BEM JURÍDICO PENAL E PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS Mariana de Lima Coltro Orientador: Profº. Dr. Paulo Vinícius Sporleder de Souza RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade examinar algumas das implicações que o desenvolvimento e a tecnologia trouxeram e trazem para o mundo do Direito, no que concerne à utilização de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. Questionaremos até onde podemos ir com esta tecnologia e até onde nos é permitido avançar sem que estejamos atingindo a vida humana e o bem jurídico, de expressiva relevância. O artigo 24 da Lei 11.105 também será analisado, que envolve diretamente o uso de células-tronco embrionárias, além de um enfoque jurídico, filosófico e médico (e aqui incluímos todas as ciências que envolvem esse tipo de matéria) para que um dia, talvez em breve, possamos ter uma resposta que nos dê maior segurança. Palavras-chave: Direito penal. Bem jurídico. Células-tronco. Células-tronco embrionárias. Lei 11.105. artigo 24 da Lei 11.105. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por finalidade examinar algumas das implicações que o desenvolvimento e a tecnologia trouxeram e trazem para o mundo do Direito, no que concerne à utilização de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. O maior questionamento é a necessidade de descarte dos embriões humanos quando da utilização destas células, e isto passa, inevitavelmente, pela delimitação do instante no qual quisermos atribuir a um grupo de células o respeito devido à vida. A retirada de células-tronco produz a morte desse “grupo de células”: e daí, razões da polêmica, é quanto a podermos produzir esses pré-embriões com o fim específico, não de gerarmos novos seres humanos, mas sim de fabricarmos “antídotos” contra patologias graves, como a doença de Alzheimer, o síndrome de Parkinson, leucemias etc. Aqueles que sofrem destas doenças, esperam ansiosos por uma definição, e mais ainda, pelo rápido desenvolvimento da tecnologia necessária para que sejam curados. Mas, até onde podemos ir com esta tecnologia, até onde nos é permitido avançar sem que estejamos atingindo a própria vida? Quando do aparecimento da vida propriamente dita e a partir de quando esta deve ser protegida; as diferentes visões, tanto jurídica quanto biológica e filosófica; as diferentes maneiras de obtenção e a evolução histórica destas, assim como a aceitação maior ou menor de uma ou outra técnica e também, uma análise àquilo que será inevitável, mas que tentaremos expor que é necessário um tempo maior de pesquisas para que tenhamos respostas mais objetivas e justas. O bem jurídico também é de importante destaque no presente trabalho devido à crença deste ser uma das grandes responsáveis em termos de avaliação do uso das células tronco embrionárias. 2 Sabemos que por trás de tudo - se deve ser usada ou não a aplicação destas células - há toda uma visão de interesse de financiamento de pesquisas e que talvez haja uma minimização da ética e da valorização do bem jurídico perante a tecnologia e suas “vantagens”. Para tanto, utilizaremos na realização do presente trabalho, autores nacionais e estrangeiros. Além de livros, como se trata de um tema muito recente e em evolução, será utilizado material adquirido na internet, em páginas de faculdades e centros científicos. E, finalmente, analisaremos também periódicos científicos, como revistas de renome e respeito, tudo isso para que possamos adentrar em um tema tão complexo com a maior seriedade possível. 1. O BEM JURIDICO PENAL 1.1 – BREVE HISTÓRICO SOBRE O BEM JURÍDICO PENAL A idéia de um objeto jurídico do delito nasce com o surgimento do direito penal moderno 1 . No passado, o direito penal aparece em uma esfera predominantemente teológica ou privada2. O delito é antes de tudo e, sobretudo, um pecado. Assim, esse período se caracteriza pela confusão “delito-pecado” e conseqüentes problemas éticos3 do ilícito. Com o iluminismo vem uma visão radicalmente diferente da sociedade, e logo, da problemática penal. Tem-se que mais que uma corrente de idéias, vem a ser uma atitude cultural e espiritual de grande parte da sociedade da época, cujo objetivo é a difusão do uso da razão para dirigir o progresso da vida em todos seus aspectos. Em um período posterior, o ilícito penal irá se tornar assinalado pela violação de um direito subjetivo. Nesse período, o Direito Penal baseou-se, assim, na doutrina jurídica de caráter privado de Feuerbach: lesão de um direito subjetivo, que consiste na possibilidade de agir e de exigir aquilo que as normas de Direito atribuem a alguém como próprio, é o poder que tem o homem de exigir garantias para a realização de seus interesses, quando estes se conformam com o interesse social.4 A concepção material de delito como lesão de um direito subjetivo decorre da teoria contratualista, aplicada no âmbito penal. Tal posicionamento – resultado da ideologia liberal individualista dominante – é baseado em que o delito seria uma lesão a direito subjetivo, subordinado assim a um princípio material – a preservação da liberdade.5 individual. Feuerbach esboçava um avanço, pois era uma forma de delimitação da incriminação e do arbítrio estatal, uma vez que o delito deixa de ser visto como uma lesão de um dever para com o Estado. Atualmente, o postulado de que o delito constitui lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico não encontra praticamente oposição, sendo quase um verdadeiro axioma – “princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos”. Com nítido objetivo de limitar o legislador penal, a doutrina do bem jurídico, erigida no século XIX, dentro de uma visão liberal, vai, passo a passo, se impondo como um dos pilares da teoria do delito. Segue em busca dos fatos merecedores de sanção penal àqueles realmente danosos a coexistência social, mas lesivos de entidades reais do mundo exterior6. 1 CEREZO MIR, J. Curso de derecho Penal español, P. G. Madrid: Tecnos, 1985. v. 1, p. 77. BITENCOURT, C.R.;Elementos de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: RT, 1995. p. 20. 3 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico Penal e Constituição. São Paulo: RT, 1998 p. 26. 4 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo de Direito. São Paulo: Forense, 2007, p. 378 – 382. 5 COSTA, Gisela França da. Bem jurídico penal e estado democrático de direito. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em:http://www.castelobranco.br/pesquisa/vol4/pdfs/REVISTA_ELETRONICA_DE_DIREI TO_DA_UCB-BEM_JURIDICO-PENAL_E_ESTADO_DEMOCRATICO_DE_DIREITO.pdf 6 IDEM. 2 3 Com o positivismo 7 surgem direções metodológicas diferentes no âmbito penal. Primeiro com Binding, um dos expoentes de uma concepção positivista do bem jurídico8, considera um pressuposto formal da norma incriminadora, consistindo o delito na lesão a um direito subjetivo do Estado. Estabelece uma relação entre as normas e os bens jurídicos, uma vez que as agressões aos direitos subjetivos somente se produziriam mediante a agressão aos bens jurídicos e seria inconcebível sem estes9 . Contrariamente ao proposto por Binding, como uma reação oposta, origina-se a dimensão material do conceito de injusto penal: o bem jurídico constitui, acima de tudo, uma realidade válida em si mesma, a norma não o cria, mas sim, o encontra, e ai está seu aspecto restritivo. O injusto penal compreende a conduta culpável e ilícita. Do ponto de vista formal, é ilícita quando significa transgressão de uma norma estatal (dever ou mandato) e em sentido material quando opera uma lesão ou perigo de lesão a um interesse vital garantido pela norma (bem jurídico). No início do século XX, surge a concepção neokantista do bem jurídico, resultado de uma leitura renovada da obra de Immanuel Kant. Percebe-se a substituição da noção de indivíduo (sujeito) pela noção de totalidade, que apesar de apresentada como fundada em um suposto juízo neutro e normativo puro é incrustada de um inegável traço autoritário. Ocorre a superação da noção material de bem pela noção de valor, não de um valor individual, mas de um hipotético valor cultural, expresso nas proibições da norma10. Finalmente, sem um conjunto de medidas aptas a proteger certos bens, indispensáveis à vida comunitária, seria impossível a manutenção da paz social. Por isso, o direito seleciona, dentre o imenso número de bens existentes, aqueles que entendem dignos de proteção e os erige em “bens jurídicos”. Para Wetzel, o “Bem jurídico é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social, é juridicamente protegido. Pode ele apresentar-se, de acordo com o substrato, de diferentes formas: objeto psicofísico ou objeto espiritual-ideal, ou uma situação real (respeito pela inviolabilidade do domicílio, por exemplo), ou uma ligação vital (casamento ou parentesco, por exemplo), ou relação jurídica (propriedade, etc), ou ainda, um comportamento de terceiro (lealdade de um empregado, por exemplo). Bem jurídico é, pois, toda situação social desejada que o direito queira garantir contra lesões”.11 1.2 – TIPOS DE BEM JURÍDICO PENAL Há uma grande concordância por parte dos doutrinadores, no que se refere ao postulado de que o delito lesa ou ameaça de lesão os bens jurídicos. Porém no que diz respeito ao conceito e classificação de bem jurídico, há uma grande divergência. E é de extrema importância que isso seja exposto, já que em um tema como bioética, mais especificamente o uso das células-tronco existam muitas opiniões e que talvez levem a um posicionamento mais ou menos radical. Assim, originariamente, com base na tradição neokantiana, de base espiritualista, procura-se conceber o bem jurídico como valor cultural – entendida a cultura no seu sentido mais amplo, como um sistema normativo. Nesse conceito, os bens jurídicos têm como princípio valores culturais que se baseiam em 7 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1999. p. 16.. COSTA, op. cit. 9 PRADO, op. cit. p. 31.. 10 COSTA, op. cit. 11 PRADO, op. cit. p. 18. 8 4 necessidades individuais, essas se tornando valores culturais quando dominantes em uma sociedade, e, finalmente, esses valores transformando-se no bem jurídico propriamente dito quando a confiança em sua existência surge necessitada de proteção jurídica. Ocorre a superação da noção material de bem pela noção de valor, não de um valor individual, mas de um hipotético valor cultural, expresso nas proibições da norma.12 Já em um sentido objetivista, Welzel considera o bem jurídico como um bem vital da comunidade ou do individuo, que por sua significação social é protegido juridicamente. Estabelece que os bens jurídicos realizam certas funções dentro do contexto dinâmico e amplo da vida em sociedade 13. Welzel,considera que há um liame subjetivo entre o dever e a pessoa, uma vez que o respeito à norma dependerá do imperativo ético e da disposição individual para obedecê-lo. O imperativo categórico é o fundamento da ação e orienta um projeto social de proteção dos pressupostos elementares de sua existência, tratados como valores ético-sociais. Assim, Welzel, com sua formulação, relega o bem jurídico a um segundo plano.14 O direito penal tende ao fortalecimento e garantia dos valores ético-sociais da ação, mas, na busca dessa meta, atua submetido a certos princípios, como o da legalidade e o da proteção de bens jurídicos, que também são, de sua parte, valiosos desde um ponto de vista ético-sociais e característicos do Direito Penal. De um outro modo, entende Roxin que os bens jurídicos são “pressupostos imprescindíveis para a existência em comum que se caracterizam numa série de situações valiosas, como, por exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade de atuação, ou a propriedade, que toda gente conhece, e em sua opinião, o Estado social deve também proteger penalmente”15. 1.3 – O BEM JURÍDICO E A BIOÉTICA EM SEU ASPECTO JURÍDICO A idéia de ciência que se estabeleceu ao longo das últimas décadas é a de uma ciência autônoma, com ampla liberdade de ação e isenta de qualquer julgamento moral. Contudo, a impossibilidade de solucionar vários problemas e o surgimento de outros novos, ocasionados pela própria ciência, contribui para a revisão deste quadro. A humanidade, com certo atraso, se dá conta de que a ação cientifica naturalmente tende a ir mais longe, derrubando fronteiras e com mais e mais tecnologia, e que existem limites a serem observados. Assim, o campo de pesquisa e os métodos não podem ser ultrapassados sem uma forte dose de responsabilidade e previsão, e daí o importantíssimo papel das pesquisas, sem que haja aplicação imediata, mas sim, um grande estudo sobre o que será usado, ainda mais se isto for afetar a integridade humana. A ciência, cada vez mais, parece mostrar que não é fim em si mesma, como se poderia pensar. É, sim, fator de progresso, de liberdade e felicidade para o ser humano (e outros animais também), mas sem respeito aos limites ela o escraviza. É por isso que a sabedoria e a consciência humana devem ser as mais fortes aliadas da ciência. A ação científica era somente avaliada pelos resultados da sua ação, o que se sabe atualmente, que não é suficiente – talvez por isso, em tempos passados, os 12 COSTA, op. cit. RAMIREZ, Bustos; HORMAZABAL, M. Teoria del sujeto responsable y teoria del delito. Chile: Trotta, p. 16. Similar o define Cerezo Mir: independentemente do interesse que se tenha sobre o bem jurídico. 14 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal, Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 123. 15 ROXIN, C. Problemas fundamentias de Direito Penal. Lisboa: Vega, 2004. p. 27-28. 13 5 cientistas eram chamados de “alquimistas”. Por ser um saber prático, toda a ação da ciência, tanto o momento da pesquisa quanto da aplicação de resultados, é fortemente carregados de fator ético. A ética não pode ser chamada em causa somente no momento da aplicação dos resultados da pesquisa, assim como o saber científico, por si só, não autoriza e nem sempre comporta uma aplicação prática16. A ciência está a serviço do homem, até porque, por uma razão ainda desconhecida, o homem é único ser que não se satisfaz com o que a natureza oferece, não se contenta com seus limites, não se contenta com a vida e não se contenta com a morte. Nossa insatisfação crônica direciona nossas existências particulares impelindo-nos a ocupar-nos em modificar a realidade. Mas se, de fato, for decorrente de perdas genômicas, a explicação de nossa eterna insatisfação, lamentavelmente, nunca chegaremos a imaginar uma vida plena e coletivamente ideal. Somente os outros seres vivos, conscientes ou não, desfrutam sublimemente deste prazer que é a satisfação constante17. Do ponto de vista biológico, o homem é tão evoluído como qualquer outro ser que esteja vivo atualmente. Isto porque a evolução designa aquisição de alterações ao longo do tempo. Todas as espécies estão em pleno processo evolutivo desde há 3,5 bilhões de anos quando, então, se estruturou a primeira forma de organização celular neste planeta. 18 Isto posto, só nos reforça a idéia de proteção de bem jurídico nas pesquisas e nas aplicações delas, já que a vida merece um respeito maior do que podemos compreender. Qualquer aplicação da técnica biomédica não é jamais somente uma questão puramente científica, mas é sempre uma questão ética. Assim, há que se aceitar, do ponto de vista ético, a existência de uma lei natural com relação à qual não podemos nos insurgir? A lei natural nada mais é do que o resultado da observação de uma sucessão de eventos, que ainda não conseguimos modificar, e que talvez nunca consigamos, já que a verdade é única, independente do homem aceitá-la ou não (falando-se das leis da natureza).19 Já se considerou como lei natural o fato de a Terra ser o centro do universo – até que se demonstrou o contrário. Já se considerou decorrente de lei natural a expectativa média de vida de pouco mais de 30 anos – já não é assim20. Tanto a ética quanto a ciência, especialmente as ciências biomédicas, lidam com a vida, nesta incluída a vida humana, e nenhuma ação que envolve a vida humana pode ser menosprezada. Introduzindo um ponto de vista jurídico, temos que o direito é o conjunto de normas e princípios que visam regular a vida do homem em sociedade, onde se procura, naturalmente, a ordem para chegar ao “bem comum” 21 , ou, em outras palavras, ao “interesse comum”, e neste ínterim, podemos lembrar do conceito de bem jurídico, onde será afetado quando lesionado o interesse da sociedade. Os princípios gerais do direito são premissas que determinam a orientação do legislador, 16 BARTH, Wilmar Luiz. Células-tronco e bioética – O progresso biomédico e os desafios éticos. Porto Alegre: Edipucrs, 2006. p. 140.. 17 ALHO, Clarice. Ética no desenvolvimento científico e tecnológico: questões da genética atual In SOUZA, Ricardo Timm de (Organizador). Ciência e Ética: Os grandes desafios.Porto Alegre: EdiPUCRS, 2006. 18 IDEM. 19 Contrariamente à ZAGO, Marco Antônio. Células-tronco: A nova fronteira da Medicina. São Paulo: Atheneu, 2006, p. 226. 20 ZAGO, op. cit. p. 226. 21 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 56. 6 sempre na direção dos valores de determinada sociedade e devem ter em vista, sempre, assim como as questões cientificas, as questões éticas. No que tange as questões éticas sobre a utilização ou não das células-tronco, encontramos discordâncias pelo mundo sobre o que deve e o que não deve ser permitido na pesquisa com estas células. A ciência é complexa, e a dimensão ética é tão complexa quanto; mas o problema maior está na diferença de opiniões sobre quais aspectos da ciência são considerados aceitáveis. Há anos, as pesquisas com células-tronco são alvo de intensas batalhas políticas, éticas e religiosas. E a próxima fronteira está nos tribunais, no aspecto jurídico da questão, em um campo em que os direitos de propriedade intelectual não são nada claros. De um lado os defensores alegam ser crime não usar os embriões descartados para salvar vidas, enquanto seus opositores alertam contra um mundo repleto de “fazendas de embriões” para que se retirassem células-tronco22, o que torna mais difícil ainda para a justiça tomar uma decisão quanto a estas questões, talvez por isso existam tantas diferenças em vários paises no que diz respeito a ética e como deve ser tratada pela ciência. No Reino Unido, por exemplo, há um grande entusiasmo por parte da população e do governo; os Estados Unidos dedicam uma verba enorme, de cerca de 550 milhões de dólares para as pesquisas com células-tronco, mas a fração para os estudos de células-tronco embrionárias humanas é bem menor, somando cerca de 24 milhões de dólares, equiparando-se ao investimento de paises com orçamentos bem menores. O controle regulatório varia também de país para país. Alguns têm leis que permitem ou proíbem especificamente determinadas práticas associadas às pesquisas com células-tronco embrionárias, como a clonagem terapêutica, mas outros mantêm tais experiências num limbo jurídico. No Brasil, como o trabalho com células-tronco foi aprovado há não tanto tempo, com a Lei da Biossegurança, a pesquisa nesse campo ainda é incipiente. Há sem duvida um cuidado muito grande do legislativo no que se refere à bioética e também ao bem jurídico, para saber quando está lesionado ou não, e quando existe esse bem jurídico que deve ser entendido com maior acuidade. Quanto ao objetivo deste trabalho, ainda é necessário um estudo mais detalhado sobre células-tronco embrionárias para que a lei possa cuidar com justiça dessas questões. 2. CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E O BEM JURÍDICO 2.1 – CÉLULAS-TRONCO: CONCEITO E POTENCIALIDADES CIENTÍFICAS Os diferentes órgãos dos seres vivos mais evoluídos (eucariontes 23 ) são formados por tecidos diferenciados que exercem funções especializadas. Por exemplo, o tubo intestinal compreende pelo menos três tipos de tecidos especializados que o capacitam a exercer sua função de propulsão e absorção de alimentos: epitélio, que recobre todo o tubo digestivo internamente, permitindo a absorção dos alimentos digeridos e protegendo o organismo contra a invasão de 22 WEISS, Rick. O poder de dividir. Revista National Geographic Brasil, São Paulo. V. 5, n° 62, p. 54 – 55, julho de 2005.p. 56. 23 Eucariontes são animais e plantas superiores cujos organismos são formados por tecidos constituídos de células com o núcleo individualizado, ou seja, este possui uma membrana, chamada carioteca, que o separa do citoplasma, fazendo assim com que o material genético fique todo no núcleo, ao contrario dos procariontes, que não possuem a carioteca e o DNA e RNA não ficam em uma porção individualizada da célula. JUNQUEIRA, J.C.; CARNEIRO, José. Biologia Celular e Molecular. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. 7 agentes microbióticos e a entrada de substâncias tóxicas; tecido muscular, que faz a contração ordenada do tubo, gerando ondas peristálticas que se propagam ao longo do intestino, movimentando o bolo alimentar; e, finalmente, uma rede de células do sistema nervoso que controla a contração intestinal. Células com funções diferentes são geralmente muito diversas quanto à forma, características e propriedades. Por exemplo, neurônios e células gliais pertencem ao tecido nervoso, porém diferem muito na forma e na função. Mas, mesmo com tantos tipos de células e tantas especializações diferentes, tantos tecidos e tanta organização, tudo se originou de uma simples célula-ovo, após a fecundação de um óvulo por um espermatozóide. Será essa única célula que terá a propriedade de formar todo o indivíduo, em toda sua complexidade. Inicialmente, essa célula totipotente divide-se formando células idênticas, que vão adquirindo suas diferentes especializações e, quanto mais se subdividem, menor será sua capacidade de diferenciação. As células-tronco estão na origem desta cadeia. São tipos de células indiferenciadas, sem função específica nos tecidos, capazes de multiplicar-se se mantendo indiferenciadas por longos períodos, tanto in vitro quanto in vivo, mas que, diante de estímulos específicos podem diferenciar-se em células maduras e funcionais dos tecidos. As células-tronco têm a propriedade fundamental de divisão assimétrica, ou seja, ao mesmo tempo em que originam células precursoras com capacidade de diferenciação restrita a um determinado tecido (e função, conseqüentemente), produzem células indiferenciadas que rendem a população de células-tronco24. Células-tronco diferem de outras células do organismo por apresentarem três características: 1) São células indiferenciadas e não especializadas; 2) São capazes de se multiplicar por longos períodos mantendo-se indiferenciadas, de modo que um número pequeno pode dar origem a um grande número de células semelhantes; e 3) São capazes de se diferenciar em células especializadas de um tecido particular25. Somente por esta descrição, já podemos perceber que a potencialidade das células-tronco é grande. Como exemplo, vamos descrever o que acontece com as células-tronco somáticas, que foram as progenitoras das células do sangue. As células maduras e diferenciadas do sangue exercem funções essenciais para a manutenção da vida: os eritrócitos (eritros: vermelho; cytos: célula;) transportam o oxigênio, os neutrófilos e monócitos fazem a defesa contra microorganismos e as plaquetas participam da hemostasia, que se contrapõe à perda sanguínea após lesão de vaso ou tecido. Todas essas células têm uma vida limitada, e, desde os anos 40 do século XX se sabia que existem, na medula óssea, células indiferenciadas que repõem as células maduras do sangue que vão sendo eliminadas. Essas células-tronco, chamadas hematopoiéticas (que formam sangue) são raras, e circulam no sangue tanto de adultos quanto no de fetos, porém, em maior quantidade, e, por isso, quando nasce uma criança, o sangue fetal, que ficou 24 25 ZAGO,,op.cit. p. 19. WEISS, op.cit., p. 54 – 55. 8 retido na placenta, pode ser recuperado e usado como uma ótima fonte de célulastronco para fins terapêuticos26. As células-tronco de adultos são tecido-específicas, ou seja, são capazes de diferenciar-se em células especializadas do tecido do qual derivam. Por exemplo, as células-tronco hematopoiéticas encontradas na medula óssea, no sangue placentário e no sangue de adultos são capazes de originar as células maduras do sangue, como linfócitos, granulócitos, monócitos, plaquetas e hemácias (eritrócitos). Assim, a convicção de que as células-tronco têm uma capacidade limitada a um único tecido vem sendo cada vez mais desafiada pela ciência. Inúmeras experiências têm mostrado que mesmo sendo células-tronco especializadas na formação de certo tecido, poderiam diferenciar-se em células especializadas de outro tecido. Assim, supostamente, células-tronco da medula óssea poderiam dar origem a células especializadas hepáticas, cardíacas, vasculares, nervosas, etc. apesar de ainda haver muita controvérsia e descrença na capacidade de diferenciação das células-tronco adultas, sua ocorrência não pode ser descartada. A medicina regenerativa ou terapia celular procura empregar células-tronco embrionárias ou células-tronco de adultos, fazendo a direção da sua diferenciação para o tecido específico para repor ou reparar tecidos lesados ou destruídos, como a recuperação da medula óssea, tecido endócrino do pâncreas (diabetes) e, ainda em fase de pesquisa, células chamadas bastonetes e cones, que ficam na retina ocular e que são destruídas em decorrência do glaucoma (disfunção ótica onde a pressão intra-ocular está muito alta e desregular, acarretando na morte de células que propiciam a visão) 27 . O potencial das células-tronco pode ser observado diferentemente nas seguintes formas: a) Células-tronco adultas do tecido a ser regenerado: a forma mais comum de tratamento com células-tronco atualmente é o transplante de células progenitoras de medula óssea (também podendo ser obtidas de sangue de cordão umbilical ou de sangue circulante), muito utilizadas para tratar leucemias, linfomas e algumas doenças hereditárias28; b) Células-tronco de adultos ou fetais diferenciadas in vitro: obtidas de adultos ou fetos, as células são orientadas a se diferenciarem em cultura no tipo celular que se deseja obter e, em seguida, transplantadas; por exemplo, células do pâncreas produtoras de insulina (diabetes); c) Injeção direta de células-tronco: nesse caso, espera-se que as células injetadas vão se alojar no órgão que se deseja reparar, diferenciando-se no sentido esperado. Devemos, porém, enfatizar que células-tronco embrionárias indiferenciadas não podem ser injetadas no adulto, pois, em decorrência do seu grande poder de diferenciação, originam tumores compostos de tecidos derivados dos diferentes folhetos embrionários. São exemplos: células do sangue injetadas na circulação, nas coronárias ou no tecido cardíaco para corrigir defeitos do coração29; 26 Similar em WEISS, Rick. O poder de dividir. Revista National Geographic Brasil, São Paulo. V. 5, n° 62, p. 44 – 69, julho de 2005. 27 GUYTON, Arthur C. Tratado de Fisiologia Medica. São Paulo: Elsevier, 2006, p. 369. 28 SOARES, Christine, Células-tronco, restauradoras da Vida. Scientific American Brasil, São Paulo, ano 4, n° 39. p. 70 -73. agosto de 2005. 29 ZAGO, op.cit.. p. 113. 9 d) Estimulação das células-tronco endógenas: Injeção de substâncias biológicas, como fatores de crescimento, que estimulam o organismo no crescimento, mobilização e diferenciação de células-tronco do próprio indivíduo. A injeção é feita no local onde se deseja ter essa diferenciação, sendo uma mobilização sítio-dirigida; e) Terapia celular e gênica combinadas: a célula-tronco é submetida a uma manipulação que a altera geneticamente, e quando inserida no paciente, vai expressar os efeitos dessa modificação. Uma boa utilização seria de desobstruir vasos do sistema circulatório30. 2.1.1 – Classificação e tipos de células-tronco O conhecimento da existência de célula-tronco já vem de longa data. Sabemos que tanto animais quanto vegetais têm a disposição células que se reproduzem e que são responsáveis pela constante regeneração tecidual31. Estas células primordiais são de três linhagens germinais (os três folhetos embrionários que, por sua vez, dão origem a todos os tipos de tecido do organismo 32 ). Continuando nessa linha de pesquisa, descobriu-se que era possível obter célulastronco pluripotentes diretamente do embrião do camundongo 33 , e, a partir disso, começou-se com o isolamento de células-tronco de animais, aprendendo-se mais sobre suas diferentes linhagens, que apresentaremos a seguir. a) Células-tronco embrionárias: São as células-tronco presentes no embrião, e são de dois tipos: pluripotentes e totipotentes. Em uma rápida análise, as pluripotentes originam-se do blastocisto 34 ou das células germinais das quais se formarão os óvulos e os espermatozóides. São capazes de formar um organismo inteiro, pois, segundo as pesquisas realizadas, podem formar todos os tipos de células que constituem um organismo, dando origem aos mais de 250 tipos de tecidos diferentes do adulto35, porém, estas células não poderão dar origem a um embrião, já que não são capazes de dar origem às células que formariam o trofoblasto36, diferentemente das totipotentes, pois os blastômeros37, que possuem totipotência, são capazes de formar um embrião completo, por possuírem os meios necessários para a estrutura do embrião38. Assim, as células-tronco embrionárias, geneticamente manipuláveis, podem ser clonadas e congeladas, e, de apenas uma célula embrionária, pode-se criar uma colônia inteira de células idênticas. Posteriormente, veremos que é justamente esse gradiente de multiplicação que está prejudicando o uso deste tipo de célula. 30 ZAGO, op.cit. p. 112. BARTH, Wilmar Luiz. Células-tronco e Bioética: O Progresso Biomédico e os Desafios Éticos, Porto Alegre: EdiPUCRS, 2006, p. 19. 32 MOORE, Keith L.; PERSAUD, T. V. N. Embriologia Básica. 3a. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 75. 33 GARDNER. Stem cells: potency, plasticity and public perceptions, in Jornaul of Anatomy 200 (2002) apud BARTH, p.20. 34 Blastocisto: é quando a mórula, uma vez formada, é invadida por um líquido, que promove o deslocamento dos blastômeros à periferia, formando a blástula ou, blastocisto, no 4° ou 5° dia após a fecundação. In: PAULINO, Wilson Roberto. Biologia Volume Único. 2ª. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 388. 35 ZAGO, op.cit. p. 7. 36 Trofoblasto: que dará origem ao material placentário do embrião.: ZAGO, op.cit. p. 68. 37 Blastômero: células que constituem o período inicial do embrião, o conjunto da mórula. PAULINO, Wilson Roberto. Biologia Volume Único. 2ª. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 388. 38 WEISS, op. cit. p. 54. 31 10 b) Células-tronco Somáticas39: são células indiferenciadas que se encontram em um tecido especializado. O organismo adulto possui uma pequena quantidade de células-tronco em vários tecidos e órgãos onde ficam latentes até serem ativadas por uma enfermidade ou um ferimento, podendo renovar a si mesma. Ao contrário das embrionárias, as tronco adultas não se revelaram aptas a se transformar em todos os tipos de célula e talvez virem apenas os mesmo tipos de célula dos tecidos de onde se originaram. No cérebro, por exemplo, podem formar neurônios ou uma célula glial - neurais 40 . Porém os limites exatos são objetos de intenso debate científico·, e serão discutidos mais adiante. c) Células-tronco provenientes de clonagem: surgiram através da possibilidade da clonagem de animais, como a ovelha Dolly, mostrando que uma célula somática adulta, contendo o código genético do organismo, pode ser reprogramada em todos os tipos de células que compõem um animal inteiro, bastando somente transferir para o citoplasma de um óvulo no qual o núcleo foi retirado, o núcleo desta célula que contém o DNA, dando assim início a um novo ser, geneticamente idêntico ao doador do núcleo da célula somática41. A técnica de clonagem humana, também conhecida como “Nuclear Transfer Somatic Cell” (NTSC) ou ainda de “clonagem terapêutica” está sendo aplicada para a produção de células-tronco, tal como na criação da ovelha Dolly. Os embriões resultantes das técnicas de clonagem serviriam, a princípio, somente como fornecedores de células-tronco, e, do ponto de vista cientifico, seriam muito vantajosos, devido a grande histocompatibilidade42 com o doador clonado. Entretanto, se por um lado este procedimento parece ser, a primeira vista, a melhor solução, se analisarmos mais profundamente, constataremos que não é tão simples. Grande parte das doenças, principalmente síndromes, é de origem genética. Assim, se uma pessoa com Mal de Parkinson tiver suas células clonadas, estas carregarão em seus genes o mesmo problema. Além disso, a compatibilidade nem sempre é total, devido à interação das células somáticas com o trofoblasto, o que pode ocorrer no processo de fusão nuclear 43 . Os resultados podem variar da rejeição até tumores que gerariam câncer44. A solução seria a reprogramação in vitro dos defeitos nas células para então injetá-las novamente no organismo do doador. d) Células-tronco de cordão umbilical e placenta: pesquisas recentes mostram a possibilidade do uso de células-tronco que são descartadas quando ocorre o nascimento do bebê. Inicialmente eram dadas como inúteis e eram descartadas, mas, em 1988, este material começou a ser utilizado em doenças do sistema circulatório, especificamente a leucemia45. 39 Termo mais correto para células-tronco adulta, já que as mesmas também são retiradas de crianças, de bebês ou fetos, similar a CLARKE, Michael F.; BECKER, Michael W. O potencial Maligno das células-tronco.Scientific American Brasil. São Paulo, Ano 5, n°51, p. 41, agosto de 2006. 40 WEISS, op.cit. p. 65. 41 BROWN, T. A. Clonagem Gênica e Análise de DNA: uma introdução. São Paulo: Artmed, 2003. p. 98. 42 ZAGO, op. cit. p. 28. 43 BARTH, op. cit. p. 55. 44 CLARKE, Michael F.; BECKER, Michael W. O potencial Maligno das células-tronco.Scientific American Brasil. São Paulo, Ano 5, n°51, p. 40, agosto de 2006. 45 WEISS, op. cit. p. 64. 11 Esse material placentário oferece uma série de vantagens: como são células do próprio paciente, são totalmente compatíveis; além disso, como não são células maduras, têm um poder maior de especialização, e finalmente, eliminam-se as longas buscas de doadores, os exames intermináveis para certificar-se da compatibilidade genética entre doador e receptor, período que pode estender-se por até 5 meses46. É claro que também há questões éticas no que tangem as células-tronco provenientes do cordão umbilical, e uma delas, de cunho jurídico, seria: a quem pertence o cordão umbilical, à mãe ou à criança? Embriologicamente falando, assim que o espermatozóide se funde com o óvulo e há a formação do zigoto, este se liga ao endométrio, que receberá o nome de placenta após a nidação. Para que este ovo permaneça ligado à placenta, ele emite um feixe de células chamado de cordão umbilical, que provém do zigoto, ou seja, pertencendo ao embrião47. E, segundo a lei, no artigo 3°, inciso I, do atual Código Civil, a pessoa está absolutamente incapaz até seus 16 anos, ou seja, os pais seriam os responsáveis por estas células. Uma solução para tal questão, poderia ser o congelamento destas células até que o novo ser possa decidir o que quer fazer com elas, se usará para si ou doará para outrem ou pesquisas. Se ele não atingir a idade de 16 anos, ficariam seus herdeiros como responsáveis de tomar esta decisão. O problema maior seria, neste caso, onde guardar tantas células de tantos nascimentos, o que deixaria sob responsabilidade dos pais, no momento do nascimento, se desejariam guardar ou não estas células. 2.1.2 – O bem jurídico vida e os embriões A questão que envolve o bem jurídico está na concepção da vida, assim, como já vimos no capítulo 1 deste trabalho, o bem jurídico principal é a proteção da vida. Porém, a grande questão é onde começa a vida? No momento em que pudermos responder isto, a questão de o embrião ser ou não objeto de proteção jurídica, poderá ser mais bem resolvida. De um ponto de vista científico, os fenômenos biológicos, como a fecundação, servem, pois, de parâmetros para delimitar tanto o início quanto o final da vida. Em verdade, não há meios científicos de se estabelecer quando a vida começa ou termina. Esta demarcação é necessariamente aleatória. Assim, já se considerou como morte, em outros tempos, o fenômeno da parada cardíaca, sendo, atualmente considerado o conceito de morte encefálica48. Analisando deste enfoque, concluíram os cientistas de que o que o zigoto precisa, ou um embrião no início do seu desenvolvimento, é o mesmo que necessita um bebê recém-nascido ou qualquer indivíduo adulto: um lugar para se desenvolver, oxigênio e nutrientes. Nenhum ser viverá sem estes quesitos, independente da fase do desenvolvimento. Assim, biologicamente, o status de vida do embrião (ou do zigoto, desde o primeiro dia de sua existência) pode ser considerado o mesmo status válido para as demais fases da sua vida49. Em um enfoque jurídico, o Direito não tem para si um conceito de vida equivalente à definição científica de vida. Assim, nem toda forma de vida da espécie 46 BARTH, op. cit. p. 61. GARCIA, Sonia Maria Lauer de; FERNÁNDEZ, Casimiro Garcia. Embriologia. 2ª. ed. São Paulo: Artmed, 2006. p. 87- 89. 48 ZAGO, op. cit. p. 231. 49 ALHO, Clarice Sampaio. Ética, Genética e Biotecnologia: o uso de células-tronco. in CLOTET, Joaquim; FEIJÓ, Ana Maria; OLIVEIRA, Marília Gerhardt de. Bioética: Uma Visão Panorâmica. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2005, p.56.. 47 12 humana enseja a sua conseqüente tutela pelo Direito, de modo que ter vida biológica não significa, necessariamente, ter Direito à vida ou a qualquer outro direito. O que se está afirmando é que nem toda forma de vida é sujeito de direitos. Quando a nossa Constituição Federal aponta, por exemplo, a inviolabilidade do direito à liberdade, está salientando que as formas de vida biológica considerada sujeitos de direitos terão sua liberdade protegida. Inviolável é, essencialmente, o direito à vida, que, por sua vez, só é atribuído ao sujeito de direitos50, que não é considerado o embrião. Segundo ainda o Código Civil, já no seu artigo 1º, a clara relação entre pessoa e sujeito de direitos. E ainda, sujeito de direitos é o nascituro, ou seja, aquele que nasce com vida. O embrião não teria vida? A grande questão está em quais as formas de vida que o Direito protege? Afinal, no embrião de cinco dias está a fonte de células-tronco necessárias para que sejam utilizadas em terapias, clonagem, recuperações de tecidos51, e são células vivas, mas não ainda em forma humana, em cerca de cem células 52 , com potencial para formar todo o organismo. Um embrião de cinco dias é um minúsculo pacote do qual, em geral, são retiradas as células. Por outro lado, os cientistas afirmam que os embriões que seriam descartados pelas clinicas de fertilidade são recursos desperdiçados, e que as próprias células-tronco não são adequadas a se tornar um feto caso seja implantadas em um útero. Essas células não especializadas, porém, podem ser transformar em qualquer tipo de tecido humano53. É necessário que haja a delimitação do instante no qual quisermos atribuir a um conjunto de células o respeito devido à vida. Uma das preocupações desta polêmica de que a utilização destas novas técnicas possa levar, progressivamente, a uma “desumanização”, com dano irreparável ao respeito à vida, vigente em nossa cultura. E, havendo vida, onde se estabelecerá este sujeito de direitos54? Enquanto não houver uma resposta satisfatória de nenhuma parte, a própria natureza pode nos ajudar, mostrando que há vida desde uma pequena célula até um ser humano em toda sua complexidade. E que o embrião deve ser respeitado como vida, como ser propenso a exercer todas as funções que qualquer um de nós exerce. 2.2 – CÉLULAS-TRONCO ADULTAS Até agora, só as células-tronco adultas foram ministradas a seres humanos, embora as pesquisas com embrionárias e adultas prossigam. Os resultados ainda preliminares, sinalizam uma revolução na medicina, na justiça e na sociedade em geral55. Apesar de as células-tronco adultas já estarem sendo utilizadas em um bom número de aplicações, ainda há uma questão: até quando uma célula-tronco adulta pode se diferenciar? Sabemos que quanto mais idade a célula tiver, menos grau de diferenciação ela terá, e uma das causas são o encurtamento dos telômeros de seu DNA - quanto mais as células vão se dividindo, mais curtos seus telômeros vão ficando, e conseqüentemente com menor grau de potencial de diferenciação, pois os telômeros são como “capas protetoras” dos nossos cromossomos, ditando a idade das células e seu grau de envelhecimento 56 . As pesquisas seguem, e, como 50 ZAGO, op. cit. p. 231. Similar em ALHO, op. cit. p. 42. 52 WEISS, op. cit. p.52. 53 WEISS, op. cit. p.54. 54 similar em ZAGO, op. cit. p. 228. 55 Similar em WEISS, op. cit. p. 55. 56 Similar em ZAGO, op. cit. p. 15. 51 13 dissemos no tópico anterior, mesmo as células embrionárias ainda causam problemas de rejeição, assim, acredita-se que, quando se souber como modificar as células-tronco embrionárias, teremos uma resposta satisfatória para o uso de células-tronco adultas. 2.3 – CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS A capacidade das células-tronco embrionárias de se diferenciarem em muitos tipos celulares em cultura (visto anteriormente) permite que essas células sejam vistas como uma fonte inesgotável de tecidos para transplante no tratamento de diversas doenças. As células-tronco embrionárias são cultivadas por longos períodos e devem ser diferenciadas in vitro antes de serem transplantadas, já que, devido ao seu grande potencial de diferenciação, poderiam vir a transformar-se em qualquer tipo de tecido e entrando em um programa desordenado de diferenciação, dando origem a tumores57 e na pior das hipóteses, como veremos mais adiante, a câncer. Não podemos, contudo, deixar de lado os benefícios que estas células prometem; em 2005, por exemplo, já se havia cultivado células-tronco embrionárias que deram origem a neurônios e ectoderma (parte mais externa da pele), sangue, músculo, cartilagem, células endoteliais e cardíacas, células pancreáticas, entre outras, demonstrando que esta linhagem celular possui um grande potencial em medicina regenerativa, tanto como fonte de tecidos para transplantes, quanto como um modelo para o estudo da embriogênese humana. Defronte este dilema, alguns defendem as pesquisas com células-tronco embrionárias de animais mais próximos ao homem, para que sirvam como cobaias para avaliações de segurança e eficácia baseadas em terapias com estas células, o que geraria conflitos por parte de ativistas defensores de animais, já que o uso de animais, maiores e mais evoluídos do que cobaias de rato, indiscriminadamente, não justificam a cura de humanos58. 3. AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A LEI 11.105 (ARTIGO 24) 3.1 - O DIREITO NO PRISMA DA TECNOLOGIA COM A CIÊNCIA DAS CÉLULASTRONCO O grande progresso científico e tecnológico alcançado pelas ciências biomédicas trouxe novos questionamentos ao direito 59 Contudo, não cabe a este impor barreiras ou estabelecer divisas morais e religiosas instransponíveis, mas sim disciplinar fatos que, inevitavelmente, venham a surgir em decorrência da evolução humana, independentes de existir ou não uma norma que o discipline. Diplomas legais foram despontando neste assunto, com destaque para a Lei 8.974 de janeiro de 1995, modificada pela Medida Provisória 2.191-9 de agosto de 2001 e regulamentada pelo Decreto 1.752 de dezembro de 1995, que cuida no que diz respeito ao organismo geneticamente modificado – OGM - e do conceito de engenharia genética (art. 3º, incisos IV e V), além de discorrer sobre a manipulação genética de células germinais humanas, passando a proibir, fazendo o mesmo em 57 Similar em ZAGO, op. cit. p. 26. Contrariamente à ZAGO, op. cit. p. 28. 59 SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Direito (Penal) e Genoma Humano in CLOTET, Joaquim; FEIJÓ, Ana Maria; OLIVEIRA, Marília Gerhardt de. Bioética: Uma Visão Panorâmica. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2005, p. 207. 58 14 relação à produção, ao armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível (art. 8º, incisos II e IV), prevendo pena de seis a vinte anos para o transgressor (art. 13, inciso III). Acima de tudo, ainda permanece a questão do quando realmente começa a vida, do quando o embrião deve ser considerado com direitos como um ser já nascido ou, no mínimo, com expectativa de o ser. O embrião, como já definido anteriormente, é conceituado como produto da concepção, sendo óvulo fecundado pelo espermatozóide, e sendo assim chamado pelos seus três primeiros meses e após, de feto60. Os cientistas adeptos à utilização de células-tronco embrionárias defendem que seja legalizado no Brasil o uso de embriões descartados que têm idade inferior a quatorze dias (quando começa a formação de seu tecido nervoso); a justificativa destes pesquisadores é de que seria plausível utilizá-los, pois serão descartados de qualquer maneira61. Essas pessoas pelo que demonstram, não consideram como vida o ser que não possua sistema nervoso. Também entre os doutrinadores jurídicos há muita divergência, a saber: Eduardo de Oliveira Leite admite que ao ser apreciado o embrião sob o aspecto da fertilização in vitro ele já é um ser humano em potencial, desde o momento da fecundação tendo assim direito ao respeito de sua dignidade, o que lhe impõe a limitação das experiências suscetíveis de lhe serem praticadas62. De outro lado, há aqueles doutrinadores que consideram o embrião como ser humano desde sua concepção, limitando por completo a utilização de células-tronco embrionárias, sob o argumento de que a utilização de um embrião implicaria na perda de uma vida. É necessário que as pesquisas sigam, pois somente desta maneira os doutrinadores jurídicos, os filósofos e os próprios cientistas poderão tomar um posicionamento único e que seja benéfico a toda humanidade, sem prejudicar àqueles que virão. “De qualquer forma, encontramo-nos sem dúvida nenhuma diante de um momento crucial da história da ciência e da história da humanidade”63. 3.2 - O DIREITO E A PROTEÇÃO DA VIDA DO EMBRIÃO Desde as ordenações Filipinas, o Direito Penal já se preocupa em regulamentar a vida na sociedade e na proteção do bem jurídico vida, mesmo, que, na época do império, essas ordenações refletissem o espírito dominante, que não distinguia o direito da moral e da religião. Misturava-se muito o sentido do pecado como tipo penal, onde Deus castigava e o homem cumpria o que Ele assim ordenava64. Com a evolução do tempo, este vínculo religioso foi deixando, em parte, de ser o mais importante, ou até de existir em alguns casos, mas o bem jurídico vida sempre foi protegido (ver capítulo 1 deste trabalho). Existe, para todas as correntes doutrinárias, uma série de denominações – ovo ou zigoto, embrião e feto – que designam o desenvolvimento do mesmo ser, no 60 MOORE, Keith L.; PERSAUD, T. V. N. Embriologia Básica. 3a. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 73. 61 SOARES, Christine, Células-tronco, restauradoras da Vida. Scientific American Brasil, São Paulo, ano 4, n° 39. p. 71. agosto de 2005. 62 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito:aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.385. 63 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. Volume I- Fundamentos e Ética Biomédica.São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 214. 64 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 56. 15 qual se convencionou chamar nascituro. Ele é visualizado como tal pelo ordenamento jurídico desde quando foi gerado até o momento do nascimento; desde o surgimento da vida (com a concepção) já se tem o nascituro. É o que está implícito em muitas obras doutrinárias, por exemplo: "Independentemente de se reconhecer o atributo da personalidade jurídica, o fato é que seria um absurdo resguardar direitos desde o surgimento da vida intra-uterina se não se autorizasse a proteção do nascituro – direito à vida – para que justamente pudesse usufruir tais direitos"65. Embrião é uma das acepções da palavra nascituro.. Fazendo-se um corte no desenvolvimento do ser concebido exatamente nesta fase, tanto o embrião desenvolvido a partir da concepção em útero materno como o embrião gerado pela concepção em laboratório seria idêntico em formação e potencialidade, apesar de a "viabilidade" do segundo só existir com a sua implantação no útero. Isso o desqualifica como embrião, distanciando-o da espécie humana? Entende-se que não66. Por outro lado, o entendimento de que o embrião ainda é parte do organismo da mãe, dos seus órgãos, é o que deu vazão à corrente “natalista” e tem fundamento no Direito Romano: Partus enim, antequam edatur, mulieris portio est, vel viscerum (o parto, antes que seja dada à luz, é porção da mulher ou de suas vísceras). Assim, na visão desta corrente doutrinária, o embrião não seria outra coisa senão parte do corpo da mãe67. Apesar de o embrião depender dos nutrientes da mãe, ele não é algo que faça parte sempre do corpo do genitor68, não pode ser simplesmente tratado como um “órgão”, do contrário, poderia este ser “amputado” aos nove meses e criar vida? Deve este embrião ser considerado ser com vida, mesmo o embrião criado in vitro, tendo o mesmo respeito que qualquer ser humano amparado pela Lei vigente. 3.3 - A ÉTICA CIENTÍFICOS COMO CAMINHO PARA RESOLUÇÃO DOS DILEMAS 3.3.1 – A discussão ética A discussão ética quanto à utilização de células-tronco de embriões produzidos mediante reprodução assistida, tanto pela fertilização in vitro, ou com as recentes e crescentes técnicas de clonagem (clonagem terapêutica), passa inevitavelmente pela delimitação do instante no qual quisermos atribuir a um aglomerado de células o respeito como vida. O uso dessas células produziria suas mortes, e daí toda a polêmica. Poderíamos produzir esses pré-embriões com o fim específico de curar outras vidas, não de gerarmos novos seres humanos, mas sim de produzirmos curas para doenças graves, como a doença de Alzheimer, o síndrome de Parkinson, leucemias etc. É sabida a capacidade das células-tronco desencadearem a formação de tecidos variados, sua totipotencialidade (como visto no capítulo anterior) sendo inestimável o valor dessa capacidade para se reporem, no “vivo” tecidos e órgãos vitalmente prejudicados. Uma análise da literatura bioética atual mostra que pensadores americanos de uma linha mais moderada, estão tendendo para a posição liberal como sendo a 65 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 93. 66 LIMA, Shirley Mitacoré de Souza e Souza.Tratamento Jurídico do Embrião. Salvador, 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7221. 67 IDEM. 68 ZAGO, op. cit. p. 69. 16 menos ruim no estado em que as coisas andam. A argumentação procede como se segue no contexto de uma moral do Bem: primeiro os pacientes. Os pacientes precisam de transplantes, seria preciso fornecê-lo. É injusto deixá-los morrer69. E não seria mais injusto deixar que um novo ser em potencial morresse? O que desponta, entretanto, no âmbito jurídico, é a discussão que resulta do o direito constitucional à vida. Será que a lei estaria a afrontar esse sagrado direito? Acreditamos que, se houver um momento em que o uso de células-tronco de embriões seja liberado sem que haja pesquisas suficientes para afirmar se ali há vida ou não, este direito estará sim, sendo confrontado. As pesquisas nos campos da biologia (e também da fisiologia, da psicologia e da psicanálise) tomaram a retornar e com a utilização de técnicas novas e cada vez mais sofisticadas, remexeram e colocaram a nu o corpo e a psique do ser humano. O ritmo acelerado e sem restrições do progresso, no que tange às ciências da matéria, irá colocar o ser humano em face de suas próprias origens e diante da possibilidade, cada vez mais concreta e próxima, de controlá-las. Ou a tentar70. 3.3.2 – A medicina na busca de soluções mais éticas A medicina não pode simplesmente renunciar a socorrer aqueles condenados por seu destino biológico. A pesquisa sobre as células-tronco lhes abre hoje novas possibilidades. As linhagens de células-tronco de adulto cultivadas in vitro passam por um número limitado de divisões e depois deixam de se dividir e entram num estado denominado senescência. O tipo mais interessante de senescência, que será analisado, é aquele chamado de telômero-dependente71, Cada vez que o DNA de um cromossomo é duplicado para que ocorra a mitose (divisão celular72), ele perde um pequeno segmento da sua porção terminal (o telômero). Os telômeros são porções que contém seqüências altamente repetitivas de DNA, podendo atingir até 10.000 unidades da mesma seqüência. Assim, quanto mais vezes uma linhagem celular se divide, mais vai diminuindo o tamanho do telômero de seus cromossomos, até que atingem um tamanho mínimo que limita novas divisões celulares porque o DNA não pode mais ser duplicado. Assim, a duplicação desta porção terminal é indispensável para que a linhagem de célula mantenha sua capacidade de replicar73, e esta seria uma excelente solução para que as células-tronco embrionárias possam ter mais tempo para uma definição mais justa, mais ética e jurídica se poderão ou não ser usadas no futuro. Recentemente estão se acumulando evidências de que o componente da telomerase (enzima que produz telômeros) tem efeitos sobre as células-tronco que são adicionais e independentes de seu efeito sobre a síntese de telômeros. Em camundongos este tipo de pesquisa está dando resultados positivos no que concerne à ativação de células-tronco, e efeito semelhante já havia sido observado em células humanas em cultura que continuam a se dividir quando a telomerase está hiperativa, mesmo quando os telômeros ficam muito curtos 74 , também foi 69 LARGEAULT, Anne Fagot. Embriões, células-tronco e terapias celulares: questões filosóficas e antropológicas. São Paulo, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n51/a15v1851.pdf. 70 FRANCO, Alberto Silva. Genética Humana e Direito. Minas Gerais, 1998. Disponível em : http://www.geocities.com/CollegePark/Lab/7698/genet1.htm 71 ZAGO, op. cit. p.15. 72 PAULINO, op. cit. p. 385. 73 ZAGO. op. cit. p.16. 74 SOARES, op. cit. p. 70 -73. 17 mostrado que esta capacidade de se dividirem implica diretamente com a diminuição de tumores, ou seja, menor probabilidade de causar um câncer. Acreditamos que, como já foi dito, as soluções estejam no aumento das pesquisas e na resolução não só jurídica mas sim biológica para que estabeleçamos onde começa a vida, e isto não pode ser discutido apenas se pensando no paciente ou economicamente, e sim, eticamente, tanto naquele que precisa de doação quanto naquele que está no caminho para se tornar um de nós. 3.4 - CÉLULAS-TRONCO E CÂNCER: POSSÍVEL LESÃO DO BEM JURÍDICO? Classicamente, aprendemos que um câncer é uma célula “imortal”, ou que é uma célula que apresenta características embrionárias pois, como muitos tecidos embrionários, é uma célula que não apresenta um estado de diferenciação claro e, ao mesmo tempo, apresenta uma notória capacidade de proliferação Atualmente, o conceito de um câncer como uma doença de células que não se diferenciaram ou que perderam seus mecanismos de controle de proliferação evoluiu para "o câncer é uma doença da célula-tronco". Inicialmente, aprendemos que um câncer tem uma capacidade de proliferação ilimitada. Contudo, o que parece é que um tumor, seja um tumor sólido, seja uma leucemia (câncer das células do sangue, como eritrócitos e leucócitos), se comporta como uma unidade tecidual, com uma dinâmica de renovação que envolve proliferação e morte de uma população celular heterogênea, que aparece principalmente em relação ao potencial proliferativo dessa população75. A idéia de que a utilização de células-tronco pode causar câncer não é exatamente nova. Por serem os motores que comandam o crescimento de novas células cancerígenas e muito provavelmente a origem da própria doença, essas células vão sendo chamadas de células-tronco cancerígenas, e essa denominação foi escolhida devido ao fato de acreditar-se que elas tenham sido de fato célulastronco ou que suas descendentes imaturas tenham passado por uma transformação malígna76 Já as primeiras pesquisas com células-tronco, dos anos 50 e 60 do século XX tiveram inicio justamente em tumores sólidos e sangüíneos. A presença de célulastronco em certos tecidos, especialmente naqueles com altos índices de renovação, como o intestino e pele, não é a forma mais simples e eficiente de substituir células velhas ou danificadas77. Não faria mais sentido se cada uma das células pudesse proliferar à necessidade do tecido? A princípio, sim – mas isso tornaria todas as células do nosso organismo potencialmente cancerígenas. Acredita-se que uma célula se torne maligna devido a um acúmulo de mutações “oncogênicas” em determinados genes. Mutações genéticas geralmente ocorrem em resposta à uma agressão direta, como exposição à radiação ou substâncias tóxicas78, ou simplesmente por erros aleatórios durante a cópia de um gene durante a divisão celular. Por se encontrarem em baixíssimas quantidades nos órgãos que geralmente desenvolvem câncer, seria normal supor que as célulastronco representem um reservatório muito pequeno para acumulação de erros 75 PARAGUASSÚ-BRAGA, Flávio Henrique; BONOMO, Adriana. Células-Tronco e Câncer: vida e morte com uma origem comum? São Paulo, 2005. Disponível em: http:// www.universia.com.br/html/materia/materia_hafa.html 76 CLARKE.; BECKER. op. cit. p. 40. 77 GUYTON, op. cit. p. 36. 78 GUYTON, op. cit. p.37-38. 18 genéticos. O raciocínio, porém, não deve ser este, pois é justamente por terem vida longa que as células-tronco se tornam a fonte mais provável desse tipo de erro.79. A longevidade destas células explicaria por que muitos cânceres se desenvolvem décadas depois da exposição à radiação. O estrago inicial pode ser apenas o primeiro numa série de mutações necessárias para transformação de uma célula saudável em maligna A existência de células-tronco cancerígenas que comandam o crescimento dos tumores foi confirmada em vários cânceres sangüíneos e alguns tipos de tumor sólido. Entretanto, como essas células malignas surgem ainda é um mistério. Tal como uma célula-tronco normal, a versão cancerígena tem a capacidade de autorenovação por meio de divisão celular sem diferenciação. Assim, ela pode dar origem a um número ilimitado de células diferenciadas anormais que formam a maior parte de um tumor. Essa prole tem uma duração de vida limitada e não pode gerar novas células cancerígenas. O comportamento das células-tronco normais é rigorosamente controlado por seu próprio programa genético, de forma coordenada com os sinais recebidos do micro ambiente. Diferenças na maneira como as célulastronco respondem a essa sinalização podem ter um papel importante na transição final da célula sã para a cancerígena. Alternativamente, mutações na célula-tronco podem ser preservadas em suas descendentes imaturas – as células progenitoras – que subseqüentemente sofrem mutações adicionais que reativam a capacidade de auto-renovação normalmente presente apenas em células-tronco. Evidências de todas essas possibilidades foram observadas em diferentes cânceres80. Através do acima descrito, somada com a definição do capítulo 1 sobre bem jurídico,, acreditamos que o uso de células-tronco embrionárias, enquanto houver o risco de câncer, não deva ser liberado, já que o câncer afeta diretamente o bem jurídico vida. Nas palavras de Welzel: “Bem jurídico é, pois, toda situação social desejada que o direito queira garantir contra lesões”81. 3.5 - SOBRE O ART.24 DA LEI 11.105/2005 Não é preciso realçar o quanto a utilização das células-tronco embrionárias é tema discutido na comunidade científica mundial (e atualmente em círculos leigos, pela sua forte presença na mídia). O debate se justifica pela imensa relevância não só científica, mas também por razões éticas, econômicas e pelos efeitos que poderá provocar em muitas áreas do conhecimento82. A Lei 11.105, em seu art. 5º, depois de debates acalorados e verdadeiro confronto de ideologias, veio a permitir a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, para os fins de pesquisa e terapia. Impõe, é certo, algumas condições, como o congelamento por no mínimo três anos (prazo que será discutido posteriormente), e a aprovação dos genitores e do comitê de ética correspondente. Muitos dos estudiosos e cientistas classificaram como tímido esse diploma, justamente pelas condicionantes que impôs, principalmente a de ordem temporária ligada à criopreservação (inciso II). Por outro 79 WEISS, op. cit. p. 65. CLARKE.; BECKER. op. cit. p. 44. 81 PRADO, op. cit. p. 18. 82 MARTINS-COSTA, Judith; FERNANDES, Márcia Santana; GOLDIM, José Roberto. Lei de Biossegurança, Medusa Legislativa? Porto Alegre, 2005. Disponível em: http:// www .cuidadospaliativos.com.br/artigo.php?cdTexto=300. 80 19 lado, manifestaram-se os resistentes à inovação legislativa, a pretexto de defenderem a vida, vislumbrada nesses embriões.83 Como o artigo 24 faz referência direta ao artigo 5° da mesma lei, iremos analisá-lo parte por parte. O artigo fala, no seu princípio, na permissão de utilização de células-tronco embrionárias de embriões criados in vitro e não utilizados respeitando as condições dos incisos I e II. Referindo-nos ao inciso I, o grande problema, já discutido no capítulo 2, sobre os embriões inviáveis é que, por serem inviáveis, é por que são ou eram portadores de algumas doenças, possivelmente congênita e que, neste prisma, não seriam de interesse, pois carregariam problemas genéticos que seriam diretamente transmitidos ao receptor destas células 84 . Se, no entanto, as técnicas genéticas forem aperfeiçoadas com sucesso para que estes erros genéticos sejam consertados, este problema estaria resolvido85, até no que concerne à plasticidade destas células, já que, quando cultivadas em condições específicas, as célulastronco embrionárias podem ser mantidas em seu estado indiferenciado por múltiplas divisões celulares. Por outro lado, estas células também podem ser induzidas a iniciar o programa de diferenciação in vitro, simulando o desenvolvimento de um embrião pré-implantado ou então seguindo um caminho específico de diferenciação em tipos celulares desejados86, como tecidos e órgãos. Não nos parece ainda que os embriões inviáveis sejam solução para o problema de utilização de células-tronco embrionárias; não pelo embrião (já que este estaria morto), mas sim, pelo que a ciência tem demonstrado no que pode causar ao paciente receptor. O parágrafo primeiro do artigo 5º ainda mostra que se descuidou e que trata de modo tecnicamente impreciso de questões sérias que permeia toda a Lei. Se diz que “é necessário o consentimento dos genitores” para a pesquisa com célulastronco embrionárias. Ao se supor que os embriões possuem genitores, se poderia ingressar num incognitivo campo jurídico, que é o de estabelecer se os embriões são “pessoas”, tendo, assim, ascendentes, pai e mãe. Igualmente, abre-se campos para complicadas questões práticas: se os embriões não tiverem os seus “genitores” localizados (como acontece nos casos de doação de gametas), ou mesmo se estes tiverem desaparecido, dissolvido o vínculo conjugal ou simplesmente abandonado os embriões, como se resolverá a questão do consentimento?87 Além disso, como se pode dizer que a mãe ou o pai podem tomar tal decisão pelo “filho-embrião”, já que, pelo que vimos no capítulo anterior, o embrião é anexo ao corpo da mãe (pelas questões do cordão umbilical pertencer ao bebê e por ele não ser um “órgão” sempre permanente à mãe)? A verdade é que o passo dado pela Lei 11.105 é conseqüência natural do que vem se verificando no mundo, conseqüência de que, se o País não evoluísse, perderia terreno no campo tratado, sujeitando-se aos efeitos danosos dessa conduta, como a dependência científica de outros países, com sérios reflexos econômicos e prejuízos aos brasileiros ansiosos por uma resolução que possa beneficiá-los88. E que esperamos, não prejudique a ninguém. 83 SARTORI, Ivan Ricardo Garísio. Célula-tronco - O Direito: Breves Considerações. São Paulo, 2006. disponível em: Shttp://sisnet.aduaneiras.com.br /lex/artigos/pdf/tronco.pdf Acesso em: 22/04/2007 84 ZAGO, op. cit. p. 26 – 31.. 85 SOARES, op. cit. p. 68. 86 ZAGO, op. cit, p. 22. 87 IDEM. 88 SARTORI, op. cit. 20 Porém, a ausência de diretrizes a regrarem as questões acima discutidas – e ainda outras, como a questão da comercialização de gametas e da possibilidade ou não de patenteamento de linhagens de células-tronco ou embrionárias - impede a adequada compreensão dos limites estabelecidos na própria Lei com relação ao uso de embriões.89 “É preciso que se dê respaldo jurídico aos resultados da pesquisa e dos experimentos biotecnológicos, visando proteger os direitos dos pesquisadores, sem esquecer que os mesmos trabalham sobre elementos biológicos, muitas vezes inerentes à própria natureza humana.”90 CONCLUSÃO A questão abordada neste trabalho será sempre polêmica, por mais que a tecnologia e as leis sejam renovadas. No entanto, tentamos aqui nos posicionar de maneira em que a ética seja o elemento mais importante, na continuidade das pesquisas, priorizando-a no desenvolvimento da técnica que avança em um terreno no qual não podemos definir com certeza absoluta o ponto em que possamos dizer: “a vida começa em tal momento” e que qualquer ação anterior não a comprometerá. Seria ótimo que tivéssemos respostas tão objetivas, que pudéssemos tomar decisões tão certas sobre um assunto, como assegurou uma senhora certa vez, em uma palestra a respeito de uma afirmação de um astrônomo que informava que a Terra gira em torno do Sol:: “O que o senhor acaba de nos dizer é uma tolice. O mundo, na verdade, é um objeto achatado apoiado nas costas de uma tartaruga gigante” e, completou, “embaixo desta tartaruga existem mais e mais tartarugas marinhas por toda a extensão embaixo dela”91. Não podemos, infelizmente, dizer que a vida simplesmente começa em tal ponto e que as “tartarugas gigantes” irão garantir isso, e nem quando podemos, simplesmente, começar a manipular as células-tronco embrionárias sem que isto prejudique a alguém, ou melhor, que não afete a vida em potencial de um novo ser. Podemos, ao contrário, seguir em busca de melhores soluções, como o uso de células do cordão umbilical (visto no capítulo 2), que sabemos que não irá afetar a nenhum novo ser e, no mesmo prisma, usar células-tronco adultas, que serão retiradas da própria pessoa, mas sobre as quais ainda não temos respostas, tendo em vista, uma diferenciação celular tão expressiva quanto a das células-tronco embrionárias. O Direito, a Filosofia e a Medicina (e aqui incluímos todas as ciências que envolvem esse tipo de matéria) devem trabalhar juntas, para que um dia, talvez em breve, possamos ter uma resposta não tão impositiva quanto a da senhora acima citada, mas com a mesma segurança. Até o momento, o conceito de vida dado pela NASA nos parece o mais coerente, e será com ele que concluiremos este trabalho: “Vida é um sistema químico, auto-sustentável, capaz de passar por uma evolução Darwiniana92 89 MARTINS-COSTA. FERNANDES; GOLDIM. op. cit. MEIRELLES, op.cit. p. 09. 91 HAWKING, Stephen W. Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos buracos negros. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 17. 92 SHAPIRO, Robert. Uma Origem Mais Simples da Vida. Scientific American Brasil, São Paulo, ano 6, n° 62. p. 37. julho de 2007. 90 21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. AZEVEDO, Marco Antonio. Bioética Fundamental. Porto Alegre Tomo Editorial, 2002. BARBOZA, Heloisa Helena(org.), BARRETO, Vincete de Paulo(org.). Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. BARCHIFONTAINE, Christian de Paul (Org.), PESSINI, Léo (Org.). Fundamentos da Bioética. São Paulo: Paulus, 1996. BARTH, Wilmar Luiz. 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