O CURSO DE INTRODUÇÃO À ECONOMIA

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O CURSO DE INTRODUÇÃO
À ECONOMIA
Flávio R. Versiani
Com a colaboração de Bruno P. Rezende e Patrícia C. Rodrigues
Você está iniciando agora o curso de Introdução à Economia. O objetivo da disciplina é
apresentar alguns conceitos e instrumentos de análise que facilitem o entendimento de
fenômenos econômicos, na realidade que nos cerca.
Entendendo a economia. Questões econômicas têm importância evidente na vida de todos
nós. Por exemplo: a probabilidade de que boa parte de uma turma de formandos na Universidade
obtenha um bom emprego depende, essencialmente, do ritmo de expansão da atividade
produtiva no País — ou seja, da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (o PIB, cuja
definição e forma de medida vamos estudar). Quando a produção aumenta, as empresas
necessitam de mais operários, mais técnicos, mais funcionários administrativos, etc., o que
incrementa a criação de novos postos de trabalho. O crescimento do PIB em geral aumenta
também a demanda por serviços do governo, assim como a receita de impostos, o que facilitará a
abertura de concursos para o preenchimento de posições no serviço público.
Num mundo crescentemente globalizado, o crescimento econômico de outros países
também nos afeta. Por exemplo: o extraordinário desenvolvimento da economia chinesa, no
período recente, tem produzido vários efeitos sobre a economia brasileira, uns favoráveis, outros
não. No lado positivo, a demanda chinesa por vários de nossos produtos induziu aumentos de
produção, de emprego e de lucros em setores como o de minério de ferro: a Vale do Rio Doce,
maior exportadora mundial desse produto, cresceu muito nos últimos anos — gerando empregos
e divisas —, em boa parte devido à expansão do mercado chinês, e vai-se tornando uma das
maiores empresas mundiais no setor mineral. No lado negativo, indústrias como a de calçados têm
sido prejudicadas pela concorrência da produção chinesa, especialmente no caso de artigos mais
baratos; em regiões como Franca, no estado de São Paulo, onde se localizam muitas fábricas de
calçados, isso se reflete em redução do emprego.
Variações de preços podem também, claramente, influenciar o bem-estar de cada um, de
formas diferentes: aumentos de preço em geral são ruins para quem compra, mas bons para
quem vende. A alta do petróleo, até recentemente (o preço internacional do produto mais do que
quadruplicou, entre o início de 2004 e meados de 2008), penalizou consideravelmente os
consumidores, ao mesmo tempo em que trouxe grandes ganhos para os países exportadores e as
empresas exploradoras. Outra alteração importante de preços, nos últimos anos, resultou da
queda no valor do dólar em reais (a taxa de câmbio). Isso tem dificultado a vida dos exportadores
brasileiros (já que suas vendas externas valem menos, em reais), mas favorecido os consumidores
de produtos importados, como computadores ou equipamento industrial (o que tem, aliás,
facilitado a modernização de empresas nacionais), assim como o turismo no exterior.
Entender melhor o que se passa na economia é, assim, um objetivo importante. É bom
sabermos o que está por trás de uma conjuntura benéfica — empregos abundantes, ausência de
inflação, redução na desigualdade e na pobreza, etc. — ou de uma situação desfavorável. Não só
por uma curiosidade natural — a curiosidade intelectual é um poderoso incentivo à busca do
conhecimento, como sabemos — mas principalmente por que, como cidadãos, temos a
possibilidade de influir na determinação de políticas governamentais relacionadas ao campo
econômico. O Estado tem uma influência decisiva sobre muitos aspectos da economia de um país.
Se entendermos um pouco melhor os fenômenos econômicos, estaremos mais bem armados para
exercer nossas escolhas quanto às formas de ação do Estado sobre o sistema econômico (por
exemplo: o processo de privatização deve continuar? o que fazer com o déficit da previdência
social? como distribuir os gastos do governo?). E procurar fazer valer tais escolhas pelo voto, nas
eleições.
O Estado e a economia. O Estado intervém de várias formas na economia. Por exemplo: as
três esferas de governo (federal, estadual e municipal) captam, atualmente, quase 40% do total de
rendimentos recebidos pelos brasileiros, sob a forma de impostos. O modo como o governo gasta
essa parcela tão substancial dos recursos disponíveis tem efeito direto sobre o crescimento da
economia: se uma parte importante é aplicada em investimentos (ou seja, no aumento da
capacidade de produção: expansão ou melhoria da infraestrutura de transportes, da geração e
distribuição de energia, da oferta de serviços básicos de educação e saúde, etc.), isso criará
condições favoráveis ao crescimento; ao contrário, se houver má alocação dos recursos
governamentais, assim como ineficiência e desperdício nos gastos públicos, o efeito será
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desfavorável. O tamanho da fatia apropriada pelo governo é também uma questão relevante; uma
redução na carga de impostos (pelo aumento de eficiência no dispêndio governamental, por
exemplo) poderá estimular a demanda dos consumidores e o investimento privado.
Outras políticas governamentais também afetam diretamente a economia, como a política
monetária — fixação da taxa básica de juros, regulação do sistema financeiro, etc. —, a política de
relações com o resto do mundo — envolvendo a forma de determinação da taxa de câmbio, o
lançamento de impostos sobre o comércio exterior, etc. —, e assim por diante.
Ademais, instituições do Estado têm grande influência sobre os agentes econômicos. O
Judiciário, por exemplo, intervém de várias formas nas relações econômicas — quando, por
exemplo, arbitra conflitos entre credores e devedores, empregados e patrões, contribuintes e o
fisco —, e a eficiência ou não da prestação de justiça pode ter efeito favorável ou desfavorável
para o funcionamento do sistema econômico. Analogamente, instituições relativas à regulação de
certas atividades produtivas, ao aparelho tributário, a normas administrativas variadas — sobre a
abertura e fechamento de empresas, por exemplo —, tudo isso pode ou favorecer ou interpor
obstáculos a iniciativas dos agentes econômicos privados. Nas últimas décadas, a importância
econômica do bom funcionamento de instituições, como as mencionadas acima, tem sido
destacada por vários economistas influentes: para alguns autores, por exemplo, esse é um
elemento central na explicação do crescimento econômico diferenciado dos países da América do
Norte e Europa Ocidental, ao longo dos últimos séculos.
Não menos importantes são as ações governamentais visando reduzir a desigualdade na
distribuição de renda e prestar assistência à parcela mais desfavorecida da população,
especialmente num país tão desigual como o nosso.
Assim sendo, é importante procurar entender essas influências de medidas do Estado
sobre a economia, para que possamos nos posicionar sobre elas.
Pode-se aprender algo relevante em um semestre? Alguns de vocês, em particular os
futuros economistas, vão cursar depois outras disciplinas de Economia, e terão acesso a
instrumentos de análise mais elaborados do que os vistos nesta disciplina. Mas são uma minoria:
para os demais, Introdução à Economia será a única exposição sistemática à teoria econômica, em
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seu curso de graduação. Pode-se esperar que, para essa maioria de alunos, o nível de
entendimento das questões postas acima (ou de outras igualmente relevantes) tenha um
acréscimo significativo, com uma disciplina apenas? É uma dúvida razoável.
Pode-se dizer que a resposta à questão acima é positiva — num certo sentido. Não que o
curso de Introdução à Economia possa fornecer uma explicação bem definida sobre, por exemplo,
por que a economia brasileira tem crescido pouco, nos últimos vinte anos, depois de ter tido uma
das taxas de crescimento mais altas do mundo, na maior parte do século XX; ou por que o preço
do petróleo cresceu tanto, até 2008. De fato, nem em cursos mais avançados seria possível obter
respostas nítidas a essas perguntas. Em Economia, como em geral nas ciências sociais, não há
certezas matemáticas sobre as causas dos fenômenos estudados; geralmente existem diversos
fatores causais, e não é fácil determinar quais os predominantes, especialmente no caso de
fenômenos mais complexos. Nos casos acima, especificamente, pode-se dizer que não há
consenso entre economistas sobre o que tenha sido a causa principal dos fenômenos indicados.
Por outro lado, há importantes mensagens relacionadas à abordagem analítica adotada em
Economia que podem ser transmitidas, e bem absorvidas, mesmo num curso introdutório. Três
merecem destaque especial.
A busca do maior ganho. A primeira se refere à forma como a teoria econômica
estiliza o comportamento dos agentes econômicos (ou seja, de quem produz, vende, compra,
consome — indivíduos, organizações, empresas produtivas). A hipótese básica adotada é a de que
esses agentes têm o que se pode chamar de comportamento maximizador; suas ações são, em
essência, determinadas pela busca de uma maximização do ganho: maior lucro, maior renda,
maior quantidade de bens para consumo, maior satisfação derivada desse consumo, etc., com o
menor custo possível. Os trabalhadores preferem maiores salários a salários pequenos, e os
capitalistas maiores lucros a lucros menores. Todos buscam maximizar seus ganhos — levadas em
conta, naturalmente, as restrições dadas pelos recursos disponíveis, pelas oportunidades abertas a
esses agentes, e pelas informações de que estes dispõem com relação a tais oportunidades.
Essa ideia tem, sem dúvida, severas limitações como uma explicação geral do
comportamento humano: é fácil pensar em indivíduos, ou coletividades, cujas ações derivam
primordialmente de outros tipos de motivação, que não o maior ganho individual. Há,
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evidentemente, ações altruístas, ou motivadas primordialmente por considerações éticas ou
religiosas, ou culturalmente determinadas. Nem tudo pode ser explicado por uma simples busca
de ganho econômico. De fato há uma ampla literatura crítica dessa noção de um “homem
econômico” (homo œconomicus é a expressão latina que se costuma usar nesse contexto), ou
seja, de pessoas (ou empresas) que agissem sempre racionalmente, buscando seu maior ganho
individual. Sociólogos argumentam com a complexidade do comportamento humano, que não
poderia ser reduzido ao de um “autômato” respondendo a incentivos econômicos.
Outros
sustentam que seria inviável supor que os indivíduos (ou, em geral, os agentes econômicos) se
comportassem sempre de acordo com uma racionalidade econômica, quando se reconhece que
muitos fazem uma série de coisas irracionais. Por exemplo: jogar na loteria pode ser visto como
algo economicamente irracional, considerando a quase nula probabilidade de ganho de cada
apostador. E alguns experimentos recentes têm verificado um comportamento diverso do que
seria esperado pela hipótese de maximização racional de ganhos, em certas circunstâncias — o
que tem atraído o interesse de muitos economistas para o estudo de aspectos psicológicos da
escolha econômica (um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia em 2002 foi um
especialista em Psicologia com pesquisas na área de escolha econômica).
Mas o que os economistas em geral sustentam é que, sem ignorar que o comportamento
humano tenha determinações complexas, e que, em várias circunstâncias, pessoas possam agir de
forma economicamente “irracional”, a hipótese da maximização do ganho como determinante
básico das ações dos agentes econômicos tem grande valor explicativo, principalmente nas
modernas economias de mercado, levando a conclusões que se ajustam razoavelmente bem à
realidade. É importante ressaltar que a hipótese não pressupõe autômatos dedicados unicamente
à busca de maiores lucros, máximas vantagens monetárias. O altruísmo pode também mostrar
racionalidade, por exemplo. Se você pretende doar para uma instituição de caridade, e procura
antes saber como essa instituição aplica o dinheiro, quais os projetos envolvidos, quantas pessoas
são atendidas — você estará buscando, de forma “racional”, garantir que sua doação seja bem
aplicada e cumpra, da melhor maneira possível, suas intenções filantrópicas. Avaliando as
possibilidades (as várias instituições que poderiam ser objeto de sua doação), você escolherá
aquela que propicie a maximização dos efeitos benéficos de sua iniciativa. É o que chamamos
acima de comportamento maximizador.
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A regularidade empírica é, pode-se dizer, o principal argumento a favor da hipótese de um
comportamento voltado à maximização de ganhos: ao longo de décadas, acumulou-se uma
vastíssima literatura empírica que, partindo desse pressuposto, obtém bons resultados, do ponto
de vista de sua adequação ao mundo real e ao senso comum.
Ora, isso tem grande relevância prática. Se as pessoas costumam em geral agir buscando o
maior ganho individual, daí decorre que elas responderão a incentivos econômicos. Por exemplo:
se o preço de um bem sobe, o custo de seu uso aumenta, e portanto pode-se esperar que seu
consumo diminua. E o contrário, se o preço cai. Essas relações simples de causa e efeito abrem
caminho para o entendimento de um amplo conjunto de fenômenos (e não apenas fenômenos
econômicos) e podem, também, informar medidas de política.
Dois exemplos tópicos podem ilustrar o alcance abrangente dessa relação entre a
introdução de um incentivo (ou desincentivo) econômico e uma reação subsequente. O primeiro
se refere ao comportamento de professores de ensino fundamental nos Estados Unidos, diante da
introdução de um sistema de testes (adotados em vários estados daquele país) que previa
recompensas para as escolas cujos alunos se saíssem bem, e penalidades para aquelas onde os
resultados fossem maus. Esses incentivos (positivos ou negativos) atingiam também os
professores de turmas individuais: em casos extremos, eles poderiam ser demitidos. Um estudo
estatístico feito em escolas públicas de Chicago revelou que cerca de 5% dos professores
responderam a esses incentivos de forma um tanto inesperada: “corrigindo” uma parte dos testes
de suas turmas, antes que os resultados fossem apurados. Há evidência de que esse tipo de
adulteração ocorreu também em outros estados que adotaram prática similar. Vê-se, nesse caso,
que um incentivo econômico fez com que certo número de professores (logo quem!) adotasse um
comportamento ditado apenas por seu interesse pessoal, ainda que ferindo diretamente a ética.
Apesar de o grupo de fraudadores ter sido proporcionalmente pequeno, isso teve consequências:
pelo menos um estado americano foi levado a rever o sistema de incentivos, em parte para evitar
que fossem apropriados por meio de expedientes ilícitos. 1
1
Levitt, S.D & Dubner, S.J. Freakonomics. New York: HarperCollins, 2005. pp. 26 e ss. (Há uma tradução
brasileira desse livro, que apresenta vários exemplos surpreendentes de aplicação da teoria econômica a situações
concretas).
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O outro exemplo aponta para uma possível utilização daquelas relações de causa e efeito
no desenho de políticas públicas. Diminuir a propagação de doenças sexualmente transmissíveis é
certamente um objetivo importante de política — inclusive de política econômica, pois tais
moléstias impõem um custo elevado à sociedade. Tem sido observado que o consumo de bebidas
alcoólicas por jovens favorece tal propagação, na medida em que está associado a uma maior
incidência de relações sexuais sem proteção. Nesse sentido, poder-se-ia supor que um aumento
no preço de bebidas, desestimulando seu consumo, pudesse influir na difusão daquelas moléstias.
Pois um estudo cuidadoso, com técnicas estatísticas que controlam o efeito de outros possíveis
fatores causais, chegou exatamente a essa conclusão: a maior incidência de impostos sobre
cerveja está relacionada a uma menor ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis.2
Esses exemplos sugerem que a hipótese comportamental básica da análise econômica não
só tem relevância empírica, e em situações as mais variadas, como pode indicar instrumentos para
a consecução de objetivos de política. Para dar outro exemplo: muitos lamentam a prática, tão
disseminada em nossas grandes cidades, da pichação de paredes com iniciais ou símbolos, às
vezes como forma de competição entre turmas de adolescentes. Se se julga necessário combater
esse hábito, isso poderá ser feito com campanhas educativas (como a caracterizada pela frase
“Picasso não pichava”, adotada em Brasília); mas um economista certamente sugeriria, também, a
adoção de uma alíquota mais alta no imposto sobre a venda de tubos de tinta sob pressão. Isso
com certeza reduziria o ânimo dos pichadores em prosseguir com essa forma tão pouco
recomendável de expressão pessoal.
A ideia do “custo de oportunidade”. Outro elemento importante do instrumental analítico
de economistas relaciona-se à noção de custo de oportunidade. Essa expressão originalmente se
empregou em relação a oportunidades de investimento: se aplico meu dinheiro de uma certa
forma, obviamente deixo de aplicá-lo em investimentos alternativos: o rendimento destes (ou
melhor, da alternativa mais lucrativa, entre as não adotadas) indica o “custo de oportunidade” de
minha decisão. Ou seja, é o custo medido em termos de um uso alternativo dos recursos
disponíveis. O ganho que obterei em minha aplicação é a diferença entre o rendimento desta e
meu custo de oportunidade.
2
Markowitz, S., R. Kaestner & M. Grossman. An Investigation of the Effects of Alcohol Consumption and
Alcohol Policies on Youth Risky Sexual Behaviors. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, May 2005
(Working Paper 11378).
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É uma noção simples, e que pode ser aplicada em várias circunstâncias: horas de estudo na
sexta-feira à noite provavelmente terão um custo de oportunidade maior do que na segunda-feira,
pois as chances de fazer coisa mais agradável costumam ser maiores no primeiro caso.
A relevância desse conceito em Economia decorre do fato de que as decisões dos agentes
econômicos frequentemente envolvem escolhas, e portanto comparações entre alternativas. Se
só tenho R$15,00 no bolso e considero as possibilidades de ir ao cinema (sendo esse o preço da
entrada) ou tomar cerveja com os amigos, a ida ao cinema é o custo de oportunidade de minha
escolha de ir ao bar. O orçamento anual da União define uma importância global que deve cobrir
todos os gastos do governo federal naquele ano: se a decisão de construir um hospital adicional
implicar, suponhamos, a não pavimentação de uma rodovia de 30 km, esse é o custo de
oportunidade da decisão pelo hospital.
Colocado dessa forma, o conceito pode parece trivial, sem grande substância analítica. No
entanto, vemos, com frequência, ser deixada de lado a ideia básica, aí expressa, de que para fazer
uma coisa é preciso, quase sempre, deixar de fazer outra, o que envolve necessariamente um
confronto entre alternativas. Quantas vezes não ouvimos políticos afirmarem que todas as suas
propostas de gasto público são absolutamente necessárias, nada é dispensável, “a importância de
um hospital não pode ser avaliada em dinheiro, pois vidas não têm preço” — e ideias que tais? E
isso não é apenas retórica: muitas decisões sobre o orçamento do governo são tomadas sem
consideração de seu custo, em termos dos gastos que deixam de ser efetuados. Dispêndios
chamados “sociais” são obviamente necessários; o programa “Bolsa-Família”, por exemplo,
beneficia grande número de pessoas de poucos recursos, e tem tido um efeito significativo na
redução do nível de pobreza, nos últimos anos. Mas não se pode esquecer de um fato
fundamental: os recursos são finitos, e portanto é indispensável que, ao se contemplar um
aumento nos gastos sociais, o custo de oportunidade dessa decisão seja levado em conta.
A votação do orçamento do governo deve (ou deveria) ser o momento de considerar esses
custos de oportunidade. A importância, para a sociedade, do último real gasto na área de saúde
deve equivaler à do último real gasto na área de educação, ou de transportes, ou se segurança. Ou
seja: “na margem”, os benefícios trazidos pelos dispêndios nos vários setores deveriam ter a
mesma relevância.
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Na prática, esse processo é dificultado por vários fatores, entre os quais ressalta a
existência das chamadas vinculações orçamentárias. Nossa Constituição estabelece que certas
proporções do orçamento sejam necessariamente vinculadas a determinadas áreas: gastos
relativos ao ensino, por exemplo, devem corresponder a pelo menos 18% da receita de impostos
da União, e a 25%, nos Estados e Municípios. Gastos de saúde têm, igualmente, uma fatia
garantida dos orçamentos.
As intenções dessas medidas são as melhores possíveis: trata-se de assegurar um mínimo
de verbas para atividades de importância evidente. No entanto, é concebível que a necessidade de
gastos com a educação, por exemplo, possa variar, de ano para ano. Num dado exercício, a
deficiência de instalações escolares adequadas pode indicar a necessidade de construir muitas
escolas novas; no ano seguinte, já minoradas aquelas deficiências, investimentos em hospitais ou
centros de saúde teriam maior prioridade. Mas a fixação de percentuais mínimos de gastos em
rubricas específicas pode dificultar, ou mesmo impedir que se desloquem recursos de uma área
para outra. A correta avaliação de custos de oportunidade fica impossibilitada. Nesse sentido, as
vinculações, apesar de seus bons propósitos, em geral tendem a reduzir a eficiência da alocação
de recursos orçamentários, do ponto de vista dos interesses e necessidades da sociedade. E isso
decorre, essencialmente, de uma não consideração do conceito de custo de oportunidade.
O engano de iniciativas bem-intencionadas de dar prioridade absoluta a certos gastos,
como os de saúde, decorre, no jargão dos economistas, de considerar-se a “utilidade total” de
serviços de saúde, em lugar da “utilidade marginal” de uma oferta adicional desses serviços. A
questão é análoga a um velho paradoxo econômico: por que a água, que é indispensável à vida,
tem preço menor do que os diamantes, que atendem a uma necessidade tão secundária, e para
muitos frívola? O paradoxo é resolvido quando se raciocina “na margem”: se a opção for entre
ficar sem água ou sem diamantes, é claro que mesmo os mais frívolos prefeririam a segunda
hipótese, pois a utilidade total da água é evidentemente maior. Mas, em situações correntes, a
comparação que se coloca é, digamos, entre a utilidade de um litro marginal de água (adicional a
toda a água já disponível), e a de um diamante marginal, raro e muito demandado por pessoas de
posses. Nesse contexto, é claro que o diamante terá preço alto, e a água não. Da mesma forma, a
questão de ter ou não ter serviços de saúde não se discute; a decisão relevante é, por exemplo, a
de gastar, ou não, R$1 milhão adicional nessa área, em confronto com outras necessidades —
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educação, segurança, infraestrutura de transportes, etc. — e considerando a escassez de recursos
disponíveis. A comparação marginal é a que importa.
O raciocínio marginal. A argumentação a partir de variações marginais é um componente
básico da análise econômica. Sua significação pode ser ilustrada por um exemplo. Há alguns anos,
uma companhia aérea pôs à venda, como promoção temporária, passagens a R$50,00 para
qualquer cidade brasileira. A procura foi enorme, mas durou pouco, pois a promoção foi logo
proibida pelo governo. A justificativa foi de que se tratava de venda abaixo do custo,
caracterizando concorrência desleal. Seria correta essa justificativa? Certamente o custo médio de
transportar um passageiro em viagem aérea é muito superior a cinquenta reais; mas o que as
autoridades envolvidas não perceberam foi o fato de que o custo médio não é relevante, nesse
contexto, mas sim o custo marginal. Dado que existam assentos não ocupados (e a ocupação
média raramente ultrapassa 80%, nas companhias aéreas), a inclusão de um passageiro adicional,
em aviões com duzentos ou mais lugares, acrescenta muito pouco ao custo total da viagem (e, por
outro lado, traz ganhos de propaganda para a transportadora). Levando em conta, como é
correto, o custo marginal, não se poderia acusar a empresa de uma prática comercial contrária às
normas de concorrência. (A proibição foi depois suspensa, e de fato tem havido oferta de
passagens até por R$1,00, ultimamente).
A generalização do raciocínio marginal, a partir da segunda metade do século XIX,
possibilitou grande avanço à teoria econômica, inclusive pela introdução de modelos formais, com
utilização de métodos matemáticos.
Algumas falácias. Armado dos conceitos acima, você poderá identificar algumas
afirmativas ou crenças bastante comuns — você já deve ter se defrontado com alguma delas —
mas que são de fato economicamente incorretas, e podem levar a decisões inadequadas,
contrárias ao interesse social (como no caso das passagens aéreas).
Despoluição. Poluição é algo ruim, e é desejável eliminá-la. Mas muitas vezes são
apresentadas e defendidas propostas de uma despoluição radical — por exemplo, a ponto de
tornar potável a água do Lago Paranoá. A questão é que o custo de oportunidade de tais
empreendimentos seria, muito provavelmente, desproporcional aos benefícios daí advindos. Em
situações desse tipo, o objetivo mais racional será uma despoluição parcial, que leve a uma
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situação com a qual se possa conviver, a um custo razoável, em cotejo com demais demandas da
sociedade e os recursos disponíveis.
Gastos passados. Há um debate sobre a construção, ou não, de outra usina nuclear para
produção de energia elétrica, em Angra dos Reis. Centenas de milhões de dólares já foram
investidos no projeto, e alguns defendem que, dado que já se gastou tanto, mais vale completar a
obra, ou haverá um enorme desperdício dos recursos já despendidos. Ora, dirá você, isso é um
argumento economicamente falho. O que está gasto está gasto; isso não deve influir na decisão de
finalizar ou não o projeto. O que se deve indagar é se os benefícios derivados do investimento
adicional que será necessário para finalizar o reator compensarão os custos respectivos, em
confronto com outras formas de geração de energia (ou seja, uma comparação desse
investimento marginal com seu custo de oportunidade). Se isso não for verdade, o certo é
abandonar o projeto, e investir em outro. Poder-se-á culpar quem tomou decisões erradas no
passado, mas isso não deve servir de motivo para outra decisão errada, no presente. O raciocínio
vale tanto para investimentos estatais (como é o caso de Angra) como para um investidor privado,
movido pelo lucro.
Energia “velha”. Outro argumento que às vezes se ouve com relação a investimentos feitos
no passado refere-se a usinas hidroelétricas construídas anos atrás: argumenta-se que, como o
investimento “já foi pago” (por exemplo: houve um financiamento internacional já amortizado),
então essa energia “velha” é mais barata, e a tarifa cobrada por tais usinas deveria ser mais baixa
do que no caso de uma usina recém-construída. Ora, a usina antiga produz energia, gera um fluxo
de renda, e poderá ser vendida (e o eventual comprador vai querer tirar dela um rendimento
compensador para seu investimento, tal como se construísse uma usina nova). Não fará sentido
econômico forçar o dono da usina velha (muitas vezes o próprio governo) a ter um retorno mais
baixo sobre o seu patrimônio. Se o governo decidir cobrar menos pela energia de suas
hidroelétricas antigas, deverá deixar claro que está concedendo um subsídio aos compradores
(grandes compradores são, por exemplo, indústrias que consomem muita eletricidade, como a de
alumínio), à custa dos contribuintes.
“O melhor possível”. Engenheiros e técnicos muitas vezes insistem que o equipamento a
ser instalado numa fábrica, ou unidade de prestação de serviços (como um hospital) seja o mais
moderno e tecnicamente avançado que for possível. “Já que se vai fazer, que se faça o melhor”.
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Mas, à luz do que vimos acima, nem sempre essa regra deve ser seguida: é necessário comparar os
custos do “melhor possível” com os benefícios derivados dessa escolha. Pode ser que um
equipamento que não seja a última palavra, mas tenha um custo menor, seja a opção mais
adequada. Eficiência, do ponto de vista econômico, necessariamente envolve a consideração de
custos.
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Uma situação comum, nesse contexto, decorre de avaliações técnicas das condições de
operação de fábricas instaladas no passado. É frequente, especialmente no caso de indústrias
tradicionais, como a de tecidos, que avaliações desse tipo, feitas por engenheiros ou técnicos
especializados, produzam relatórios muito críticos, mencionando equipamentos “obsoletos”,
instalações “ultrapassadas”, e aconselhando um reequipamento radical. Esses relatórios
costumam servir de base a iniciativas governamentais no sentido de estimular melhorias técnicas
nessas indústrias, como a abertura de uma linha de crédito (frequentemente subsidiada) para
financiar o reequipamento. No entanto, muitas vezes a maquinaria existente, embora de fato
tecnicamente obsoleta, pode ainda produzir uma receita acima de seu custo de operação. Ou seja:
gera lucro para o dono da fábrica. Faz sentido substituir essas máquinas? Pode ser que o custo de
oportunidade desse investimento seja excessivo: a firma faria melhor aplicando seus recursos
disponíveis de outra forma. A não ser que os subsídios oferecidos pelo governo tornem o
reequipamento atraente, para o empresário; mas nesse caso são outra vez os contribuintes que
estarão assumindo o ônus — nesse caso, o ônus de um investimento economicamente
injustificado.
Em suma: há princípios gerais da Economia que podem certamente ser absorvidos num
curso introdutório, como o nosso, e que sem dúvida podem nos ajudar no entendimento do
mundo real — e eventualmente na identificação de afirmativas ou proposições falaciosas. Esse é,
talvez, o principal benefício que um curso introdutório de Economia pode proporcionar, para um
não economista: dar-lhe elementos que contribuam para que ele/ela identifique ideias
econômicas erradas, e não se deixe iludir por propostas de política atraentes mas inviáveis, ou de
efeitos indesejáveis.
O programa de Introdução à Economia. O programa da disciplina se organiza em sete
unidades. A Primeira Unidade trata dos conceitos básicos da teoria econômica. A Segunda estuda
as relações entre os agentes econômicos (produtores, consumidores e governo) no mercado, com
foco na determinação de preços. Na Terceira Unidade, apresentam-se as metodologias de
mensuração da atividade econômica (o PIB) e do cálculo de índices de preços. A Quarta Unidade
trata de noções de economia monetária: funções da moeda e fenômenos monetários,
especialmente a inflação. A Quinta Unidade apresenta noções básicas de macroeconomia,
tratando do crescimento econômico, de relações entre os agregados econômicos, e do
desemprego. A Sexta Unidade volta-se para as relações econômicas com o exterior, estudando o o
registro das transações com o exterior (balanço de pagamentos), a determinação da taxa de
câmbio, teorias de comércio internacional e noções de macroeconomia aberta. Finalmente, a
Sétima Unidade traça um breve panorama da evolução recente da economia brasileira, incluindo
uma visão sobre a desigualdade distributiva e seus indicadores.
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