pelas insatisfatórias condições de existência.58 Resta evidente, portanto, qual o papel que devem desenvolver os centros de estudos jurídicos. RODRIGUES aponta que é insuficiente tanto o jusnaturalismo quanto o positivismo para embasar uma verdadeira práxis jurídica, e vai além, afirmando que são insuficientes em qualquer das suas variadas formas, como já se comprovou históricamente.59 Os países de terceiro mundo, como é o caso do Brasil, diante de suas complexidades sociais contemporâneas, não podem ser explicados, sequer podem ter seus problemas solucionados apenas por normas estatais ou ideais transcendentais.60 Roubaram a cena, nesses anos de ensino jurídico, a antítese formada por jusnaturalismo e positivismo, que se mostram insuficientes para acabar com a condição subumana na qual se encontra a grande maioria da população brasileira, realidade que necessita de saídas concretas, para as quais o Direito, dentro dos 56 Ibidem, p. 119. WARAT, Luiz Alberto. CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Op. cit., p. 61. 58 Idem. 59 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Op. cit., p. 121. 60 Idem. 57 12 parâmetros clássicos enquadrados pelo jusnaturalismo e positivismo, não encontra respostas.61 Desde o fim do Império, o positivismo vem sendo o paradigma dominante e o retorno ao direito natural, vem sendo a forma tradicional pela qual os juristas têm tentado enfrentar as consecutivas crises do Direito.62 E nas palavras de Horácio Wanderlei RODRIGUES Mesmo as tentativas feitas pelas esquerdas, através da teoria crítica do Direito e do jusnaturalismo de combate (ou de resistência), têm caído, invariavelmente, no positivismo, através do segundo, não tendo conseguido superar essa dicotomia e apreender o fenômeno jurídico em sua totalidade dentro do momento histórico.63 Tanto o positivismo ao reduzir o Direito à norma ou ao fato, quanto o jusnaturalismo condicionando-o a idéias ou fatores metafísicos, têm produzido apenas visões parciais do fenômeno jurídico e não representam a sua integralidade, o que segundo RODRIGUES se deve aos métodos adotados por essas teorias.64 WARAT vai além e afirma que “qualquer conhecimento, por mais objetivo que pareça, jamais é reprodução da ordem real.”65 Tanto uma visão quanto a outra contribuem para que novos passos sejam dados no conhecimento e produção do conhecimento jurídico. Não se pode perder de vista, portanto, que o Direito é um objeto dinâmico, e qualquer teoria que tente apreendê-lo utilizando-se de métodos estáticos, incorrerá em erro.66 Tanto o jusnaturalismo quanto o positivismo são visões unitárias, e não há unidade no mundo, ele é plural e polifônico, tem o conflito como sua marca registrada.67 RODRIGUES, afirma que 61 Idem. Idem. 63 Idem. 64 Idem. 65 WARAT, Luiz Alberto. CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Op. cit., p. 27. 66 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Op. cit., p. 122. 67 Idem. 62 13 ... os avanços alcançados pela teoria da linguagem e pela hermenêutica demonstram também a impossibilidade de unidade de leitura das próprias normas estatais. Se se for um pouco mais além pode-se constatar que a própria psicanálise vai demonstrar a influência do inconsciente (individual ou coletivo) sobre a produção da leitura jurídica, inviabilizando qualquer possibilidade de um mundo jurídico unívoco.68 Por não terem acompanhado a evolução que ocorreu nas outras áreas do conhecimento, existem ainda teorias que tentar resgatar a idéia de unidade do universo do Direito, isso ocorre por não efetuarem uma análise interdisciplinar e dialética do fenômeno jurídico.69 Segundo o professor RODRIGUES, deve-se buscar a superação epistemológica tanto dos idealismos quanto dos positivismos, sejam eles de direita ou de esquerda, como forma de explicar o fenômeno jurídico. Deve-se ao construir novas teorias buscar que elas forneçam instrumentos e categorias capazes de aproximar a visão construída sobre o Direito do próprio direito vigente, sem que isso leve novamente ao dogmatismo.70 E tudo isso tem completa ligação com as novas funções que se busca alcançar com o ensino jurídico, logo, por este motivo, referidas superações dependem diretamente dele.71 Verifica-se que na área jurídica, existe ainda um idealismo primário, e que mesmo o que se chama de positivismo não possui bases empíricas efetivas por falar apenas em nome de dogmas legais, que, muitas vezes, não tem legitimidade e eficácia social, e estão assentados em pré-conceitos do liberalismo do liberalismo do século XVIII.72 Conclui-se, portanto, que tanto o pensamento do jusnaturalismo, quanto do positivismo influenciaram o ensino jurídico. Volta-se os olhares com mais atenção ao positivismo por ser mais recente e por ter maior influência nos dias de hoje, como já estudado. Com as influências trazidas pelo positivismo, como o legalismo, exegetismo, dogmatismo, ocorre o engessamento do saber jurídico, e da produção deste saber, o 68 Ibidem, p. 123. Idem. 70 Idem. 71 Idem. 72 Idem. 69 14 que acaba por refletir negativamente na sociedade que contará com exegetas, técnicos de técnicos que, afinal, são sabem tomar decisões senão as que estiverem positivadas. CONCLUSÃO Conclui-se, acerca da discussão conceitual do positivismo que o desenvolvido no Brasil tem um viés mais político e é, de certa forma, e por conta de vários fatores econômicos, sociais e até mesmo culturais, diferente do positivismo Europeu, tendo como precursores a elite brasileira, expressa pelos cafeicultores, que interpretava essa filosofia no ajustamento de seus interesses sócio-econômicos. Acerca da análise das matrizes jusnaturalista e positivista que o Direito, através do positivismo, fica reduzido à lei e busca fazer da legalidade um sistema unívoco, fechado e completo. Conseguindo, desta forma, obscurecer as próprias contradições existentes no ordenamento legal, fazendo-o parecer adquirir as características que lhe imputa.73 Bem como que referido sistema permeia, ainda hoje, o ensino jurídico nacional, desde o século XIX. Quanto aos reflexos do positivismo no ensino jurídico brasileiro, buscou-se evidenciar a imensa responsabilidade que recai sobre os ombros dos responsáveis pela formação dos profissionais do Direito e dos próprios profissionais formados. Demonstrando o quanto pode ser negativo repetir velhas práticas, que não lograrão êxito na necessitada formação sólida, crítica, histórica e política desses profissionais que fatalmente poderão ocupar posições privilegiadas no seio do Estado e da sociedade.74 Conclui-se pelo dever das faculdades de Direito de formar intelectuais com as qualidades supra, de tomar a vanguarda do pensamento, de trazer novas soluções para os velhos problemas sociais. 73 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Op. cit., p. 116. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ensino jurídico e mudança social. Revista Jurisprudência Brasileira. Umuarama, v. 160. passim. 74 15 REFERÊNCIAS CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ensino jurídico e mudança social. Revista Jurisprudência Brasileira. Umuarama, v. 160. RIBEIRO JUNIOR, João. O que é positivismo.São Paulo: Brasiliense, 2003. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico e Direito Alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1993. WARAT, Luiz Alberto. CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino e Saber Jurídico. Rio de Janeiro, Eldorado Tijuca, 1977.