PROCESSOS DE ELABORAÇÃO CONCEITUAL EM SUJEITOS ADULTOS Formação de Professores para a Educação de Pessoas Jovens e Adultas Eliana Prado Carlino Doutoranda UFSCar Profª Drª Cláudia Raimundo Reyes Universidade Federal de São Carlos Falar em educação de jovens e adultos também significa pensar em como as pessoas adultas, que tendo acesso à leitura e à escrita, elaboram, constroem e atribuem sentidos aos conhecimentos que circulam nos espaços de interlocução de que participam, propiciando a construção conjunta de significações. Entendemos que a construção de conceitos ocorre num processo de constantes re-significações, dada a natureza social e dialógica da linguagem e do próprio desenvolvimento psicológico, tendo portanto, um caráter coletivo e não individual ou estritamente cognitivo. Nesse sentido e a partir dessa perspectiva, autores como Vygotsky e Bakhtin nos instigam e oferecem “lentes” por meio das quais podemos aprimorar nossa compreensão acerca dos processos de ensinar e aprender. Enfocando a linguagem, Bakhtin (1986) defende que “não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (p. 112). Olhar a linguagem nessa dimensão modifica nosso entendimento a respeito das interlocuções ocorridas em sala de aula, das trocas verbais que se estabelecem entre os alunos e de seu processo dinâmico de elaboração de conhecimentos. Significa ainda problematizar as interações verbais e as interlocuções produzidas, não aceitando que a linguagem seja algo transparente, como defende Smolka (1995) A linguagem nem sempre comunica, não é transparente, ela significa por meio do “não dito” e não necessariamente significa por meio do que é dito. Admite a pluralidade de sentidos e significados, é polissêmica. A linguagem é fonte de equívocos, ilusões, malentendidos. Podemos dizer que ela ‘trabalha’ ou ‘funciona’, às vezes, ‘por si’, produzindo múltiplos efeitos, independentemente das intenções de quem fala; ela escapa ao conhecimento, poder e controle do homem. (p. 16) A palavra não é transparente e nela não há unicidade. O signo em movimento, produzido nas relações entre as pessoas vai constituindo modos de pensar (idéias, conceitos). E se as formas de apreensão de um conteúdo ou conceito são inúmeras; se a palavra é polissêmica e admite múltiplos sentidos, será que podemos falar sobre “leituras ou compreensões equivocadas ou incorretas”? Ainda é muito forte uma concepção de linguagem como algo passível de controle por parte dos interlocutores. Há um certo predomínio de uma visão que pressupõe a linguagem como um sistema básico (transmissor-mensagem-receptor), cuja possibilidade de compreensão depende basicamente do “que” e do “como” se fala, atentando-se apenas para alguns cuidados da parte de quem fala e de quem ouve. A linguagem assim entendida é apenas um instrumento da comunicação e um conjunto formal de regras ou de estruturas lógicas a serem incorporadas, num campo de possibilidades limitadas. Assumir essas concepções significa aceitar uma certa previsibilidade no processo de compreensão dos conteúdos que são trabalhados em sala de aula, o que nos faz pensar que ao ensinar um determinado conteúdo ou conceito, seja possível garantir sua apreensão nas “mesmas palavras” do autor ou do professor, portanto, as idéias ou palavras a serem legitimadas já estão previamente definidas. Não se admite a construção de sentidos como processo dialógico no qual participam sujeitos com diferentes perspectivas e visões de mundo. Contrapondo-se a essa visão de linguagem, entendemos que as pessoas participam, ao longo da vida, de processos interlocutivos em variadas instâncias e ao longo deles vão se constituindo na e pela linguagem, negociando sentidos e se apropriando de outras vozes e palavras que, de alheias, vão tornando-se próprias, num processo de produção coletivo do qual participam interlocutores em situações de interação, portanto, um processo dinâmico e quase nunca harmonioso. Nesse caráter coletivo de produção de sentidos, cada pessoa/aluno fala de um lugar específico e esses diferentes lugares determinam as enunciações produzidas. E é nessa heterogeneidade de valores, crenças, experiências, vozes e dizeres, que a construção de conhecimentos vai se encaminhando, nem sempre do modo como foi programada ou desejada pelo professor. A própria compreensão é um processo ativo, produtivo, em que significados anteriores, resultantes de processos interlocutivos prévios, se modificam por um processo contínuo em que, quanto maiores as diversidades de interações, maiores as construções de significados...(Geraldi, 1996, p.39) Sendo assim, os interlocutores não são sujeitos passivos nos processos de comunicação, mas vão se constituindo como sujeitos ativos e desenvolvendo sua compreensão do mundo, no universo de discursos dos quais participam. Na abordagem histórico cultural, os conhecimentos são elaborados continuamente no contexto das relações sociais, onde ocorrem mediações estabelecidas pelo outro e pela palavra. Na medida em que o sujeito se apropria, incorpora, repete, imita ou recusa a palavra do outro, vai organizando e transformando seus processos de significação dos objetos culturais e conseqüentemente, transformando a si próprio. Eis porque segundo Bakhtin (2003) “cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados” (p.272) o que se reafirma no fato de que ...a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros (...) Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavras dos outros, .... Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos. (p. 294,295) Inserido nesse referencial teórico, o objetivo deste trabalho é analisar o processo de elaboração conceitual em pessoas adultas. Para cumprir este propósito e realizar as análises, elegemos o conceito de “inclusão escolar”, dada a sua relevância no cenário educacional. Apesar de não ser uma idéia nova e fazer parte de documentos oficiais desde a década de 60, a Inclusão tem sido tema de campanhas e propagandas televisivas. Em 2004, O Conselho Federal de Psicologia desenvolveu campanha nacional pela Educação Inclusiva, cujo tema foi: “Educação Inclusiva: Direitos Humanos na Escola – por uma escola-mundo onde caibam todos os mundos”, e ainda, dia 14 de abril de 2005 foi considerado o Dia Nacional de Luta em prol da Educação Inclusiva. Em contrapartida, muitos se manifestam contra esse processo de inclusão, defendendo a manutenção e a continuidade das escolas de educação especial. É uma temática, portanto, em destaque e que se reveste de importância fundamental, pois está adentrando os espaços educacionais, amparada por leis e políticas educacionais e revestida de múltiplos entendimentos. Que sentidos sobre inclusão escolar estão sendo possibilitados e circulam entre professoras e como eles são produzidos durante as interlocuções das quais elas participam? Como cada um é impactado e impacta o outro com seus modos de compreender e de saber sobre algo e o que marca esses saberes? Na pesquisa em curso estamos analisando as enunciações produzidas por um grupo de professoras da rede regular de ensino, que atuam no Ensino Fundamental e estão envolvidas com a inclusão de crianças que apresentam algum tipo de deficiência. As enunciações foram produzidas e registradas durante um curso sobre “inclusão escolar”, oferecido às professoras. Utilizaremos como referencial metodológico, a análise microgenética, proposta por Wertsch. Trata-se uma abordagem que possibilita o registro detalhado do percurso de transformação que se efetiva conforme os sujeitos vão transformando operações que ocorrem no nível interpessoal em operações intrapessoais, e que, portanto, privilegia a investigação de processos e não de produtos. Os dados coletados indicam que os conceitos sobre inclusão, elaborados pelas professoras, estão marcados e permeados por suas práticas sociais, sendo o resultado da apropriação que elas fazem da prática e dos saberes histórico-sociais; assim, muitos são ainda os preconceitos que envolvem suas falas sobre o tema, pautados pela idéia do que é “normal/anormal” e do que significa ser diferente. Ao mesmo tempo, ao longo do percurso, e no exame dos episódios interativos, muitas de suas falas e questionamentos apontam avanços, questionamentos, evidenciando contradições e equívocos que caracterizam tais processos de construção e que só são possíveis no exercício da linguagem. Desse modo, não existe para essa palavra uma única possibilidade de sentido. E no processo das interações verbais, os sentidos são marcados por experiências profissionais, diferentes contextos de formação, programas televisivos, políticas educacionais, pelas trocas verbais que ocorrem no grupo, enfim, diferentes são as possibilidades para essas construções e muitas as vozes que se fazem presentes nas enunciações de cada sujeito; tais vozes, ao serem compartilhadas, vão sendo confrontadas, negociadas, assumidas, rejeitadas, incorporadas, transformadas. Apreender esse processo sem perder sua dinamicidade é o que intencionamos, procurando contribuir no debate sobre modos de apropriação/construção de conhecimentos, processos de significação e produção de sentidos, enfim, questões pertinentes ao imenso e ainda bastante desconhecido, universo da linguagem. Referências Bibliográficas BAKHTIN, M. 1986. Marxismo e filosofia da linguagem. 3ª ed. São Paulo: Hucitec. ________. 2003. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes GERALDI, João Wanderley. 1996. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas, S.P: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil. SMOLKA, Ana Luiza B. 2000. Conhecimento e produção de sentidos na escola: a linguagem em foco. Cadernos Cedes. Ano XX, nº 35. pp.50-61. ________. 1995. A concepção de linguagem como instrumento: um questionamento sobre práticas discursivas e educação formal. Temas em Psicologia. nº 2, pp. 11-21. OLIVEIRA, Marta K. de. 1995. Linguagem e cognição: questões sobre a natureza da construção do conhecimento. Temas em Psicologia. nº 2, pp.1-9. VYGOTSKY, L.S. 1996. A formação social da mente. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes. WERTSCH, J.V. 1985. Vygotsky y la formación social de la mente. Barcelona: Paidós.