4 - RBTI

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Volume 15 • nº 4
Outubro/Dezembro 2003
ISSN 0103-507X
NESTA EDIÇÃO
COMENTÁRIOS
Como Identificar o Risco
Nutricional em Crianças
Hospitalizadas?
A Cinco Passos da Maioridade
ARTIGOS ORIGINAIS
Infecções em UTI Geral de um
Hospital Universitário
Avaliação de Pacientes
Grandes Queimados
Submetidos à Oxigenoterapia
Hiperbárica
Comparação entre o Modelo
UNICAMP II e o APACHE II
em uma UTI Geral
Escore Prognóstico para
Unidade Semi-Intensiva
Pós-Operatória
El Lugar de la
Medicina Intensiva
RELATOS DE CASO
3200 Picadas de
Abelhas Africanizadas
Tromboembolismo Pulmonar
Maciço em Paciente com
Síndrome de Anticorpo
Antifosfolípide
ARTIGO DE REVISÃO
Diagnóstico dos Distúrbios
do Metabolismo Ácido-base
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
Fundada em 1980
SUMÁRIO
Diretoria para o Biênio 2002-2003
Presidente
Dr. Jairo C. Bitencourt Othero
Vice-Presidente
Dr. Jefferson Pedro Piva
1º Secretário
Dr. Luiz Alexandre A. Borges
2º Secretário
Dr. José Maria da Costa Orlando
1º Tesoureiro
Dr. Marcelo Moock
2º Tesoureiro
Dr. Odin Barbosa da Silva
Associação de Medicina
Intensiva Brasileira
Rua Domingos de Moraes, 814
Bloco 2 – Conj. 23
Vila Mariana – CEP 04010-100
São Paulo – SP
Tel.: (11) 5575-3832
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A
REVISTA
BRASILEIRA
DE
TERAPIA
INTENSIVA
reserva-se todos os direitos,
inclusive os de tradução, em
todos os países signatários da
Convenção Pan-Americana e
da Convenção Internacional
sobre os Direitos Autorais. Os
trabalhos publicados terão seus
direitos autorais resguardados
pela AMIB, que em qualquer
situação agirá como detentora
dos mesmos.
Comentário
132
Como Identificar o Risco Nutricional em Crianças Hospitalizadas?
How to Identify Children at Risk of Nutritional Depletion During Hospitalization?
Leite, H.P
Comentário
133
A Cinco Passos da Maioridade
Miranda, D.R.
Artigo Original
135
Infecções em UTI Geral de um Hospital Universitário
Infections in General ICU of the University Hospital
Moraes, A.A.P.; Santos, R.L.D.
Artigo Original
142
Avaliação de Pacientes Grandes Queimados Submetidos à Oxigenoterapia Hiperbárica
Burn Patients Evaluated for Hyperbaric Oxygen Therapy
Marra, A.; Rodrigues Jr., M; Fernandes Jr., C.J.; Souza, J.M.A.; Knobel, E.
Artigo Original
144
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI Geral
Comparison Between UNICAMP II Model and APACHE II in a General ICU
Alves, C.J.; Terzi, R.G.G.;Franco, G.P.P.; Malheiros, W.M.P.
Artigo Original
153
Escore Prognóstico para Unidade Semi-Intensiva Pós-Operatória
Prognostic Score for Surgical Intermediate Care Unit
Rocco, J.R.; Rocco, P.R.M.; Noé, R.M.; David, C.M.N.
Artigo Original
168
El Lugar de la Medicina Intensiva
Correa, Prof. H.
Relato de Caso
176
3200 Picadas de Abelhas Africanizadas
A Man Stung About 3200 Times By Africanized Honeybees
Penteado J.O.P.; Oliveira C.H.; D’Angieri A.; Graudenz G.S.; Massucato A.E.; Castro A.B.;
Castro E.
Relato de Caso
180
Tromboembolismo Pulmonar Maciço em Paciente com Síndrome de Anticorpo
Antifosfolípide
Massive Lung Thromboembolism in patient with Anthiphospholipid Antibodies Syndrome
Filho, J.R.; Macedo, M.; Isolato, R.B.
Artigo de Revisão
Diagnóstico dos Distúrbios do Metabolismo Ácido-base
Diagnosis of the Acid-Base Metabolism Disturbances
Rocco, J.R.
184
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NESTA REVISTA
RBTI
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Editor
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Editor Associado
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Conselho Editorial
Álvaro Réa Neto (PR)
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José Luiz Comes do Amaral (SP)
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Jornalista Responsável
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Diretora de Arte
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O escopo do jornal
RBTI é um jornal médico com revisão crítica que objetiva melhorar o cuidado dos pacientes agudamente doentes através da
discussão, distribuição e promoção de informação baseada em evidência relevante aos profissionais envolvidos com medicina intensiva. O jornal publica comentários, revisões e pesquisa em todas estas áreas do conhecimento relacionadas aos cuidados intensivos
do paciente grave.
Informação Geral
RBTI acolhe pesquisa de alta qualidade em qualquer aspecto relacionado ao cuidado intensivo. Todos os trabalhos submetidos
serão revisados. Todos os revisores são solicitados a responderem sua decisão inicial em 4-6 semanas.
Os autores são solicitados a garantir que nenhum material infrinja direito autoral existente ou direito de uma terceira parte. Os
autores que publicam com o RBTI, retêm o direito autoral de seu trabalho.
Os artigos devem ser em português, espanhol ou inglês.
Instruções para os autores de artigos de pesquisa
A submissão de um artigo de pesquisa relatando pesquisa experimental em humanos ou animais implica que os autores obtiveram aprovação para a sua pesquisa do comitê de ética apropriado, e estão em concordância com a Declaração de Helsinki. Uma
declaração deste efeito precisa estar incluída na sessão “Pacientes e Métodos” do seu artigo.
Para todos os artigos que incluem informação ou fotografias clinicas relacionadas a pacientes individuais, um consentimento
escrito e assinado de cada paciente para publicar também precisa ser enviado por correio ou fax ao escritório da revista. O manuscrito deve incluir uma declaração deste efeito na sessão de “Agradecimentos” como a seguir: “Consentimento escrito foi obtido do
paciente ou seu parente para publicação do estudo”.
Nomes Genéricos das drogas devem ser usados. Quando nomes comerciais são usados na pesquisa, estes nomes devem ser
incluídos entre parênteses na sessão “Pacientes e Métodos”.
Como eu organizo meu artigo de pesquisa?
Todos os artigos de pesquisa devem incluir as seguintes sessões:
Página Título:
O titulo completo do artigo
Os nomes completos de todo os contribuintes
Todos os títulos/posições dos contribuintes (assistente, diretor, ou residente)
O endereço completo (incluindo telefone, fax e email) do autor para correspondência.
Resumo:
Não ter mais que 250 palavras
Ser estruturado com os mesmos cabeçários usados no texto principal.
Mencionar todas as palavras chaves
Refletir acuradamente todas as sessões do texto principal
Todos os trabalhos deverão ser acompanhados de um Abstract (resumo traduzido), necessariamente em inglês
Palavras chaves: ver sessão abaixo
Introdução - esta sessão deve ser escrita do ponto de vista dos pesquisadores sem conhecimento de especialista na área e deve
claramente oferecer – e, se possível, ilustrar – a base para a pesquisa e seus objetivos. Relatos de pesquisa clínica devem, sempre que
apropriado, incluir um resumo da pesquisa da literatura para indicar porque o estudo foi necessário e o que o estudo visa contribuir
para o campo. Esta sessão deve terminar com uma breve declaração do que está senso relatado no artigo.
Pacientes e métodos - deve incluir o desenho do estudo, o cenário, o tipo de participantes ou materiais envolvidos, a clara
descrição das intervenções e comparações, e o tipo de análise usado, incluindo o poder de cálculo se apropriado.
Resultados e discussão - os resultados e discussão podem ser combinadas em uma sessão única ou apresentados separadamente.
Resultados da análise estatística deve incluir, quando apropriado, riscos relativo e absoluto ou reduções de risco, e intervalos de confiança. A sessão de resultados e discussão pode também ser quebrada em sub-sessões com leituras curtas e informativas.
Conclusões - deve discorrer claramente as conclusões principais da pesquisa e fornecer uma clara explicação da sua importância e relevância.
Referências – Nós preferimos que não exceda 30 referências. Para formatar a referência veja a sessão abaixo’ Como eu formato
as referências?’.
Figuras e Tabelas: Estas devem ser mantidas separadas do texto principal do artigo. Veja abaixo ‘Figuras e tabelas’ para maiores
informações.
Agradecimentos: ver sessão abaixo
Instruções para os autores de artigo de revisão
O artigo de revisão é uma descrição compreensiva de certo aspecto de cuidado de saúde relevante ao escopo do jornal. Deve
conter não mais que 2000 palavras e 50 referências. Existem três tipos principais de revisões:
Revisões científicas - descrevendo ciência que podem ter impacto clínico
Revisões “bancada a beira do leito” - descrevendo ciência que suportam situações clínicas
Revisões Clínicas - descrevendo puramente situações clínicas
Claramente, estes três tipos de revisões possuem o potencial de se sobrepor, mas o objetivo de dividir o jornal nesta maneira é
ajudar os leitores achar o tipo de material que estão procurando.
Como eu organizo meu artigo de revisão?
Todos os artigos de revisão devem ser divididos nas seguintes sessões:
Página Título:
O título completo do artigo
Os nomes completos dos contribuintes
Todos os títulos/posições dos contribuintes (como assistente, diretor, ou residente)
O endereço completo (incluindo telefone, fax e email) do autor correspondente.
Resumo:
Não ter maus que 250 palavras
Ser estruturado como o texto principal.
Mencionar todas as palavras chave
Refletir acuradamente todas as sessões do texto principal
Todos os trabalhos deverão ser acompanhados de um Abstract (resumo traduzido), necessariamente em inglês
Palavras Chave: ver sessão abaixo
Abreviações: ver sessão baixa
Referências: listar o máximo de 50 referências. Para formatar a referência veja a sessão na página ao lado “Como eu
formato as referências?”
A correspondência para publicação deve ser endereçada para:
RBTI - Revista Brasileira de Terapia Intensiva
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Figuras e Tabelas: Estas devem ser mantidas separadas do texto principal do artigo. Veja
abaixo ‘Figuras e tabelas’ para maiores informações.
Deve haver, também, a sessão de métodos que relaciona as fontes de evidência usadas. Se
você procurou numa bibliografia eletrônica como Medline, por favor, liste as palavras usadas
para realizar a procura.
Instruções para autores de um comentário?
Comentários são curtos (800-1000 palavras, excluindo o resumo), artigos de opinião escritos por especialistas e lidos pela comunidade médica em geral. Muitos são solicitados, contudo
os não solicitados são bem vindos e são rotineiramente revisados. O objetivo do comentário é
destacar algo, expandindo os assuntos destacados, e sugerir o que deve acontecer em seguida.
Qualquer declaração deve ser acompanhada por uma referência, mas nós preferimos que
a lista de referências não exceda 15. Para a leitura, sentenças devem ser curtas e objetivas. Use
subtítulos para quebrar o comentário em sessões.
Por favor, lembre que, apesar de muitos de nossos leitores serem especialistas, eles podem
não ser especialistas na sua área e assim você necessitar explicar toda a terminologia e acrônimos a primeira vez que eles são usados. Por favor, providencie uma lista alfabética de todas
abreviações.
Assim como os comentários gerais também existem os tipos específicos:
Debates clínicos Pro/con
Dois autores convidados discutem suas diferentes opiniões sobre um assunto clínico especifico. Os assuntos são levantados através de cenários clínicos escritos pelo editor de sessão.
Cada autor é solicitado a escrever um artigo referenciado de 500-palavras, descrevendo
se eles concordam ou discordam com o cenário clínico (pro ou con). Os artigos contrários são
mostrados aos autores para uma resposta de não mais que 100 palavras. Os autores sabem quem
é seu oponente mas não podem ver o artigo oposto até terem submetido seu. Não deve haver mais
que 10 referências no artigo de 500-palavras, e 2 referências na resposta de 100-palavras. Nós
preferimos referências de estudos randomisados e controlados publicados nos últimos 10 anos.
Comentários de Pesquisas
Nossos artigos de pesquisa são freqüentemente acompanhados por comentários. Os
mesmos visam descrever as qualidades e/ou deficiências da pesquisa, e suas implicações mais
amplas. O artigo de pesquisa discutido deve ser a primeira referência do comentário.
Comentários publicações recentes
Artigos de pesquisa publicados são escolhidos pelo conselho editorial nos últimos seis
meses e os relata na forma de um comentário.
Como EU organizo meu comentário?
Todos os comentários devem incluir as seguintes sessões:
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(incluindo telefone, fax e email), e deve indicar o autor correspondente
Resumo: não deve ter mais que 100 palavras e deve mencionar todas as palavras-chave
(não se aplica a debates pro/con). Todos os trabalhos deverão ser acompanhados de um Abstract
(resumo traduzido), necessariamente em inglês
Palavras-chave: ver sessão abaixo
Abreviações: ver sessão abaixo
Texto Principal: veja ‘O que é um comentário’ para esclarecimento.
Subtítulos: Nós encorajamos o uso de subtítulos no seu texto.
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contenham cinco ou menos referências (a primeira delas a ser referida deve ser o artigo do RBTI
ao qual a carta se refere). Os autores devem também providenciar seus dados e endereço completo (incluindo telefone, fax, e email). Todas as cartas são editadas; a versão editada é enviada para
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Palavras chave: ver sessão abaixo
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Referências
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Figuras e Tabelas
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Agradecimentos
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manuscrito submetido.
EXEMPLO DE REFERÊNCIAS
Artigo de jornal
Baumann WR, Jung RC, Koss M, et al. Incidence and mortality of adult respiratory distress
syndrome: a prospective analysis from a large metropolitan hospital. Crit Care Med 1986; 14 :1-4.
Artigo de suplemento
Walker LK: Use of extracorporeal membrane oxygenation for preoperative stabilization of
congenital diaphragmatic hernia. Crit Care Med 1993, 21(suppl):S379-S380.
Livro
Doyle AC: Biological Mysteries Solved, 2nd edn. London: Science Press, 1991.
Capítulo de livro
Lachmann B, van Daal GJ: Adult respiratory distress syndrome: animal models. In Pulmonary Surfactant. Edited by Robertson B, van Golde LMG, Batenburg JJ. Amsterdam: Elsevier,
1992:635-663
Resumo publicado
Varvinski AM, Findlay GP: Immediate complications of central venous cannulation in ICU
[abstract]. Crit Care 2000, 4(suppl 1):P6.
Artigo In press
Kharitonov SA, Barnes PJ: Clinical aspects of exhaled nitric oxide. Eur Respir J, in press.
Figuras, Ilustrações, Fotografias e Tabelas
Figuras e tabelas devem iniciar com o título que descreve a figura total. Tabelas não devem
incluir linhas verticais. Elas não devem tomar mais espaço que duas páginas no jornal impresso,
incluindo seus títulos e legendas. Elas devem ser mantidos separadas do texto principal do artigo,
contendo suas respectivas legendas e assinalando sua exata localização no texto. Somente serão
aceitas as ilustrações que permitirem boa reprodução.
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Os autores são encorajados a submeter figuras em formato eletrônico de alta qualidade.
A resolução mínima para as figuras é 300 dpi. Por favor, lembre que a reprodução pode reduzir
qualidade da figura, assim providencie a mais alta resolução possível, e lembre que a redução do
tamanho da figura irá também reduzir o tamanho do label.
Formatos Eletrônicos: por favor, estes são os formatos de arquivo preferidos:
TIFF (formato preferido para fotos/imagens; mínimo 300 dpi)
Portable Document Format (PDF)
CorelDraw
PowerPoint
Arquivo de Figura podem ser submetidos por email. Alternativamente, os arquivos podem
ser submetidos em disquete ou CD-ROM.
Palavras chave
Não mais que cinco palavras chave devem ser listadas em ordem alfabética. Por favor, garanta que as palavras chave são achadas na lista do Medical Subject Headings (MeSH) do Index
Medicus. Estas palavras podem ser procuradas no browser da National Library of Medicine’s
MeSH.
Abreviações
Acrônimos e outras abreviações devem ser listadas em ordem alfabética. Por favor, lembre
que apesar dos seus leitores serem médicos, eles podem não ser especialistas no seu campo específico e assim você precisa explicar a terminologia e os acrônimos a primeira vez que eles são
usados. Por favor, forneça uma lista alfabética de todas as abreviações usadas.
Políticas de publicação do RBTI’s
Publicação
Submissão de um artigo ao RBTI implica que todos contribuintes leram e concordam com
seu conteúdo. O artigo não foi ainda publicado em outro jornal e não deve estar em consideração
por nenhum outro jornal.
Direitos autorais
Para artigos de pesquisa (incluindo qualquer material suplementar) e revisão, o direito
autoral é dos autores.
Os direitos de todo material publicado na RBTI pertence ao jornal.
RBTI / COMENTÁRIO
Como Identificar o Risco Nutricional
em Crianças Hospitalizadas?
How to Identify Children at Risk of Nutritional Depletion During Hospitalization?
Leite, H.P.
Abstract
There has been increasing evidence that patients with malnutrition in hospital have higher morbity, mortality, length
of stay and costs. Several nutritional risk assessment scores have been developed, but they are not suitable for
routine use in pediatric clinical practice. In a recent prospective study on a large number of children, Gaudelus et
al reported the use of a multivariate model to evaluate the factors most predictive of weight loss in children during
hospital stay. A nutritional screening which combined poor food intake, pain, and severity of disease were associated with a weight loss of > 2% of the initial weight in a one-week period. As a predictor of whether patients were
at risk of nutritional depletion, this pediatric nutritional score may be useful to identify patients at risk of nutritional
depletion before malnutrition occurs.
S
e atualmente a desnutrição não tem a mesma relevância epidemiológica que no passado, há um grupo específico em que ela ainda chama a atenção por
sua elevada prevalência: o dos pacientes hospitalizados. Estudando pacientes admitidos em unidade de cuidados
intensivos pediátricos, observamos que 65% eram desnutridas
à admissão e que em um terço havia piora do estado nutricional
quando da alta hospitalar1. Dados do Ibranutri2 mostraram que
em adultos a desnutrição aumentava de 31,8% na admissão
para 61% na alta hospitalar, nos pacientes cujo tempo de internação superava 15 dias.
A preocupação com a influência do estado nutricional
sobre o prognóstico de pacientes hospitalizados não é recente,
tendo sido primeiro externada por Studley em 1936, ao verificar maior mortalidade nos adultos com úlcera péptica que
tinham perda ponderal superior a 20%3. Hoje há evidências
crescentes de que a desnutrição hospitalar é uma variável de
risco independente para morbidade, mortalidade e tempo de
internação, o que representa aumento nos custos com saúde4.
Portanto, mesmo que ainda não tenha sido claramente demonstrado que o suporte nutricional diminua a mortalidade em pacientes hospitalizados como um todo (demonstrou-se benefício
em grupos específicos, especialmente nos mais desnutridos)5
o cuidado com a nutrição deve ser parte obrigatória do atendimento. A simples avaliação do estado nutricional, no entanto,
não informa sobre o risco nutricional, parâmetro essencial
para identificar os pacientes que necessitam de intervenção.
Esse risco tem sido estimado por meio de escores baseados
em medidas antropométricas e exames laboratoriais, em geral
feitos para adultos e de pouca aplicação na prática clínica. Sua
identificação é mais evidente em pacientes com doença grave,
podendo passar desapercebida naqueles em condições clínicas
menos críticas. A ingestão inadequada e a dor, fatores nem
sempre considerados, são sintomas que podem induzir à piora
do estado nutricional durante a internação6.
Em estudo recente, utilizando análise multivariada em um
número grande de crianças internadas, foi desenvolvido um
132
escore de risco nutricional de fácil aplicação que identifica a
probabilidade de perda ponderal semanal maior ou igual a 2%
do peso de admissão, quando o fator de risco está presente7.
O limiar de 2% baseou-se no estudo pediátrico de Merritt e
Blackburn8 que tinha na perda ponderal de 5% em um mês o
ponto de corte crítico para evolução clínica desfavorável. O
escore baseia-se em três fatores: 1) ingestão inferior a 50% da
habitual; 2) presença de dor; e 3) estresse conforme o tipo de
doença (leve, grau 1; moderado, grau 2 e grave, grau 3). Os
dois primeiros, se presentes, conferem 1 ponto cada um e o terceiro 3 pontos. Se a soma dos pontos for 1 a 2, o paciente tem
risco moderado para desnutrição; se maior ou igual a 3, alto
risco para desnutrição. Recomenda-se reavaliação se houver
mudança na condição clínica.
É claro que este escore não substitui a avaliação antropométrica tradicional baseada em peso e estatura, que é ainda o
melhor meio de detecção de retardo do crescimento e de desnutrição crônica. Sua utilidade reside em identificar pacientes em
risco de desnutrição antes que ela ocorra, permitindo intervenção nutricional oportuna e apropriada de modo a prevenir suas
complicações associadas.
Palavras-chave: children, malnutrition, nutritional assessment, nutritional risk.
REFERÊNCIAS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Leite HP, Isatugo MK, Sawaki L, Fisberg M. Anthropometric nutritional assessment of
critically ill hospitalized children. Rev Paul Med 1993; 111:309-313.
Waitzberg DL, Caiaffa WL, Correia MITD. Hospital malnutrition: The Brazilian national
survey (Ibranutri): a study of 4000 patients. Nutrition 2001;17:575-580.
Studley HO. Percentage of weight loss: a basic indicator of surgical risk in patientys with
chronic peptic ulcer. JAMA 1936;106:458-460.
Correia M I T D, Waitzberg D L. The impact of malnutrition on morbidity, mortality,
length of hospital stay and costs evaluated through a multivariate model analysis. Clin
Nutr 2003;22:235-239.
The Veterans Affairs Total Parenteral Nutrition Cooperative Study Group. Perioperative
total parenteral nutrtition in surgical patients. N Engl Med 1991;325:525-532.
McWhirter JP, Pennington CR. Incidence and recognition of malnutrition in hospital.
BMJ 1994;308:945–8
Gaudelus IS, Poisson-Salomon AN, Colomb V, et al. Simple pediatric nutritional risk
score to identify children at risk of malnutrition. Am J Clin Nutr 2000;72(1): 64-70.
Merritt RJ, Blackburn GL: Nutritional assessment and metabolic response to illness of
the hospitalized child. In Textbook of pediatric nutrition. Edited by Suskind RM. New
York: Raven Press, 1981:285–307.
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / COMENTÁRIO
A Cinco Passos da Maioridade
Miranda, D.R.
“Chart a course for every endeavor that we take the people’s money for, see how well
we are progressing, tell the public how we are doing, stop the things that don’t work,
and never stop improving the things that we think are worth investing in” - William
J. Clinton[1]
N
os Estados Unidos da América, espera-se que o
custo da Saúde se eleve a 25% do Produto Bruto Nacional (PBN) em 2030, se o crescimento
anual dos custos (6.6% do PBN) se mantiver constante[2].
O custo das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) é
cerca de 1% do PBN: admitindo cerca de 5% dos doentes
no Hospital, a UTI é responsável pelo consumo de 15%20% do orçamento hospitalar. A este problema acresce um
outro igualmente relevante: embora a Medicina Intensiva
(MI) tenha 50 anos de desenvolvimento, a mortalidade nas
UTIs não decresce. Não obstante a experiência nos indique
razões que o possam explicar, a verdade é que não existem
estudos que justifiquem a fatalidade das taxas elevadas.
Estudos recentes demonstraram que intervenções
específicas na área de gestão das UTIs podem reduzir
simultânea e significativamente o custo e a mortalidade
dos cuidados de saúde nas UTIs[3,4]. Os resultados destes
estudos apontam para cinco áreas de ação:
1. A DISTINÇÃO ENTRE MEDICINA
INTENSIVA E UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA
Geralmente, a UTI identifica-se indistintamente com o
conteúdo profissional das atividades que ali tomam lugar.
A distinção entre MI (a profissão) e UTI (o local de trabalho) é, no entanto, lógica e necessária. Numa situação de
paralelo evidente, a identificação mútua da Cirurgia e da
Sala de Operações, nunca ocorreria a ninguém.
A necessidade de distinguir tem duas razões: a) a
UTI é uma concentração de recursos financeiros (físicos
e humanos). A MI representa o conhecimento científico
e profissional do pessoal (médico e de enfermagem). Os
recursos investidos são da responsabilidade das autoridades hospitalares locais. A competência profissional é da
responsabilidade das respectivas autoridades nacionais. b)
A distinção entre UTI e MI permite que a criação de ‘step-
down-units’ obedeça a critérios de ajustamento de recursos
disponíveis e necessários, sem quebra da qualidade profissional que assiste[5].
O uso dos atuais critérios de competência profissional
(pôr exemplo cuidados intensivos: todas as atividades, todas as qualificações; intermédios: algumas atividades não
permitidas e/ou qualificações não necessárias), impossibilita o uso eficiente dos recursos hospitalares[3,6,7]. Pôr outro
lado, os critérios de competência impedem o necessário
controle centralizado, uma vez que atividades de MI poderão ser executadas sob a responsabilidade de profissionais
não especializados[8].
2. A TEORIA GERAL DE SISTEMAS (TGS)
APLICADA À UTI
A TGS (descrita em 1936 pelo austríaco Von Bertalanffy) é hoje uma das bases da gestão: as atividades de qualquer trabalho (‘throughput’) transformam uma realidade
inicial (‘input’; pôr exemplo case-mix) num resultado final
(‘output’; pôr exemplo mortalidade ou morbilidade). A definição exata de ‘input’ e ‘output’, sem esquecer pelo menos
um elemento de quantificação, permite avaliar a eficácia
das atividades incluídas nos trabalhos de transformação.
As atividades de MI, na UTI, constituem um ‘subsistema’,
em relação ao ‘sistema hospitalar’, tal como as atividades
de cirurgia na sala de operações, as da sala de recobro, etc.
Integrada no sistema hospitalar, em que o paciente passa
de um (sub)sistema para outro, o output da sala de recobro
(pôr exemplo doente séptico e em shock) pode ser o input
da UTI; o output da UTI poder ser o input da enfermaria,
etc. A grande vantagem da TGS é que também se pode
aplicar a processos de trabalho: o ‘processo de apoio respiratório’, ‘cardiovascular’, ‘renal’, ‘neurológico’, etc., são
sistemas de cuidados intensivos que se podem relacionar
em paralelo ou em seqüência; cada um destes pode ser
dividido em subsistemas (ventilação mecânica, sedação,
Dinis Reis Miranda, MD, PhD, FCCM
Professor (em.) de Medicina Intensiva – Universidade de Groningen, Holanda
Presidente da Foundation for Research on Intensive Care In Europe (FRICE)
e.mail: [email protected]
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
133
RBTI / COMENTÁRIO
medicação, etc., em apoio respiratório). O conhecimento
e o controle dos vários sistemas em curso é essencial para
atingir a maturidade de organização da UTI[9].
3. IDENTIFICAÇÃO DOS PROCESSOS
DE PRODUÇÃO
Fazendo uso da TGS, todos os processos e sub-processos de trabalho na UTI devem ser identificados e descritos
em detalhe (veja-se exemplos parágrafo anterior), incluindo: a) input e output do processo (obrigatoriamente com
elementos de quantificação); b) quem executa cada uma
das atividades; c) instrumentos escolhidos para medir efetividade de transformação.
A identificação dos processos de produção permite:
i) definir exatamente as funções e tarefas de cada grupo
profissional; ii) definir a contribuição dos vários profissionais em cada processo (quando e como); iii) definir
regras de funcionamento como sejam protocolos e guidelines, particularmente naquelas áreas de atividade em
que a responsabilidade de vários profissionais se possam
sobrepor (pôr exemplo monitorização, em que as atividades de observar, registar, comparar e decidir implicam em
principio as ações de médico e de enfermeiro; iv) fazer a
contabilização direta de cada processo individualizado,
o que permite conhecer, pôr agregação, o custo de cada
tratamento na UTI.
4. CONTROLE DA PERFORMANCE
O controle da performance (CP) mede duas dimensões:
efetividade (se os objetivos previamente definidos foram
atingidos) e eficiência (efetividade no contesto de tempo e
de custo). O CP da UTI tem três enfoques: 1) a unidade; 2)
os processos de produção; 3) o funcionamento individual
do staff (feito anônimo).
Três condições são essenciais no CP: a) focagem
restrita, selecionando-se somente um ou dois elementos
para cada aspeto da performance que se quer medir; b) os
aspetos de performance selecionados, devem estar relacionados (diz-se em ‘alinhamento’) com os objetivos globais
da UTI; c) os resultados do CP são conhecidos na UTI,
e a unidade empenha-se num plano anual de melhoria da
performance. O CP é uma atividade principal da UTI, amplamente conhecida e participada.
Pelo exposto, o CP faz mais sentido quando a UTI tenha
um plano estratégico para a obtenção dos objetivos globais
da unidade, subdivididos ainda nos objetivos de todas a atividades relacionadas com o plano. O uso de escores (como
os de gravidade) para a avaliação da performance das UTIs
é a todos os títulos inadequado! Escores são, sim, excelentes auxiliares para definir input e/ou output[10-12].
134
5. INSTITUCIONALIZAR A
MULTIDISCIPLINARIDADE
A chefia da UTI (tanto médica como de enfermagem)
encontra-se responsável pôr muitos aspetos que não são
estritamente profissionais (pôr exemplo gestão econômica e de pessoal). Esta situação segue aliás o exemplo dos
outros departamentos hospitalares, e, na verdade, não é
mais que o modelo da chefia do Hospital usado algumas
décadas atrás. O Hospital modernizou entretanto a sua
estrutura de gestão: todas as disciplinas cujos conhecimentos são necessários para a gestão eficaz e eficiente
de uma empresa de saúde, encontram-se suficientemente
representadas na Direção do hospital de hoje. A UTI está
em excelente posição para seguir o exemplo: a) os input
e output são facilmente mensuráveis; b) os processos de
trabalho são passíveis de identificação, de quantificação e
de reprodução, sendo portanto manejáveis; c) a MI tem um
forte impacto social fora e dentro do hospital.
Não estamos a sugerir que a UTI contrate economistas,
psicólogos, gestores, estatísticos, etc., para o seu staff. Sugerimos sim que use os conhecimentos das disciplinas em
questão, e que existem no hospital. O espírito de colaboração inter-disciplinar vai demorar algum tempo a desenvolver. O melhor uso do conhecimento específica das outras
disciplinas no quadro da assistência ao doente grave, vai
também requerer algum esforço. Aonde possível, a contribuição adicional de serviços Universitários pode acelerar
o desenvolvimento harmonioso da empresa que se chama
Unidade de Terapia Intensiva.
REFERENCIA S
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(IPS): a method to help assess the probability of infection in critically ill patients.
Crit Care Med 31:2579-84
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Infecções em UTI Geral de um
Hospital Universitário
Infections in General ICU of the University Hospital
Moraes, A.A.P.*; Santos, R.L.D.**
Abstract
Objectives: to determine the most frequent microorganism in each infection focus.
Set: Hospital Alzira Velano, a university hospital in Brazil.
Design: Restrospective cases study.
Material and methods: a retrospective study from 1997 to now taking into consideration 266 cultures of microorganisms found in 202 patients in a population of 1196 people who had been treated in the general ICU of Alzira
Velano Universitary Hospital in Alfenas, Minas Gerais state, Brazil. The material for analysis were collected in
different sites as blood, bronchial sputum, skin lesions, tip of central venous catheters, urethra, surgical wounds in
thorax , abdomen and derived from orthopedic procedures. Moreover, other sites were studied including the liquor
and liquids from the pleura, the pericardium and ascitic ones.
Results: Pseudomonas aeruginosa and Staphylococcus aureus were the most frequent bacteria. About the specific
infections site, S. aureus was the commonest microorganism in the cultures of blood although P. aeruginosa was the
most frequent in cultures of deep endotracheal aspirate. Gram-positive coccus were the most present in cultures of
wounds and central venous catheters. The gram-negative bacteria were the most frequent in cerebrospinal fluid.
Conclusions: despite the results found in the present study being similar to others reported in the international literature, they showed some peculiarities of Alzira Velano Hospital ICU that recommend a specific antibiotic therapy
protocol for each institution.
Key Words: Infection, ICU, Critical care
A
s infecções estão entre as maiores causas
de óbito em pacientes internados em UTI.
1
É importante localizar o foco da infecção
e determinar o microorganismo, porém, não muito
raro, esse fato fica impossibilitado, mesmo após
exaustivas investigações, levando o intensivista a
iniciar de maneira empírica o tratamento antimicrobiano. Por isso é essencial determinar a microbiota
de cada UTI, tornando mais dirigido e racional o uso
do antibiótico. De acordo com os dados do Center
for Diseases Control (CDC), 1 a Pseudomonas aeruginosa é o agente mais prevalente em UTI, representando 13%, seguida por S. aureus (12%), estafilococos coagulase negativa (10%), Enterococcus sp
(9%), Enterobacter sp (8%) e 10% para Candida sp.
Alberte e colaboradores 2 fizeram um estudo descri-
tivo em 29 centros de terapia intensiva de 8 países
da Europa que demonstrou predominância de cocos
gram-positivos (61%), seguido por bacilos gramnegativos (31%).
Embora apenas 5-10% dos pacientes internados
necessitam de terapia intensiva, a maioria das infecções adquiridas no hospital ocorrem nessa unidade.
O índice de infecção hospitalar em UTI é de 5-10%,
podendo ser o dobro.3 A UTI é o ambiente hospitalar
mais crítico, ocasionando presença de maior nível
de resistência bacteriana.4 Já as pneumonias nosocomiais representam a segunda causa mais comum
de infecção hospitalar com alta morbidade, principalmente causadas por Pseudomonas aeruginosa e
Acinetobacter sp. 5,6,7,8,9
Os sítios mais comuns das infecções severas
*Professor do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade de Alfenas, Chefe do Serviço de Medicina Intensiva do Hospital Universitário Alzira Velano (HUAV), Médico Titulado pela AMIB e Sociedade Brasileira de Cardiologia.
**Médico Residente do Departamento de Medicina Interna do HUAV.
Trabalho realizado na Unidade de Terapia Intensiva do HUAV.
Dados para correspondência:
Álvaro de Alencar Paiva Moraes
Hospital Universitário Alzira Velano - UTI
Rua Geraldo Freitas da Costa, no 120, Jardim São Lucas
CEP. 37130000 - Alfenas - MG.
Telefone: (35) 3299 35 24
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
135
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
nos adultos são urinário, respiratório e trato gastrointestinal, seguidos por pele e partes moles. Se o
sítio da infecção não for evidente no exame inicial,
deve-se reconsiderar o pulmão ou o abdome. Na
última década, a epidemiologia dos organismos infectantes tem mudado significativamente. A relativa
freqüência do isolamento de bactérias gram-negativas em uma população geral de UTI tem diminuído,
enquanto o papel patogênico dos organismos grampositivos, especialmente Staphylococcus aureus e
estafilococos coagulase negativo, tem aumentado
significativamente. 4,7,10,11
É importante também compreender a dinâmica
das infecções na UTI. As bactérias patogênicas se
espalham principalmente no contato entre pessoas
ou por emergência da microbiota endógena durante
o uso de antibióticos.12 Dessa forma, Bonten e Colaboradores13 criaram um modelo matemático para
facilitar o entendimento dessa dinâmica. Com isso
é possível determinar o modo de transmissão de um
específico patógeno, e ainda identificar qual o fator
preponderante na perpetuação da infecção em uma
UTI, como o uso abusivo de antibióticos ou o despreparo do pessoal médico na anti-sepsia dos procedimentos, principalmente lavagem das mãos.5,12,14
O objetivo desse estudo foi determinar os microorganismos mais freqüentes em cada foco de infecção em pacientes internados na UTI do HUAV.
MATERIAL E MÉTODO:
Estudo descritivo e retrospectivo obtido por
verificação de dados armazenados nos arquivos do
laboratório de microbiologia do Hospital Universitário Alzira Velano. Os arquivos continham as informações das culturas feitas no período de Outubro
de 1997 à Janeiro de 2001, com a identificação do
paciente, crescimento ou não do agente infeccioso,
bactérias isoladas, resistência e sensibilidade antibiótica, e ainda dados clínicos do paciente que
justificava a realização do exame. No total foram
analisadas 266 culturas de 202 pacientes, de um total de 1196 pacientes internados na UTI do HUAV
nesse período de 39 meses.
Foram consideradas culturas de sangue (hemocultura), de amostra brônquica, de lavado broncoalveolar, de lesão cutânea, de ponta de cateter venoso
central, de secreção uretral, de ferida cirúrgica (abdominal, ortopédica, torácica), e cultura de líquidos
pleural, ascítico, pericárdico e cefalorraquidiano
(LCR).
A indicação da realização das culturas não se-
136
guiu um protocolo específico, sendo realizada por
indicação clínica, observando na maioria dos casos
a gravidade do quadro. O método de colheita de
cada material seguiu as normas da Comissão de
Controle de Infecção Hospitalar do HUAV, a sequir
especificadas:
As hemoculturas foram colhidas em três amostras, de pontos diferentes, no intervalo de uma hora
entre cada colheita, utilizando o método BACTEC
9050 .
A amostra brônquica foi colhida utilizando um
sistema de proteção da sonda, para que, ao ser introduzida na via traqueal, evitasse a presença de
contaminantes. De maneira asséptica, usou-se 30
cm de sonda nasogástica (SNG) número 20 para
aspirados por tubo orotraqueal (TOT), e 15 cm,
por traqueostomia. Por dentro desse segmento da
SNG foi introduzida uma sonda traqueal número
12, de forma a proteger sua extremidade distal. O
conjunto foi introduzido no TOT ou traqueostomia,
deixando 5 cm do segmento cortado da SNG externamente ao TOT ou traqueostomia. O segmento da
SNG permanecia imóvel enquanto era introduzido
mais 10 cm da sonda traqueal. Instilou-se 10 ml
de solução fisiológica que foi imediatamente aspirada, juntamente com a secreção traqueal, que foi
colocada em um fraco estéril e enviada ao laboratório de microbiologia. Outra forma de colheita de
secreção traqueal foi obtida utilizando esse mesmo
sistema, porém as secreções foram armazenadas
em um receptáculo de sucção estéril e enviados ao
laboratório. Já os espécimes do lavado broncoalveolar foram conseguidos através de broncoscópio
com duplo lúmen, contendo cateter protegido na
extremidade distal. Técnicas quantitativas foram
empregadas valorizando os achados de bactérias
em contagem maior ou igual 10 mil unidades formadoras de colônia por ml.
Para a cultura de material proveniente de lesões
cutâneas como úlcera de decúbito, lesão de queimados e outras feridas abertas, preferencialmente
utilizou-se biópsia de tecido. Na sua impossibilidade, foi feita limpeza do sítio com álcool 70%
seguido de PVPI alcoólico, deixando ambos secar
em 1 minuto. No caso de dificuldade de limpeza
de superfície cruenta, era realizado desbridamento
do tecido desvitalizado. O material era colhido por
aspiração com seringa. Se não houvesse material na
aspiração, era injetada solução salina estéril e aspirada posteriormente. A lesão bolhosa de tegumento
era higienizada com PVPI tópico e soro fisiológico,
puncionada com seringa e agulha estéreis, e o conteRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
údo encaminhado ao laboratório em um frasco estéril ou na própria seringa. No caso de pouco material
para aspiração, foi utilizada curetagem da base da
lesão e colheita do material com swab.
A ponta do cateter venoso central foi encaminhada em casos de sinais infecciosos locais ou na
presença de febre sem foco de infecção, sendo que
também foi colhida hemocultura. Realizava-se a
anti-sepsia da pele ao redor da inserção do cateter
com álcool a 70% seguido de PVPI alcoólico, deixando ambos secar em 1 minuto. Retirava-se o cateter cuidadosamente, e sobre uma superfície estéril,
cortava-se 5 cm da sua extremidade distal, e acondicionava-se sua extremidade em um frasco estéril,
que era então enviado ao laboratório.
Para cultura de secreção uretral era feita higiene
local, tracionando o prepúcio e limpado o meato
com gaze estéril embebida com água e sabão neutro.
Foi introduzida na uretra uma haste bacteriológica
estéril, 2 a 4 cm, exercendo movimento circular
unidirecional, com tempo de espera de 2 minutos
para haver descarga. Condições diferenciadas foram
realizadas para Clamídia, com lâmina especial para
esfregaço, e Neisseria, onde foi realizada semeadura direta na placa.
As feridas cirúrgicas abertas ou suturadas, com
presença de exsudato, eram higienizadas com soro
fisiológico e retirado todo o exsudato. Realizava-se
a anti-sepsia com álcool 70% seguido de PVPI alcoólico, deixando ambos secar em 1 minuto. Sempre
que possível era aspirado o conteúdo do exsudato
ou realizada colheita do plano mais profundo com
swab; fragmento de tecido também foi enviado em
tubo contendo 1 ml de solução salina. Para abscesso fechado realizava-se anti-sepsia da pele com
PVPI tintura, removendo o excesso com gaze seca
e puncionado o local com agulha e seringa estéril.
Na suspeita de anaeróbios, utilizava-se essa técnica
e encaminhava o material colhido em condições de
anaerobiose (seringa com agulha protegida). No
caso de drenos, a anti-sepsia era feita com álcool
a 70% e PVPI alcoólico, e após, aspirava-se com
cateter, alcançando o local da lesão.
A anti-sepsia da pele para a coleta dos líquidos
cavitários (pleural, ascítico e pericárdico) era realizada com álcool a 70% seguido de PVPI tintura na
área a ser puncionada, e desenvolvia-se a técnica de
punção específica para cada cavidade. A cultura do
LCR era feita em paralelo com uma hemocultura.
Na anti-sepsia do local da punção usava-se álcool
70% seguido de PVPI tintura, logo em seguida empregava-se a técnica de punção.
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
RESULTADOS:
Das 266 culturas analisadas, 104 foram hemoculturas; 50 secreções traqueais colhidas pelo tubo
orotraqueal ou traqueostomia; 25 líquidos cefalorraquidianos; 20 pontas de cateteres centrais; 18
feridas cirúrgicas (11 abdominais, 5 ortopédicas e
2 torácicas); 15 líquidos pleurais; 10 líquidos ascíticos; 8 secreções de lesões cutâneas, podendo ser
pustulosa, ulcerada, com formação de flictemas ou
abscesso; 8 secreções uretrais; 4 lavados brônquicos
e 4 líquidos pericárdicos. (Figura 1)
Nas culturas em geral, foram isoladas 36 cepas
de Staphylococcus (28 S. aureus, 4 S. epidermidis
e 4 Staphylococcus sp); 32 cepas de Pseudomonas
aeruginosa; 19 cepas de Enterobacter (12 E. cloacae, 6 E. aerogenes e 1 E. aglomerans); 15 cepas de
Escherichia coli; 12 cepas de Enterococcus (5 Enterococcus faecalis, 4 Enterococcus faecium, 3 Enterococcus sp); 10 cepas de Proteus (8 Proteus mirabilis e 2 Proteus vulgaris); 6 cepas de Streptococcus
(1 S. pneumoniae, 1 S. viridans, 1 S. haemoliticus,
1 S. pyogenes, 1 S. epidermidis e 1 Streptococcus
sp); 5 cepas de Klebsiella (4 Klebsiella pneumoniae
e 1 Klebsiella oxytoca); 4 cepas de Acinetobacter
(3 A. baumanni e 1 A. calcoaceticus); 1 Candida
albicans, 1 Criptococcus sp, 1 Listeria sp, além de
2 culturas sem identificação. (Figura 2)
De um total de 104 hemoculturas realizadas, 72
não apresentaram crescimento bacteriano e 2 ficaram sem identificação bacteriana. Isolaram-se 13
cocos gram positivos, 16 bactérias gram negativas,
e 1 fungo. (Tabela1)
Não houve crescimento bacteriano em 12 amostras de secreção traqueal. Em 7 amostras cresceram
cocos gram-positivo e em 30 amostras foram identi-
Figura 1 – Porcentagem, de acordo com o material de
origem, das culturas realizadas em pacientes internados
na UTI do HUAV.
137
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 2 – Número de isolados bacterianos de acordo com o microorganismo,
em 266 culturas de material clínico oriundos de pacientes internados na UTI do HUAV.
Tabela 1 – Microorganismos isolados nas hemoculturas
provenientes de pacientes internados na UTI do HUAV
Staphylococcus aureus
5
Pseudomonas aeruginosa
5
Escherichia coli
4
Staphylococcus sp
2
Enterobacter cloacae
2
Streptococcus pneumoniae
1
Streptococcus viridans
1
Streptococcus haemoliticus
1
Streptococcus pyogenes
1
Streptococcus epidermidis
1
Streptococcus sp
1
Klebsiella oxytoca
1
Klebsiella pneumoniae
1
Listeria sp
1
Proteus vulgaris
1
Enterobacter aerogenes
1
Criptococcus sp
1
Sem identificação
2
Sem crescimento bacteriano
72
TOTAL
104
ficadas bactérias gram-negativo. (Tabela 2)
O lavado brônquico teve ausência de crescimento bacteriano em 2 amostras, sendo que nas outras
amostras foram isolados 1 Staphylococcus aureus e
138
Tabela 2 – Microorganismos isolados nas culturas
de secreções traqueais provenientes de
pacientes internados na UTI do HUAV
Pseudomonas aeruginosa
16
Staphylococcus aureus
4
Acinetobacter baumanii
3
Proteus mirabilis
3
Staphylococcus epidermidis
2
Enterobacter cloacae
2
Enterobacter aerogenes
2
Staphylococcus sp
1
Escherichia coli
1
Acinetobacter calcoaceticus
1
Klebsiella pneumoniae
1
Enterococcus faecium
1
Enterobacter aglomerans
1
Sem crescimento bacteriano
12
TOTAL
50
1 Pseudomonas aeruginosa.
Quatro culturas de lesões cutâneas não apresentaram crescimento bacteriano, e nas outras amostras, foram isolados 1 Staphylococcus aureus, 1
Staphylococcus epidermides, 1 Escherichia coli e 1
Enterococcus sp.
Com relação às culturas de ponta de cateter
venoso central, 5 não apresentaram crescimento
bacteriano. Nas demais 15 amostras foram isolados
7 Staphylococcus aureus, 1 Staphylococcus epiderRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 3 – Microorganismos isolados nas
culturas de secreções das feridas cirúrgicas
provenientes de pacientes internados na UTI
do HUAV, de acordo com o tipo de cirurgia.
Tabela 4 – Microorganismos isolados nas culturas de LCR
provenientes de pacientes internados na UTI do HUAV
Enterobacter cloacae
6
Proteus mirabilis
2
Abdominais
Ortopédicas
Torácicas
Escherichia coli
3
1
-
Pseudomonas aeruginosa
2
Enterococcus faecalis
2
1
-
Staphylococcus aureus
2
Staphylococcus aureus
2
-
-
Escherichia coli
1
Enterococcus faecium
1
-
-
Enterobacter aerogenes
1
Pseudomonas aeruginosa
1
1
1
Staphylococcus sp
1
Klebsiella pneumoniae
1
-
-
Proteus mirabilis
1
-
-
Sem crescimento bacteriano
TOTAL
10
25
Enterococcus sp
-
1
-
Sem crescimento
bacteriano
-
1
1
DISCUSSÃO:
11
5
2
Os resultados desse estudo assemelham ao reportado pelo CDC1. A Pseudomonas aeruginosa foi a
bactéria mais freqüente na UTI do HUAV, isolada
em 23% das culturas que apresentaram crescimento
bacteriano, seguida do Staphylococcus aureus, isolado em 20%. O mesmo fato foi reportado em outro
estudo15, porém os dados da literatura revelaram menores freqüências dessas duas bactérias em relação
ao presente estudo, que apresentou quase o dobro da
porcentagem, considerando ambas as bactérias. Por
ser um Hospital Universitário, o HUAV é referência
para diversas cidades da região do Sul de Minas
Gerais. Os pacientes encaminhados dessas cidades,
geralmente então em uso de antibióticos, e muitos
sem sucesso terapêutico, necessitando reavaliar o
seu uso, e, na grande maioria, aumentar a cobertura
antibiótica. Além disso, quase sempre esses pacientes são portadores de insuficiência respiratória
aguda, necessitando de ventilação mecânica. Ambas
as circunstâncias, insucesso no uso prévio de antibiótico e ventilação mecânica, propiciam a maior
presença de bactérias resistentes.
Na seqüência aparece o Enterobacter sp 13,5%,
Escherichia coli 11%, Enterococcus sp 9%, Proteus sp 7%, outras espécies de estafilococos 6%,
Streptococcus sp 4%, Klebsiella sp 3,5%, Acinetobacter sp 3%. Na literatura 1,2,3, Streptococcus sp e
Staphylococcus sp aparecem em maior freqüência,
enquanto Escherichia coli e Enterococcus sp em
menor freqüência, diferentemente do observado nos
resultados dessa pesquisa.
Importante comentar a quase inexistência da
Candida sp nessa pesquisa, contrastando com as
informações da bibliografia, que cita até 27% de
freqüência. O aumento do isolamento de fungos em
Total
midis, 2 Pseudomonas aeruginosa, 2 Enterobacter
cloacae, 2 Enterobacter aerogenes e 1 Enterococcus
faecalis.
Dentre as 8 culturas de secreção uretral, uma
não apresentou crescimento bacteriano. Nas demais
amostras foram isolados 1 Enterobacter aerogenes,
1 Proteus mirabilis, 1 Pseudomonas aeruginosa, 1
Escherichia coli, 1 Staphylococcus aureus, 1 Enterococcus sp e 1 Candida albicans.
Entre as secreções das feridas cirúrgicas abdominais, ortopédicas e torácicas houve um nítido predomínio de bactérias gram-negativo (16/18-89%,
Tabela 3).
No líquido pleural, não houve crescimento bacteriano em 5 culturas. Nas demais foram isolados 3
Staphylococcus aureus, 1 Klebsiella pneumonie, 2
Pseudomonas aeruginosa, 1 Enterococcus faecium,
1 Proteus mirabilis, 1 Proteus vulgaris e 1 Escherichia coli.
No líquido ascítico, não houve crescimento bacteriano em 5 culturas. Nas demais foram isoladas 2
Escherichia coli, 1 Enterococcus faecalis, 1 Enterococcus faecium e 1 Staphylococcus aureus.
Com relação ao líquido cefalorraquidiano, não
houve crescimento bacteriano em 10 culturas. Nas
demais 15 culturas foram isolados principalmente
bactérias gram-negativo, em particular Enterobacter cloacae, e apenas duas bactérias gram-positivo
(Tabela 4) .
No líquido pericárdico, não observou-se crescimento bacteriano em 3 culturas. Em uma cultura foi
isolado Staphylococcus aureus.
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
139
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
pacientes de UTI, em particular Candida sp está relacionado com a utilização de antibióticos de amplo
espectro, cateter venoso central, nutrição parenteral,
hemodiálise e a administração de corticosteróides.
No período desse estudo, o uso de antibióticos de
largo espectro e nutrição parenteral total não foram
freqüentes na UTI do HUAV.
Com relação às hemoculturas, foi possível verificar uma grande variabilidade de bactérias, e também observou-se que mais da metade das amostras
não apresentaram crescimento bacteriano. Nesse
estudo, observou-se maior presença, apesar de não
tão expressiva, dos microorganismos Pseudomonas
aeruginosa e Staphylococcus aureus, semelhante ao
observado na literatura.1 Alberte e colaboradores2
citaram a presença de até 6,5% de candidemia, fato
não observado nesse presente estudo. Quando em
um mesmo paciente foram realizadas mais de uma
cultura, como, por exemplo, hemocultura e cultura
de secreção traqueal, observou-se que, na maioria
das vezes, foi isolado o mesmo microorganismo,
relacionando o sítio da infecção com a bacteremia,
dando fidedignidade à secreção traqueal.
As bactérias mais comuns em pneumonias nosocomiais são enterobacterias gram-negativas e
Staphylococcus aureus. Quando associada à ventilação mecânica a etiologia é polimicrobiana, porém
é mais comum depois de 72 horas de intubação
orotraqueal e freqüentemente está associado a
bactérias multi-resistentes, como Staphylococcus
aureus oxacilina-resistente, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter ou espécies de Enterobacter. 16
Na maioria das pesquisas relacionadas à pneumonia
hospitalar, define-se a etiologia pelo escovado ou
lavado broncoalveoar, hemocultura, escarro e aspirado endotraqueal.11 Nesse estudo, utilizou-se mais
freqüentemente o aspirado endotraqueal para isolar
agentes relacionados a infecção pulmonar, por se
tratar de ambiente onde há maior quantidade de pacientes intubados e traqueostomizados. As culturas
de secreção traqueal e lavado broncoalveolar, revelaram quase um terço (1/3) de Pseudomonas aeruginosa, não havendo concordância com os dados da
literatura em geral, que evidencia incidência menor
desta bactéria. A literatura reporta o Acinetobacter
baumannii, Staphylococcus aureus, Pseudomonas
aeruginosa e Klebsiella pneumoniae como as bactérias mais isoladas nas culturas em geral. 12 Há relatos
sobre espécies de Pseudomonas que colonizam a
árvore traqueobrônquica sem colonizar a orofaringe, penetrando por via direta nos pulmões. Esse fato
sugere contaminação do aparelho de ventilação me-
140
cânica e/ou suas conexões.14
Em metade das culturas de lesão cutânea não
houve crescimento bacteriano, e o número de culturas positivas não teve expressão estatística. No
entanto a literatura cita o Staphylococcus aureus e
Streptococcus com sendo os microorganismos mais
comuns nas celulites. O Haemophylus influenza é
bem considerado na celulite facial ou orbitária e o
Clostridium perfringens deve ser considerado nas
feridas infectadas. 4,10,11
As culturas das pontas de cateteres venosos
centrais apresentaram um maior número de Staphylococcus aureus, evidenciando o encontrado na
literatura.13 No entanto, o estafilococo coagulase
negativo também é citado como um dos mais comuns, e nesse estudo, não foi tão evidente.
As culturas de secreções uretrais apresentaram
uma diversidade importante de microorganismos,
sem algum destaque evidente. A literatura pesquisada não oferece muitas informações sobre a infecção
uretral. Sabe-se que a sondagem vesical propicia a
contaminação e a colonização bacterianas, explicando em parte essa multiplicidade de microorganismos isolados.
Com relação às culturas das feridas cirúrgicas
abdominais, a literatura cita bactérias gram-negativas e anaeróbios como sendo as mais freqüentes.4,10,11,17 Nesse estudo, as bactérias gram-negativas
foram isoladas e o mesmo não ocorreu com os anaeróbios. Talvez o método de colheita e/ou cultivo dos
anaeróbios mereça revisão.
Nas culturas dos líquidos pleurais, houve predomínio do Staphylococcus aureus e Pseudomonas
aeruginosa, semelhante ao observado nas culturas
de secreções traqueais, evidenciando possivelmente
uma disseminação da bactéria por contiguidade.
No líquido ascítico houve predomínio de bactérias gram-negativas, fato observado na literatura,
apesar da amostra desse estudo ser pequena.
Os dados bibliográficos citam o Streptococcus
pneumoniae e Neisseria meningitidis como sendo
as bactérias mais freqüentes nas meningites comunitárias agudas. Pacientes imunocomprometidos,
submetidos a recentes procedimentos neurocirúrgicos ou pacientes com meningites nosocomiais,
apresentam maior risco para microorganismos como
Staphylococcus aureus, Listeria ou bactérias gramnegativas.4,10,11 Nesse presente estudo houve maior
presença de bactérias gram-negativas, talvez pelo
fato da grande maioria dos pacientes internados na
UTI do HUAV terem sofridos procedimentos nerocirúrgicos. Não foram encontrados microorganismos
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
comuns nas meningites agudas e crônicas, como
Mycobacterium tuberculosis e Criptococcus neoformans. Possivelmente pacientes com meningites
comunitárias e crônicas não necessitam tão freqüentemente de terapia intensiva no HUAV. Geralmente
esses pacientes apresentam-se em melhor estado geral, podendo utilizar tratamento hospitalar de menor
complexidade com bons resultados.
Certamente fatores dependentes do próprio hospedeiro também devem ser considerados, tais como
a idade, doença de base, além do processo mórbido
motivador da internação na UTI. Contudo conhecer
o perfil patogênico dos microorganismos locais tem
sido imprescindível para o planejamento terapêutico
dos pacientes admitidos na UTI.
aeruginosa e o S. aureus como os agentes mais comuns. As culturas de secreções traqueais revelaram
maior presença do P. aeruginosa. As culturas de
lesões cutâneas e as culturas de pontas de cateteres
venosos centrais, evidenciaram os cocos gram-positivos principalmente o S. aureus. As bactérias gramnegativas foram as mais freqüentes no LCR.
Conclusão: É possível correlacionar os achados
desse trabalho com os da literatura pesquisada,
porém com algumas particularidades, que recomendam a necessidade de elaborar um protocolo de terapia antimicrobiana específica para cada serviço.
Unitermos: Infecção, UTI, Terapia intensiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CONCLUSÃO:
1.
Os resultados das culturas, de modo geral, apresentaram semelhanças aos achados bibliográficos.
O método de colheita da secreção traqueal se
mostrou simples e eficaz.
A maior freqüência da Pseudomonas aeruginosa
nas culturas de secreções traqueais e de bactérias
gram-negativas em culturas do LCR, demonstram
a necessidade de se criar um protocolo de terapia
antimicrobiana específica para cada UTI.
2.
3.
4.
5.
6.
RESUMO
Objetivos: Determinar os microorganismos mais
freqüentes em cada foco de infecção.
Local: UTI geral de hospital Universitário no Sul
de Minas Gerais.
Delineamento: Estudo de casos retrospectivo.
Material e método: Estudo retrospectivo de
1997 até a atualidade, definindo os microorganismos mais freqüentes nos diversos focos de infecção,
em UTI geral de um recente Hospital Universitário
no Sul de Minas Gerais. No total foram 266 culturas de 202 pacientes, de um total de 1196 pacientes
internados na UTI. Foram consideradas culturas de
sangue (hemoculturas), de amostra brônquica cega,
de lavado broncoalveolar, de lesão cutânea, de ponta de cateter venoso central, de secreção uretral, de
ferida cirúrgica (abdominal, ortopédica, torácica),
de LCR e cultura de líquidos pleural, ascítico e pericárdico.
Resultados: Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus foram as bactérias mais freqüentes. Com relação aos focos específicos de
infecção, as hemoculturas também mostraram a P.
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
7.
8.
9.
10.
11.
12.
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141
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Avaliação de Pacientes Grandes Queimados
Submetidos à Oxigenoterapia Hiperbárica
Burn Patients Evaluated for Hyperbaric Oxygen Therapy
Marra, A.; Rodrigues Jr., M; Fernandes Jr., C.J.; Souza, J.M.A.; Knobel, E.
ABSTRACT
Background: Hyperbaric oxygen therapy is employed as a treatment in a variety of therapeutic situations and it is considered benefic for burn patients although there are conflicting results.
Objective: To determine if hyperbaric oxygen have an impact in outcome of burn patients
Design: Cohort retrospective study.
Setting: Hyperbaric oxygen therapy in burn patients with more than 20% compromised skin.
Participants: Sixteen burn patients who were submitted or not to hyperbaric oxygen therapy
Measurements: The primary outcome was mortality of burn patients submitted to hyperbaric oxygen therapy
Results: We divided in two groups: I: hyperbaric oxygen therapy and II: non-hyperbaric oxygen therapy. In group I, 62.5%
were submitted more than 8 hiperbaric oxygen therapy session (5/8) and 50.0% (4/8) presented more than 60% of skin
lesions. Between length of stay, number of operations, SAPS and mortality were not statistically significant differences.
Conclusions: There were no statistically significant differences between the two groups for the outcome measures of
length of stay, number of operations, SAPS and mortality.
Keyword: burn, hyperbaric oxygen therapy, outcome.
A
oxigenoterapia hiperbárica é uma modalidade
terapêutica que consiste na administração de
oxigênio a 100% sob pressões atmosféricas de
2,0 a 2,5 atmosferas (atm ou ata)1.
É utilizada como tratamento para diversas situações
clínicas, entre elas, temos alguns exemplos: a doença
descompressiva dos mergulhadores2, a intoxicação por
monóxido de carbono3, a radionecrose4, a mionecrose
clostridiana5, entre outras situações clínicas1.
Considera-se como benéfica a terapia hiperbárica (OHB)
em pacientes grandes queimados que realizam no mínimo
dez sessões de câmara hiperbárica com 2,0 a 2,5 atm, o mais
precocemente possível (24-48 horas), porém ainda existem
controvérsias na literatura em relação ao benefício dessa
terapia em pacientes grandes queimados6.
Este trabalho teve como objetivo avaliar a evolução dos
pacientes grandes queimados submetidos ou não à OHB.
MATERIAL E MÉTODOS
Realizou-se estudo retrospectivo durante o período de
01 de janeiro de 1996 a de 31 de julho de 2001, sendo
incluídos dezesseis pacientes grandes queimados que
realizaram ou não oxigenoterapia hiperbárica. Para a realização da oxigenoterapia hiperbárica, o protocolo contemplava somente pacientes com superfície corpórea (SC)
comprometida acima de 20%. Os pacientes necessitavam
estar hemodinamicamente estáveis, alguns deles necessitando de drogas vasoativas, porém que mantivessem uma
pressão arterial média acima de 65 mmHg por um período
maior do que duas horas.
Todos os pacientes submetidos à OHB tinham o propósito de realizar o número máximo de sessões de câmara
hiperbárica, ou seja dez sessões, com o acréscimo de mais
sessões a critério do médico hiperbarista. Os pacientes não
realizaram a OHB, caso houvesse algum comprometimento hemodinâmico ou respiratório.
Cada sessão era realizada a 2,0-2,5 atmosferas (ATA)
durante um período de 120 minutos. Os pacientes eram
acompanhado por um médico anestesista e um fisioterapeuta, caso necessitassem de cuidados ventilatórios.
Os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo I
– OHB; grupo II – sem terapia hiperbárica.
Foram analisados o número de procedimentos cirúrgicos e de sessões de OHB, o tempo de internação, a SC
comprometida, o “score” de gravidade pelo SAPS II (Simplified Acute Physiology Score) e o óbito hospitalar.
RESULTADOS
A maioria do pacientes pertencia ao sexo masculino, 12
pacientes (75%).
Instituição de origem: Centro de Terapia Intensiva Adulto – Hospital Israelita Albert Einstein
Endereço: Avenida Albert Einstein, 627. - CEP: 05651-901. Morumbi – São Paulo - Tel: 55 011 37471500 e-mail: [email protected]
142
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
A idade média do grupo I foi de 38,1±21,4 e a do grupo
II 52,8±18,6, sem diferença estatisticamente significativa.
O tempo médio entre a ocorrência da queimadura e a
primeira sessão de OHB foi de 9 dias.
Dos pacientes do grupo I, 62,5% fizeram mais do que 8
sessões de OHB (5/8) e 50% (4/8) tiveram mais de 60% de
SC comprometida. Dos pacientes do grupo II, 12,5% (1/8)
tiveram mais de 60% da SC comprometida.
Em relação ao tempo de internação, ao número de
procedimentos e ao SAPS não houve diferença estatisticamente significativa (Tabela 1). Também não houve diferença com relação ao óbito hospitalar, com 2 (25%) no grupo
I e 2 (25%) no grupo II.
DISCUSSÃO
Existiram limitações para a realização o mais precocemente possível da oxigenoterapia hiperbárica em nossos
pacientes. Isso pode ser facilmente observado pelo fato
de o intervalo entre o evento (queimadura) e a realização
do procedimento terapêutico (oxigenoterapia hiperbárica)
ter levado em média 9 dias, e o preconizado é ser o mais
precocemente possível pelo mecanismo fisiopatológico de
atuar diminuindo o edema por vasoconstrição capilar7.
A necessidade de vários procedimentos cirúrgicos, a
utilização de pomadas a base de sulfadiazina de prata e a
instabilidade hemodinâmica (uso de drogas vasoativas) e
respiratória (necessidade de PEEP), muitas vezes retardam
o procedimento em horas e até alguns dias, sendo esses
também um dos retardos para a realização da OHB.
Tentamos avaliar a evolução do paciente grande queimado submetido à OHB baseado em dados objetivos como
número de procedimentos cirúrgicos, tempo de internação
e desfecho clínico, e não por parâmetros subjetivos como
hiperemia, exsudação e outros sinais de cicatrização das
lesões, como demonstrado em outros estudos7,8.
Tabela 1 – Avaliação dos pacientes grandes queimados
em relação ao tempo de internação, número de
procedimentos cirúrgicos e gravidade pelo SAPS.
Não podemos afirmar que a OHB não seja benéfica
para o grande queimado, uma vez que o número de pacientes envolvidos no estudo foi pequeno e vários fatores,
já comentados acima, dificultam a realização da OHB logo
após o acidente da queimadura. Importante ressaltar que a
SC comprometida acima de 60% foi maior no grupo que
foi submetido à OHB.
Concluindo não houve diferenças em relação ao óbito,
tempo de internação, número de procedimentos e SAPS,
uma vez que os pacientes fizeram um número baixo de
sessões e demoraram em média 9 dias para a realização
do protocolo de oxigenioterapia. Faz-se necessário estudos
prospectivos que avaliem o melhor efeito da OHB quando
realizada precocemente no grande queimado.
Introdução: A oxigenioterapia hiperbárica é utilizada
como tratamento para diversas situações clínicas e é considerada benéfica para pacientes grandes queimados apesar
de estudos com resultados contraditórios.
Objetivo: Avaliar a evolução dos pacientes grandes
queimados submetidos à terapia hiperbárica
Estudo: Retrospectivo tipo coorte.
Material e Métodos: Para a realização da oxigenioterapia hiperbárica, o protocolo contemplava somente
pacientes com superfície corpórea (SC) comprometida
acima de 20%.
Resultados: Dos pacientes do grupo I, 62,5% fizeram
mais do que 8 sessões de OHB (5/8) e 50% (4/8) tiveram
mais de 60% de SC comprometida. Dos pacientes do grupo
II, 12,5% (1/8) tiveram mais de 60% da SC comprometida.
Em relação ao tempo de internação, ao número de
procedimentos e ao SAPS não houve diferença estatisticamente significativa (Tabela 1).
Também não houve diferença com relação ao óbito
hospitalar, com 2 (25%) no grupo I e 2 (25%) no grupo
II.
Conclusões: Não houve diferenças em relação ao óbito,
tempo de internação, número de procedimentos e SAPS.
Unitermos: queimaduras, oxigenoterapia hiperbárica,
desfecho,mortalidade
OHB
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Sim
Não
7
8
Nenhum
0
1
<5
2
3
15-20
2
3
5.
>20
3
2
6.
Tempo de internação
>60 dias
Procedimentos cirúrgicos
SAPS
<ou=40
1.
2.
3.
4.
7.
7
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
9
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143
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Comparação entre o Modelo UNICAMP II
e o APACHE II em uma UTI Geral
Comparison Between UNICAMP II Model and APACHE II in a General ICU
Alves, C.J.; Terzi, R.G.G.;Franco, G.P.P.; Malheiros, W.M.P.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To compare the ability of two prognostic systems to predict hospital mortality in adult intensive care
patients
DESIGN: A retrospective cohort study
SETTING: A mixed medical and surgical intensive care unit
MEASUREMENTS AND MAIN RESULTS: Probabilities of hospital death for patients were estimated applying models
UNICAMP II and APACHE II. Comparisons with observed outcomes were carried out. Hospital death rate was higher
than predicted by APACHE II (SMR=1.3338) but similar when the UNICAMP II model was used (SMR=0.9971). Goodness of fit analysis using Hosmer-Lemeshow statistics exhibited good calibration for UNICAMP II model (Hg=8.26,
p=0.4089, d.f.=8 and Cg=10.36, p=0.2408, d.f.=8) but poor for APACHE II (Hg=25.15, p=0.0015, d.f.=8 and Cg=24,21,
p=0.0021, d.f.=8). Both models exhibited good discrimination by the calculated area under the receiver operating characteristic curve (UNICAMP II model = 0.8876 and APACHE II = 0.8700).
CONCLUSION: The new model UNICAMP II was better than APACHE II on predicting hospital mortality in this study.
KEY WORDS: Prognostic Index; Quality Control; Intensive Care.
P
rognóstico significa conjectura sobre algo que
ainda não ocorreu. Com base no conhecimento
acumulado ao logo da história a ciência busca
fazer juízo sobre eventos futuros. A medicina procura
antever a evolução dos enfermos. A tentativa de traduzir
a experiência acumulada em números gerou os índices
prognósticos, hoje largamente difundidos. Baseados, a
grande maioria, em bancos de dados norte-americanos
e europeus, estes índices podem apresentar desempenho
diferente dos seus originais quando aplicados em outros
países ou em situações específicas. Características próprias
de cada região, tais como nutrição, diferenças no sistema
de saúde e imunidade poderiam explicar estas diferenças.
Com o intuito de adequar índices prognósticos à realidade
de cada população ou situação clínica, ajustes foram feitos
nos modelos originais e novos índices foram criados(1).
O Modelo UNICAMP II, desenvolvido por Terzi e
colaboradores em 2002(2), busca identificar os fatores
mais expressivos na mortalidade de uma Unidade de
Terapia Intensiva de um hospital público universitário
brasileiro. Por regressão logística estes fatores foram
identificados, tais como a pontuação APS (Acute Physiologic Score) do APACHE II(3), a utilização de ventilação mecânica, a presença de insuficiência renal e a não
eletividade da internação. No modelo UNICAMP II o
APS é constituído pelos piores valores de 12 variáveis,
fisiológicas e laboratoriais, coletadas nas primeiras 24
horas de internação na UTI, acrescido de pontuação
para a idade e doença crônica. A ventilação mecânica é
considerada quando mantida além das primeiras 24 horas. Pacientes que chegam à UTI em ventilação mecânica e são rapidamente extubados, como, por exemplo, os
pacientes em pós-operatório imediato, foram excluídos.
O critério adotado para a inclusão da insuficiência renal foi o nível sérico de creatinina igual ou maior que
1,6mg/dL. Com relação à eletividade definiu-se como
urgência toda internação não programada, não se distinguindo emergência de urgência. Portanto, estas variáveis identificadas por técnicas estatísticas são constituídas por um escore amplamente conhecido e utilizado,
além de características clínicas facilmente identificadas,
à beira de leito, por todos os que compõem a equipe
Carlos José Alves - Especialista em Medicina Intensiva AMIB/AMB - Chefe do CTI Adulto Hospital Jardim Cuiabá - Rotina CTI
Adulto Hospital Jardim Cuiabá
Renato G. G. Terzi - Professor Titular do departamento de Cirurgia. Coordenador da disciplina de Fisiologia e metabologia cirúrgica
do departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP
Gilberto Paulo Pereira Franco - Especialista em Medicina Intensiva AMIB/AMB - Rotina CTI Adulto Hospital Jardim Cuiabá
Wagner Marques Pereira Malheiros - Médico Pneumologia/Broncoscopia - Plantonista CTI Adulto Hospital Jardim Cuiabá
Local de Realização do trabalho: Hospital Jardim Cuiabá - Centro de Terapia Intensiva Adulto - Centro de Estudos em Medicina
Intensiva - Grupo Cuiabano de Medicina Intensiva - GCMI - Cuiabá – MT
Endereço para correspondência: Carlos José Alves - Celular: (65) 9981-9465 CTI Adulto: (65) 612-4416 Residência: (65) 627-2729
- Rua Ceilão, 480 Bairro Shangri-lá 78070-150 Cuiabá-MT - e-mail: [email protected]. FAX: (65)612-4415
144
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
multidisciplinar da UTI. Este modelo apresenta, ainda,
maior facilidade de execução, uma vez que não utiliza
as 50 categorias de diagnóstico do APACHE II.
O presente estudo tem por objetivo avaliar a capacidade de predizer a sobrevida pelo Modelo UNICAMP
II e compará-la à do APACHE II em uma UTI geral
utilizando as propriedades Standartized Mortality Ratio
(SMR), calibração e discriminação(4). Avaliamos ainda
o desempenho em subgrupos de pacientes conforme
a presença das variáveis do Modelo UNICAMP, bem
como em função da condição clínica ou cirúrgica. .
observando-se os seguintes critérios:
1. Insuficiência coronariana como principal causa de
internação;
2. Óbito nas primeiras 24 horas;
3. Revascularização do miocárdio;
4. Idade inferior a 16 anos;
5. Queimados;
6. Reinternações;
7. Dados incompletos ou incertos.
Os dois primeiros critérios de exclusão seguem os utilizados na elaboração do Modelo UNICAMP II, ao passo
que os demais são os habitualmente utilizados em relação
ao APACHE II. A Tabela 1 mostra a distribuição dos pacientes segundo os critérios de inclusão e exclusão.
O evento avaliado foi óbito ou alta hospitalar. Ao
contrário do Modelo UNICAMP II original, que avaliou
a sobrevida por 6 meses, nossos pacientes foram seguidos somente até a alta hospitalar através de informações
prestadas por seus médicos assistentes.
As equações dos dois modelos utilizadas para o
cálculo do Risco Calculado de Óbito (RCO) de cada
paciente são mostradas na Tabela 2.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado em uma UTI mista de um hospital geral privado na cidade de Cuiabá, Mato Grosso.
Os dados foram coletados através de ficha padronizada
pelos dois médicos responsáveis pela rotina do Serviço
e posteriormente alocados no banco de dados Microsoft
Access 2000 (Microsoft Corporation). Incluímos os pacientes egressos internados no período de 01/04/2002 a
01/04/2003. Do total de 534 pacientes excluímos 164,
Tabela 1 – Distribuição dos pacientes segundo os critérios de inclusão e exclusão
Distribuição dos pacientes
Número
%
Total de pacientes excluídos
164
30,71
Total de pacientes no estudo
370
69,29
Total de pacientes egressos no período do estudo
534
100
Pacientes excluídos
Critérios de Exclusão
Número
%
1
Insuficiência Coronariana
85
15,92
2
Óbito nas primeiras 24 horas
8
1,50
3
Revascularização de miocárdio
9
1,69
4
Idade Inferior a 16 anos
6
1,12
5
Queimados
3
0,56
6
Reinternações
31
5,81
7
Dados incompletos ou incertos
22
4,12
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI geral
Autor: Carlos José Alves
Tabela 2 - Equações UNICAMP II e APACHE II
Equação UNICAMP II
Equação APACHE II
RCO = 1/1[1 + EXP(-Y)]
RCO = 1/1[1 + EXP(-Y)]
Onde Y = -3,7594
+ 0,1162 x APS (pior das 24 horas)
+ 0,7178 se ventilação mecânica
+ 0,7318 se insuficiência renal
+ 0,8367 se emergência/urgência
Onde Y = -3,517
+ 0,146 x APS (pior das 24 horas)
+ 0,603 se cirurgia de emergência
+ coeficiente da categoria diagnóstica
(50 possíveis categorias de diagnóstico)
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI geral
Autor: Carlos José Alves
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
145
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
O SMR é obtido dividindo-se a mortalidade observada pela mortalidade predita para cada um dos modelos. SMR=1 indica que a mortalidade observada é
igual à que foi predita; SMR<1 que a mortalidade
observada é menor que a predita e SMR>1 que houve um número maior de óbitos que o predito. Esta
avaliação foi realizada de duas formas: 1 – Avaliação
global da população avaliada; 2 – Em subgrupos de
pacientes conforme a presença das variáveis do Modelo UNICAMP, bem como conforme a condição de
paciente clínico ou cirúrgico.
No estudo da calibração avaliamos o grau de
correspondência entre a mortalidade observada e
a esperada nas faixas de risco de óbito calculado.
Realizamos tal estudo de duas formas: 1 - Goodness
of fit (GOF) de Hosmer–Lemeshow(5); 2- Curva de
calibração.
No GOF são comparadas as freqüências de óbitos
e altas, observados e preditos, para dez faixas de risco
de óbito calculado. Realiza-se o somatório do x² das
freqüências e calcula-se o p para uma distribuição
com oito graus de liberdade. Valor de p maior 0,05
representa um teste que descreveu bem a mortalidade
observada, ou seja, boa calibração. Valor de p menor
ou igual a 0,05 mostra discrepância entre o previsto e
o observado, portanto uma calibração ruim. Na curva
de calibração comparamos a curva de mortalidade
observada com uma linha diagonal que representa
uma calibração adequada. Curvas acima ou abaixo
desta linha indicam mortalidade observada maior ou
menor respectivamente.
Quando estudamos a discriminação queremos
confrontar a sensibilidade e a especificidade de um
método, sua capacidade em distinguir os pacientes que
irão viver dos que irão morrer. Isto é realizado através
da área sob a curva ROC (receiver operating characteristics). O ideal seria que a curva se aproximasse o
máximo possível do quadrante superior esquerdo, ou
seja, que o método testado atingisse o máximo de sensibilidade sem perder a especificidade. Se isso ocorresse, teríamos uma área sob esta curva (AUC) aproximando-se de 1. Assim, em linhas gerais, uma AUC =
0,5 mostra que a discriminação não é melhor que uma
chance ao acaso; igual ou maior que 0,7 e menor que
0,8 uma discriminação aceitável; igual ou maior que
0,8 e menor que 0,9 discriminação excelente e maior
ou igual a 0,9 discriminação excepcional(6).
Todos os cálculos e gráficos foram realizados através do programa Microsoft Excel 2000 (Microsoft
Corporation) exceto os cálculos e gráficos da curva
ROC, realizados através do Simstat for Windows version 2,04 2002 (Provalis Research).
146
RESULTADOS
As características desta população são mostradas na
Tabela 3 e os diagnósticos encontrados estão listados na
Tabela 4.
A mortalidade hospitalar foi de 30,81%. O RCO estimado pelo APACHE II foi de 23,10% perfazendo um
SMR=1,3338 enquanto que o Modelo UNICAMP estimou o RCO em 30,90% produzindo um SMR=0,9971.
Tabela 3 - Características da população
Idade mediana
APACHE II médio
Média de permanência
Mulheres
Homens
60 anos (16 a 99)
14,34 (0 a 49)
5,50 dias (1 a 136)
53,51%
46,49%
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI
geral
Autor: Carlos José Alves
Tabela 4 – Diagnósticos
Diagnóstico
número
%
PO cirurgia abdominal
75
20,27
Sepse
40
10,81
Insuficiência respiratória
39
10,54
Acidente vascular encefálico
32
8,65
Trauma
31
8,38
PO neurocirurgia
23
6,22
Rebaixamento do nível de consciência
15
4,05
PO ortopédico
14
3,78
Insuficiência cardíaca congestiva
14
3,78
Arritmia
13
3,51
Pós estudo hemodinâmico
12
3,24
Choque
7
1,89
Distúrbio metabólico
6
1,62
PCR
5
1,35
PO cirurgia vascular
5
1,35
Insuficiência hepática
4
1,08
Embolia pulmonar
4
1,08
Hemorragia digestiva
4
1,08
PO cirurgia de tórax
3
0,81
PO cirurgia oncológica
3
0,81
HAS severa
2
0,54
Dissecção aórtica
2
0,54
Pós comicial
2
0,54
Outros
15
4,05
Total
370
100
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI
geral
Autor: Carlos José Alves
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Na Tabela 5 estão representados o RCO e o SMR, geral
e nos subgrupos de uso de ventilação mecânica, presença de insuficiência renal, urgência, clínico e cirúrgico. A
presença das variáveis, ventilação mecânica, insuficiência renal e urgência do Modelo UNICAMP II, isoladamente ou combinadas, aumentou o RCO médio destes
pacientes quando comparado ao calculado pelo APACHE II. Este aumento foi de respectivamente 15,44%,
18,52% e 10,14%. Nestes subgrupos apresentados o
SMR obtido pelo Modelo UNICAMP II se aproxima
mais da unidade, enquanto que a mortalidade observada
foi maior que a estimada pelo APACHE II.
Quando realizamos o teste Hg de Hosmer-Le-
meshow o Modelo UNICAMP II apresentou calibração adequada (p=0,4089), enquanto que a calibração
do APACHE II foi ruim (p=0,0015). Estes dados são
apresentados nas Tabelas 6 e 7. A faixa de baixo risco
de óbito estimado, 0 a 10%, é a que abrange o maior
número de pacientes nos dois modelos, porém é maior
quando estimada pelo APACHE II. A Tabela 8 mostra
que nesta faixa há um predomínio de pacientes em pósoperatório e pós-trauma.
Uma vez que tivemos grande diferença no número
de pacientes em cada classe de risco de óbito calculado,
optamos também por fazer o teste Cg que mostra o mesmo resultado: boa calibração para o Modelo UNICAMP
Tabela 5 – RCO e SMR em subgrupos
RCO
SMR
UNICAMP II
APACHE II
Geral
30,90%
23,10%
Ventilação Mecânica*
65,61%
50,17%
IRA*
63,41%
44,89%
Urgência/Emergência*
38,71%
28,57%
Clínico
40,94%
30,18%
Cirúrgico
16,82%
13,17%
Geral
0,9971
1,3338
Ventilação Mecânica*
1,1928
1,5598
IRA*
0,9319
1,3163
Urgência/Emergência*
1,015
1,3752
Clínico
1,018
1,3804
Cirúrgico
0,9263
1,1830
* Isoladamente ou combinado com as outras duas variávies
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI geral
Autor: Carlos José Alves
Tabela 6 - Teste Hg - Hosmer - Lemeshow - Modelo UNICAMP II
PACIENTES
MORTALIDADE
INTERVALO DE RISCO
DE ÓBITO PREVISTO
TOTAL
ÓBITOS
OBSERVADA
ESTIMADA
0-10
113
5
4,42
6,12
10-20
95
10
10,53
15,08
20-30
23
5
21,74
24,78
30-40
27
8
29,63
35,07
40-50
12
6
50,00
44,27
50-60
23
14
60,87
55,12
60-70
24
20
83,33
65,47
70-80
18
15
83,33
75,10
80-90
17
15
88,24
85,52
90-100
18
16
88,89
94,48
TOTAL
370
114
30,81
30,90
Hg=8,26 (8 g.l.) p=0,4089
Mortalidade observada e estimada dos pacientes divididos em faixas de risco de 10%
SMR
0,7230
0,6980
0,8773
0,8449
1,1294
1,1043
1,2728
1,1096
1,0318
0,9408
0,9971
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI geral
Autor: Carlos José Alves
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
147
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 7 - Teste Hg - Hosmer - Lemeshow - APACHE II
INTERVALO DE RISCO
DE ÓBITO PREVISTO
PACIENTES
TOTAL
165
74
32
19
16
21
13
11
11
8
370
MORTALIDADE
ÓBITOS
12
13
11
13
11
14
11
11
10
8
114
OBSERVADA
7,27
17,57
34,38
68,42
68,75
66,67
84,62
100,00
90,91
100,00
30,81
0-10
10-20
20-30
30-40
40-50
50-60
60-70
70-80
80-90
90-100
TOTAL
Hg=25,15 (8 g.l.) p=0,0015
Mortalidade observada e estimada dos pacientes divididos em faixas de risco de 10%
ESTIMADA
5,06
14,06
23,90
35,07
44,27
55,12
65,47
75,10
85,52
94,48
23,10
SMR
1,4373
1,2495
1,4383
1,9510
1,5530
1,2095
1,2924
1,3316
1,0630
1,0584
1,3338
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI geral
Autor: Carlos José Alves
Tabela 8 – Distribuição de entidades clínicas na faixa de baixo risco de óbito estimado
UNICAMP II
APACHE II
Entidade Clínica
Número
%
Número
%
Pós-operatório
81
71,68
95
57,58
Trauma
7
6,2
18
10,91
Arritmia
7
6,2
12
7,27
Rebaixamento do nível de consciência
5
4,42
7
4,24
AVC
4
3,54
10
6,06
Insuficiência respiratória
2
1,76
7
4,24
Outros
7
6,2
16
9,7
TOTAL
113
100
165
100
Observa-se que nesta faixa (0 a 10%) há um predomínio de pacientes em pós-operatório e trauma
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI geral
Autor: Carlos José Alves
II (p=0,2408) e ruim para o APACHE II (0,0021) conforme Tabela 9 e Tabela 10.
A análise das curvas de calibração permite a apreciação visual destes números. Na Figura 1a observamos
que curva obtida pelo Modelo UNICAMP II tende a
acompanhar a linha diagonal. Na faixa de risco calculado de óbito de 0 a 40% a mortalidade observada é menor
que a prevista, fato que se repete na faixa de 90 a 100%.
Entre 40 a 90%, a mortalidade observada é maior que a
calculada. Com o APACHE II a curva se afasta mais da
Tabela 9 - Teste Cg - Hosmer - Lemeshow - Modelo UNICAMP II
PACIENTES
MORTALIDADE
TOTAL
ÓBITOS
OBSERVADA
ESTIMADA
37
0
0,00
3,41
37
1
2,70
5,98
37
3
8,11
8,77
37
3
8,11
11,81
37
6
16,22
15,58
37
3
8,11
20,59
37
12
32,43
32,72
37
22
59,46
51,92
37
31
83,78
69,80
37
33
89,19
88,44
370
114
30,81
30,90
INTERVALO DE RISCO
SMR
DE ÓBITO PREVISTO
0 - 4,99
0,0000
4,99 - 7,20
0,4518
7,20 - 9,75
0,9248
9,75 - 13,28
0,6865
13,28 - 17,83
1,0409
17,83 - 25,67
0,3937
25,67 -40,94
0,9911
40,94 - 64,20
1,1452
64,20 - 78,26
1,2004
78,26 - 98,55
1,0084
TOTAL
0,9971
Cg=10,36 (8 g.l.) p=0,2408
Mortalidade observada e estimada dos pacientes divididos em faixas de risco previsto de óbito com o mesmo número de pacientes
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI geral
Autor: Carlos José Alves
148
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 10 - Teste Cg - Hosmer - Lemeshow APACHE II
INTERVALO DE RISCO
PACIENTES
MORTALIDADE
SMR
DE ÓBITO PREVISTO
TOTAL
ÓBITOS
OBSERVADA
ESTIMADA
0 - 2,80
37
1
2,70
1,96
1,3789
2,80 - 4,12
37
2
5,41
3,53
1,5313
4,12 - 6,42
37
2
5,41
5,06
1,0683
6,42 - 8,86
37
6
16,22
7,60
2,1337
8,96 - 11,48
37
3
8,11
10,31
0,7864
11,48 - 16,41
37
7
18,92
13,97
1,3543
16,41 - 24,94
37
10
27,03
20,11
1,3440
24,94 - 42,43
37
22
59,46
33,55
1,7723
42,43 - 65,34
37
27
72,97
53,94
1,3529
65,34 - 98,30
37
34
91,89
85,52
1,0745
TOTAL
370
114
30,81
23,10
1,3338
Cg=24,21 (8 g.l.) p=0,0021
Mortalidade observada e estimada dos pacientes divididos em faixas de risco previsto de óbito com o mesmo número de pacientes
Comparação entre o Modelo UNICAMP II e o APACHE II em uma UTI geral
Autor: Carlos José Alves
Figura 1 – Curva de calibração. a) Modelo UNICAMP II. Na faixa de risco calculado de óbito de 0 a 40% a mortalidade
observada é menor que a prevista, fato que se repete na faixa de 90 a 100%. Entre 40 a 90% a mortalidade observada é
maior que a calculada. A curva tende a acompanhar a linha diagonal. b) APACHE II. A mortalidade observada é maior em
todas as faixas, sendo que o maior desvio é na faixa de 30 a 40%. A curva afasta-se mais da linha diagonal
CURVA DE CALIBRAÇÃO
a) MODELO UNICAMP II
b) APACHE II
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
149
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
linha diagonal, conforme se pode observar na Figura 1
b. A mortalidade observada é maior em todas as faixas
sendo que o maior desvio é na faixa de 30 a 40%.
Ambos os modelos apresentaram boa discriminação
quando avaliados pela área sob a curva ROC, sendo
0,8876 para o Modelo UNICAMP II (Figura 2 a) e
0,8700 para o APACHE II (Figura 2 b).
DISCUSSÃO
Índices prognósticos têm sido usados amplamente em medicina intensiva nas últimas décadas. São
ferramentas úteis para estratificar pacientes com
maior ou menor benefício com a terapia intensiva,
em trabalhos de observação clínica e comparação
Figura 2 – Curva ROC. a) Modelo UNICAMP II. A área sob a curva é 0,8876 SE=0,0214 Intervalo de
confiança de 95% entre 0,8454 e 0,9297. b) APACHE II. A área sob a curva é 0,8700. SE=0,0228.
Intervalo de confiança de 95% entre 0,8251 e 0,9149
CURVA ROC
a) MODELO UNICAMP II
b) APACHE II
150
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
de desempenho de diferentes unidades. Houve o
surgimento de diversos índices, gerais ou específicos, com a intenção de se aprimorar a capacidade
de prognosticar. Apesar de todo o avanço, nenhum
índice consegue prever com 100% de certeza, de
forma que são insuficientes para uma predição
individual.
O SMR calculado a partir do APACHE II em diferentes partes do mundo apresentou valores discrepantes do seu modelo original, na sua maioria com
uma mortalidade observada maior que a prevista.
Encontramos na literatura variações de 0,77(7) a
1,65 (8). No Brasil, Bastos(9) avaliando 1734 pacientes em estudo multicêntrico encontrou SMR=1,66,
sendo que este variou de 0,95 a 2,40 nas 10 UTIs
participantes. Este estudo também mostrou discriminação aceitável, porém inadequada calibração.
Resultados semelhantes também foram observados
em outros estudos(10,11).
O Modelo UNICAMP II apresentou uma melhor
capacidade de estimar a mortalidade global da população estudada, com o SMR se aproximando da
unidade. O mesmo acontece quando analisamos os
subgrupos de ventilação mecânica, insuficiência renal, urgência, clínicos e cirúrgicos.
Apesar de apresentar variações nas faixas de
risco de óbito, o Modelo UNICAMP II mostrase menos heterogêneo. Quando os pacientes são
agrupados por deciles de risco de óbito estimado,
os grupos formados são mais uniformes quando
comparados aos grupos formados pelo RCO do
APACHE II. Chama a atenção o fato dos diferentes
tamanhos das classes de menor risco de óbito estimado pelos dois modelos. Há um número menor de
pacientes na classe de baixo risco quando avaliada
pelo Modelo UNICAMP II em relação ao APACHE
II. Além disso, nesta classe, o modelo UNICAMP
II superestima a mortalidade, ao passo que o APACHE II a subestima. Esta é justamente a faixa que
engloba a maior parte dos pacientes internados em
UTI, podendo interferir na calibração dos índices
prognósticos(12). Na população estudada, esta faixa
é constituída, em sua maioria, por pacientes em pósoperatório e trauma. Houve uma redução no número
absoluto de pacientes com estas entidades clínicas
nesta categoria com o novo modelo, indicando que
parte destes pacientes migraram para faixas de
maior risco. Pacientes cirúrgicos são subestimados quando avaliados pelo APACHE II(13) o mesmo
acontecendo com o trauma, onde ainda encontramos
variações em seus subtipos(14).
Diversos fatores podem interferir na avaliação do
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
APACHE II, como o tipo de atendimento recebido
pelo paciente(15), a admissão de pacientes provenientes de outras unidades, o retardo na transferência de
um paciente para a UTI(16) e a manutenção da homeostase em um paciente submetido a um procedimento cirúrgico(17). A sedação profunda, o bloqueio
neuromuscular e a ventilação mecânica podem mascarar anormalidades. Não se aguarda a deterioração
do paciente, e conseqüentemente maiores desvios
no APS, para se instalar a órtese ventilatória num
paciente em insuficiência respiratória, além do fato
de que a avaliação adequada da escala de coma de
Glasgow fica comprometida(18). O novo modelo, por
contemplar um dado crucial do tratamento, a presença ou não da ventilação mecânica, talvez possa
avaliar melhor o risco real destes pacientes. Outros
modelos como o MPM II(19) e o ODIN (20) também
incluem esta variável.
A utilização mais abrangente em outros hospitais
brasileiros, de um índice prognóstico elaborado em
um hospital público e universitário como o Hospital
das Clínicas da UNICAMP, poderia suscitar críticas
quanto á comparação dos grupos populacionais.
Embora, neste trabalho, a casuística estudada fosse
constituída somente por pacientes privados, supostamente com melhores condições de acesso a serviços de saúde e de nutrição, deve-se ressaltar que
convênios coletivos de empresas, freqüentemente,
dão cobertura a populações de baixa renda. Sabe-se
também que o atendimento pré-hospitalar organizado está longe do ideal, mesmo em grandes metrópoles. Finalmente, quase um terço dos pacientes que
geraram a equação UNICAMP II, possuíam algum
tipo de convênio médico, embora assistidos em
hospital público. Na realidade, nossos dados confirmam que a equação UNICAMP II se adaptou perfeitamente a um hospital geral não público. A meta
de extrapolar este novo modelo para a população
brasileira deverá se apoiar em estudos mais abrangentes e multicêntricos. Uma vantagem adicional do
método é prescindir de um coeficiente diagnóstico.
Todos os que manipulam o APACHE II enfrentam a
dificuldade de enquadrar o paciente, na entrada, em
uma categoria diagnóstica, por ser demais limitado
o número de opções. Embora no APACHE III, o
número de categorias diagnósticas tenha aumentado
de 50 para 78 (21), esta dificuldade não foi atenuada.
Já, variáveis concretas como urgência/emergência,
ventilação mecânica e insuficiência renal, podem
ser coletadas por qualquer membro da equipe multidisciplinar da UTI, facilitando o cálculo do risco de
óbito à beira do leito.
151
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
RESUMO
Características próprias de diferentes populações
podem influenciar os resultados dos índices prognósticos. A literatura mostra diferenças no SMR
(Standartized Mortality Rate), na calibração e na
discriminação dos índices. O presente estudo tem
por objetivo avaliar a capacidade de predizer a sobrevida através do Modelo UNICAMP II e comparála à do APACHE II em uma UTI geral. O SMR calculado através do Modelo UNICAMP II foi 0,9971
contra 1,3338 obtido pelo APACHE II. O novo
modelo apresentou boa calibração pelo Goodness
of fit (Hg p=0,4089 e Cg p=0,2408), ao passo que
esta foi inadequada no APACHE II (Hg p=0,0015 e
Cg p=0,0021), A discriminação foi adequada para
ambos os modelos, sendo a área sob a curva ROC de
0,8876 para o Modelo UNICAMP II e 0,8700 para
o APACHE II.
Unitermos: Índices Prognósticos; Controle de
Qualidade; Terapia Intensiva;
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Escore Prognóstico para Unidade
Semi-Intensiva Pós-Operatória.
Prognostic Score for Surgical Intermediate Care Unit.
Rocco, J.R.; Rocco, P.R.M.; Noé, R.M.; David, C.M.N.
ABSTRACT
The aim of this study is to develop and validate a model to estimate the probability of hospital mortality for intermediate care unit patients. A prospective cohort of 450 patientes admitted in a surgical intermediate care unity
(ECI) of Clementino Fraga Filho University Hospital of Federal University of Rio de Janeiro was conducted, from
may to december 97 and april to october 98. We collected demographics data and parameters necessary to compute APACHE II score. Multiple logistic regression (MLR) (stepwise approach) were used to develop the prognostic
model and patients were randomly divided into development (300 patients - 66%) and validation (150 patients
- 33%) samples (split-sample technique). The prognostic model developed through MLR was called ECI model and
included: age (years), APACHE II probability of death (%) and the use of mechanical ventilation (yes/no). The indices
of calibration (goodness-of-fit) and discrimination (area under ROC curve) showed better performance in ECI than
APACHE II model, with excelent levels of discrimination and calibration [(area under ROC curve - ECI = 0.9278 ±
0.0283 versus APACHE II = 0.8849 ± 0.0311; p=0.04); calibration (ECI: C = 0.82; p=0.99 versus APACHE II: H =
12.59; p=0.24)]. After external validation the ECI model can be a useful adjunct for clinical trials.
Keywords: Prognostic Score; Surgical Intermediate Care; Mortality; Logistic Regression; Probabilistic Model.
A
s predições sobre o prognóstico de doenças e
tratamentos fazem parte dos cuidados médicos. Os médicos necessitam conhecer os mecanismos da doença, sua história natural e os benefícios
da terapêutica para recomendar a conduta a seguir, bem
como compartilhar decisões com pacientes e familiares.
Ademais, os administradores de saúde baseiam suas
decisões no conhecimento do prognóstico da doença.
O domínio desse conhecimento em muito se relaciona
com a arte da prática médica e vem determinando mais
objetividade, no que tange aos cuidados com o paciente(1,2). Durante muitos anos, os médicos dispunham de
sistemas prognósticos simples como o escore Apgar(3)
para antecipar problemas no recém-nato, classificação
de Child(4) para pacientes que iriam se submeter a shunts
porto-sistêmicos e critérios de Ranson(5) para predizer a
sobrevida na pancreatite aguda. O sucesso desses índices preditivos, naturalmente, levou ao desenvolvimento
de modelos prognósticos em outros campos da medicina, especialmente para os fisiologicamente complexos
pacientes gravemente enfermos internados em unidades
de terapia intensiva (UTI).
Os modelos prognósticos são freqüentemente utilizados para pacientes internados na UTI devido às
implicações econômicas dos custos crescentes do tratamento intensivo(6). Nos Estados Unidos da América,
os pacientes internados nas UTI representam 5-7% do
total dos pacientes internados, entretanto, consomem
27% dos gastos com saúde, o que corresponde a U$ 47
bilhões ou cerca de 1% do produto interno bruto norteamericano(7).
Como os pacientes internados em terapia intensiva, geralmente, apresentam doenças que colocam em
risco suas vidas, a pesquisa médica pode ser limitada
por motivos éticos. Assim, numerosas rotinas em uso
corrente nunca foram testadas de forma randomizada
e prospectiva(2,8). Portanto, a eficiência da terapia intensiva poderia ser investigada por estudos prognósticos
que são observacionais, não intervindo nas condutas
a serem tomadas, com menos problemas éticos. Com
José Rodolfo Rocco - Professor Adjunto de Clínica Médica Propedêutica da UFRJ - Médico do CTI do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho da UFRJ - Mestre e Doutor em Clínica Médica pela UFRJ - Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB
- Membro Titular-colaborador do CBC
Patricia Rieken Macêdo Rocco - Professora Adjunta da UFRJ - Mestre e Doutora pela UFRJ
Rosângela Martins Noé - Estatística da Comissão de Investigação Científica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da
UFRJ - Mestre em Matemática
Cid Marcos Nascimento David - Professor Adjunto da UFRJ - Mestre e Doutor pela UFRJ - Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB
Trabalho realizado na Enfermaria de Cuidados Intensivos (Unidade Semi-Intensiva Pós-operatória) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ
Endereço para correspondência: Prof. José Rodolfo Rocco - Rua Jardim Botânico, 700 sala 201 - CEP 22461-000 - Jardim Botânico
- Rio de Janeiro - RJ - Tel 021 22598571 Fax 021 33254579 - e-mail: [email protected]
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
153
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
esses estudos, muitas decisões em terapia intensiva se
beneficiariam de uma metodologia de análise de decisão
estruturada e sistematizada. Assim, consegue-se maximizar o benefício clínico e minimiza-se as incertezas(9).
O modelo prognóstico APACHE II(10) é o modelo
mais empregado em todo o mundo, de fácil coleta e
possibilita o cálculo do escore e da probabilidade de
óbito hospitalar de cada paciente. Interessante ressaltar
que até o momento, o modelo APACHE II ainda não
foi utilizado em unidades de terapia semi-intensivas
(UTSI) pós-operatórias. Podemos utilizar esse modelo
para avaliar a taxa de mortalidade padronizada (TMP =
n° de óbitos observados/n° de óbitos previstos), a gravidade dos pacientes que internam no setor, critérios potenciais para triagem dos pacientes para o CTI e propor
melhorias operacionais e de equipamentos.
Os objetivos desse estudo são: a) avaliar o desempenho do modelo APACHE II em pacientes internados na
Enfermaria de Cuidados Intensivos (UTSI pós-operatória), b) desenvolver um modelo prognóstico específico
para os pacientes internados em UTSI pós-operatória,
c) validar o modelo prognóstico desenvolvido, e d)
comparar seu desempenho com o modelo APACHE II.
PACIENTES E MÉTODOS
Foram estudados, prospectivamente, 450 pacientes
consecutivamente internados por mais de 12 horas na
Enfermaria de Cuidados Intensivos (ECI) do Serviço
de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Clementino
Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(HUCFF/UFRJ) em dois períodos: maio a dezembro de
1997 e abril a outubro de 1998.
O arquivo nosológico criado pelo autor foi preenchido para todos os pacientes internados na ECI. Este
arquivo consiste das seguintes informações: número,
data da internação, nome, número do prontuário, idade,
sexo, escore APACHE II (pontos e probabilidade de
óbito), se o paciente foi internado em pós-operatório,
se é portador de neoplasia, infecção, diagnósticos principais e secundários, dias de internação no setor e evolução hospitalar. O escore APACHE II foi preenchido
pelo autor após pelo menos 12 horas de internação no
setor, conforme recomendações de Knaus et al.(10) e as
variáveis necessárias para o preenchimento do escore
foram anotadas em formulário próprio. Quando alguma
variável não era coletada o valor zero era assinalado
para aquela variável. Especial atenção foi dada a coleta
dos parâmetros para o escore de Glasgow para o coma,
já que muitos pacientes internaram em pós-operatório
imediato, ainda sob efeito anestésico residual. Outros
autores já relataram a boa atuação da escala de Glasgow
154
como fator preditivo isolado em pacientes internados
na UTI, sem trauma(11), com traumatismo cranioencefálico(12) e após parada cardio-respiratória(13). Habitualmente, a escala era avaliada no dia seguinte à cirurgia
(após pelo menos 12 horas), e utilizou-se, em caso de
dúvidas o escore mais conservador (escala de Glasgow
mais elevada). Os próprios autores do modelo APACHE
recomendam esta conduta(14). Após ser obtido a contagem dos pontos, era selecionado o coeficiente adequado
(correspondente a principal causa da internação do paciente na ECI) para o cálculo da probabilidade de óbito,
sendo utilizado o Personal Computer Casio FX-880P
para a realização do cálculo matemático à beira do leito.
Os dados foram colocados em Planilha Eletrônica EXCEL 97 da Microsoft, para posterior análise.
Para o presente estudo, os pacientes foram divididos em dois grandes grupos: 300 pacientes (2/3 da
amostra total) foram selecionados através do programa
EPI-INFO que gerou 300 números aleatórios - essa
amostra constituiu a formulação do escore. Nos 150
pacientes restantes o escore gerado foi aplicado para
fins de validação. Esta técnica de validação interna,
utilizada em outros importantes trabalhos da literatura
[SAPS II(15), MPM II(16), APACHE III(14)] é denominada
de split-sample.
O banco de dados para a realização da Regressão
Logística Múltipla (RLM) constava das seguintes informações: idade, número de pontos do escore APACHE
II, probabilidade de óbito gerada pelo modelo APACHE
II, pós-operatório imediato, presença de neoplasia, infecção, necessidade de prótese ventilatória, transferência para o CTI, dias de internação no setor e evolução.
Foi realizada análise estatística univariada de todos
os pacientes, para verificar a existência de significado
estatístico em relação a evolução hospitalar, através dos
seguintes testes: qui-quadrado com correção de continuidade de Yates para variáveis categóricas (sexo, presença de neoplasia, infecção, pós-operatório imediato,
necessidade de prótese ventilatória, transferência para
o CTI) e t-Student para variáveis contínuas paramétricas (idade, escore e probabilidade de óbito do modelo
APACHE II, dias de internação na ECI). Foi utilizado
coeficiente de correlação de Pearson para avaliar a
correlação entre a evolução hospitalar e a faixa etária
em décadas e entre as probabilidades de óbito geradas
pelo modelo criado e o modelo APACHE II nos mesmos
pacientes, sendo posteriormente, após a análise gráfica,
realizada a regressão linear desses dados. O qui-quadrado McNemar foi utilizado para avaliar as discrepâncias
de predição entre o modelo gerado e o modelo APACHE
II. Em todos os casos um valor de p<0,05 foi considerado significativo.
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Para a análise estatística multivariada foi escolhido
a Regressão Logística Múltipla (RLM) pelo método
stepwise forward, realizada através do pacote estatístico SAS, mantendo-se o limiar de significância em
p<0,05. Nesse método de RLM, a primeira variável
selecionada é a constante; posteriormente o programa
seleciona, através da análise conjunta das demais variáveis, a segunda variável mais significativa que também
entrará no modelo; numa etapa posterior, a terceira variável mais significativa e assim por diante. Esse procedimento é seguido até que o limiar de significância não é
mais obedecido. O programa estatístico SAS emite um
relatório onde constam passo a passo as etapas descritas
acima, as variáveis selecionadas e respectivos parâmetros estimados (coeficientes e erro padrão).
Através da RLM, foi possível a criação de escore
prognóstico denominado de modelo ECI, que foi aplicado separadamente na própria amostra geradora do
escore e na outra amostra para sua validação. As duas
foram comparadas em relação aos seguintes aspectos:
acurácia, sensibilidade, especificidade, valor preditivo
positivo e negativo. Também foi realizada a comparação
do modelo ECI com o modelo APACHE II em relação
a esses mesmos parâmetros, em diferentes pontos de
corte (10%, 50% e 90%).
Para o cálculo da discriminação dos escores foi traçada a curva ROC e calculada a área sob a curva ROC
segundo Hanley et al.(17). Para tal, os pacientes foram
divididos em intervalos de probabilidade de óbito de
5%, gerados pelo modelo APACHE II e ECI, sendo calculados a sensibilidade e especificidade em cada ponto.
O método proposto por Hanley et al.(17) calcula a área
sob a curva ROC através do somatório de comparações
pareadas da estatística não-paramétrica Wilcoxon.
Já as áreas sob as curvas ROC obtidas dos mesmos
pacientes foram comparadas conforme a técnica descrita em outro artigo por Hanley et al.(18). Como a priori
supunhamos que a área sob a curva ROC do modelo
ECI seria maior que a do modelo APACHE II, o grau de
significância da estatística z (o valor de p) foi calculada
na tabela de distribuição normal com uma cauda (oneside ou one tail).
A calibração do escore foi feita graficamente e
através da estatística goodness-of-fit de Hosmer-Lemeshow(19,20). Para tal, os pacientes foram divididos
em grupos a cada 10% de probabilidades geradas pelo
modelo ECI (0-10%; 10-20%, etc.). Somava-se as probabilidades de óbito e as probabilidades de alta dos
pacientes em determinado intervalo e dividindo-se por
100 (as probabilidades são fornecidas em percentuais)
teríamos o número esperado de altas e óbitos naquele
intervalo. A comparação com o número observado de
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
pacientes com altas e óbitos em cada intervalo de 10%
fornece um resíduo que somado (tanto o resíduo das
altas quanto o resíduo dos óbitos) fornece o valor do
qui-quadrado. Com base nesse valor foi calculado o
valor da significância. Ressalta-se que ao contrário das
interpretações habituais do valor de p, nesse caso, quanto maior o valor, melhor.
Quando se utiliza intervalos iguais da tabela para o
cálculo do qui-quadrado, a estatística é denominada de
H; com intervalos diferentes é denominada C. Quando
a tabela é derivada do banco de dados utilizado para
desenvolver o modelo, os graus de liberdade do quiquadrado são iguais ao número de grupos menos 2; em
novos pacientes é igual ao número de grupos. Foram
realizadas tabelas para o cálculo do goodness-of-fit no
grupo de pacientes utilizados para a formulação do
modelo ECI, no grupo para validação e em todos os
pacientes. Similarmente, foi calculado o goodness-of-fit
para o modelo APACHE II nos mesmos grupos.
Os gráficos da calibração foram realizados nos programas Harvard Graphics 98 para Windows da SPC e
Sigma-plot 2.0 para Windows da Jandel Corporation,
dividindo-se os pacientes a intervalos de 10% das probabilidades de óbito geradas pelos modelos APACHE
II e ECI e comparando a letalidade predita com a observada.
RESULTADOS
Foram coletados dados de 455 pacientes durante o
período do estudo. Cinco pacientes foram excluídos
do estudo pois ficaram na unidade menos de 12 horas,
não sendo possível coletar o escore APACHE II. Assim,
foram estudados 450 pacientes. A letalidade hospitalar
observada foi de 24,4% (110/450).
Na Figura 1A é apresentado o histograma por faixa
etária de todos os pacientes e na Figura 1B eles foram
divididos pela evolução hospitalar. Observa-se maior
número de pacientes na 7a década de vida. Já a Figura
1C relaciona a letalidade e a faixa etária em décadas.
Nota-se correlação estatisticamente significativa com
coeficiente de correlação de Pearson de r=0,82 p=0,007.
Logo, quanto maior a faixa etária, maior o número de
óbitos observados. Ademais, o coeficiente de determinação foi de r2=0,67, ou seja, 67% dos óbitos estariam
relacionados a idade avançada. Foi também realizada a
regressão linear desses dados cujo resultado é enunciado abaixo.
y = -2,91 + 4,49 x
(1)
Os dados demográficos dos pacientes estudados
155
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 1. Histogramas que correlacionam população de pacientes avaliados com a idade em faixas etárias por décadas. No
painel A são apresentados todos os pacientes; em B os pacientes foram divididos pela evolução hospitalar (altas e óbitos); e
em C é representada a correlação entre a letalidade hospitalar e as faixas etárias. Foi traçada também a regressão linear.
em relação à evolução hospitalar são apresentados na
tabela 1. Observa-se que as variáveis sexo e a presença
de neoplasia não influenciam a evolução hospitalar dos
pacientes. Por outro lado, as outras características são
altamente significativas em predizer a evolução. A letalidade predita pelo escore APACHE II foi maior que a
observada, gerando uma taxa de mortalidade padronizada (TMP = n° de óbitos observados/n° de óbitos previs-
tos) de 0,81 no grupo total, 0,83 no grupo formulação e
0,80 no grupo validação.
Para controle de qualidade da randomização, foram
comparadas as características dos pacientes no grupo
total com o grupo selecionado aleatoriamente para a
formulação (dados não mostrados). A observação de
que não existiram diferenças significativas entre os
grupos nos assegurou que o grupo esolhido para a for-
Tabela 1. Dados demográficos em relação à evolução hospitalar dos 450 pacientes.
Característica
Sexo feminino
masculino
Pós-operatório imediato
Presença de neoplasia
Presença de infecção
Transferidos p/ o CTI
Usou prótese ventilatória
Idade (anos) *
Pontos APACHE II *
Probabilidade de óbito do escore
APACHE II (%) *
Dias de internação na ECI*
sim
não
sim
não
sim
não
sim
não
sim
não
Total
216 (48%)
234 (52%)
393 (87,3%)
57 (12,7%)
209 (44,7%)
249 (55,3%)
233 (51,8%)
217 (48,2%)
54 (12%)
396 (88%)
98 (21,8%)
352 (78,2%)
58,2 ± 16,7
16,12 ± 8,96
Altas
163
177
309
31
156
184
142
198
24
316
19
321
56,2 ± 16,6
12,95 ± 6,36
Óbitos
53
57
84
26
45
65
91
19
30
80
79
31
64,3 ± 15,9
25,90 ± 8,77
30,15 ± 27,25
20,30 ± 19,22
60,60 ± 25,93
p<0,001
3,1 ± 4,1
2,6 ± 3,0
4,7 ± 6,2
p<0,001
p=0,965
p<0,001
p=0,362
p<0,001
p<0,001
p<0,001
p<0,001
p<0,001
* médias ± desvio padrão
156
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
mulação do escore era representativo do grupo total de
pacientes.
O escore prognóstico gerado pela RLM nos 300
pacientes do grupo formulação selecionou as seguintes
variáveis: idade, probabilidade de óbito gerada pelo
escore APACHE II e necessidade do uso de prótese ventilatória (Tabela 2). A probabilidade de óbito hospitalar
foi calculada pela fórmula:
P(y=1/logit) = elogit / 1 + elogit
(2)
onde e é a base do logarítmo natural (2,718281828459)
e o logit é definido pela fórmula
logit = -5,9499 + (idade x 0,0405) + (APACHE II x
0,0389) + (prótese x 2,8378)
(3)
idade = idade em anos completos
APACHE II = probabilidade de óbito gerada pelo escore
APACHE II
prótese = necessidade do uso de prótese ventilatória - 0
= não; 1 = sim
Exemplo 1
Suponha que um paciente internou na ECI em pós-operatório imediato de gastrectomia subtotal por neoplasia
gástrica. Ele tem 65 anos, respira espontaneamente e o
escore APACHE II revelou probabilidade de óbito de
14,2%
calculando o logit (2)
logit = -5,9499 + 0,0405 x 65 (idade) + 0,0389 x 14,2
(APACHE II) + 2,8378 x 0 (prótese) = -2,76502
calculando a exponencial do logit (1)
como e-2,76502 = 0,0629748398
calculando a probabilidade de óbito hospitalar (1)
P= 0,0629748398 / (1 + 0,0629748398) =
0,05924396089
multiplicando-se o resultado por 100 temos 5,92%
Logo a probabilidade de óbito hospitalar desse paciente
é de 5,92%
Exemplo 2
Suponha uma paciente internado em pós-operatório de
emergência por perfuração de colon secundária a diverticulite. Ela tem 72 anos, encontra-se em choque séptico, necessitando de prótese ventilatória e probabilidade
de óbito pelo escore APACHE II de 65,6%
calculando o logit (2)
logit = -5,9499 + 0,0405 x 75 (idade) + 0,0389 x 65,6
(APACHE II) + 2,8378 x 1 (prótese) = 2,47724
calculando a exponencial do logit (1)
como e-2,47724 = 11,90835197
calculando a probabilidade de óbito hospitalar (1)
P= 11,90835197 / (1 + 11,90835197) = 0,9225307768
multiplicando-se o resultado por 100 temos 92,25%
Logo a probabilidade de óbito hospitalar dessa paciente
é de 92,25%
Na Tabela 3 é demonstrada a discriminação do
modelo ECI nos grupos formulação, validação e total
sendo também comparado com o modelo APACHE II
dos pacientes dos mesmos grupos. Foram utilizados
os pontos de corte em 10%, 50% e 90% de predição
de óbito hospitalar, e calculadas a acurácia, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positvo e valor
preditivo negativo. De modo geral, os parâmetros do
modelo APACHE II são comparáveis com a da publicação original. Porém, observamos que o desempenho do modelo ECI é superior ao APACHE II.
A Figura 2 compara as curvas ROC obtidas pelo
modelo ECI e o modelo APAC HE II nos grupos
formulação e validação. Observa-se que as curvas
são praticamente superponíveis. Através do método
descrito por Hanley et al.(18) foi possível comparar
as curvas obtidas do modelo ECI e APACHE II nos
mesmos pacientes (grupos formulação, validação e
total – Figura 3), obtendo-se valores das áreas sob
a curva ROC significativamente maiores no modelo
ECI (Tabela 4).
A calibração do modelo foi realizada através de
gráficos (Figuras 4 e 5) e através do goodness-of-fit
(Tabela 5). Devido ao pequeno número de pacientes,
foi necessário diminuir os grupos de 10 para 7 no
modelo ECI-validação. Nesse caso, a estatística calculada foi a C e não a H. Obteve-se uma excelente
calibração nos três grupos (formulação, validação e
total). Também foram realizados os mesmos cálcu-
Tabela 2. Variáveis e respectivos coeficientes selecionados por Regressão Logística Múltipla no grupo formulação.
Variável
Constante
Idade
APACHE II (%)
Prótese
Parâmetro estimado
-5,9499
0,0405
0,0389
2,8378
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
Erro Padrão
0,9516
0,0130
0,00805
0,4609
qui-quadrado Wald
39,0977
9,6342
23,3144
37,9172
p<0,0001
p=0,0019
p<0,0001
p<0,0001
157
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 3. Tabelas de classificação do modelo ECI nos diversos grupos (formulação, validação e total) e em diversos pontos de
corte (10, 50 e 90%), comparado com o modelo APACHE II.
Grupo formulação = 300 pacientes
Modelo ECI
Predito
altas
óbitos
Ponto de corte a 10% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
164
57
óbitos
9
70
Total
173
127
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
valor preditivo negativo (%)
Ponto de corte a 50% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
209
12
óbitos
21
58
Total
230
70
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
valor preditivo negativo (%)
Ponto de corte a 90% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
219
2
óbitos
47
32
Total
266
34
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
valor preditivo negativo (%)
Tabela 3. continuação
Grupo validação = 150 pacientes
Ponto de corte a 10% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
89
30
óbitos
4
27
Total
93
57
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
valor preditivo negativo (%)
Ponto de corte a 50% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
117
2
óbitos
11
20
Total
128
22
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
90,90%
valor preditivo negativo (%)
91,40%
158
78,00%
88,60%
74,20%
55,11%
94,79%
89,00%
73,41%
94,57%
82,85%
90,86%
83,67%
40,50%
99,09%
94,11%
82,33%
77,33%
87,09%
74,78%
47,36%
95,69%
91,33%
64,51%
98,31%
Modelo APACHE II
Predito
altas
óbitos
Total
90
2
92
131
77
208
221
79
300
193
28
221
28
51
79
220
70
290
1
9
10
49
1
50
70
30
100
111
11
122
8
20
28
55,67%
97,46%
40,72%
37,01%
97,82%
81,33%
64,55%
87,33%
64,55%
87,33%
76,33%
11,39%
99,54%
90,00%
75,86%
52,67%
96,77%
41,17%
30,00%
98,00%
87,33%
64,51%
93,27%
71,42%
90,98%
221
79
300
221
79
300
119
31
150
119
31
150
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 3. continuação
Grupo validação = 150 pacientes
Modelo ECI
Predito
altas
óbitos
Ponto de corte a 90% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
119
0
óbitos
20
11
Total
139
11
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
valor preditivo negativo (%)
Grupo total = 450 pacientes
Ponto de corte a 10% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
253
87
óbitos
13
97
Total
266
154
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
valor preditivo negativo (%)
Ponto de corte a 50% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
326
14
óbitos
32
78
Total
358
92
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
valor preditivo negativo (%)
Ponto de corte a 90% de risco predito de letalidade hospitalar
Observado
altas
338
2
óbitos
67
43
Total
405
45
classificação correta (%)
sensibilidade (%)
especificidade (%)
valor preditivo positivo (%)
valor preditivo negativo (%)
los utilizando-se o modelo APACHE II, sendo os
dados apresentados na Figura 5 e Tabela 5. Independentemente do grupo avaliado, constata-se melhor calibração para o modelo prognóstico gerado
(modelo ECI).
A taxa de mortalidade padronizada do modelo
ECI-grupo validação foi de 1,00, do grupo formulação de 0,99, e do total dos pacientes de 1,00
(tabela 5).
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
86,67%
35,48%
100%
100%
85,61%
77,78%
88,18%
74,41%
52,71%
95,11%
89,78%
70,90%
95,88%
84,78%
91,06%
84,67%
39,09%
99,41%
95,55%
83,45%
Modelo APACHE II
Predito
altas
óbitos
Total
119
28
147
0
3
3
119
31
150
139
3
142
201
107
308
304
39
343
36
71
107
339
98
437
1
12
13
81,33%
9,67%
100%
100%
80,95%
54,67%
97,27%
40,88%
34,74%
97,88%
83,33%
64,54%
89,41%
66,35%
88,62%
78,00%
10,90%
99,70%
92,30%
77,57%
340
110
450
340
110
450
340
110
450
Quando comparamos o modelo ECI com o APACHE II através do gráfico que correlaciona as probabilidades de óbito geradas pelos dois modelos nos
mesmos pacientes observamos haver fraca correlação entre os dois modelos (Figura 6). Tomando-se o
ponto de corte em 50%, muitos pacientes preditos a
sobreviver por um modelo são preditos a falecer pelo
outro, e vice-versa. Isso indica que não é possível
utilizar qualquer modelo preditivo para o paciente
159
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 2. Curvas ROC dos grupos formulação e validação dos modelos prognósticos ECI e APACHE II.
Nota-se que as curvas ROC do modelo ECI (painel esquerdo) para os dois grupos são praticamente superponíveis.
As áreas sobre as curvas para os grupos formulação e validação são, respectivamente, 0,9214 ± 0,0244
e 0,9278 ± 0,0283. Similarmente, isso também é observado para o modelo APACHE II (painel direito).
Para esse modelo as áreas sobre as curvas para os grupos formulação e validação são, respectivamente,
0,8832 ± 0,0274 e 0,8849 ± 0,0311. A linha diagonal representaria ausência de discriminação.
Figura 3. Curvas ROC. No painel A são comparadas as curvas dos modelos ECI e APACHE II do grupo formulação.
Em B são comparadas as curvas do grupo validação. Em C são comparadas as curvas dos modelos ECI e APACHE II
de todos os pacientes. Em todos os painéis, as curvas do modelo ECI apresentam-se acima daquela do modelo
APACHE II, denotando maior discriminação. A linha diagonal significaria ausência de discriminação.
Tabela 4. Comparação entre as áreas sob a curva ROC dos modelos ECI e APACHE II obtidos dos mesmos pacientes.
160
ECI -formulação
APACHE II - formulação
Área ROC ± Erro padrão
0,9214 ± 0,0244
0,8832 ± 0,0274
z
1,56
p=0,059
ECI - validação
APACHE II - validação
0,9278 ± 0,0283
0,8849 ± 0,0311
1,75
p=0,04
ECI - total
APACHE II - total
0,9243 ± 0,0227
0,8845 ± 0,0287
1,62
p=0,052
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 4. Calibração gráfica do modelo ECI, correlacionando a letalidade observada com a predita pelo modelo. No painel A
são incluídos os 300 pacientes do grupo formulação; em B os 150 pacientes do grupo validação; e em C os todos os pacientes
(n=450). Observa-se excelente calibração nos três painéis (linha cheia). A linha com pontos representa o número de pacientes
presentes em cada variação do intervalo de predição. A diagonal a 45 graus representa a linha de identidade (calibração perfeita).
Figura 5. Calibração gráfica do modelo APACHE II, correlacionando a letalidade observada com a predita pelo modelo.
No painel A são incluídos os 300 pacientes do grupo formulação; em B os 150 pacientes do grupo validação e em C todos
os pacientes (450). Observa-se boa calibração nos três painéis (linha cheia). Entretanto o modelo APACHE II tende a
superestimar os óbitos até 60% e subestimá-los a partir desse ponto. Nota-se também a imprecisão na predição do modelo
para os pacientes com letalidade intermediária. A linha com os pontos representa o número de pacientes presentes em cada
variação do intervalo de predição. A diagonal a 45 graus representa a linha de identidade (calibração perfeita).
Tabela 5. Comparação da estatística goodness-of-fit dos modelos ECI e APACHE II nos grupos formulação (n=300), validação
(n=150) e total (n=450) e respectiva taxa de mortalidade padronizada (n° de óbitos observados / n° de óbitos previstos).
Escore e grupo
GOF
Gl
p
TMP
H=4,63
8
p=0,79
0,99
ECI -formulação
C=0,82
7
p=0,99
1,00
ECI - validação
H=5,63
10
p=0,84
1,00
ECI - total
APACHE II – formulação
APACHE II - validação
APACHE II - total
H=8,21
H=12,59
H=13,45
8
10
10
p=0,41
p=0,24
p=0,19
0,83
0,80
0,81
GOF – goodness-of-fit; gl – graus de liberdade; TMP – taxa de mortalidade padronizada
obs: um baixo valor de H (ou C), com conseqüente alto valor de p, significa bom ajuste, rejeitando-se a hipótese de desigualdade e aceitando-se a
igualdade entre os dados observados e o esperados.
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
161
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 6. Correlação entre as probabilidades de óbito geradas pelos modelos ECI e APACHE II.
Os pacientes que obtiveram alta hospitalar são representados por círculos cheios e os que faleceram
por círculos vazios. Os coeficientes de correlação de Pearson para as altas e óbitos são respectivamente
de r=0,67 e r=0,71. Observa-se amplas diferenças nas predições: pacientes preditos a sobreviver por um modelo
são preditos a falecer pelo outro e vice-versa. Nos extremos de risco existe melhor correlação entre os modelos.
individual, pois as discrepâncias entre os diversos
modelos são muito grandes.
A comparação entre as predições dos dois escores
nos pacientes com altas e nos pacientes com óbito
hospitalar é apresentada na Tabela 6, tomando-se
como base o ponto de corte de 50%. Nota-se que,
para os 340 pacientes que sobreviveram, ambos modelos previram o mesmo prognóstico em 301 (88,5%).
Houveram discordâncias em 39 casos (11,5%), no
quais o modelo ECI prognosticou corretamente em
100% e o modelo APACHE II errou em todos. A diferença é altamente significativa (p<0,001) pelo teste
McNemar.
Nos 110 pacientes que não sobreviveram, constata-se menor concordância, com ambos modelos
apresentando o mesmo prognóstico em 84 casos
(76,36%). Houve discordância no prognóstico de 26
pacientes (23,63%), nos quais o modelo ECI prognosticou corretamente em 25 (96,15%) e o modelo
APACHE II em apenas 1 (3,84%). Essa diferença
também é altamente significativa (p<0,001). Essa
análise representa uma eficácia muito maior do modelo ECI em relação ao modelo APACHE II naqueles
pacientes em que existem discordâncias entre as duas
predições.
DISCUSSÃO
A predição sobre o prognóstico de pacientes internados em terapia intensiva vêm sendo freqüentemente realizados. Os custos da terapia intensiva têm
se tornado cada vez maiores, e os modelos prognós-
Tabela 6. Comparações das discrepâncias na classificação entre os modelos ECI e APACHE II.
ECI x APACHE II
Modelo
APACHE II
162
preditos a viver
preditos a morrer
total
Pacientes com alta
Modelo ECI
preditos a viver preditos a morrer
297
0
39
4
336
4
χ2 McNemar=34,22
p<0,001
total
297
43
340
Pacientes com óbito
Modelo ECI
Preditos a viver preditos a morrer
9
25
1
75
10
100
χ2 McNemar=20,35
p<0,001
total
34
76
110
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
ticos não são adequados para a tomada de decisões
sobre o paciente individual, em relação aos critérios
de admissão e alta e intensidade de tratamento a ser
empregada. Ademais, em hospitais que tratam doentes agudos, podemos reconhecer muitos pacientes
internados em UTIs que não precisam de cuidados
intensivos, mas de cuidados que geralmente não
são fornecidos em enfermarias/quartos(21-24). Esses
pacientes podem requerer monitorização de sinais
vitais freqüentes e/ou intervenções de enfermagem,
mas, usualmente, não necessitam de monitorização
invasiva(25).
Nesse contexto, a importância das unidades de terapia semi-intensiva vem crescendo, não apenas por
problemas de custos, mas também porque existem
muito menos problemas éticos em negar a internação
do paciente na UTI e interná-lo na unidade de terapia
semi-intensiva (UTSI) ou conceder alta da UTI para a
UTSI. Assim, é importante estudarmos o prognóstico
dos pacientes internados em unidades semi-intensivas para estabelecermos critérios para sua admissão
e alta e intercâmbio de pacientes entre a UTI e a
UTSI(26,27).
As UTSI são locais ideais para a internação de
pacientes para monitorização ou com baixo risco de
complicações(25). O custo é de aproximadamente o
dobro da internação em enfermaria/quarto, mas apenas 1/3 daquele da UTI(28). Além disso, a satisfação
do paciente e familiares pode ser aumentada, pois
uma UTSI não apresenta tanto barulho (alarmes, etc.)
e pode haver uma política de visitação dos familiares
mais liberal.
Diversos estudos demonstraram a importância das
UTSI em pacientes coronarianos ou com dor torácica(29-31), em pacientes que necessitam de monitorização cardiopulmonar não invasiva(32,33), pós-operatório
de cirurgia cardíaca(34), pacientes para cuidados respiratórios não invasivos(35), pacientes neurológicos(36)
e pacientes clínicos em geral(28), com diminuição de
custos, mas sem prejuízos ao tratamento.
Em 1998, o Colégio Americano de Medicina Intensiva publicou consenso a respeito dos critérios
de admissão e alta de UTSI para adultos (25). Constatou-se que a diminuição dos custos hospitalares
das internações na UTSI coincide com a diminuição
dos profissionais (médicos, enfermeiros, etc.) para
promover os cuidados necessários para o paciente.
Além disso, a UTSI promove maior flexibilidade
na triagem dos pacientes, aumenta o acesso à terapia intensiva e torna mais barato o tratamento.
Para isso, é necessário que o diretor do setor esteja
em contato com outros serviços dentro hospital, de
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
modo que os cuidados com o paciente, a triagem, e o
fluxo de pacientes seja efetivo e eficiente(25). Recente estudo multicêntrico(61) comparou 8971 pacientes
internados em 37 unidades intermediárias (UI) com
5116 pacientes de baixo risco internados em 59 UTI
apenas para monitorização. Os pacientes internados nas UI eram mais idosos, apresentavam menos
anormalidades fisiológicas e foram admitidos mais
freqüentemente por diagnósticos não cirúrgicos.
A permanência dos pacientes foi maior na UI (3,9
versus 2,6 dias; p<0,001), assim como a letalidade
(3,1% versus 2,3%; p=0,002).
Auriant et al.(37) utilizaram o modelo SAPS II em
433 pacientes internados em UTSI e observaram
excelente calibração e discriminação do modelo.
Naquele estudo, diferentemente do nosso, 60,9% dos
pacientes foram provenientes do serviço de emergência e apenas 4% apresentaram causas cirúrgicas para
sua internação.
Ao invés de se criar um novo modelo, vem sendo utilizada a adaptação de modelos prognósticos
existentes. Podemos citar o modelo APACHE III
adaptado a pacientes espanhóis(38), o modelo SAPS II
adaptado para pacientes italianos(39) e, para pacientes
com doenças específicas, como a sepse [(APACHE
III(40), SAPS II e MPM II24(41)], peritonite(42), doença
coronariana [(SAPS IIcor e MPM II24cor (43)] e cirrose
hepática [APACHE III(44)].
A adaptação do modelo APACHE II foi realizada
em nosso meio por Terzi et al.(45) na UTI do Hospital
das Clínicas da UNICAMP - Campinas - SP. Utilizaram a regressão múltipla logística para estimar a
probabilidade de óbito de 862 pacientes internados
de abril de 1988 a outubro de 1989 após 24 horas
de UTI, e as variáveis selecionadas foram: escore de
pontos do modelo APACHE II (não a probabilidade
de óbito gerada pelo modelo), presença de insuficiência renal, necessidade de ventilação mecânica e assim
como o modelo APACHE II original, internação clínica ou cirurgia de emergência. A maior vantagem
desse modelo denominado de UNICAMP é o fato de
não ser necessária a escolha de um único diagnóstico
para o cálculo da probabilidade de óbito, como no
modelo APACHE II original. A validação desse modelo foi realizada em 362 pacientes subseqüentes.
A análise estatística univariada revelou diversas
variáveis relacionadas à evolução hospitalar (vide
tabela 1). Os pacientes internados em pós-operatório
imediato apresentaram melhor prognóstico que os
com complicações clínicas ou cirúrgicas. Nos modelos prognósticos APACHE II(10), APACHE III(14) e
SAPS II(15) a categoria diagnóstica (se o paciente é
163
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
clínico ou cirúrgico e se a cirurgia é eletiva ou de
urgência) também é uma das variáveis coletadas.
Também não foi surpresa a constatação de que os
pacientes transferidos para o CTI apresentassem pior
prognóstico. Os pacientes mais graves foram transferidos para o CTI. É interessante notar que o número
de pacientes que necessitaram de prótese ventilatória
é muito menor que o número de pacientes transferidos para o CTI (98 pacientes utilizaram prótese ventilatória e apenas 54 foram transferidos para o CTI).
Isso foi devido principalmente à falta de leitos de CTI
para atender a demanda. Também como o esperado,
os pacientes com infecção, os mais idosos, aqueles
com escore e probabilidade de óbito gerada pelo modelo APACHE II mais elevadas também apresentaram
maior letalidade. Os pacientes que faleceram ficaram,
em média, mais tempo internados na ECI.
Entretanto, quando analisadas em conjunto através da RLM, apenas três variáveis foram relacionadas com a letalidade: o modelo APACHE II, a idade e
a necessidade de prótese ventilatória. É interessante
assinalar que a RLM foi realizada com um banco de
dados que incluía todas as variáveis e não apenas as
variáveis que alcançaram significado estatístico em
relação a evolução hospitalar, pois não é possível
prever qual seria a influência de uma determinada
variável sobre outra (dependência entre variáveis). A
priori apenas o escore APACHE II e a probabilidade
de óbito gerada por esse modelo deveriam estar relacionadas. Entretanto, em nosso modelo ECI foram
selecionadas três variáveis através da RLM: idade,
uso de prótese ventilatória e o escore APACHE II.
Detalharemos a seguir a análise de cada uma dessas
variáveis.
Apesar da idade já ser incluída no modelo APACHE II(10), em nossa amostra foi mais valorizada que
a do modelo original. No modelo APACHE III(14), a
pontuação atribuída à idade também foi ampliada. No
modelo APACHE II os pontos atribuídos estavam na
faixa de zero a 6 (pacientes com ≥ 75 anos), enquanto
que no APACHE III eles são distribuídos entre zero
a 24 (pacientes com ≥ 85 anos). O mesmo ocorreu
com os modelos SAPS(46) (zero a 4 pontos - (pacientes com ≥ 75 anos) e SAPS II(15) (zero a 18 pontos
(pacientes com ≥ 80 anos). Barie et al.(47) referem que
cada vez mais pacientes idosos são internados em
terapia intensiva e que a idade fisiológica é um fator
mais importante que a idade cronológica na determinação do prognóstico do idoso. Assim, diversos estudos em pacientes idosos demonstraram benefícios
do tratamento intensivo comparáveis com aqueles
alcançados por pacientes mais jovens(48-52). Entretan-
164
to, deve-se ter cautela em extrapolar esses dados para
nossa realidade, pois a expectativa de vida em nosso
país é diferente daquela dos países mais desenvolvidos. Poderse-ia especular também a respeito do nosso
sistema de saúde. A dificuldade de acesso do paciente
aos serviços de saúde, além de problemas sócio-econômicos que boa parte de nossa população de idosos
sofre (baixas aposentadorias com conseqüente falta
de recursos para a aquisição de medicamentos, etc.)
faz chegar ao serviço público pacientes com doenças
mais avançadas.
Em conclusão, o modelo ECI ajustou a variável
idade, utilizada no modelo APACHE II, à realidade
de nossa população analisada.
Também ressaltamos a importância prognóstica
da ventilação mecânica nos pacientes analisados. As
causas são variadas e podemos levantar as seguintes
hipóteses para explicá-la: a) a gravidade da doença
subjacente que levou a insuficiência respiratória, b)
uso de próteses ventilatórias não microprocessadas e
c) deficiência no suporte fisioterápico). Muitas vezes
não dispunhamos de vagas para a transferência para
UTI do paciente em ventilação mecânica. Assim,
o paciente ficava na ECI aguardando e, por vezes,
quando internado na UTI já apresentava grave acometimento multisistêmico (disfunção de múltiplos
orgãos e sistemas). Em outro modelo prognóstico
para pacientes portadores de pancreatite aguda grave
submetidos a cirurgia, Rocco et al.(53) também observaram que a insuficiência respiratória pós-operatória
era uma das variáveis prognósticas em pacientes com
pancreatite aguda grave. Vincent et al.(62) estudaram
1449 pacientes de 40 UTI de 16 países e constataram que 56% dos pacientes necessitaram de protese
ventilatória durante a internação, com letalidade mais
elevada (31% versus 9%; p<0,0001).
Independentemente das causas, o fato é que os
pacientes internados na ECI em prótese ventilatória
apresentaram letalidade inaceitável, constituindo por
si só um critério para triagem para UTI (25).
Como relatamos anteriormente, o modelo prognóstico APACHE II foi o escolhido para avaliar os
pacientes pós-operatórios internados na ECI pois é o
modelo mais estudado no mundo. Como parte importante do nosso modelo prognóstico, é possível que as
mesmas deficiências e virtudes já estudadas quando
utiliza-se o modelo APACHE II sejam encontradas no
modelo ECI. Assim, viés de tempo, viés de seleção
de pacientes, etc. podem, potencialmente, diminuir o
desempenho do modelo gerado. A validação prospectiva em uma nova população de pacientes, realizada
por outros investigadores é uma etapa fundamental
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
antes do modelo prognóstico ser colocado em uso(5457)
. A análise inicial do desempenho do modelo APACHE II em nossa população de pacientes cirúrgicos
nos demonstrou que o mesmo possuía alto poder de
discriminação, melhor inclusive que a publicação
original(10). Entretanto, outros autores não haviam
demonstrado utilidade do modelo APACHE II em
pacientes cirúrgicos(58). Porém, a calibração do modelo era falha, apesar do goodness-of-fit não ser significativo - o modelo superestimava a probabilidade
de óbito nos pacientes até 60% de probabilidades e
a subestimava após esse intervalo. Ao concluirmos
esse estudo verificamos que o modelo APACHE II
apresentou ótimo desempenho em toda população
analisada, com área ROC de 0,8845 ± 0,0287 e goodness-of-fit de H=13,45, p=0,19.
Conforme as recomendações dos autores(10), não
foi computado apenas o escore APACHE II, mas
também a probabilidade de óbito gerada. Na análise
de regressão esta última foi escolhida como preditora
prognóstica. Podemos exemplificar o porque de tal
escolha com o exemplo relatado abaixo:
- Suponha que internamos dois pacientes com
escore APACHE II de 20 pontos. Se o primeiro paciente é internado para monitorização cardiovascular
pós-operatória devido a doença cardiovascular crônica (coeficiente = -1,376), a probabilidade de óbito é
obtida pela seguinte equação: Pr (e / 1-e) = -3,517 +
(0,146 x 20) - 1,376; logo a probabilidade de óbito
hospitalar seria de 12,20%. Se o outro paciente fosse
internado em pós-operatório imediato de cirurgia de
urgência (coeficiente = 0,603) por peritonite fecal
com sepse (coeficiente = 0,113), a probabilidade
de óbito seria: Pr (e / 1-e) = -3,517 + (0,146 x 20)
+ 0,603 + 0,113; logo a probabilidade de óbito hospitalar seria de 52,97%. Assim, tomando-se o ponto
de corte de 50%, o primeiro paciente seria predito a
sobreviver (probabilidade de óbito < 50%), enquanto
que o outro seria predito a falecer (probabilidade >
50%). Esse exemplo ilustra que o escore do modelo
APACHE II por si só pouco indica, a não ser que
estejamos avaliando paciente homogêneos e com o
mesmo diagnóstico.
Associando esses três elementos, o modelo ECI
apresentou desempenho excelente, o que seria difícil
de se esperar, visto o já ótimo desempenho do modelo APACHE II. Cumpre ressaltar que a esses níveis
de área sob a curva ROC, próximo a 0,9, qualquer
melhora (com conseqüente aumento da área) é muito
difícil. A adaptação de modelos prognósticos préexistentes pode piorar(38,54), manter inalterada(59) ou
melhorar(43) a discriminação, entretanto, invariavelVolume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
mente a calibração é melhorada(38,43,54,59). A área sob a
curva ROC do modelo ECI é superior a dos modelos
prognósticos gerais para pacientes internados em
terapia intensiva(10,14,15). Mas, talvez a principal virtude do modelo ECI seja a sua excelente calibração,
superior ao do modelo APACHE II, autorizando sua
utilização nos pacientes pós-operatórios internados
na Enfermaria de Cuidados Intensivos do HUCFF da
UFRJ.
Poder-se-ia considerar o modelo gerado de duas
formas: a) foi criado um novo modelo prognóstico
e b) foi realizada uma adaptação de um modelo já
existente. Creio que a segunda alternativa é a correta, pois em verdade acrescentamos duas variáveis ao
modelo APACHE II, tornando-o mais discriminativo
e calibrado. Além disso, o modelo APACHE II é parte
integrante do modelo ECI.
USOS POTENCIAIS DO MODELO ECI
Os usos potenciais dos modelos preditivos já
foram extensamente discutidos. Ao modelo ECI
aplicam-se todos esses potenciais. Deve-se ressaltar
que também aplicam-se todas as precauções quanto
a utilização do modelo ECI em pacientes individuais,
para critérios de admissão e alta, retirada de tratamento, etc. O melhor uso potencial do modelo ECI seria
na randomização de pacientes em pesquisas clínicas
de novas drogas, na comparação do desempenho de
diferentes Unidades de Terapia Semi-Intensivas e no
acompanhamento do desempenho de uma determinada Unidade no decorrer do tempo.
PROBLEMAS DO ESTUDO
Esse modelo pode não ser de aplicação generalizada. Para a criação de modelo preditivo que possa
ser generalizado seria necessário um estudo multicêntrico com milhares de pacientes. A população
de uma unidade semi-intensiva pós-operatória de
um hospital universitário terciário na Cidade do Rio
de Janeiro certamente será diferente de outros centros urbanos. Creio que o papel de um estudo desse
tipo é ressaltar a importância de se avaliar o modelo
prognóstico e poder adaptá-lo à realidade local. Um
modelo prognóstico que discrimine bem e calibre mal
não deverá ser utilizado para avaliação de pacientes
de uma unidade fechada (UTI ou intermediária), pois
seus resultados poderão ser errôneos. Outro dado que
deverá ser avaliado com cautela é o fato de que uma
das variáveis do novo modelo prognóstico gerado é
a necessidade do uso de prótese ventilatória. Nes-
165
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
se estudo os tipos de próteses utilizadas não eram
microprocessadas e não havia suporte fisioterápico
adequado. Deve-se ter cautela em extrapolar nossos
dados para outros locais em que o suporte ventilatório seja diferente.
Assim como outros autores(60), recomendamos
que o modelo ECI seja primeiramente validado por
outro grupo de pesquisadores e seja utilizado como
um elemento adjunto ao bom julgamento clínico e
nunca como o julgamento isolado. Neste contexto, o
modelo ECI será um útil instrumento.
As conclusões desse estudo são as seguintes: 1) O
modelo prognóstico APACHE II é aplicável a pacientes internados em UTSI pós-operatória, apresentando
boa discriminação e calibração; 2) Desenvolvemos e
validamos um modelo prognóstico específico (modelo ECI) para pacientes internados em UTSI pós-operatória, composto por três variáveis: idade, modelo
APACHE II e uso de prótese ventilatória; 3) Através
de análise estatística formal, tal modelo apresenta
excelentes características de discriminação avaliada
pela área sob a curva ROC e calibração, avaliada pelo
teste do goodness-of-fit; 4) Os pacientes internados
na ECI com necessidade de ventilação mecânica
devem ser transferidos para o CTI e 5) O modelo
prognóstico ECI é uma versão adaptada do modelo
APACHE II e apresenta desempenho superior a esse
em relação a discriminação e calibração.
Assim, após sua validação por pesquisadores independentes, etapa fundamental antes de qualquer
modelo prognóstico ser utilizado na prática, o escore
criado poderá ajudar na pesquisa clínica com pacientes internados em unidades de terapia intensiva pósoperatória.
RESUMO
Com o objetivo de elaborar modelo prognóstico
específico para unidades de terapia semi-intensiva
pós-operatória, foram estudados prospectivamente
450 pacientes internados na Enfermaria de Cuidados
Intensivos (ECI) do serviço de cirurgia geral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro nos períodos de maio
a dezembro de 1997 e abril a outubro de 1998. Foram
coletadas variáveis demográficas e o escore APACHE
II. Para a realização da Regressão Logística Múltipla
(RLM) os pacientes foram randomicamente divididos
em dois grupos: 300 pacientes para a formulação e
150 pacientes para a validação do modelo prognóstico (método split-sample). O modelo gerado por RLM
(stewise forward) denominado de modelo ECI gera a
166
probabilidade de óbito hospitalar e é composto por
três variáveis: idade (anos), probabilidade de óbito
gerada pelo modelo APACHE II (%) e a necessidade
de prótese ventilatória (sim/não). A área sob a curva
ROC para a discriminação e goodness-of-fit para a
calibração revelaram melhor desempenho do modelo
ECI sobre o modelo APACHE II, alcançando excelentes níveis de discriminação e calibração [(área ROC
- ECI = 0,9278 ± 0,0283 versus APACHE II = 0,8849
± 0,0311; p=0,04); calibração (ECI: C = 0,82; p=0,99
versus APACHE II: H = 12,59; p=0,24)]. Após sua
validação por pesquisadores independentes, o modelo prognóstico ECI poderá ajudar a futuras pesquisas
nessa população de pacientes.
Palavras-Chave: Escores Prognósticos, Unidade
de Terapia Semi-Intensiva Pós-Operatória, Letalidade, Regressão Logística, Modelo Probabilístico.
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167
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
El Lugar de la Medicina Intensiva
Correa, Prof. H.
ABSTRACT
Adult’s medicine can be represented as 3 concentric circles. The large external circle represents General Medicine
(GM). The circle in the center represents Intensive Care Medicine (ICM). The circle in the middle represents Internal
Medicine, Surgery and Medical or Surgical specialities. Medical and Surgical Specialties are represented as radius
of the circles that contact in the exterior with GM and in the interior with ICM. Each sector penetrates the other. GM
receives the majority of all patients in first consultation, maintains a stable relation, organizes the process of care
and gives counsels to them in a lot of situations. But GM doesn’t manage or solve complex illnesses. In the opposite,
ICM receives several ill patients, for a few days and interact briefly with them. In general, the survivors never return.
The circle of specialties between GM and ICM is a big work environment, where doctors practice a lot of technical
manoeuvres in hospitals, and go in a progressive way from GM to ICM
After 30 years of experience in this field and aiming to contribute to resolve several organizational problems in my
country I had practice “reflection in action” and reflection in work” in intensive care medicine.
-Witch is the better organization for related these different places of medical work?
-What kind of medical doctor is authorized to treat and resolve the critical problems of the very ill patients?
-Is the general ICU, with a permanent staff, better than de specialized ICU?
-Can the specialist (non-intensivist) work well with critically ill patients?
I think that the general ICU with a permanent staff is the best model. However, at the same time I think than the
specialized ICU can exist if the hospital or the community needs. They can exist with the condition that the doctor
in charge of the ICU is an intensivist. He or she can be a pneumonologist, cardiologist, neurosurgeon, buy not only
this. He must have a specific training (certificated or accredited training) in intensive care medicine and I think that
the same condition could the best for every member of the staff.
L
a medicina evoluciona sin cesar, a veces en
forma lenta, a veces en forma rápida, y a veces en forma vertiginosa como nos parece que
ha ocurrido en la ultima mitad del siglo XX. El ritmo de
evolución es influido entro otros factores por cambios
en las enfermedades prevalentes, invención o descubrimiento de nuevos recursos terapéuticos, aumento en la
profundidad del conocimiento, cambios en las creencias
o doctrinas sobre organización del cuidado de la salud
de las poblaciones y factores de interés económico. La
aplicación de los cambios en general es universal pero
no uniforme y varía notablemente en las poblaciones de
acuerdo, entre otros factores, al tipo cultural, al nivel
de desarrollo y a la disponibilidad y distribución de los
recursos.
Aquí solo hablaremos de la medicina intensiva.
La medicina intensiva o medicina de cuidado critico
ó terapia intensiva es una realidad ya materializada en
todo el mundo La respuesta que se dio a la necesidad de
tratar en forma organizada y sistemática a los pacientes
críticos fue la UCI ó CTI. Históricamente muchos especialistas clásicos comenzaron a tratar y cuidar estos
pacientes: internistas, anestesiólogos, infectólogos,
nefrólogos, cardiólogos y neumólogos. Lo hicieron de
acuerdo a lo que sabían hacer previamente y que parecía
ser necesario en la UCI.
Pero el trabajo médico y el tiempo no pasan en vano,
y lentamente se fue modelando algo nuevo: una forma
de pensar, una doctrina, un entrenamiento especial, una
experiencia particular sobre hechos concretos “nuevos”
para la mente médica: Shock Séptico, Síndrome de Disfunción Orgánica Múltiple, Distres Respiratorio Agudo
del Adulto….y muchos más. Los nuevos problemas
“descubiertos” y sus soluciones o intentos de solución
se expandieron enormemente y exigieron dedicación,
tiempo y especialización. Hubo que conocerlos en profundidad y con exactitud, para poder diagnosticarlos y
tratarlos: Nacieron los intensivistas.
Pero aunque el corazón ( “core”) de esta parte nueva
de la artesanía medica es similar en casi todas partes,
la respuesta dada a las preguntas que surgieron no es
la misma y tiene gran variabilidad ¿Quien debe practicarla? ¿Se necesita acreditar la capacidad de un médico
para practicarla? Y si se necesita ¿ Quien lo acredita?
¿Las unidades deben ser “abiertas” o “cerradas”? ¿Es
preferible que existan unidades generales médico-quirúrgicas o de cada especialidad? ¿Cómo seleccionar
los pacientes que deben ser admitidos?. Inicialmente se
UNIDADES DE TRATAMIENTO INTENSIVO POLIVALENTE Y UNIDADES MONOVALENTES.
Prof. Humberto Correa
Ex Catedrático de Medicina Intensiva. Facultad de Medicina; Universidad de la Republica; Montevideo-URUGUAY. E Mail
[email protected]
168
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
creó una conmoción en la antigua y honorable estructura de la medicina. Y esta conmoción movió fuerzas
científicas, académicas, económicas y de poder, de
“poder médico”. Si bien la realidad práctica se impuso
(existen UCIs por miles) esas fuerzas influyeron y modularon la respuesta a todas las preguntas. Las aguas no
se han nivelado del todo, pero hay un camino recorrido
y en muchas partes del mundo estas discusiones son
historia. Pero los modos de solución tienen diferencias
importantes.
La historia de la medicina intensiva en Uruguay,
y la controversia sobre el tipo de unidades, ocurridas
en los últimos 3 años, me han obligado a reflexionar y
a buscar una respuesta intelectual – aunque sea provisoria- a la forma de organización y de integración de
nuestra especialidad en el gran mundo de la medicina de
adultos. La reflexión que sigue es un modesto aporte a
esa respuesta Trata del concepto de Medicina Intensiva,
de su práctica en unidades asistenciales polivalentes y
de la existencia de unidades monovalentes. Seguramente estos pensamientos están influidos en parte por los
diálogos frecuentes con mis colegas. Aunque es una
historia local, puede ser de interés para esta región sudamericana dado que los países del sur se integrarán en
forma progresiva e indefectible a pesar de los obstáculos de diversa índole que deban ser superados.
En el transcurso de los últimos 30 años de la historia médica del Uruguay, se han elaborado conceptos
firmes en cuanto a la esencia de la especialidad Medicina Intensiva y de su práctica. Se han establecidos
programas de formación, exigencias académicas para
obtener el diploma que identifica a los especialistas,
normativas estatales para estructurar las instalaciones
asistenciales y para autorizar quien puede trabajar en
ellas. Sin embargo el transcurrir de toda actividad – el
arte médico entre otras – trae aparejado la necesidad de
puestas al día periódicas. Estas puestas al día son nada
más que una expresión de la vida normal de los sistemas
dinámicos en su funcionamiento adecuado, que conlleva inevitablemente la adaptación continua a las nuevas
y cambiantes situaciones.
LA MEDICINA ASISTENCIAL DE ADULTOS
COMO TRES CÍRCULOS CONCÉNTRICOS
Si en medicina asistencial de adultos tenemos principalmente en cuenta, el órgano o sistema en que se origina
una enfermedad (sector especial de la economía), el
riesgo de muerte que conlleva (gravedad), el tiempo estimado en que este hecho puede ocurrir a causa de la enfermedad considerada (urgencia), y la posibilidad o no de
impedir ese desenlace en ese tiempo (recuperabilidad),
podemos hacer una clasificación práctica en tres círculos
concéntricos: el de la Medicina General, el de la Cirugía
y la Medicina Interna (y sus Especialidades Sectoriales)
y el de la Medicina Intensiva (ver figura 1).
Figura 1
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
169
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
La Medicina General –MG- (medicina de familia y
variantes) ocupa el circulo más amplio en su totalidad
(es el circulo A, de mayor diámetro que los demás).
Es la parte más abarcativa de la medicina en cuanto
a grupos poblacionales. La MG se ocupa - toma a su
cargo- de todos los padecimientos de los enfermos no
quirúrgicos, y de todos los padecimientos no quirúrgicos que pueden precede, acompañar o seguir a la
cirugía. Sus pacientes consultan por alteraciones de
cualquier órgano o sistema o combinaciones de ellas.
Ninguna enfermedad escapa a su campo, al menos en
alguna de sus etapas. Toma a su cargo enfermedades
que recién comienzan, enfermedades que repiten, enfermedades que permanecen largo tiempo o durante
toda la vida, y enfermedades que acentúan a veces la
intensidad de sus síntomas crónicos. Su periodo de
acción durante la vida de los pacientes y durante el
transcurso de cada enfermedad puede ser muy prolongado (meses y años).
El segundo circulo (Circulo “B”) está dividido
en dos mitades iguales: Una de ellos contiene a la
Cirugía, y a las “especialidades quirúrgicas”. La otra
mitad contiene a la Medicina Interna y a las “especialidades médicas”. La cirugía se define o tiene su
origen en la practica de una terapéutica, de un método de tratamiento: la intervención quirúrgica. Una
“operación” es el ejercicio de una interrupción de la
cobertura del cuerpo para actuar en su interior. Es una
medicina actualmente riquísima y muy desarrollada,
que incluye no solo la practica de “operaciones” sino
el estudio y conocimiento de toda la patología relacionada. La Medicina Interna en relación a la MG es
más limitada pero más profunda. Ocupa en la ciencia y la practica médica un circulo de menor radio
que la MG. Conoce, estudia y cuida pacientes que
por la intensidad o complejidad de su padecimiento
necesitan permanecer internados en instituciones.
Estas instituciones,sanatorios u hospitales, reciben
pacientes agudos o episodios agudos de afecciones
crónicas. Los enfermos que las sufren necesitan un
control más estricto, una solución mas rápida a sus
problemas y exámenes especiales (laboratorio e imagenología) o tratamientos que se realizaran mejor o
son posibles solamente con el paciente internado. En
la noción de “necesidad de permanecer internado” influye decisivamente en muchísimos casos la autovalidez del enfermo,el entorno del hogar del paciente, y
la continentación de las personas que lo rodean.
La Medicina Interna (“ medicina no quirúrgica”)
y la Cirugía
(“ Medicina quirúrgica”) tienen ambas una parte
global, y una parte de especialidades.
170
Las especialidades son acotadas o sectoriales,
dedicadas a un sistema, a un órgano, a un grupo particular de enfermedades o a una enfermedad única
en algunos casos. No nos ocuparemos aquí de las
disciplinas sectoriales que derivan de prácticas instrumentales o diagnosticas (endoscopias diversas, laboratorio, imágenes y otras). En general la medicina
de especialidad surge ante la necesidad de conocer
más profundamente grupos de enfermedades que
tienen en común asentar en un sistema. Son por definición limitadas, actúan durante una parte – a veces
muy corta, pero generalmente muy importante -, de
la vida médica de los sujetos enfermos. En la mayoría
de los casos el médico general envía su paciente al
especialista para que este lo diagnostique en profundidad, proporcione normas para el manejo, establezca
la necesidad o no de una conducta quirúrgica o instrumental, realice una intervención concreta y luego
lo envíe de vuelta a su médico original para que él
continúe con el control, la guía y la terapéutica. Las
especialidades son profundas, pero limitadas en el
espectro de la patología y en el tiempo asistencial,
son solamente partes de un todo. Se acomodan en el
segundo circulo de la clasificación y ocupan sectores
contiguos dentro de la Medicina Interna o de la Cirugía. La especialidades emergen como radios, y están
en contacto amplio con la medicina interna o la cirugía y por una de sus extremos contactan con la MG y
por el otro con la Medicina Intensiva. Un especialista
no puede atender, diagnosticar y curar todos los padecimientos de un enfermo, sino los del sector en el
cual se especializó, practicó más y conoce mejor.
El tercer circulo (es el Circulo “C”) está ocupado
en su totalidad por la Medicina Intensiva. La Medicina Intensiva no ocupa un sector sino todo el tercer
circulo. Todas la enfermedades recuperables pueden
necesitar de la medicina intensiva. La necesitarán
durante un tiempo corto -pero excepcionalmente intenso- si su estado evolutivo pone en riesgo la vida
en las próximas horas o días. La extensión potencial
de la Medicina Intensiva es similar a la de la MG en
cuanto al espectro de las patologías, pero el periodo
de su ejercicio es mucho más corto en la vida de los
pacientes y en el curso de las enfermedades. A su vez
es mucho más profundo en intensidad y mucho más
complejo en los medios que emplea. La medicina intensiva no atiende solo un sector del organismo sino
todos los sectores en diversa combinación según la
necesidad. La MI no es una actividad “sectorial”
comparable a las otras especialidades: el intensivista es un generalista del paciente grave médico-quirúrgico recuperable : el paciente critico.
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
ESENCIA DE LA MEDICINA INTENSIVA
Este aspecto es básico en nuestra reflexión.
Las enfermedades, cualquiera que sea su causa,
cualquiera que sea el sistema u órgano en que se originan, pueden adquirir una gravedad extrema y ser
capaces de causar la muerte en forma rápida. Esta severidad puede alcanzarse rápidamente desde un estado
de salud completa previamente, luego de algunos días
o semanas de enfermedad aguda menos severa o desde
un estado previo muy prolongado de enfermedad crónica. Cuando cualquier enfermedad llega a este grado
de severidad tiene algunas características comunes:
A: compromete más de un sistema
B: hace del paciente un no-autoválido total
C: requiere sustitución artificial de funciones
D: puede causar la muerte rápidamente
Si la situación es potencialmente recuperable, el
paciente es un enfermo critico y debe de ser asistido
por especialistas en medicina intensiva. La medicina
intensiva (MI), ubicada en el tercer circulo del esquema propuesto en la medicina asistencial de los
adultos, es la parte del arte médico que estudia, enseña
y practica el diagnostico, control y tratamiento de los
pacientes críticos. Se parece a la medicina general en
que su terreno son todas las enfermedades, todos los
órganos y todos los sistemas, pero solamente si se encuentran tan gravemente afectados que pueden causar
la muerte rápidamente, y esto se estima potencialmente reversible.
Si todas las situaciones de gravedad extrema
(potencialmente recuperable) no tuvieran una trama
final parecida, no tuvieran un soporte biopatogénico
común, no condujeran casi sistemáticamente al fracaso múltiple sucesivo o simultáneo de órganos diversos,
y no necesitara de la sustitución artificial de funciones..... la medicina intensiva no tendría razón de ser y
no existiría. Pero independientemente de la voluntad
de los médicos – meros interpretes y estudiosos del ser
humano enfermo-,sean intensivistas o no, las situaciones patológicas de severidad critica tienen irrefutablemente esas características.
La medicina intensiva no es una especialidad de un
sistema o de un órgano, ni de una técnica ; no es una
especialidad dedicada solamente en profundidad al
aparato respiratorio o al hígado o las endoscopias
, sino que es la “medicina general” de los pacientes
críticos. Sus practicantes son los médicos que deben
conocer, atender, intentar ordenar y curar todos los
problemas de todos los sistemas de los pacientes muy
graves potencialmente recuperables. Pero ello no significa que deban hacerlo solos. Es imprescindible la
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
integración como veremos luego
Los intensivistas deben conocer la falla neurológica, respiratoria, circulatoria, digestiva, hematológica,
renal, endocrina etc. del paciente es esa fase, en esa
instancia tan particular. Instancia que implica la pérdida de la homeostasis, y la imposibilidad de recuperarla
sin el apoyo de prótesis externas o de apoyos específicos de órganos o de sistemas.
Como ejemplo:El médico intensivista no tiene
necesidad - ni lo requiere su función- conocer profundamente y en forma detallada toda la patología y
la clínica del aparato respiratorio, lo cual es la tarea
del neumólogo. Pero debe conocer profundamente
todas las alteraciones de la función respiratoria y la
aplicación cuidadosa y actualizada de los mejores
medios terapéuticos para ellas. Con intensa dedicación debe estudiar todas las patología respiratorias
que más comúnmente traen pacientes a las unidades
de cuidados intensivos (UCI). También debe conocer
como diagnosticar al instante las complicaciones que
se asocian a los problemas respiratorios que trata y
aquellas que pueden derivarse de los métodos que
aplica (ventilación artificial).
IINTERRELACIÓN ENTRE LOS 3 CÍRCULOS
Los tres círculos del esquema propuesto deben mezclarse en sus limites, no pueden tener un continente
rígido, el medico general debe conocer correctamente
una parte de la patología cardiovascular y de su terapéutica, especialmente los problemas más frecuentes
y los tratamientos más normatizados. Y debe conocerlos estrictamente al día. Debe enviar su paciente al
especialista y debe recibirlo de vuelta tan pronto sea
posible. Debe ser capaz de manejarlo, de seguirlo medicando, de controlar su medicación, y debe también
ser capaz de juzgar cuando debe volver al especialista.
Incluso es bueno que exista una guía o un programa
– con valor de orientación- de cuales son los problemas del aparato respiratorio, circulatorio o digestivo
(y otros) que puede manejar el generalista y hasta que
profundidad, y cuando está indicada la consulta con el
especialista.
En otro limite entre los círculos, el cirujano, el
internista y los especialistas médicos o quirúrgicos
deben tener un área de lenguaje común con el intensivista, un área superpuesta, un solapamiento de campo
de acción. Cada uno debe considerar y aplicar en la
práctica un claro concepto de lo que es el otro. Como
ejemplo: el neurólogo no es cualquier médico que examina pacientes neurológicos, sino alguien especialmente capacitado en profundidad para ello (a través
171
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
de un programa y pruebas de evaluación) y un fino experto en el diagnostico preciso y en la evaluación del
pronostico. Igualmente el intensivista no es cualquier
médico que pone a un paciente en un respirador artificial y que indica vasopresores porque está mal perfundido, sino alguien que estudió mediante un programa
oficial establecido y fue evaluado por una institución
oficial. A través de ello se capacitó finamente en el conocimiento de la disfunción múltiple de órganos y en
sus terapéuticas. El intensivista debe comandar la terapéutica durante el estado critico. Sin embargo en gran
parte de los casos le es imprescindible la integración
con el especialista de un sector: hay tareas que cada
uno de ellos aislado no puede hacer en ese paciente, y
si la puede hacer el otro o solamente ambos juntos. La
integración es la buena solución aunque sea difícil.
Sería más simple poner un límite rígido. Si se
pusiera un límite rígido, el pensamiento o el diálogo
sería así ; a) el especialista: “mis pacientes no necesitan intensivistas”; “si necesitaran apoyos especiales yo
indicaré la ventilación y yo conduciré el tratamiento de
las disfunciones”; b) el intensivista: “ yo no necesito
especialista para ningún paciente; si ocurrieran problemas particulares o poco frecuentes de determinado
órgano los puedo tratar solo”. Esto sería más simple,
pero también una necedad intelectual y una actitud potencialmente letal para el único interesado de verdad:
el paciente.
La tarea de especialistas de un sector, cuando
actúan en situaciones graves, se refiere a enfermedades agudas, originariamente de un solo sistema, que
requieren tratamientos urgentes muy específicos por
parte de médicos particularmente entrenados en ese
sistema y en ese tratamiento. Como ejemplo: sangrado
de várices esofágicas; ruptura de aneurisma de aorta;
coma por encefalitis; infarto agudo de miocardio, etc.
Son situaciones particulares de un sistema, pero que
implican o implicarán rápida y necesariamente el
compromiso de otros sistemas. Como el desarreglo
“multisistema” es campo del intensivista, este debe
entrar rápidamente en escena y establecer el sostén
de la vida y las prioridades. Pero el especialista de
sector, que atiende la situación puntual y delicadísima
de origen, debe participar activamente, indicando los
detalles y oportunidad de su terapéutica, pero integrado al intensivista que comanda el sostén de la vida. El
especialista comanda ajustes especiales que le son de
particular conocimiento: las dosis de medicación para
la neumocistosis, la oportunidad para la nueva endoscopia esofágica, etc, pero no debe decidir cuando suprimir el apoyo ventilatorio o de que manera modificar
la dosis de los vasopresores.
172
Debe aún progresarse en este camino – la integración- en el que hay numerosos y diarios ejemplo de
colaboración adecuada y otros de enconada oposición
“partidista”, al menos en nuestro país
¿A DONDE VAMOS FINALMENTE
CON ESTAS REFLEXIONES?
:Todo paciente critico debe de ser asistido por intensivistas.
Desde el punto de vista académico, desde el punto
de vista de la Facultad de Medicina, en Uruguay esta
ya está establecido. La Facultad tiene una Cátedra de
Medicina Intensiva, existe un programa de formación
de intensivistas que dura 3 años. Incluye 2000 – dos
mil- horas de entrenamiento práctico, 200 – doscientas- horas de actividad teórica, 6 evaluaciones semestrales, la elaboración de dos historias comentadas o
participación en dos trabajos científicos presentados y
la elaboración de una monografía. Existe una prueba
de evaluación final teórica y práctica. La Escuela de
Graduados de la Facultad de Medicina convalida la
resolución del tribunal que toma la prueba y otorga un
diploma que acredita al titular del mismo como especialista. El diploma es presentado ante el Ministerio de
Salud Pública (MSP) en donde se registra y se autoriza
al titular a actuar como médico intensivista. Recién
entonces el intensivista es tal y puede tratar pacientes
criticos. En este momento la inmensa mayoría de los
médicos que actúan en las UCI del Uruguay son intensivistas. Periódicamente el MSP ha extremado su
exigencia y ha establecido plazos perentorios para suspender el trabajo de los no intensivistas en UCI. Esto
ha sido muy bienvenido desde nuestro punto de vista
pues ha urgido a regularizar su situación a los médicos
no especialistas. Esta realidad puede no corresponder
necesariamente a la de otros medios sanitarios y a países de otras dimensiones.
UNIDADES DE CUIDADOS
INTENSIVOS “MONOVALENTES”
Sin embargo hay otro ámbito donde puede persistir
controversia o irregularidad, o donde la misma puede
plantearse. Se trata de las Unidades de Cuidados Intensivos “Monovalentes”. Las unidades monovalentes están diseñadas para atender en ellas solamente pacientes
de una especialidad sectorial (Neurología, Cardiología,
Neumología y potencialmente otras). Su objetivo es admitir pacientes críticos cuya enfermedad inicial o causal
se inició en el sistema a que esa especialidad se dedica.
En Uruguay estamos en el presente ante la instalación
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
real de Unidades Monovalentes de los sectores o especialidades de (A) Neurología y (B) Cardiología.
(A) Neurología y neurocirugía necesitan en forma
imprescindible asistir situaciones criticas de muchos
pacientes. Proveen a la medicina de críticos de gran
número de pacientes: injuria cerebral traumática; postoperatorios de tumores o traumas; accidentes vasculares agudos: hemorragia cerebro meníngea complicada
y otros accidentes vasculares agudos isquémicos o
hemorrágicos, cuadriplegia por polirradiculoneuritis;
meningoencefalitis etc. La injuria del SNC tiene particularidades muy especiales, su tratamiento es muy
especifico y a la vez dada la participación casi constante
de otros sistemas en la crisis (recordemos que todo
critico es casi sin excepción un enfermo “polisistema”)
necesita de sostenes y tratamientos específicos de medicina intensiva.
(B) Las afecciones agudas del corazón, muy especialmente aquellas originadas en patología vascular
coronaria son muy frecuentes. Dentro de ellas son
mayoría las que deben ser sometidas a procedimientos
especiales de diagnósticos, medicación muy específica,
y terapéutica semi-intervencionista o intervencionista
específica y delicada (cirugía). Estas situaciones (isquemia coronaria, arritmia grave, infarto agudo de miocardio) se presentan de dos maneras en cuanto a su riesgo
actual: a) están en equilibrio precaria pero son de alto
riesgo de catástrofe; b) presentan complicaciones actuales (“catástrofe”) que ponen en riesgo inmediato la vida
a causa de disfunciones orgánicas severas. Las que son
“de alto riego potencial” tienen en común varias cosas:
necesitan diagnóstico rápido, control estricto, cuidado
continuo en el tiempo de la crisis, y reciben terapéuticas
que deben controlarse sin pausa. Si el riesgo queda solo
como “potencial” y no pasa a ser una catástrofe “actual”
se solucionan en horas o días y generalmente han recibido pocos apoyos externos, han mantenido la conciencia
y no han sido sometidos a ventilación artificial. Si el
equilibrio se ha roto, presentan inevitablemente disfunción orgánica múltiple (DOM) y son pacientes criticos
como todos los demás, con su homeostasis perdida y
necesidad de múltiples apoyos para sustituir funciones
e intentar salvar su vida (Shock cardiogénico, edema
pulmonar masivo, taponamiento cardíaco, sepsis endocardica, y otros).
Especialistas en Neurología / Neurocirugía y en Cardiología han reclamado en Uruguay desde hace tiempo
la instalación de unidades especificas de su sector, (unidades monovalentes o “específicas”): UCI Neurológica
y UCI Cardiológica o “Unidad Coronaria”. Unidades
solo para pacientes neurocríticos o solo para pacientes
coronarios. De hecho existen este tipo de unidades en
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
varios sanatorios u hospitales de Montevideo
¿Deben existir estas unidades?
¿Son convenientes para los pacientes neurocríticos o coronarios?
¿Tenemos algo que decir sobre ello los intensivistas?
Nuestra respuesta como intensivista (y también
como ex catedrático de medicina intensiva) es que SI,
que pueden y deben existir, si las demandas asistenciales así lo requieren y si la entidad que las instaló o
que piensa instalarlas tiene medios para ello. En otras
palabras su instalación y funcionamiento depende en un
aspecto del requerimiento asistencial y en otro aspecto
de la disponibilidad de medios económicos, pero no de
un problema académico si se da la condición siguiente.
Pero al mismo tiempo, y con el mismo énfasis decimos
que para que no exista una contradicción académica,
esos pacientes críticos que van a ir a esas unidades
“monovalentes” deben ser asistidos por intensivistas.
En todos los aspectos concernientes a la disfunción
múltiple de sistemas y a sus sostenes de cualquier tipo
deben ser atendidos por intensivistas. No hay contradicción en que esos intensivistas sean también neurólogos
o cardiólogos, pero no deben ser solo neurólogos o solo
cardiólogos y además aficionados al tratamiento del
Shock séptico, del distres respiratorio del adulto o a la
ventilación artificial en modalidad protectora del pulmón. Deben de tener todas la formación necesaria para
tratar a un paciente critico.
¿QUIÉN DEBE DIRIGIR ESA
UNIDAD “MONOVALENTE”?
El Jefe del Equipo de intensivistas que actúa en la
Unidad “monovalente” debe de ser intensivista. Si no,
¿ a quien van a consultar los intensivistas actuantes
cada día para tomar decisiones en casos de disfunción multiorgánica compleja, frente a una hipoxemia
refractaria, frente a una poliuria inapropiada, frente
a una plaquetopenia con sangrado en un séptico?
Evidentemente que el director general de todo el departamento que contiene a esa unidad (Departamento
de Cardiología, Departamento de Neurocirugía u otro)
va ser un especialista del sector que da lugar al departamento, un cardiólogo o un neurólogo. Pero ¿Puede
ser un especialista no intensivista el jefe del equipo
de intensivistas de cualquier unidad de pacientes
críticos? Respondemos enfáticamente que NO. Tanto las unidades de cuidados intensivos neurológicas
/neuroquirurgicas así como las cardiologicas deben
ser dirigidas por un intensivista o un especialista de la
disciplina de que se trate que además lo sea.
173
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
SITUACIONES (UNIDADES) INTERMEDIAS
Existen casos en que el sector de internación tiene
categoría de “intermedio”. No es un sector de internación corriente de pacientes autovalidos ni es un sector
de internación de pacientes críticos, sino que está diseñada para recibir pacientes como los marcados con
(B) a.: es decir pacientes de la orbita cardiológico que
sufren eventos agudos graves, pero que se mantienen
en equilibrio actual y no tienen disfunción orgánica
múltiple ni claudicación de un sistema que necesite
sustitución artificial externa de una función. Necesitan
vigilancia continua, toma de decisiones rápidas, práctica de exámenes especiales, estudios hemodinámicos,
potencial realización de cirugía y medicación específica. Pero no necesitan sustitución de funciones (ventilación artificial, hemodiálisis, sedación y analgesia
continua, nutrición parenteral total etc). Son pacientes
con problemas serios cardiacos pero sin desequilibrios
actuales de su homeostasis ni necesidad de sustitución
de funciones (angina inestable, angor de reciente comienzo, pre y/o post estudio hemodinámico, infartos
no complicados, arritmias diversas). Quienes asistan
a esos pacientes podrán ser no-intensivistas, aunque
deben estar especialmente entrenados en la evaluación, control y tratamiento de los pacientes que tendrán
que asistir y saber el momento en que el enfermo debe
pasar a manos del intensivista.
UNIDADES DE CUIDADOS INTENSIVOS
“MONOVALENTES” CARDIOLOGICAS
ACTUALES EN URUGUAY
Existen actualmente varias unidades de cuidados
intensivos coronarios o cardiológicos en sendos sanatorios de Montevideo. Los médicos de guardia de
estas unidades son cardiólogos no intensivistas y otros
cardiólogos intensivistas. Hace pocos años esta situación dio lugar a intensas y enconadas discusiones entre
las sociedades científicas respectivas. Se discutía un
problema en parte académico y en parte laboral. En
el se mezclaban intereses económicos, intereses de
posibilidad de trabajo y como en todas actividad social
humana – sin excepción – interese de poder. Dicho esto
sin una connotación peyorativa especial y referido a
todas las partes. La sociedad de intensivistas defendió
a rajatabla el principio de que todo paciente critico (con
disfunciones de sistemas – de uno varios- que ponen
en riesgo inmediato la vida y que necesitan soportes
externos de los sistemas) necesita ser tratado por un
intensivista en forma continua. Se basaba en un argumento racional y de tradición local: 1)los intensivistas
174
son los únicos médicos especialmente formados para
estudiar y tratar pacientes con disfunciones orgánicas
agudas severas solas o asociadas que ponen en riesgo la
vida. 2) la Facultad de Medicina forma especialmente
a los intensivistas y ninguna otra Cátedra en Uruguay
prepara a sus especialistas en el sostén permanente de
disfunciones orgánicas de riesgo vital. La sociedad de
cardiólogos defendió agresivamente el derecho a que
su especialidad – la cardiología – tuviera bajo su tutela
todas las etapas por las que puede transitar un paciente
cardiológico. Argumentaron que si no podían tratar y
dirigir la etapa critica de sus enfermos perdían un gran
sector de los problemas patológicos de la especialidad y
que los pacientes se perjudicarían por ello. Se basaba en
un argumento de conocimiento científico y en la tradición de la mayor parte del mundo fuera de Uruguay: 1)
Los cardiólogos son los que mejor conocen la patología
cardiaca y coronaria y 2) En muchísimos países existen
Unidades de Cuidado Intensivo Coronarias que son
atendidas solamente por cardiólogos.
Si se observan los argumentos esgrimidos por separado, los dos parecen haber tenido razón, pero con un
mínimo de sagacidad se puede observar que las razones
de uno no son las opuestas a las del otro, ni siquiera
tocan la profundidad del asunto. Las 4 afirmaciones por
separado son verdaderas o casi. Pero hay algunas que
son parciales, verdades parciales que en algunas etapas
de evolución de las enfermedades quedan fuera de contexto: la primera de los cardiólogos: “ son los que mejor
conocen la patología cardiaca y coronaria” es verdad
pues son formados especialmente para ello. Pero no
están formados para atender a esos pacientes cuando
su patología cardiaca o coronaria deriva en disfunción
múltiple de órganos, es decir cuando “sus” pacientes
cardiológicos se transforman en cardiológicos críticos.
Porque cualquiera que se forma especialmente para
atender disfunciones orgánicas múltiples siguiendo un
programa establecido es un intensivista. Y los programas formativos especialmente dirigidos a la medicina
intensiva o “terapia intensiva” son los que forma médicos en ese sentido.
Desde el punto de vista real y efectivo, descargando
a todo el problema de connotaciones económicas, laborales o de poder, lo único que importa es que los pacientes con determinado patología sean tratados por los
más capacitados en cada patología o en cada etapa de
enfermedad. Si se desea reunir (por la razones que sea)
todos los pacientes de origen cardio /coronario en un
solo sector que trate sus enfermedades en todas sus etapas, todos los médicos que los tratan deben estar entrenados totalmente para ello: debe haber cardiólogos que
traten problemas ambulatorios, cardiólogos que traten
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
emergencias, cardiólogos hemodinamistas, cardiólogos
ecografistas, e inevitablemente debe haber intensivistas
para que traten todos los problemas de disfunción multiorgánica en la etapa critica de estos enfermos mientras
sus colegas cardiólogos no intensivistas colaboran en la
parte específica “ cardiológica”.
.¿Hay otras soluciones? Otra posible es que el paciente cardiológico con patología grave sea tratado en
unidades coronarias asistidas por cardiólogos (con diversas variantes de su especialidad), y cuando se transforma en un paciente critico con distres, desarreglos de
múltiples sistemas, shock o sepsis, sea trasladado a la
unidad polivalente de medicina intensiva.
En todo esto no debe haber demasiada rigidez, debe
de haber mucho dialogo, mucha coordinación y mucha
rapidez. El beneficiario debe de ser siempre el paciente.
El sistema que sirve en cada lugar es aquel que utilizando todos los medios posibles en ese sitio proporciona la
organización que de mejor resultado para la salud del
paciente. Pero debe defenderse siempre que quien atiende a un paciente de una situación x debe estar profunda
y específicamente preparado para esa situación x y no
mirara por el ojo de su cerradura situaciones patológicas
que son multifacéticos y muy graves. El último ejemplo
se ha centrado en las Unidades coronarias o CTI o UTI
cardiologicas a causa de que históricamente dispongo
de un ejemplo reciente, pero un esclarecimiento del que
intenté en estas páginas debe darse para muchos otros
sectores de la medicina.
En la organización y el dialogo deben de participar
en forma obligada los distintos especialistas clínicos,
los administradores y los especialistas en salud que
dirigen las instituciones.
Actualmente hay muchas investigaciones, comunicaciones en revistas y capítulos de textos dedicados a
algunos de los problemas tratados aquí donde los lectores pueden ampliar su información. A continuación se
mencionan algunos referentes a:
-conceptos generales, organización, tipos de unidades(1,2)
-definiciones y recomendaciones de Sociedad Europea sobre educación y entrenamiento de los intensivistas, acreditación de unidades y de técnicos(3).
-encuesta sobre exigencias de acreditación de instituciones y técnicos en un grupo de 500 hospitales de
Estados Unidos de América(4).
-demostración de que la permanencia de un intensivista a cargo de las consultas (las 24 horas) mejora la
sobrevida de los pacientes, comparado con otro medico
no especialista en la misma función(5), y de que la existencia de un staff de nurses especialmente entrenado
acorta la estadía de los enfermos críticos(6).
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
-demostración de la importancia de las técnicas de
medicina intensiva y de cuidado continuo: el entrenamiento de los cirujanos en cuidado intensivo mejora
la sobrevida de sus pacientes graves(7) y la creación de
unidades de vigilancia de los postoperatorios complejos
diminuye el numero de complicaciones cardiorrespiratorias(8).
-eficacia de las unidades de cuidado neurointensivo,
y propuesta de que tomen a su cargo los pacientes con
stroke desde el mismo momento del ingreso al hospital(9).
- problemas particulares de pacientes internados
en áreas de cuidado no-intensivo y con desequilibrios
vitales incipientes o en riesgo de ellos y papel de los
intensivistas en su asistencia(10).
- problemas particulares de cuidado intensivo en áreas rurales muy apartadas o comunidades pequeñas(11).
-problemas particulares acerca de población seleccionada > 65 años en UCI(12).
- información sobre la medicina intensiva y la formación de intensivistas en Uruguay(13-15).
REFERENCIAS:
1.
2.
3.
4.
5.
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175
RBTI / RELATO DE CASO
3200 Picadas de Abelhas Africanizadas
A Man Stung About 3200 Times By Africanized Honeybees
Penteado J.O.P.; Oliveira C.H.; D’Angieri A.; Graudenz G.S.; Massucato A.E.; Castro A.B.; Castro E.
ABSTRACT
Africanized bees are spreading all over the American hemisphere since they were accidentally released in Brazil in
1956. These insects are unique in their aggressive behavior, characterized by massive attacks with a high amount of
venon injected into their victims. The venon contains several toxic substances, mainly melltin, phospholipase A2,
and hyaluronidase. We report the clinical case of a middle aged man who suffered a massive attack of Africanized
bees (about 3,200 bee stings). The man had had a severe shock that was recovered after fluid and vasoactive drug
therapy administration. A multisystem organ failure (pulmonary, renal, and hepatic) with a huge rhabdomyolisis
and severe hemolysis were progressively observed after 48 hours. Despite intensive treatment with mechanical
ventilation, peritoneal dialysis, vasoactive drugs administration, histaminic antagonist agents, and corticosteroids
administration, plus fluid, electrolyte, and blood replenishment, the man died about 100 hours after hospital admission. Furthermore the authors discuss the clinical patterns of bee envenomation and suggest a systematic approach
to the victims of bees attacks, including massive ones.
Keywords: Bee sting • Multisystem organ failure • Rhabdomyolysis • Hemolysis • Acute renal failure
A
s abelhas africanizadas (Apis melifera) surgiram no Brasil em 1956, quando o Dr. Warwick Estevan Kerr buscava uma maneira
de aumentar a produtividade de mel das subespécies
européias nativas da América do Sul. A enxameação
acidental de 26 rainhas e suas colmeias importadas
da África originou uma subespécie produtiva mas
bastante agressiva de abelhas1, constituindo-se em
uma ameaça aos habitantes de áreas urbanas e suburbanas onde esses insetos geralmente vão procurar
comida, água e abrigo.
Poucas informações publicadas à respeito de ataques dessas abelhas levou a uma falta de recomendações quanto às condutas frente a essa emergência
médica ambiental. Segue-se o relato de caso de um
paciente vítima de envenenamento maciço pelas picadas desses insetos, bem como as recomendações
sugeridas pelos autores a partir dessa experiência e
de outras levantadas na literatura.
RELATO DE CASO:
Trata-se de um acidente ocorrido em uma chácara
na região de Jundiaí, Estado de São Paulo, no qual
um homem de 33 anos de idade, alcoolizado, caiu ou
escorregou de um barranco dentro de uma colmeia
de abelhas africanizadas. O paciente deu entrada
no Pronto Socorro adulto do Hospital de Caridade
São Vicente de Paulo cerca de 90 minutos após o
início da agressão devido à dificuldade encontrada
pela equipe de bombeiros para o seu resgate. Na
admissão o paciente encontrava-se obnubilado, em
choque circulatório (PA = 70 x inaudível, FC > 120
bpm) e taquidispneíco ( FR = 28 ipm), tendo sido
rapidamente levado à Unidade de Terapia Intensiva
do hospital, onde foi entubado e submetido a suporte
ventilatório mecânico, terapia de ressuscitação volêmica com cristalóides, drogas vasoativas, epinefrina
subcutânea, além de receber anti-histamínicos e corticoterapia.
Na tentativa de diminuir a quantidade de veneno
injetada na vítima, as porções expostas dos ferrões
sobre a pele, contendo os sacos de veneno, foram raspados com lâmina de barbear. A contagem direta das
lesões demonstrou cerca de 3.200 picadas, havendo
ferrões inclusive em mucosas e couro cabeludo. Considerando-se uma dose de 25 µg de veneno por picada
de abelha, o total estimado de veneno injetado foi de
Autor Principal: Dr. José Otávio Pontes Penteado - Rua Conselheiro Rodrigues Alves, 751 - ap. 81 - Vila Mariana - CEP 04014-012
- São Paulo - SP - Fones: (11) 5575-4954 ou 9815-2771 - E-mail: [email protected]
Demais autores: Dr. Celso Henrique de Oliveira; Dr. Alessandro D’Angieri; Dr. Gustavo Silveira Graudenz; Dr. Alcindo Edélcio
Massucato; Dr. Agostinho B. Castro; Dra. Eliane Castro
Unidade de Terapia Intensiva de Adultos - Hospital de Caridade São Vicente de Paulo - Jundiaí - São Paulo
176
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / RELATO DE CASO
80mg ou 1mg/kg de peso corpóreo.
Cerca de 12 horas após a admissão, apesar de estabilizado hemodinamicamente, o paciente já tinha
evoluído com síndrome da angustia respiratória do
adulto, oligúria e grave necrose tissular. Nessa ocasião foi realizado um exame de Urina I que acusava
proteinúria semi-quantitativa de 4+. Não foi feita
dosagem de mioglobina urinária. Após tentativa infrutífera de alcalinização da urina e estimulação da
diurese com diuréticos de alça, foi instalada diálise
peritoneal. Um aspecto semiológico observado foi a
evolução das lesões: inicialmente as picadas correspondiam à pápulas eritematosas. Posteriormente, nos
flancos do paciente mantido em posição supina, as lesões deram a aparência de “escorrer” através da pele
por ação da gravidade (figura 1 – setas). A literatura
não relata esse fenômeno e os autores atribuem-no à
destruição do tecido conjuntivo subcutânea pelo veneno das abelhas (vide discussão adiante).
FIGURA 1 – Aspecto das lesões
Figura 2 – Evolução da Hemoglobina
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
Com 48 horas de internação, detectou-se grave
hemólise (figura 2) apresentando o paciente 19% de
eritroblastos pouco antes do óbito. A plaquetometria
também demonstrava intenso consumo atingindo
40000 plq./mm3 nos últimos exames.
Exames laboratoriais demonstraram intensa elevação de todas as enzimas avaliadas: a creatinofosfoquinase (CPKT), a desidrogenase láctica (DHL) e
a aspartato aminotransferase (AST) excetuando-se
a alanina aminotransferase (ALT) que sofreu pouca
alteração (figura 3). Medidas como nutrição e hidratação adequadas, ventilação artificial precoce, diálise
peritoneal e terapia pressórica endovenosa não surtiram efeito, evoluindo o paciente a óbito cerca de 100
horas após a admissão.
DISCUSSÃO:
O veneno da abelha é similar entre as várias
subespécies sendo composto de
principalmente de melitina, fosfolipase A2 (FLA2) e a hialuronidase2.
A melitina penetra dentro das duas
camadas de fosfolípides constituintes da membrana celular causando
o rompimento dos eritrócitos, das
plaquetas, dos leucócitos, bem como
do endotélio vascular2. Um estudo
com ratos demonstrou ação independente e sinérgica da melitina e
da FLA2 na indução de necrose do
músculo esquelético3. A hialuronidase causa rompimento do tecido
conjuntivo facilitando a captação
e disseminação do veneno2. Além
da composição similar, as abelhas
domésticas e as africanizadas também têm concentrações aproximadamente iguais de veneno injetável
em seus sacos de veneno4, sugerindo
que a morbi-mortalidade associada
à ataques com picadas maciças de
abelhas é resultado da dose cumulativa de veneno injetada na vítima5 o
que, em última análise, guarda uma
relação direta com a maior ou menor
agressividade das diferentes subespécies. Por outro lado, discute-se
qual o melhor método para remoção
dos ferrões: se a raspagem ou o pinçamento. Na literatura há um trabalho identificando como único fator
177
RBTI / RELATO DE CASO
realmente importante, no sentido de se minimizar a
quantidade de veneno injetada na vítima, o tempo de
retirada dos ferrões, sendo irrelevante sua remoção
ou não após alguns poucos segundos6.
Figura 3 – Evolução Enzimática
Apesar da ocorrência em alguns pacientes de reações alérgicas graves após uma ou algumas poucas
picadas, várias mortes têm sido relatadas sem manifestações alérgicas, enfatizando os efeitos tóxicos
diretos do envenenamento maciço. De uma maneira
arbitrária, algumas centenas de picadas são consideradas suficientes para causar morte por efeito tóxico
direto em um adulto hígido com peso normal (70Kg).
Todavia um estudo demonstrou reação tóxica após
cerca de 50 picadas7.
Alguns autores subdividem os efeitos da toxicidade direta do veneno de abelha em imediatos e tardios8. Os sinais e sintomas da reação tóxica imediata
são fadiga, náusea, vômitos, hemólise, insuficiência
renal aguda (IRA) e coagulação intravascular disseminada (CIVD). Raramente pacientes assintomáticos, exceto pela dor, com achados laboratoriais
iniciais normais, demonstram após um período de
12 à 24 horas evidências de hemólise, coagulopatia,
trombocitopenia, rabdomiólise, disfunção hepática
e CIVD, caracterizando manifestação tardia da toxicidade direta do veneno8. Citam-se como efeitos
maiores da toxicidade direta do veneno a anemia hemolítica, o choque e a IRA. Essa última pode ser devida a um mecanismo tóxico-isquêmico com choque
hipovolêmico e anafilático associados à tubulopatia
por pigmentos (mioglobinúria e hemoglobinúria)
e/ou necrose tubular aguda devida a agressão renal
direta pelo veneno. Casos associados à rabdomiólise,
178
hemólise e IRA podem evoluir para cura com terapia
de suporte e métodos dialíticos convencionais9, 10. À
despeito de termos encontrado relato de uma criança
picada cerca de 800 vezes que evoluiu com anemia
hemolítica, rabdomiólise e IRA e se
recuperou com auxílio de diálise peritoneal continua9, a literatura sugere prognóstico sombrio em adultos
vitimados por mais de 500 picadas
de abelhas africanizadas, não experimentando esses pacientes boa
evolução na vigência de métodos
dialíticos convencionais11, 12.
Recentemente especulou-se sobre
a utilidade da plasmaférese nesse
tipo de situação (ataques com mais
do que 500 picadas) provavelmente
porque reduz diretamente a massa
de veneno circulante e/ou remove os
mediadores inflamatórios circulantes13. Há relato de um sobrevivente
sem seqüelas de ataque maciço (>
2000 picadas) onde se utilizou a
plasmaférese, além da diálise peritoneal14.
CONCLUSÕES:
Baseado nessa experiência e no levantamento feito na literatura, os autores sugerem a seguinte abordagem do paciente vítima de ataque por abelhas:
O paciente em choque anafilático e/ou apresentando reação tóxica imediata ao veneno da abelha deve
ser estabilizado hemodinamicamente e tratado com
base na apresentação clínica inicial e sinais vitais.
Nesses casos a terapia com ressuscitação volêmica,
derivados do sangue, drogas vasopressoras, administração de diuréticos, alcalinização da urina e métodos
dialíticos pode ser necessária.
Um adulto hígido, que tenha recebido 50 ou mais
picadas e esteja se queixando apenas de dor, pode ser
observado na unidade de emergência por 6 a 12 horas. Se os exames laboratoriais de entrada e após esse
período forem normais, o paciente pode ser acompanhado ambulatorialmente com segurança. Crianças,
idosos e pacientes com comorbidades importante
devem ser observados por, pelo menos, 24 horas.
O número exato de picadas ainda está por ser
determinado mas provavelmente pacientes adultos
hígidos vitimados por menos do que 500 picadas e
que evoluam com IRA, podem ser tratados com métodos dialíticos convencionais além das medidades
de suporte acima descritas. Um número maior de
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / RELATO DE CASO
picadas, como no caso apresentado, deve deflagar
a imediata remoção do paciente para um centro que
possua plasmaférese. Certamente em crianças, idosos
e pacientes com comorbidades devem despertar essa
preocupação tão logo o quadro de IRA se manifeste,
mesmo que o número de picadas seja menor.
RESUMO:
As abelhas africanizadas estão se espalhando por
todo o continente americano desde sua soltura acidental em 1956 no Brasil. Esses insetos são únicos
em seu comportamento agressivo, caracterizado por
ataques maciços com grande quantidade de veneno
injetada em suas vítimas. O veneno contem várias
substâncias tóxicas, sendo as principais a melitina, a
fosfolipase A2 e a hialuronidase. Os autores reportam
o caso clínico de um homem de meia idade, vítima de
um ataque maciço de abelhas africanizados (cerca de
3200 picadas). Ao ser admitido no hospital, o paciente estava choque circulatório e apresentou resposta
satisfatória à terapia de ressuscitação volêmica e com
drogas vasoativas. Todavia, após 48 horas o paciente
evoluiu com falência de múltiplos órgãos (pulmonar,
renal e hepática) acompanhada de rabdomiólise e severa hemólise. Apesar de tratamento intensivo com
suporte ventilatório mecânico, diálise peritoneal,
administração de drogas vasoativas, agentes antihistamínicos, corticoesteróides, além de reposição
de fluídos, eletrólitos e hemoderivados, o paciente
faleceu cerca de 100 horas após admissão. Além da
apresentação do caso, os autores discorrem sobre os
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
padrões clínicos de envenenamento por picadas de
abelhas e sugerem uma sistematização de conduta
frente às vitímas de ataques por abelhas , incluindo
os ataques maciços.
Palavras-chaves: Picada de abelha • Falência de
múltiplos órgãos • Rabdomiólise • Hemólise • Insuficiência renal aguda
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179
RBTI / RELATO DE CASO
Tromboembolismo Pulmonar Maciço em Paciente
com Síndrome de Anticorpo Antifosfolípide
Massive Lung Thromboembolism in Patient With
Anthiphospholipid Antibodies Syndrome
Filho, J.R.(1); Macedo, M.(2); Isolato, R.B.(2)
ABSTRACT
Antiphospholipid antibodies are a group of self-antibodies responsable for a syndrome characterized by the association between hypercoabilities status and the presence of thromboembolic events. We report a case of a patient
without significant risk factors or familiar history for cardiovascular disease that presented massive lung thromboembolism and was treated with intra lung arterial and systemic thrombolitic and in a complementary investigation
were identified antiphospholipid antibodies– IgG and anticardiolipin-IgG.
A
nticorpos antifosfolípides são um grupo de
auto-anticorpos com afinidades e especificidades em comum, reconhecidos através de
associações de proteínas e /ou fosfolípides.
O termo “Síndrome de Anticorpo Antifosfolípide”
foi primeiramente utilizado para denotar a associação
clínica entre a síndrome de hipercoagulabilidade e os
anticorpos antifosfolípides.
O primeiro anticorpo antifosfolípide foi detectado,
primariamente, através da reação de fixação de complemento, reagindo com extratos de coração bovino, em
pacientes com sífilis, em 1906(1).
O antígeno relevante foi mais tarde identificado
como cardiolipina, um fosfolípide mitocondrial. Essa
observação tornou-se a base para o teste VDRL (Venereal Disease Resarch Laboratory) para sífilis, utilizado
até os dias atuais(1). Os testes realizados levaram ao
achado de que muitos pacientes com lúpus eritematoso
sistêmico apresentavam VDRL positivo sem evidência
sorológica positiva para sífilis. Em 1983, foi desenvolvido teste de eletroimunoensaio para anticorpos anticardiolipina. Este teste era extremamente mais sensível
que o VDRL para a detecção da anticardiolipina em
pacientes com lúpus, e os anticorpos anticardiolipina
detectados eram fortemente associados com anticorpos
anticoagulante-lúpicos, testes falso VDRL positivos e
tromboses(1,5).
Muitas hipóteses têm sido formuladas para explicar
os mecanismos celulares e moleculares da trombose na
síndrome antifosfolípide(2,4,5).
A ativação das células endoteliais pelos anticorpos
antifosfolípides, através do mecanismo de auto-regulação e da expressão de moléculas de adesão, secreção de
citocinas e do metabolismo das prostaglandinas, estão
diretamente relacionados com a predisposição à formação de trombos(4).
Outra teoria diz respeito à injúria endotelial mediada
por substâncias antioxidantes. Lipoproteína de baixo
peso molecular (LDL) oxidada, importante causador
de aterosclerose, é degradada por macrófagos que
conduzem à subseqüente dano à célula endotelial(2).
Auto-anticorpos contra os LDL oxidados ocorrem em
associação com anticorpos anticardiolopina, através de
reação cruzada, e estes também reconhecem os fosfolípides oxidados(2).
Uma outra teoria propõe que os anticorpos antifosfolípides interferem ou modificam as proteínas fosfolípides envolvendo regulação na cascata de coagulação(5).
Vários mecanismos estão implicados: proteína C, prótrombina, fatores tissulares, entre outros(2,5).
CASO CLÍNICO
A M, 44 anos, masculino, branco, natural de São
Paulo-SP, residente em Bragança Paulista-SP, procurou
o pronto-socorro apresentando dispnéia progressiva há
aproximadamente 15 dias, sem relação com os esforços,
que se intensificou subitamente nos últimos dois dias,
UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO
Disciplina de Cardiologia
(1) – Responsável pela Disciplina de Cardiologia da Universidade São Francisco. Doutor em Medicina (Cardiologia) pela Universidade de Zurique-Suíça / FMUSP.
(2) – Médicos residentes do segundo ano de Cardiologia da Universidade São Francisco.
180
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / RELATO DE CASO
quando iniciou concomitantemente quadro de tosse
com episódios de hemoptise em pequenas quantidades,
incapacidade de realizar os mínimos esforços, inapetência, desconforto torácico mal definido na região retroesternal, tipo aperto e de fraca intensidade. Apresentavase ao exame físico em mal estado geral, pálido, com
cianose labial e em extremidades+++/4+, taquipnéico
(freqüência respiratória aproximada de 40 incursões
por minuto). Estava instável hemodinamicamente com
pressão arterial de 100x70 mmHg, freqüência cardíaca
de 130 batimentos por minuto, sem sopros, com hiperfonese de B2 em foco pulmonar. A ausculta pulmonar
estava diminuída globalmente, sobretudo em base esquerda, terço médio e base do pulmão direito.
Como antecedentes pessoais não apresentava hipertensão arterial, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca,
distúrbios de coagulação, tabagismo, etilismo, uso de
drogas.
Não tinha história de doenças cardiovasculares na
família.
Nos exames complementares, o eletrocardiograma
inicial mostrava ritmo sinusal, regular, com ondas s
em D1, q em D3, T em D3. A gasometria mostrava
evidente hipoxemia (pO2: 69,1), hipocapnia (pCO2:
31,5) compatível com o estado clínico. Foi realizado
ecocardiograma transtorácico que demonstrou aumento
da dimensão das câmaras cardíacas direitas, insuficiência tricúspide de grau importante, desvio importante do
septo interventricular em direção ao VE e redução da
dimensão ventricular esquerda, hipertensão pulmonar
(pressão sistólica estimada pelo Doppler na artéria pulmonar em 65 mmHg). O paciente foi encaminhado para
arteriografia pulmonar digital que comprovou tromboembolismo pulmonar grave, apresentado oclusão parcial
da artéria pulmonar direita, com visualização apenas da
região apical (Figura 1) e presença de falha de enchimento intraluminal em artéria pulmonar esquerda com
oclusão de ramificações em vasos de grossos calibres
e arteríolas (Figura 2). Foi realizada a infusão de estreptoquinase no tronco das pulmonares durante estudo
hemodinâmico, na dose de 200.000 unidades, em bolos,
a qual foi continuada, na Unidade de Terapia Intensiva,
na dose de 100.000 unidades/hora, por aproximadamente 76 horas. Na UTI, evoluiu com melhora parcial dos
sintomas com a manutenção da infusão do fibrilonítico.
Posteriormente, foi anticoagulado com heparina na
dose de 1.000 unidades/hora e iniciciado warfarina no
terceiro dia, ajustando-se o INR entre 2 e 3. Após cinco
dias de evolução, foi realizado novo Dopplerecocardiograma, que mostrou redução da insuficiência tricúspide
e da hipertensão pulmonar (pressão sistólica na artéria
pulmonar estimada pelo Doppler em 39 mmHg) bem
como das cavidades cardíacas direitas. Após cerca de
uma semana, sem melhora do quadro clínico, o mesmo
foi encaminhado para tratamento cirúrgico (tromboembolectomia) com circulação extracorpórea. Durante o
procedimento cirúrgico, não foram visualizados trombos em átrio direito, tronco pulmonar e ramos direitos e
esquerdos de ambos os pulmões.
O paciente apresentou evolução clínica satisfatória e
continua em acompanhamento no Ambulatório de Cardiologia. Foram investigados possíveis fatores causadores do tromboembolismo pulmonar, com ultra-sonografia com Doppler dos vasos dos membros inferiores e
Fig. 1 – Arteriografia pulmonar direita
demonstrando oclusão de subramo da artéria
pulmonar com hipoperfusão importante do
parênquima na região médio basal.
Fig. 2 – Arteriografia pulmonar monstrando
obstrução dos subramos da artéria pulmonar
esquerda com hipoperfusão significativa de
todo o parênquima pulmonar.
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
181
RBTI / RELATO DE CASO
pelve, porém sem evidências de trombos endovenosos.
As provas de atividade inflamatória foram negativas. O
estudo da coagulação sanguínea demonstrou valores normais de proteína S e proteína C, bem como pesquisa de
antitrombina, porém foram encontrados anticorpos antifosfolípides – IgG e anti-cardiolipina- IgG positivos.
DISCUSSÃO:
A síndrome antifosfolípide é encontrada mais predominantemente em indivíduos jovens e hígidos. Sua
prevalência aumenta com a idade, especialmente em pacientes idosos co-existindo com doenças crônicas(3). Entre pacientes com LES, a prevalência é muito maior(1,3).
Muitos pacientes têm evidências laboratoriais de
anticorpos antifospolípides sem conseqüências clínicas. Até o presente momento não há dados suficientes
para determinar qual a porcentagem dos pacientes com
anticorpos antifosfolípides terá, eventualmente, eventos
trombóticos ou outras manifestações relacionadas à síndrome antifosfolípide(6,8,11).
Estudos prospectivos têm mostrado associação entre
anticorpos antifosfolípides e o primeiro episódio de
trombose(6), o primeiro infarto do miocárdio ou acidente
vascular cerebral(7). O ponto crítico é, entretanto, identificar os indivíduos com esses anticorpos que teriam
riscos aumentados para eventos trombóticos. Importantes fatores de risco parecem ser: história de trombose
anterior, presença de anticorpos anticoagulante lúpico
e um nível elevado de anticorpos anticardiolipina IgG,
o que pode aumentar as chances de tromboses em até
cinco vezes(6,7,10,11).
Fatores de risco secundários que aumentam a tendência a eventos trombóticos também devem ser investigados. Estes fatores podem afetar tanto o leito arterial
quanto o venoso como estase sanguínea, injúria vascular, uso de medicamentos como contraceptivos orais e
os demais riscos tradicionais para a doença aterosclerótica(2,10). A eliminação ou a redução desses fatores de risco é especialmente importante, pois a simples presença
de anticorpos antifospolípides parece ser insuficiente
para gerar trombose(1,6).
Aparentemente, qualquer órgão pode ser envolvido
pelo processo de trombose e diversas manifestações
clínicas podem ser encontradas.
A trombose venosa, principalmente dos membros
inferiores, é a manifestação clínica mais comum da
síndrome antifosfolípide, ocorrendo de 29 a 55% dos
pacientes, durante um acompanhamento de seis anos(6).
Metade destes pacientes tiveram tromboembolismo
pulmonar(6).
Trombose arterial é menos comum que a venosa(6,7,8)
182
e mais freqüentemente manifestada por sintomas isquêmicos ou por infarto. A severidade da apresentação
é diretamente proporcional à extensão da oclusão. O
sistema nervoso central é o órgão mais freqüentemente
acometido, através de acidentes vasculares cerebrais
e/ou ataques isquêmicos transitórios, contribuindo com
aproximadamente 50% das oclusões arteriais(6). Oclusões
coronárias respondem com cerca de 23%; os restantes
27% são divididos em diversos leitos, incluindo subclávia, renal, retina, artérias dos membros inferiores(7). É importante enfatizar que episódios trombóticos associados
à síndrome antifosfolípide podem ocorrer em leitos vasculares que não são freqüentemente afetados por outras
doenças que causam estados pró-trombóticos.
Embora manifestações renais sejam muito comuns
no LES, somente recentemente elas foram reconhecidas
como parte da síndrome antifosfolípide. A hipertensão
arterial é quase invariavelmente presente(11).
As alterações histopatológicas da síndrome antifosfolípide refletem uma combinação dos processos
fisiopatológicos maiores da síndrome: microangiopatias trombóticas, isquemia secundária a tromboses ou
embolias arteriais e embolização periférica a partir de
veias, artérias ou de trombos intracardíacos(10,11). Essas
alterações histopatológias não diferem das alterações
observadas em outros estados pró-trombóticos.
A microangiopatia trombótica é uma conseqüência
do envolvimento microvascular. Suas alterações histológicas também não são específicas dessa síndrome,
sendo encontradas na síndrome hemolítico-urêmica,
púrpura trombótica trombocitopênica, hipertensão
maligna, esclerodermia, injúrias por irradiação e várias
microangiopatias trombóticas secundárias a drogas
(como ciclosporina). Alterações incluem: congestão
capilar e trombofibrina intercapilar(11,13). A imunofluorecência revela presença de antígenos com fibrina. Imunocomplexos não são vistos. O envolvimento vascular
se estende da arteríola pré-capilar à musculatura lisa
arterial. Durante a fase aguda, fibro-trombina se adere a
componentes celulares sanguíneos estreitando ou ocluíndo o lúmen vascular. Trombina se organiza em fibrose
celular e fibro-oclusão do lúmen vascular.
Na maioria dos pacientes com síndrome antifosfolípide, o evento trombótico é único. Recorrências podem
ser encontradas meses ou anos após o evento inicial.
Entretanto, uma minoria dos pacientes apresenta uma
síndrome aguda e devastadora caracterizada por múltiplas e simultâneas oclusões vasculares no organismo,
muitas vezes causando a morte. Essa síndrome é conhecida como “Síndrome Antifosfolípide Catastrófica”(12) e
é definida pelo envolvimento clínico de pelo menos três
sistemas orgânicos diferentes por um período de dias
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / RELATO DE CASO
ou semanas com evidência histopatológica de oclusões
múltiplas de vasos de grande ou pequeno calibre. O
rim é o órgão mais freqüentemente afetado (78% dos
pacientes), seguido pelos pulmões (66%), sistema nervoso central (em 56%), o coração (50%) e a pele (50%).
A mortalidade é de 50% e é secundária à falência de
múltiplos órgãos. Fatores precipitantes incluem procedimentos cirúrgicos, traumas, equívocos da terapia anticoagulante e usos de medicações orais contraceptivas.
Embora a fisiopatologia dessa síndrome seja pobremente conhecida, a trombose pode se autoperpetuar em pacientes com estado de hipercoagulabilidade. Uma trombose inicial pode causar um desequilíbrio no balanço da
homeostase e desencadear uma “cascata trombótica”,
com eventos de coagulação por todo o corpo(12).
A decisão terapêutica envolve quatro áreas, profilaxia, prevenção de eventos trombólicos em vasos
maiores, tratamento da microangiopatia trombótica
aguda e o manejo da gestação associada à síndrome
antifosfolípide.
Como princípio fundamental, qualquer fator que
possa predispor a trombose deve ser eliminado. Adicionalmente, modificações dos riscos secundários à
aterosclerose são prudentes, não dando chance à injúria
vascular em promover trombose associada ao anticorpo
antifosfolípide, ou à associação entre anticorpos antifosfolípides e LDL oxidado.
O papel benéfico da anticoagulação em diminuir a
taxa de trombose recorrente tem sido comprovado por
diversos estudos. Nos pacientes cuja terapêutica foi descontinuada, a taxa de recorrência foi de 50% em dois
anos e 78% em oito anos(7,8). O tratamento com warfarina com dose de anticoagulação intermediária (International Normalization Ratio – INR entre 2.0 e 2.9), ou
alta dose (INR maior que 3.0), reduz significantemente
a recorrência de tromboses, enquanto baixas doses do
tratamento (INR menor que 1.9) não conferem proteção
significante(9,10,13). Aspirina isolada é ineficaz em reduzir
a taxa recorrente de trombose(7).
Alguns pontos devem ser enfatizados. Primeiramente, a descontinuação da warfarina é associada com
o aumento do risco de tromboses(8) e de morte(9), especialmente nos primeiros seis meses após o abandono da
terapêutica. Como a taxa de recorrência de tromboses
pode ser alta em pacientes que não recebem terapêutica
anticoagulante adequada (por volta de 70%), o tratamento com a warfarina deve ser realizado por longo
prazo ou mesmo durante toda a vida.
No caso por nós apresentado, salientamos a importância do Dopplerecocardiograma na avaliação inicial
e no acompanhamento intra-hospitalar do paciente(10),
bem como do estudo hemodinâmico precoce após a susVolume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
peita diagnóstica, para possibilitar a dissolução, o quanto antes, da trombose do leito vascular pulmonar(9).
Ressaltamos que após a realização da estreptoquinase é fundamental a realização de novo estudo hemodinâmico como controle de tratamento para se evitar, assim,
uma cirurgia desnecessária.
RESUMO
Anticorpos antifosfolípides são um grupo de autoanticorpos responsáveis por uma síndrome caracterizada pela associação entre estado de hipercoagulabilidade
e a presença de eventos trombóticos, bem como de suas
conseqüências ou, menos freqüentemente, com manifestações clínicas hemorrágicas. Relatamos o caso de
um paciente sem fatores de risco ou história familiar
significativos para doença cardiovascular que apresentou tromboembolismo pulmonar maciço tratado com
trombolítico por via intra-arterial pulmonar e sistêmica
e que, na investigação complementar dos fatores de
hipercoagulabilidade, os achados identificados foram
anticorpos antifosfolípides – IgG e anticardiolipina-IgG
positivos.
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183
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
Diagnóstico dos Distúrbios do
Metabolismo Ácido-base
Diagnosis of the Acid-Base Metabolism Disturbances
Rocco, J.R.
ABSTRACT
Disorders of acid-base homeostasis are frequently observed in intensive care units, and it is important to diagnose
and correct the disturbances immediately. This study presents a revision describing three forms of acid-base disorders analysis, considering the following parameters: 1) pH, PaCO2, HCO3-, anion gap, Δanion gap, urinary anion
gap and osmolar gap; 2) pH, PaCO2 and standard base excess; and 3) strong ion difference, PaCO2 and total weak
acid concentration. Examples of these analysis are furnished.
Keywords: Disorders of acid-base metabolism; Diagnosis, Strong Ion Difference, Standard Base Excess, Acidosis,
Alkalosis.
O
reconhecimento dos mecanismos homeostáticos que controlam o equilíbrio ácido-base é
fundamental, pois os distúrbios ácido-base
estão associados a maior risco de disfunção de orgãos
e sistemas e óbito em pacientes internados em terapia
intensiva(1).
Para reconhecer esses mecanismos, o passo fundamental é a realização do diagnóstico do distúrbio do
equilíbrio ácido-base. A maioria dos médicos intensivistas utilizam somente os dados da gasometria arterial
para fazer o diagnóstico, entretanto, muitos artigos
recomendam a utilização de fórmulas de compensação
e dosagem de eletrólitos e outras substâncias para o correto diagnóstico(2,3).
A análise dos gases arteriais e do pH é realizada
rotineiramente em pacientes submetidos a anestesia ou
internados na terapia intensiva, sendo as suas principais
indicações(5): 1) avaliação do distúrbio do equilíbrio
ácido-base; 2) avaliação da oxigenação pulmonar do
sangue arterial e 3) avaliação da ventilação alveolar pela
medida da pressão parcial do gás carbônico do sangue
arterial (PaCO2).
O objetivo desta revisão é sistematizar a realização
do diagnóstico do distúrbios ácido-base e apresentar
três formas diferentes para proceder essa análise. O
primeiro método avalia o pH, pressão parcial de gás
carbônico no sangue arterial (PaCO2), bicarbonato plasmático (HCO3-), e os gaps: anion gap, ∆anion gap, anion
gap urinário e gap osmolar. O segundo método avalia o
pH, PaCO2 e o standard base excess (SBE). Já o terceiro
método avalia o strong ion difference (SID), PaCO2 e a
concentração total de ácidos fracos (Atot).
DEFINIÇÕES
pH. É o logaritmo negativo da concentração do íon
H+, que é igual a concentração de íons H+ quando o coeficiente de atividade é unitário.
Ácido. Substância capaz de doar protons ou íons H+.
Base. Substância capaz de receber protons ou íons H+.
Acidemia. pH do sangue arterial menor que 7,36
+
(H > 44 nmol/L).
Alcalemia. pH do sangue arterial maior que 7,44
(H+ < 36 nmol/L).
Diversas situações clínicas estão associadas a distúrbios do equilíbrio ácido-base (Tabela 1), e devem sempre ser suspeitadas quando deparamos com pacientes
portadores dessas condições. Os dístúrbios ácido-base
podem ser divididos em simples, duplos e triplos (Tabela 2).
PRIMEIRO MÉTODO DE ANÁLISE
Consiste em efetuar as quatro etapas para a avaliação da existência de distúrbio ácido-base: 1) Verificar
a validade da gasometria arterial utilizando a fórmula
Professor Adjunto de Clínica Médica Propedêutica da UFRJ - Médico do Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho / UFRJ - Mestre e Doutor em Clínica Médica pela UFRJ - Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB e pela
Federação Pan Americana e Ibérica de Medicina e Cuidados Intensivos - Titular-colaborador do Colégio Brasileiro de Cirurgiões
Endereço para correspondência: Rua Desenhista Luiz Guimarães, 70 bloco 1 apto 602 - Barra da Tijuca – Rio de Janeiro – RJ - CEP
– 22793-260 - Tel. 021 2431 7301 - Fax. 021 3325 4579 - e-mail – [email protected]
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
Tabela 1. Estados clínicos associados
a distúrbios ácido-base.
Embolia pulmonar
alcalose respiratória
Hipotensão / choque
acidose metabólica
Vômitos / CNG
alcalose metabólica
Cirrose hepática
alcalose respiratória
Insuficiência renal
acidose metabólica
Sepse
alcalose respiratória
acidose metabólica
Gravidez
alcalose respiratória
Uso de diuréticos
alcalose metabólica
DPOC
acidose respiratória
CNG – cateter nasogástrico DPOC – doença pulmonar obstrutiva crônica
Adaptado da referência (2).
Tabela 2. Distúrbios ácido-base.
Simples - acidose metabólica; alcalose metabólica;
acidose respiratória aguda e crônica; alcalose respiratória
aguda e crônica
Duplos - acidoses e alcaloses mistas, acidose metabólica
+ alcalose respiratória; alcalose metabólica + acidose
respiratória
Triplos - acidose mista + alcalose metabólica; alcalose
mista + acidose metabólica
de Henderson-Hasselbalch; 2) Verificar qual o distúrbio
primário; 3) Verificar se existe distúrbio secundário; 4)
Calcular os gaps: anion-gap, delta anion-gap, anion-gap
urinário e gap-osmolar.
1. VERIFICAR A VALIDADE DA GASOMETRIA
ARTERIAL UTILIZANDO A FÓRMULA DE
HENDERSON-HASSELBALCH
Essa primeira etapa sempre deverá ser realizada
para assegurar a fidelidade dos dados. Utiliza-se a
fórmula enunciada a seguir, colocando-se o valor da
PaCO 2 e do HCO 3- e comparando-se o valor obtido
pela fórmula com aquele encontrado na gasometria
arterial.
pH=6,10 + log ([HCO 3-]/ [PaCO 2 x 0,003060])
Se um paciente com choque hipovolêmico apresentar os seguintes valores da gasometria arterial:
pH=7,25; PaCO 2=25 mm Hg; HCO 3-=10,7 mEq/L.
Substituindo na fórmula teremos:
pH=6,10 + log (10,7 / 25 x 0,003060); pH=7,254
Como o resultado do cálculo é muito próximo
daquele observado na gasometria arterial, concluise que esse é confiável e o aparelho está bem calibrado.
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
2. VERIFICAR QUAL O DISTÚRBIO
ÁCIDO-BASE PRIMÁRIO
Para essa análise estabaleceu-se arbitrariamente os
valores normais para o pH (7,35-7,45), PaCO2 (35-45
mm Hg) e HCO3- (22-26 mEq/L). O PaCO2 reflete o
componente respiratório e o HCO3- o componente metabólico. Quando o pH encontra-se abaixo de 7,35 dizse que existe acidose; quando acima de 7,45 diz-se que
existe alcalose. Quando observamos o PaCO2 abaixo de
35 mm Hg dizemos que encontra-se no lado alcalótico;
se acima de 45 mm Hg no lado acidótico. Por outro
lado, quando observamos o HCO3- abaixo de 22 mEq/L
dizemos que encontra-se no lado acidótico; se acima de
26 mEq/L no lado alcalótico. Para determinar qual o
distúrbio primário, basta observar qual o componente
que se encontra no mesmo lado do distúrbio do pH. Voltando ao exemplo anterior: pH=7,25; PaCO2=25 mm
Hg; HCO3-=10,7 mEq/L. O pH abaixo de 7,35 revela
acidose; o PaCO2 abaixo de 35 mm Hg encontra-se no
lado alcalótico; o HCO3- abaixo de 22 mEq/L encontrase no lado acidótico. Logo, o componente metabólico (o
HCO3-) encontra-se no mesmo lado do distúrbio do pH
e o diagnóstico do distúrbio primário dessa gasometria é
acidose metabólica. Se ambos estiverem do mesmo lado
da alteração do pH, qual o tipo de distúrbio ?. Haverá
um distúrbio misto: metabólico e respiratório (acidose
ou alcalose).
3. VERIFICAR SE EXISTE
DISTÚRBIO SECUNDÁRIO
Todos os distúrbios ácido-base suscitam respostas
compensatórias do organismo. Por exemplo, um paciente com acidose metabólica (HCO3- baixo) também
apresentará diminuição da PaCO2. Clinicamente, isto
é observado pela hiperventilação que o paciente apresenta. Já um paciente com acidose respiratória (PaCO2
elevado) também apresentará elevação do HCO3-. Ou
seja, em distúrbios ácido-base simples as mudanças
do HCO3- e da PaCO2 são na mesma direção. Essas
respostas são conhecidas e podem ser previstas através
de fórmulas simples (Tabela 3). Quando essas respostas
apropriadas estão presentes, dizemos que o distúrbio
ácido-base é simples(6). O objetivo dessas respostas
compensatórias é a manutenção da homeostase do
meio interno, geralmente através de sistemas tampão.
Entretanto, essa resposta compensatória normal do
organismo jamais leva o valor do pH à normalidade. Ao
encontrarmos o pH normal em uma gasometria com valores de PaCO2 e/ou HCO3- alterados, necessariamente
o paciente apresentará distúrbio misto.
185
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
Tabela 3. Respostas compensatórias do organismo e fórmulas de compensação.
Distúrbio Ácido-base
Fórmula da compensação*
acidose metabólica - a diminuição do HCO acarreta diminuição da PaCO2
∆PaCO2 = 1-1,4 x ∆HCO3-
3
alcalose metabólica - o aumento do HCO3- acarreta aumento da PaCO2
∆PaCO2 = 0,4-0,9 x ∆HCO3-
acidose respiratória aguda - o aumento da PaCO2 acarreta aumento do HCO3-
∆HCO3- = 0,1-0,2 x ∆PaCO2
acidose respiratória crônica - o aumento da PaCO2 acarreta maior aumento do HCO3
-
∆HCO3- = 0,25-0,55 x ∆PaCO2
alcalose respiratória aguda - a diminuição da PaCO2 acarreta diminuição do HCO3-
∆HCO3- = 0,2-0,25 x ∆PaCO2
alcalose respiratória crônica - a diminuição da PaCO2 acarreta maior diminuição do HCO3-
∆HCO3- = 0,4-0,5 x ∆PaCO2
PaCO2 – pressão parcial do gás carbônico no sangue arterial; HCO - bicarbonato.
* as mudanças para mais ou para menos partem do valor normal de PaCO2 de 40 mm Hg e de HCO3- de 24 mEq/L
3
Voltando ao mesmo exemplo anterior: pH=7,25;
PaCO2=25 mm Hg; HCO3-=10,7 mEq/L. Uma vez verificado que a gasometria está correta, e o distúrbio ácido-base primário é acidose metabólica, o passo seguinte
é utilizar a fórmula compensatória da acidose metabólica (Tabela 3), isto é, calcular qual seria o valor esperado
para a PaCO2.
Assim, usamos a seguinte fórmula: ∆PaCO2=1-1,4
x ∆HCO3Logo, ∆PaCO2=1-1,4 x (24 - 10,7)=13,3 a 18,6
A PaCO2 esperada estará entre (40 - 13,3 a
18,6)=21,4 a 26,7 mm Hg
Uma vez que a o PaCO2 do exemplo cujo valor deveria estar entre 21,4 e 26,7 mm Hg é de 25 mm Hg, o
diagnóstico dessa gasometria arterial é acidose metabólica simples. Observe que, a primeira vista, poderse-ia
fazer o diagnóstico de acidose metabólica associada a
alcalose respiratória, pois a PaCO2 encontra-se abaixo
de 35 mm Hg. Entretanto, utilizando a fórmula para predizer a resposta compensatória normal do organismo,
verificamos que não existe qualquer distúrbio respiratório associado. Se tal resposta não existisse (suponha
um valor normal de PaCO2 de 40 mm Hg), o pH estaria
muito mais baixo, em 7,10.
Esse mesmo paciente com choque hipovolêmico
foi entubado e colocado em ventilação mecânica. A
nova gasometria arterial revelou os seguintes valores:
pH=7,35; PaCO2=20 mm Hg; HCO3-=10,7 mEq/L. A
análise passo a passo revela: 1) o pH esperado pela
fórmula de Henderson-Hasselbalch=7,351, logo a gasometria está correta; 2) O pH é normal, mas a PaCO2
encontra-se no lado alcalótico e o HCO3- no lado acidótico, logo poderemos utilizar a fórmula da acidose
metabólica ou da alcalose respiratória. Como temos
a informação de que o paciente apresentava anteriormente acidose metabólica, utilizaremos essa fórmula;
3) Aplicando-se a fórmula compensatória da acidose
metabólica: ∆PaCO2=1-1,4 x ∆ HCO3Logo, ∆PaCO2=1-1,4 x (40 - 10,7)=13,3 a 18,6
186
A PaCO2 esperada será de (40 - 13,3 a 18,6)=21,4 a
26,7 mm Hg
Assim, como a PaCO2 está abaixo do esperado, o
diagnóstico é de acidose metabólica associada a alcalose respiratória. Se a PaCO2 estivesse acima de 26,7 mm
Hg o diagnóstico seria de acidose mista e o pH seria
muito mais baixo.
Um segundo exemplo: paciente portador de Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica em franca insuficiência
respiratória. Os valores hemogasimétricos revelaram:
pH=7,31 PaCO2=67,5 mm Hg HCO3-=33 mEq/L.
Utilizando-se as três etapas descritas até o momento
constata-se: 1) O pH esperado pela fórmula de Henderson-Hasselbalch=7,31, logo a gasometria está correta;
2) O distúrbio primário é acidose respiratória (PaCO2
na mesma direção do pH); 3) Aplicando-se a fórmula
compensatória da acidose respiratória crônica (o paciente é portador de doença crônica): ∆HCO3-=0,250,55 x ∆PaCO2, logo, ∆HCO3-=0,25-0,55 x (67,5 - 40)
= 6,8-15,1
O HCO3- esperado estará entre (24 + 6,8 a 15,1)=30,8
a 39,1 mEq/L.
Como o HCO3- está dentro do esperado, temos uma
acidose respiratória crônica simples, e não alcalose
metabólica associada como poderse-ia supor sem uma
análise detalhada.
4. CALCULAR OS GAPS: ANION-GAP,
DELTA ANION-GAP, ANION-GAP
URINÁRIO E GAP-OSMOLAR
Anion gap
O anion gap é a diferença entre os cátions e os ânions
presentes no plasma e deve ser calculado em todos os
casos de suspeita de distúrbio ácido-base, pois pode
identificar uma desordem mesmo quando o pH é normal
ou alcalêmico. A fórmula para o cálculo é enunciada a
seguir:
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
Anion gap=Na+ - (Cl- + HCO3-) (8+/- 4 mEq/L)
Um aumento do anion ap significa elevação de
anions plasmáticos não mensuráveis, incluindo lactato
e são mais preocupantes. A Tabela 4 enumera as causas
mais freqüentes de aumento do anion gap plasmático.
Tabela 4. Causas de aumento do anion gap plasmático.
Etiologia
Anion não mensurado
Acidose láctica
lactato
Cetoacidose
β-OH butirato, acetoacetato
Insuficiência de filtração renal
sulfato, fosfato, urato
Salicilato
salicilato, ceto-anions,
lactato
Metanol
Formaldeído
Etilenoglicol
glicolato, oxalato
Paraldeído
acetato
Delta anion gap
O delta anion gap pode ser utilizado para detectar
a presença de distúrbios ácido-base em pacientes que
apresentam acidose metabólica com anion gap elevado.
Ele relaciona a elevação do anion gap com a proporcional diminuição do HCO3-.
∆Anion gap=(anion gap - 10) / (24 - HCO3-) (1 - 1,6
mEq/L)
Quando ∆Anion gap <1 sugere acidose metabólica
não anion gap; se > 1,6 sugere alcalose metabólica concomitante.
Anion gap urinário
O íon amônia (NH4+) é o principal cation excretado na
urina (20-40 mEq/L/dia). Na acidose metabólica a excreção de NH4+ aumenta drasticamente, resultando em negativação do AG urinário (-20 a -50 mEq/L). Entretanto, se
existe algum defeito na acidificação renal (eg. acidose tubular renal), a excreção de NH4+ é diminuída, resultando
em anion gap urinário positivo. Assim esse cálculo é útil
no diagnóstico de acidoses metabólicas não anion gap. A
fórmula para seu cálculo é enunciada a seguir:
Anion gap urinário=Na++K+-Cl- (-20 a 0 mEq/L)
Gap osmolar
O Gap Osmolar é a diferença entre a osmolaridade
medida diretamente e aquela calculada pela fórmula:
Osm (mOsm/L)=2 x Na+ + (glicose/18) + (BUN/2,8
ou Uréia/6) (275-290 mOsm/L)
Gap osmolar=Osm medida - Osm calculada (10-20
mOsm/L)
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
Quando elevado indica a presença de susbtâncias
osmoticamente ativas no plasma (solutos não mensurados).
Utilizando-se os conhecimentos adquiridos até o
momento, ilustraremos como raciocinar frente a um
paciente masculino de 42 anos que foi encontrado desacordado com uma garrafa de licor perto, sendo trazido
ao Serviço de Emergência: PA=120/80 mm Hg FC=110
bpm, FR=28 irpm, Tax.=37 oC, as pupilas eram fracamente responsivas à luz e os reflexos profundos eram
vivos. Haviam estertores crepitantes bibasais. Os exames laboratoriais revelaram:
Na+=135 mEq/L, K+=5 mEq/L, Cl-=97 mEq/L
pH=7,10, PaCO2=35 mm Hg, HCO3-=12 mEq/L
PaO2=90 mm Hg em ar ambiente,
BUN=30 mg/dl, creatinina=1,5 mg/dl, glicose=110
mg/dl
As perguntas que se impõem são as seguintes:
1) Qual o diagnóstico do distúrbio ácido básico
primário?
Como o pH está abaixo de 7,35 existe acidose;
PaCO2 abaixo de 40 mm Hg é alcalose; HCO3- abaixo
de 22 mEq/L é acidose; como o distúrbio que acompanha a direção do pH é o metabólico, o distúrbio primário é acidose metabólica.
2) Qual a resposta compensatória normal do organismo?
Como o distúrbio primário é acidose metabólica,
utilizamos a fórmula para predizer o valor da PaCO2 em
casos de acidose metabólica:
∆PaCO2=1-1,4 x ∆HCO3-; como o valor do PaCO2
esperado encontra-se entre 23,2 a 28 mm Hg, o paciente
apresenta acidose mista.
3) Como classificar o dístúrbio quanto ao valor
do anion gap?
O valor do AG=135 - (97+12) = 36 mEq/L; como o
valor normal situa-se entre 4 e 12 mEq/L, temos um valor
elevado do anion gap, ou em outras palavras, trata-se de
um paciente com acidose mista com anion gap elevado.
4) O próximo passo é calcular o delta anion gap
Assim, o delta anion gap foi=(36 - 10)/(24 - 12)=2,2
(valor normal entre 1 - 1,6 mEq/L); um alto valor de
delta anion gap sugere alcalose metabólica associada.
Logo, temos um paciente com acidose metabólica com
anion gap elevado, acidose respiratória e alcalose metabólica simultâneas! (distúrbio ácido-base tríplice).
A osmolaridade medida foi de 350 mOsm/L e a
calculada por fórmula revelou 307 mOsm/L. O EAS
187
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
revelou cristais de oxalato de cálcio sugerindo intoxicação exógena por metanol ou etilenoglicol. Concluindo,
o paciente é portador de um distúrbio ácido-base complexo: acidose metabólica secundária a intoxicação por
etilenoglicol, acidose respiratória por possível broncoaspiração e alcalose metabólica, provavelmente secundária aos vômitos.
Entretanto, a presença de pH normal, HCO3- normal e
PaCO2 normal não significa ausência de distúrbio ácidobase !. Por exemplo, um paciente alcoolista que vomitou
e desenvolveu alcalose metabólica por perda de ácido
clorídrico gástrico. Os exames iniciais revelam: pH=7,55;
HCO3-=40 mEq/L; PaCO2=48 mm Hg; Na+=135mEq/L;
Cl-=80 mEq/L; K+=2,8 mEq/L, logo apresenta alcalose
metabólica com anion gap de 15mEq/L.
Esse paciente desenvolveu cetoacidose alcoólica
com concentração de beta-hidroxibutirato de 15mM/L e
os exames subseqüentes revelam: pH=7,40; HCO3-=25
mEq/L; PaCO2=40 mm Hg (repare que os valores de
pH, HCO3- e PaCO2 estão dentro da variação normal)
Assumindo-se que os eletrólitos não modificaram-se,
o anion gap passou a ser de 30 mEq/L, indicando distúrbio ácido-base misto (alcalose metabólica + acidose
metabólica com anion gap). Assim, apesar dos valores
normais de pH, HCO3- e PaCO2 o paciente apresenta um
distúrbio ácido básico misto. Devemos suspeitar desse
distúrbio quando o anion gap é elevado e o pH e HCO3são quase normais (delta anion gap elevado).
A Figura 1 evidencia o Diagrama de Davenport que
relaciona os valores de pH, HCO3- e PaCO2, e pode ser
útil para se determinar o distúrbio ácido-base primário.
SEGUNDO MÉTODO DE ANÁLISE
Entretanto, existe outro modo de analisar os distúrbios ácido-base, calculando-se o Standard Base Excess
(SBE)(3). É uma medida das alterações metabólicas do
líquido extracelular, sendo calculado pela seguinte fórmula:
SBE=0,9287 x [HCO3- - 24,4 + 14,83 x (pH - 7,4)]
O primeiro termo da equação (0,9287 x HCO3- - 24,4)
é derivado das mudanças no HCO3- do valor normal no
fluido extracelular. O segundo termo (0,9287 x 14,83 x
pH –7,4) fornece o desvio do anion gap do valor normal
no fluido extracelular. A soma dos dois termos fornece
a mudança do buffer base necessária para restaurar o
estado ácido-base normal no líquido extracelular(7). Os
distúrbios respiratórios continuam a ser avaliados pela
variação da PaCO2 (∆PaCO2). Já os distúrbios metabólicos são avaliados pelo variação do SBE (Tabela 5). As
compensações dos distúrbios ácido-base também são
previstas através de fórmulas (Tabela 6).
188
Figura 1. Diagrama de Davenport, que correlaciona
os valores de pH, HCO3 e [H+]. As linhas curvas são
denominadas de isóbaras e representam o valores da
PaCO2. Colocando-se os valores de pH, HCO3 e PaCO2,
podemos observar na interseção desses valores as áreas
escuras com os diversos diagnósticos dos distúrbios
ácido-base primários. Se a interseção cair fora das áreas
escuras, os distúrbios ácido-base são mistos e resultantes
dos distúrbios adjacentes. É interessante notar que
existem limites bem estabelecidos pelas isóbaras dos
distúrbios respiratórios primários (agudos ou crônicos).
Tabela 5. Padrões em distúrbios ácido-base simples
avaliados pelo standard base excess (SBE).
pH
PaCO2
SBE
Distúrbio
< 7,35
<35
<-5
Acidose Metabólica
> 7,45
> 45
>+5
Alcalose metabólica
< 7,35
> 45
0±5
Acidose respiratória aguda
< 7,35
> 45
> + 5*
Acidose respiratória crônica
> 7,45
< 35
0±5
Alcalose respiratória aguda
> 7,45
< 35
< + 5*
Alcalose respiratória crônica
PaCO2 - pressão parcial do gás carbônico no sangue arterial.
*para distúrbios crônicos, SBE deve ser definido pela seguinte equação:
SBE=0,4 x (PaCO2 - 40) ± 5 mM ou ± 5 mm Hg (limites de confiança).
Adaptado da referência 7.
Tabela 6. Compensação dos distúrbios ácido-base
analisados através do standard base excess (SBE).
Distúrbio
Compensação*
Distúrbios Respiratórios Agudos
(acidose ou alcalose)
SBE=Zero
Distúrbios Respiratórios Crônicos
(acidose ou alcalose)
SBE=0,4 x ∆PaCO2
Alcalose Metabólica
∆PaCO2=0,6 x SBE
Acidose Metabólica
∆PaCO2=SBE
PaCO2 - pressão parcial do gás carbônico no sangue arterial.
* sempre ± 5 mM ou ± 5 mm Hg (limites de confiança).
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
Para ilustrar a forma de utilização desse novo método analítico, tomemos o exemplo a seguir: paciente
de 67 anos, feminina, DPOC grave, internada com
dispnéia, evoluiu para IRA, sendo intubada e colocada
no CTI. Os exames iniciais demonstraram: pH=7,25;
PaCO2=65 mm Hg; HCO3-=28 mEq/L; PaO2=249 mm
Hg. Como a paciente apresenta pH baixo e PaCO2 elevado, temos acidose respiratória aguda. O cálculo do
SBE (SBE=0,9287 x [28 - 24,4 + 14,83 x (7,25 - 7,4)])
revela o valor de 1,37 mM. Após 48 horas foi extubada e
na mesma noite ficou obnubilada com SaO2 de 88-92%.
Novos exames foram coletados: pH=7,10; PaCO2=85
mm Hg; HCO3-=26 mEq/L; PaO2=50 mm Hg. Nota-se
piora da acidose respiratória aguda e hipoxemia. Calculando-se novamente o SBE (SBE=0,9287 x [26 - 24,4 +
14,83 x (7,1 - 7,4)]) o resultado é -2,65 mM. A paciente
foi recolocada em prótese ventilatória e traqueostomizada para ventilação domiciliar. Neste exemplo, a
paciente teve o seu SBE oscilando entre ±5 mM. Logo,
não apresentou distúrbio ácido básico metabólico,
apenas acidose respiratória aguda. Os valores de HCO3estão dentro da variação esperada. Assim, observamos
que além dos valores hemogasométricos é necessário
raciocinar com os dados clínicos do paciente.
Um outro exemplo: paciente com choque séptico e
que desenvolve insuficiência renal aguda. Os exames
iniciais revelaram: pH=7,13; PaCO2=21 mm Hg; HCO3=6,8 mEq/L. Calculando-se o SBE: (SBE=0,9287 x [6,8
- 24,4 + 14,83 x (7,13 - 7,4)]; SBE=-20,0 mM). Como o
pH é menor que 7,35; PaCO2 é menor que 35 mm Hg e
o SBE é menor que –5 mM, o distúrbio primário é acidose metabólica (Tabela 5). Como nos casos de acidose
metabólica a variação do CO2 é igual a variação do SBE
[∆PaCO2=SBE (±5mM); a variação do CO2 foi de 19
mm Hg (40-21) e a do SBE foi de 20] temos que o diagnóstico é de acidose metabólica pura. Foi administrado
NaHCO3, corrigindo-se parcialmente a acidose metabólica pura. Novos exames foram coletados: pH=7,32;
PaCO2=30 mm Hg; HCO3-=15 mEq/L; SBE=-9,8 mM
[SBE=0,9287 x [15 - 24,4 + 14,83 x (7,32 - 7,4)] e,
continua valendo a relação ∆PaCO2=SBE (±5mM) [a
variação do CO2 foi de 10 mm Hg (40-30) e do SBE
foi de 9,8]. Continuamos ainda com o diagnóstico de
acidose metabólica pura. O paciente foi então sedado
c/ midazolam. Os novos exames mostraram: pH=7,10;
PaCO2=40 mm Hg; HCO3-=12 mEq/L; SBE=-15,6 mM
(SBE=0,9287 x [12 - 24,4 + 14,83 x (7,10 - 7,4)]. Para
o diagnóstico de acidose metabólica pura a relação seria de ∆PaCO2=SBE (+/- 5mM). Sendo assim, a PaCO2
esperada seria de (40-15,6)=24,4±5 mm Hg, como está
acima, ocorreu acidose respiratória (pelo uso do hipnótico), logo o diagnóstico é acidose mista (metabólica +
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
respiratória).
O calcanhar de aquiles desse tipo de análise e do
primeiro tipo também, baseado na PaCO2 e HCO3-, é
o caso de uma acidose metabólica superimposta em
um paciente com acidose respiratória crônica(3). Por
exemplo, acidose láctica superimposta em uma acidose
respiratória crônica (eg. paciente com DPOC descompensado) poderia normalizar o SBE, enquanto que o pH
e a PaCO2 continuariam anormais, sugerindo acidose
respiratória aguda, quando de fato, a situação é muito
mais séria. Na Figura 2 é mostrado o Grogograma(3), um
diagrama que relaciona os valores de PaCO2, SBE e pH
e que pode ser útil na determinação do distúrbio ácidobase primário.
TERCEIRO MÉTODO DE ANÁLISE
Entretanto, as explicações enunciadas até aqui falham em dois aspectos(4): 1) não falam a verdade e 2)
falham em explicar o que acontece na Terapia Intensiva
ou no Centro Cirúrgico sob perturbações extremas da
fisiologia ácido-básica ou do balanço hídrico. Por exemplo, se em 1 minuto um paciente recebe 1,5 L de salina
a acidose metabólica desenvolve-se instantaneamente.
Isto é um fato e requer explicação. Tradicionalmente
Figura 2. Diagrama que relaciona os valores de pH,
PaCO2 e SBE, denominado de Grogograma (seu autor
foi Grogono). Observamos três linhas mais grossas
que representam os distúrbios ácido-base metabólicos
(M), respiratórios agudos (RA) e respiratórios crônicos
(RC) simples. O diagrama é dividido em duas metades
(inferior e superior) pelo valor zero do SBE. Na metade
inferior o distúrbio metabólico é acidose, no superior é
a alcalose. Outra divisão (esquerda e direita) é notada
no valor de PaCO2=40 mm Hg. À esquerda o distúrbio
respiratório é alcalose e à direita é a acidose. As
linhas inclinadas representam os valores de pH. Assim,
devemos colocar os valores de pH, PaCO2 e SBE para
estabelecermos o distúrbio primário e o secundário (se
houver). Adaptado da referência 7.
189
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
diriam que a acidose é dilucional. Esta explicação não
faz sentido pois se administramos uma solução não
ácida (salina), como é possível diluir os tampões e não
os ácidos ? As mesmas observações cabem na chamada
alcalose por contração.
E no caso de alcalose metabólica hipoclorêmica
que se desenvolve após perda de suco gástrico ?. Se a
fisiologia fosse simples, a perda de 200 mL de secreção
gástrica originaria a perda de H+ da ordem de 1,6 x 107
moles ou quase todo o estoque corporal. O paciente
morreria de severa alcalemia em minutos !. Isso não
ocorre, e também requer explicação.
Um Novo Paradigma foi criado por Peter A. Stewart
em 1981(8,9). Sua nova forma de pensar revolucionou o
entendimento moderno da homeostase ácido-básica.
É curioso como somente após 20 anos, a importância
de sua contribuição está sendo valorizada. Apesar de
nova, sua análise é baseada nos mesmos princípios fundamentais utilizados nos tratamentos tradicionais para
os distúrbios ácido-base. A diferença mais importante
é o conceito de que os íons hidrogênio e bicarbonato
não são variáveis independentes, mas determinadas por
outros fatores. Mudanças no pH não são o resultado da
geração ou remoção desses íons per se, e sim o resultado de mudanças em outras variáveis. Inicialmente, sua
teoria baseia-se em três princípios(10): 1) a concentração
de H+ é determinada pela dissociação da água em H+
e OH-; 2) eletroneutralidade - em soluções aquosas a
soma dos íons positivos deve ser igual a soma dos íons
negativos; e 3) conservação das massas - significa que a
quantidade de substância permanece constante a menos
que seja acrescentada ou gerada ou removida ou destruída. Na Figura 3 é exemplificada a eletroneutralidade do
plasma.
Pacientes internados em terapia intensiva freqüentemente apresentam alterações do sódio, cloreto, albumina, lactato e fosfato. Essas alterações, principalmente a
hipoalbuminemia, confundem a interpretação dos distúrbios ácido-base quando são utilizados os parâmetros
tradicionais (base excess, HCO3-, anion gap). Assim, os
determinantes da concentração de H+ podem ser reduzidos a três: 1) strong ion difference (SID); 2) PaCO2; e
3) concentração total de ácidos fracos (Atot). Os cálculos
do SID aparente, SID efetivo e do SID gap são realizados através das seguintes fórmulas:
Strong Ion Difference - aparente
SIDa=(Na++ K++ Ca+++ Mg++) - (Cl- + lactato arterial) (valor normal = 40-42 mEq/L)
onde Na+ - sódio (mEq/L); K+ - potássio (mEq/L);
Ca++ - cálcio (mg/dL); Mg++ - magnésio (mg/dL); Cl- cloro (mEq/L)
190
Figura 3. Eletroneutralidade do plasma sanguíneo: a
soma das cargas positivas é igual à soma das cargas
negativas, como indicado pelas alturas das colunas
representando cations e anions. Foram omitidos
(considerados insignificantes na escala mostrada) os íons
que apresentam concentrações micromolar ou nanomolar
(OH-, CO32- e H+). Alb- e Pi- são as cargas negativas
mostradas pela albumina sérica e pelo fosfato inorgânico,
respectivamente. XA- = anions fortes não identificados;
SID = strong ion difference. Adaptado da referência 11.
Strong Ion Difference - efetivo
SIDe=1000 x 2,46 x 10-11 x PaCO2/(10-pH) + [Alb] x
(0,123 x pH - 0,631) + [Pi] x 0,309 x pH - 0,469)
onde PaCO2 - pressão parcial de CO2 arterial (mm
Hg); pH arterial; Alb – albumina (g/dL); Pi – fósforo
inorgânico (mg/dL)
Strong Ion Gap=SIDa – SIDe
Em casos que exista acidose metabólica, o resultado
é a diminuição do SID plasmático, usualmente devido a
adição de anions fortes (lactato, cloreto, outros anions
desconhecidos). Em casos de alcalose metabólica o SID
plasmático aumenta como resultado da adição de cations fortes sem adição de anions fortes (eg. NaHCO3)
ou pela remoção de anions fortes sem cations fortes (eg.
aspiração gástrica)(10).
A PaCO2 é uma variável independente, assumindose que o sistema é aberto, ie, a ventilação é presente. Já
a concentração total de ácidos fracos (Atot) é descrita
pela seguinte fórmula:
Atot = A- + HA
onde A- é o tampão dos ácidos fracos ionizados =
anion gap e HA é o tampão dos ácidos fracos não-ionizados
Os anions fortes não identificados (XA-) são os outros anions fortes, além do cloro (lactato, ceto-ácidos e
outros ácidos orgânicos, sulfato), que estão aumentados
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
em determinadas doenças. Seu valor não é calculado diretamente, a sim através da seguinte fórmula (Figura 3):
XA- = (Na+ + K++ Ca+++ Mg++) - (Cl- + SIDe)
onde Na+ - sódio (mEq/L); K+ - potássio (mEq/L);
++
Ca - cálcio (mg/dL); Mg++ - magnésio (mg/dL); Cl- cloro (mEq/L) e SIDe – strong ion difference efetivo.
Devido a grande prevalência de hipoalbuminemia
em ambientes de terapia intensiva, se faz necessário
corrigir o valor do anion gap pelo valor da albumina:
AG corrigido = AG observado + 0,25 x (albuminanormal (g/L)
- albuminaobservada (g/L))
O valor normal do AG corrigido para um determinado paciente pode ser estimado por três fórmulas
diferentes: 1) AG = 2,5 x albumina; 2) AG = 2 x albumina + 0,5 x fosfato e 3) AG = pH [(1,16 x albumina)
+ 0,42 x fosfato)] - 5,83 x albumina - 1,28 x fosfato
Na Tabela 7 são classificados os distúrbios ácidobase primários utilizando o strong ion difference(11).
Para ilustrar a utilidade desse novo tipo de raciocínio, damos o exemplo do estudo de Scheingraber e
colaboradores(12). Eles estudaram a reposição volêmica
de pacientes ginecológicas com baixo risco cirúrgico.
Um grupo recebeu 30 ml/kg/hora por duas horas solução salina 0,9%. O outro solução de ringer-lactato.
O valor do pH ao final da reposição foi de 7,41 nas
pacientes que receberam ringer-lactato, enquanto que
naquelas que receberam solução salina o pH foi de
7,28. O SID inicial de ambos grupos foi similar, de 38
mEq/L. Já o SID final variou: no grupo ringer-lactato
foi de 33 mEq/L, enquanto que no grupo solução salina foi de 28 mEq/L. A queda do SID é resultante do
valor do SID das próprias soluções, pois o do ringerlactato é 28 mEq/L e o da solução salina é zero mEq/L
(a quantidade de Na+ é a mesma que Cl-, ou seja 154
mEq/L). Assim, por esse raciocínio, a diminuição do
SID é o causador da acidose metabólica. Tradicionalmente, diríamos que o paciente apresentou acidose
dilucional hiperclorêmica(13,14).
No intuito de colocarmos em prática todos os tópicos apresentados nessa revisão, e demonstrarmos as
diversas formas de raciocínio para estabelecer o diagnóstico dos diversos distúrbios ácido-base, faremos
um último exemplo.
Paciente feminina, 55 anos, portadora de cirrose
hepática por vírus C, admitida em PO imediato de
transplante ortotópico do fígado, sedada, em prótese ventilatória. O enxerto demorou para funcionar
e existe injúria de preservação. Os exames iniciais
revelaram: lactato=16 mEq/L; pH=7,16; SBE=-16
mEq/L; PaCO2=32 mm Hg. Existe acidose láctica por
disfunção do enxerto, (SBE=lactato) e a compensação
respiratória está inadequada (na acidose metabólica o
∆PaCO2=SBE; logo o PaCO2 esperado deveria estar
entre 24±5 mm Hg). Como o valor da PaCO2 encontra-se acima do limite superior previsto, a paciente
apresenta acidose mista e foi aumentada a freqüência
respiratória de 14 para 18 irpm.
Como estivesse hipovolêmica e com albumina de
Tabela 7. Classificação dos distúrbios ácido-base primários utilizando o strong ion difference.
I. Respiratória
Acidose
Alcalose
↑ PaCO2
↓ PaCO2
↓SID ↓[Na+]
↑SID ↑[Na+]
↓SID ↑[Cl-]
↑SID ↓[Cl-]
II. Não respiratória (metabólica)
1. SID anormal
a) excesso/déficit de águaa
b) desequilíbrio entre anions fortes
i. excesso/déficit de cloretob
ii. excesso anions não identificados ↓SID ↑[XA ]
c
-
-
2. Ácidos fracos não voláteis
a) albumina sérica
b) fosfato inorgânico
↑[Alb]d
↓[Alb]
↑[Pi]
↓[Pi]e
PaCO2 - pressão parcial do gás carbônico no sangue arterial; SID – strong ion difference; Na+ - sódio; Cl- - cloro; XA- - concentração de anions
fortes não identificados; Alb – albumina; Pi – fósforo inorgânico. Adaptado da referência 11.
a – acidose dilucional e alcalose concentracional: quando existe um deficit ou excesso de água no plasma (pelo critério de uma concentração
anormal de Na+).
b – acidose hiperclorêmica e alcalose hipoclorêmica.
c – inclue ácidos orgâ
e outros anions na insuficiência renal crônica.
d – componente da acidose em pacientes com grave perda de volume extracelular como na cólera.
e – esta fonte de alcalose é clinicamente insignificante; não existe possibilidade do valor do fosfato diminuir o suficiente para causar um efeito
ácido-base apreciável.
Volume 15 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2003
191
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
2,0 g/dl e porque solução salina poderia piorar a acidose por aumentar o SID (até o ringer lactato poderia
piorar o SID devido à disfunção hepática que se estabelece após o transplante – ao invés de um consumidor de lactato [ciclo de Cori] o fígado passa a ser um
produtor do mesmo), foi reposta com albumina a 5%.
Foi administrado também 120 mEq de NaHCO3. A dosagem de Na+=130 mEq/L e a de Cl-=105 mEq/L.
Após o tratamento proposto os exames de laboratório revelaram: pH=7,32; PaCO2=25 mm Hg; lactato=16 mEq/L; SBE=-12 mEq/L. O SID era de 18 mEq/
L. O diagnóstico é acidose metabólica pura e o PaCO2
esperado é 28±5 mm Hg. Nesta altura após 12 horas de
transplante, o fígado já produz bile, e os exames revelaram: pH=7,4; PaCO2=35 mm Hg; Lactato=10 mEq/
L; SBE=-1 mEq/L; Na+=132 mEq/L;Cl-=102 mEq/L
O SID subiu de 18 para 29 mEq/L (2 pontos do
Na+ + 3 pontos do Cl- + 6 pontos do lactato; total = 11
mEq/L). Como o SID “baseline” do paciente gravemente enfermo é baixo pois a Atot é baixa (albumina de
2,0 g/dl, fósforo de 3 mg/dl) em torno de 30 mEq/L, o
pH normalizou-se.
CONCLUSÕES
Novas abordagens para a compreensão das desordens ácido-básicas permitem uma melhor interpretação dos problemas subjacentes. As novas técnicas
não tornam os métodos tradicionais de interpretação
obsoletos. Ao invés disso, complementam-no(1). É fundamental analisar os dados da gasometria arterial e os
eletrólitos à luz do quadro clínico apresentado pelo paciente. Assim, existem três sistemas para diagnóstico
dos distúrbios ácido-base que não são excludentes: a)
baseado no pH, PaCO2, HCO3- e anion gap; b) baseado
no pH, ∆PaCO2, standard base excess e c) baseado no
strong ion difference, PaCO2 e XA-. As duas primeiras
técnicas são dependentes de valores normais para os
eletrólitos, conteúdo de água e albumina dos pacientes, condição raramente encontrada naqueles admitidos na terapia intensiva. A terceira técnica permite
detectar e quantificar todos os componentes, mesmo
nos distúrbios ácido-base mais complexos observados
em terapia intensiva. Assim, a época de se fazer o
diagnóstico do distúrbio ácido-base apenas analisando
a gasometria arterial ficou para trás. É necessário a
avaliação dos eletrólitos e o conhecimento dinâmico
do quadro clínico do enfermo. Entretanto, é importante assinalar que muito do que se conhece acerca do
tema provém de trabalhos experimentais com posterior aplicação clínica. A última palavra provavelmente
ainda não foi dada. Talvez, no futuro, um novo modelo
192
computacional baseado em fluxos iônicos seja o mais
adequado para explicar a fisiopatologia do que realmente ocorre(4).
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Professora Patricia Rieken Macêdo
Rocco pela revisão do manuscrito.
RESUMO
Os distúrbios do equilíbrio ácido-base são freqüentemente observados em terapia intensiva, sendo
importante seu diagnóstico preciso. Esse artigo faz
uma revisão sobre os termos comumente empregados e de três técnicas para se diagnosticar distúrbios
ácido-base, baseados em: 1) pH, PaCO2, HCO3-, anion
gap, ∆anion gap, anion gap urinário e gap osmolar; 2)
pH, PaCO2 e standard base excess (SBE); e 3) strong
ion difference (SID), PaCO2 e a concentração total de
ácidos fracos (Atot). Exemplos de como utilizar esses
parâmetros são fornecidos.
Unitermos: Distúrbios do metabolismo ácido-base;
Diagnóstico, Strong Ion Difference, Standard Base
Excess, Acidose, Alcalose.
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