Diversidade de morcegos (Mammalia, Chiroptera) em área de manguezal do sul do Estado de Pernambuco, Brasil Fábio A. M. Soares (1)*, Carlos E. B. P. Ribeiro (2), Gustavo V. V. Corrêa (3), Narciso S. Leite-Júnior (4), Múcio L. Banja (2) e José A. T. Moreno (5) 1- Laboratório de Biologia da Conservação, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe; 2- Faculdade Frassinetti do Recife, Recife, Pernambuco; 3Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco; 4- Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, Pernambuco; 5- Empresa de Projetos Biodinâmicos, EMPROBIO, Recife, Pernambuco. *Corresponding author. Email: [email protected] Palavras-chave: morcegos, manguezal, Nordeste Introdução Chiroptera é a segunda ordem mais diversificada de mamíferos do mundo compreendendo dezoito famílias, 202 gêneros e 1120 espécies, sendo dividida em duas subordens: Megachiroptera e Microchiroptera, a primeira encontrada no Velho Mundo e compreende apenas uma família, enquanto a segunda está amplamente distribuída por todo o globo, sendo composta por 17 famílias (Simmons 2005). Esse número representa, aproximadamente, 22% das espécies conhecidas de mamíferos, que hoje totalizam 5416 (Wilson & Reeder 2005). Segundo Peracchi et al. (2006), as famílias brasileiras, com seus respectivos números de espécies são: Emballonuridae (15); Phyllostomidae (90); Mormoopidae (4); Noctilionidae (2); Furipteridae (1); Thyropteridae (4); Natalidae (1); Molossidae (26); Vespertilionidae (24). Esses animais habitam todo o território nacional, ocorrendo em biomas como a Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e a Caatinga, sendo encontrados também no Pantanal, nos pampas gaúchos e até em áreas urbanas (Reis et al. 2007). Há registros de morcegos em áreas de restinga (Oprea 2007; Luz et al. 2009; Carvalho et al. 2009) e manguezal (Cruz et al. 2007). Os manguezais são formações florestais que ocorrem em áreas abrigadas do litoral, essa estreita faixa costeira varia de algumas dezenas de metros no litoral, onde as marés têm amplitude inferior a 1m como no sudeste brasileiro a alguns quilômetros de largura, onde sua amplitude é maior que 4m, como na costa norte do Brasil (Lacerda et al. 2006). No nordeste encontramos exemplos de amplitude máxima em Recife de 3,10m, 3,20m em Salvador e 7,80m para São Luís (Coelho et al. 2004). Embora sua área seja relativamente pequena, a interface entre o continente e o mar é um dos ambientes mais dinâmicos do planeta. A zona costeira, além de sofrer a variabilidade induzida por mudanças globais, é hoje a região de maior densidade do planeta e hospeda grande parte das áreas urbanas e regiões industriais. Segundo Costa et al. (2008), poucos dados estão disponíveis sobre a diversidade de morcegos em ambientes aquáticos e no Brasil ainda não foi dada atenção aos manguezais, lagoas ou ambientes ripários. Os ecossistemas costeiros, entre eles o mangue, permanecem quase que inteiramente 73 desconhecidos, menos ainda se conhece a respeito das interações existentes entre os habitats costeiros e de terra firme com a fauna de morcegos (Cruz et al. 2007). O objetivo do presente trabalho foi analisar a diversidade de morcegos em uma área de manguezal do sul do estado de Pernambuco. Material e Métodos O presente estudo ocorreu no município de Sirinhaém (08° 35’ S e 35° 06’ L) localizado na mesorregião da Zona da Mata e na microrregião da Zona da Mata Meridional, (Promata, 2009), litoral sul do estado de Pernambuco. A temperatura média anual fica em torno de 25°C, os menores valores de temperaturas são observados nos meses de junho, julho e agosto. As coletas ocorreram em terras da Usina Trapiche S/A que está localizada no mesmo município. A usina possui cerca de 3000 ha de manguezais são de áreas de proteção ambiental inseridas na categoria extrema importância biológica do Atlas da Biodiversidade de Pernambuco (Pernambuco 2002). Foram escolhidos cinco sítios de coleta, sendo amostradas duas áreas de cada sítio. Cinco áreas localizavam-se de no interior da floresta de mangue, e cinco áreas de terra firme. As redes foram armadas em áreas no interior do mangue com sua vegetação típica e sujeita à amplitude das marés, onde estavam dispostas transversalmente em córregos e em áreas abertas. Em algumas áreas de terra firme foi possível observar a presença de espécies vegetais como jambeiro, cajueiro, coqueiro, jaqueira e mangueira (Eugenia sp., Anacardium occidentale, Cocos nucifera, Artocarpus heterophyllus, Mangifera indica, respectivamente). As capturas dos morcegos ocorreram entre os meses de agosto de 2008 e fevereiro de 2009 por duas ou três noites consecutivas no mês. Em cada noite de coleta foram armadas quatro (12 x 3 m) redes de neblina às 17h horas, permanecendo abertas até as 5h horas, sendo estas vistoriadas a cada 30 min. Para cada estação as redes foram posicionadas em nível do solo e eram reajustadas de acordo com a elevação e a diminuição das marés. As redes também foram abertas em clareiras naturais, mata de terra firme, subdossel e em trilhas quando existentes. O cálculo do esforço de captura será mensurado através do método proposto por Straube & Bianconi (2002), que consiste em multiplicar a área total das redes pelo número de horas que as mesmas ficaram expostas (Esforço= comprimento da rede x largura da rede x tempo de coleta x número de coletas x quantidade de redes). Os morcegos capturados foram identificados em campo com o auxílio da chave de identificação como a de Vizotto & Taddei (1973) e Jones & Hood (1993). Foram tomadas algumas medidas como: comprimento do antebraço, massa corporal, sexo, estado reprodutivo e idade. O estado reprodutivo de cada espécie foi classificado em: fêmeas – gestantes, lactantes ou pós-lactantes; machos – escrotados (ativos) e não-escrotados (inativos). A idade dos indivíduos foi observada através da calcificação das epífises dos dedos. Todas as espécies foram marcadas. Para calcular a diversidade, utilizou-se o índice de Shannon-Wiener. Para a nomenclatura taxonômica seguiu-se Simmons (2005). Resultados e Discussão Foram realizadas 13 noites de coletas em sete meses, com o esforço de 74 captura (E) de 22464m².h/rede, segundo metodologia proposta por Straube & Bianconi (2002). Foram capturados 83 espécimes de 14 espécies, pertencentes a 13 gêneros, representando 19,71% das espécies registradas para o estado de Pernambuco (n= 67) e 8,38% para o Brasil. Quatro famílias foram coletadas: Phyllostomidae (n = 11), Emballonuridae, Noctilionidae e Vespertilionidae (n=1). A família Phyllostomidae foi a que apresentou o maior número de indivíduos capturados (n= 80) e que também apresentou o maior número de gêneros (n= 10) e espécies (n= 11) representando 78,57% do total de indivíduos capturados para este trabalho e 28,20% conhecido para Pernambuco. A diversidade de espécies calculada pelo índice de ShannonWiener (H’) foi de 0.954 para os cinco sítios de amostragem. Das cinco subfamílias de filostomídeos presentes, a mais representativa foi a Stenodermatinae com quatro espécies (Artibeus lituratus, Artibeus planirostris, Platyrrhinus lineatus e Sturnira lilium), seguida da subfamília Phyllostominae (Lophostoma brasiliense, Phyllostomus discolor e Trachops cirrhosus) com três espécies, Desmodontinae (Desmodus rotundus e Diphylla ecaudata) com duas espécies e por fim Carollinae (Carollia perspicillata) e Glossophaginae (Glossophaga soricina) com uma espécie cada. Os resultados, em relação às espécies e famílias coletadas em área de manguezal, foram semelhantes ao trabalho de Cruz et al. (2007) desenvolvido no estado do Maranhão, entretanto, a diversidade encontrada no presente estudo (H’ 0.954) foi bastante inferior ao registrado por estes autores (H’1,85). Dias et al. (2007), no mesmo estado e ecossistema, registraram 17 espécies pertencentes a três famílias. A família Phyllostomidae apresentou o maior número de indivíduos, esse resultado corrobora com o de outros pesquisadores também desenvolvidos em hábitats costeiros (Fogaça 2003; Oprea 2006; Cruz et al. 2007; Dias et al. 2007; Carvalho et al. 2009). Os morcegos desta família são endêmicos da região Neotropical e o grupo geralmente predominante e de maior diversidade nas comunidades de mamíferos (Fenton et al. 1992). Segundo Straube & Bianconi (2002), o elevado número de filostomídeos em relação a outras famílias provavelmente ocorra devido à seletividade das redes-de-neblina, método que favorece a captura de morcegos que se deslocam principalmente pelo sub-bosque, permitindo uma amostragem abundante de filostomídeos. Conclusões O Brasil possui extensas áreas de manguezais ao longo de sua costa, contudo, ainda são poucos os trabalhos desenvolvidos nesse ecossistema. É necessário que estudos de longo prazo sejam desenvolvidos, já que boa parte dessas áreas permanece totalmente desconhecida. Além disso, os manguezais fornecem recursos para diversas guildas, como visto no presente estudo, e abrigos, inclusive para espécies pouco comuns em inventários. O conhecimento da quiropterofauna em área de manguezal pode ser considerado embrionário quando comparado com outros ecossistemas (eg. Mata Atlântica, Amazônia e Cerrado), podendo ser perdido antes mesmo de conhecido. Uma maior atenção deve ser dada a esse importante ecossistema costeiro a fim de conhecer aspectos ecológicos das espécies que ali habitam. 75 Agradecimentos Somos gratos à Usina Trapiche pelo apoio logístico durante o desenvolvimento da pesquisa e a Empresa de Projetos Biodinâmicos – EMPROBIO pelo suporte técnico. Referências Coelho P.A.; Batista-Leite L.M.A.; Santos M.A.C.; Torres M.F.A. 2004. O Manguezal. In: Oceanografia: Um cenário tropical. 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