Implantação de Atenção Domiciliar no Âmbito da Saúde

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INSTITUTO DE SAÚDE DA COMUNIDADE
Centro Colaborador da ANS
RELATÓRIO TÉCNICO DE PESQUISA
Implantação de Atenção Domiciliar no Âmbito da Saúde
Suplementar – Modelagem a partir das Experiências Correntes.
Equipe:
Túlio Batista Franco, Prof. Dr. (coordenador).
André Amorim Martins, pesquisador.
Carla Almeida Alves, pesquisadora.
Cristiano Freitas Arantes, pesquisador.
Rosana Freitas Arantes, pesquisadora.
NITERÓI, ABRIL DE 2007.
Sumário
Introdução
6
Metodologia
13
Assistência Domiciliar na Medicina de Grupo: o caso Amil
16
Contextualização
16
Resultados
22
Conclusões
57
Assistência Domiciliar na Auto-gestão: o caso Cassi
64
Contextualização
64
Resultados
79
Conclusões
94
Assistência Domiciliar na Cooperativa Médica: o caso Unimed-BH
100
Contextualização
100
Resultados
103
Conclusões
129
Assistência Domiciliar no Seguro Saúde: o caso Bradesco
131
Contextualização
131
Resultados
135
Conclusões
171
Conclusões Finais da Pesquisa
175
Referências Bibliográficas
182
2
Resumo
A Assistência Domiciliar vem sendo utilizada por operadoras da saúde suplementar
principalmente para substituição das práticas de cuidado hospitalares, tradicionalmente
concebidas como tal. Vale ressaltar que o seu caráter substitutivo só se efetiva se conseguir
mudar os processos de trabalho e especialmente seu núcleo tecnológico, ou seja, alterando
o uso hegemônico das tecnologias duras e leve-duras por modelos em que as tecnologias
mais relacionais determinem o perfil da assistência. A esse movimento chamamos de
“Transição Tecnológica” e pode ser verificada a partir de estudos qualitativos eficazes na
captura do complexo mundo de produção do cuidado.
A pesquisa foi realizada em quatro operadoras, contemplando os segmentos:
Medicina de Grupo, Auto-gestão, Cooperativa Médica e Seguro Saúde e tem o objetivo de
revelar os modelos de assistência domiciliar e analisá-los tendo por foco a micropolítica
dos processos e o uso das tecnologias de trabalho.
A primeira constatação é de que as questões econômica e financeira permanecem
como principal motivação para a implantação e manutenção desses programas, visto que,
todos eles têm como objetivo central a redução dos altos custos operacionais dos cuidados a
um certo perfil de beneficiários, geralmente crônicos, com alta permanência hospitalar ou
uso freqüente de serviços de emergência. Enfim, os critérios de elegibilidade utilizados
pelas operadoras são semelhantes, pois focam uma população que sabidamente é mais
dependente de serviços de saúde de alto custo.
Embora haja essa semelhança, os modelos são muito diversos e atendem ao perfil
específico do modelo tecnoassistencial de cada operadora. Podemos dizer que a Amil e
Saúde Bradesco adotam um modelo clássico de uma prestadora de “Home Care”, sendo que
3
a Amil contrata uma empresa de seu próprio grupo e mantém uma clientela com perfil de
“internação domiciliar” e outra sob “cuidados domiciliários” e a prestadora contratada pelo
Saúde Bradesco cuida apenas de clientes que demandam “internação domiciliar”. Já a
Cassi, mantém um modelo assistencial que tem como principal diretriz a vinculação de uma
certa clientela a uma equipe de saúde, chamado “Estratégia Saúde da Família” (ESF), que
tem por prática a visita domiciliar aos beneficiários cobertos pelas equipes do ESF. A
operadora adota um modelo de assistência domiciliar no qual há uma equipe central que
gerencia o cuidado e busca em uma rede contratada o apoio para realização do cuidado,
sendo que o programa se restringe a uma população em torno de 70 pessoas. Por sua vez, a
Unimed-BH fez uma grande expansão do seu programa, fechando o ano de 2006 com 3.500
beneficiários sob cuidados domiciliares, distribuídos regionalmente e adscritos a equipes do
programa territorialmente referenciadas.
Os resultados da pesquisa demonstram que, embora seja um consenso entre as
operadoras pesquisadas, a necessidade de manutenção dos programas de assistência
domiciliar e seu caráter de substitutividade das práticas vigentes, este objetivo não é
plenamente alcançado pois, permanece mesmo na assistência domiciliar uma prática
hegemônica de produção do cuidado, centrada na lógica instrumental. Por outro lado,
percebemos em nível da micropolítica do processo de trabalho, o contraditório se
manifestando a todo momento, por exemplo, na tensão existente no convívio entre a equipe
e a família. Há uma disputa de “controle” do espaço do domicílio, que é governado pela
família e a equipe tenta impor seu “modus operandi”, o saber técnico sobre o saber
cuidador da família, tentando anular o conhecimento que ela já tem do ato de cuidar. No
entanto há momentos em que ela assimila esse conhecimento para as práticas de cuidado a
4
serem conduzidas àquele usuário. Observa-se portanto que a tensão e o conflito, são
constitutivos do processo de trabalho na assistência domiciliar. O contraditório que se
verifica é indicador de que novas práticas de cuidado estão muito vivas e atuantes na
realidade, e o velho modelo da lógica instrumental também permanece e é desse encontro
que se realiza um certo “pacto” pelo cuidado ao usuário que será conduzido conforme a
ação dos sujeitos na cena de produção.
Verifica-se que há equipes que de forma diferenciada, fazem vínculo com o
beneficiário e familiares, têm atitudes acolhedoras, e operam em nível da sua micropolítica
lógicas de cuidado centrada nas relações, utilizando a potência criativa do seu “trabalho
vivo”. Concluímos portanto que existem, nesse nível, processo de transição tecnológica que
ainda são incipientes e sutis, mas demonstram que há mudanças das práticas de cuidado
sendo realizadas e que contribuem fundamentalmente para um “cuidado mais cuidador”.
Isso é percebido pelos beneficiários e seus cuidadores familiares, que unanimemente
aprovaram os cuidados domiciliares, tendo preferência por essa forma de assistência.
Embora haja uma forte motivação econômica, que perpassa os programas de assistência
domiciliar, estes realizam um grande benefício ao cliente e familiares que dele necessitam e
serve de dispositivo à transição tecnológica, mesmo que esta venha acontecendo de forma
gradual, mas ela está presente, e se verifica na interação entre trabalhadores, beneficiários e
os familiares.
5
Introdução.
Nos anos de 2003/2004 realizou-se uma pesquisa na Saúde Suplementar que tinha
como objetivo analisar os modelos assistenciais nos seus quatro segmentos quais sejam:
Cooperativa Médica, Medicina de Grupo, Auto-gestão e Seguro Saúde. À época se
verificava que as operadoras se ressentiam dos altos custos operacionais e começavam a
introduzir algumas práticas de cuidado que muito se aproximavam das “ações
programáticas” já utilizadas nos serviços públicos. Eram até então modelagens muito
incipientes de programas que buscavam trabalhar o campo da prevenção e da promoção à
saúde. Isto foi mais verificado nas operadoras de auto-gestão e cooperativa médica
investigadas (BRASIL, 2005).
Importa registrar que estas já eram diretrizes de organização de certos serviços, que
buscavam em algum grau substituir as tecnologias mais usuais de cuidado aos
beneficiários, motivados pela expectativa de redução de custos. Mesmo havendo um
esforço em introduzir novas práticas de cuidado, os serviços de saúde ainda operam em
processos de trabalho
centrados no modelo “médico-hegemônico produtor de
procedimentos”, isto é, são conduzidos pelo ato prescritivo, em uma lógica instrumental,
centrada no uso das tecnologias duras e do conhecimento especializado.
Esta forma de organizar os serviços está legitimada pela matriz teórica que vem do
relatório Flexner (EUA, 1910) o qual, ao declarar que o ensino médico deve estar voltado à
pesquisa biológica e à especialização do conhecimento, induziu a constituição de modelos
tecnoassistenciais centrados na maquinaria, no saber especializado e na prática prescritiva.
O conhecimento do corpo anátomo-fisiológico passou a orientar o ensino e a colonizar as
6
práticas assistenciais nos serviços de saúde, negligenciando as questões que se referem ao
mundo social, dos sentidos, afetos e do ambiente. No caso da saúde o cuidado ficou restrito
às intervenções no corpo doente, de acordo com o limitado conceito de saúde, segundo o
qual “saúde é ausência de doença” e portanto, o fundamental era fazer com que aquele
corpo se reabilitasse no sentido de se tornar novamente apto ao sistema produtivo em geral.
Os altos custos operacionais dos serviços de saúde foram gerados a partir deste
modelo. Algumas iniciativas de organização de serviços tentaram inaugurar novas práticas
e modos de produção do cuidado, cujos efeitos poderiam ser considerados no âmbito do
esforço em substituir o modelo hegemônico. Entre eles destacam-se a medicina comunitária
nos Estados Unidos, nas décadas de 1950/60. Segundo Donnangelo, “a Medicina
Comunitária implica a emergência, de um lado, de uma medicina tecnologicamente
simplificada, por referência à prática médica predominante, e ao mesmo tempo ampliada,
de respeito às funções sociais a que serve de suporte” (Donnangelo, 1976:72). A autora
atribui uma certa razão econômica para a organização da medicina comunitária ao indicar
que ela se organiza como uma “estratégia particular pela qual se articulam as características
atuais da produção de serviços médicos, entre elas a dos custos crescentes e as questões
sócio-políticas subjacentes à extensão da prática” (idem, ibidem). Dando seguimento ao
esforço de formulação de práticas anti-hegemônicas, foram discutidas na Conferência
Internacional sobre os Cuidados Primários em Saúde, realizada em Alma Ata, em 1978,
outras formas de organização das práticas de saúde, com objetivos voltados à promoção e
prevenção de agravos. Várias diretrizes partiram de órgãos internacionais, como a
Organização Mundial de Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde, especialmente a
partir da década de 1970, propondo a reorganização da produção da saúde a partir dos
7
campos de conhecimento da vigilância à saúde e da epidemiologia. Essas práticas
consideradas até então como inovadoras em relação ao modelo assistencial, foram mais
incorporadas nos sistemas públicos de saúde, por proximidade destes com os organismos
internacionais que propagavam a organização de serviços com base nessas diretrizes.
Constituiu-se no período um campo alternativo de práticas que traziam no seu bojo a idéia
de substituir as práticas dominantes que tinham como base a medicina flexneriana. No
Brasil a maior expressão de um esforço realizado com esse objetivo é o Programa Saúde da
Família. No entanto esses modelos demonstraram-se insuficientes para modificar o modo
como se organizava a produção do cuidado, ainda muito centrado no ato prescritivo, no
procedimento, embora tenham formado uma razoável expertise no campo da vigilância,
isso não significou substituição de modelo e de práticas, pois a população que busca os
serviços de saúde, continua sendo submetida a formas de cuidado pouco eficazes (Franco e
Merhy, 2003).
Na saúde suplementar, para o enfrentamento dos altos custos prevaleceram
diretrizes de micro-regulação ligadas ao contexto dos negócios, do mundo da economia e
dos contratos. Nos EUA a lógica inovadora nesse sentido foi a “atenção gerenciada”, que
busca mudar o modelo através de contratos com os prestadores, especialmente os médicos
prescritores, impondo-lhes um certo controle da sua micro-decisão clínica, tentando exercer
a regulação da sua prescrição transferindo parte da sua decisão para a figura de um
“auditor” da operadora.
Toma-se a possibilidade de transferência do processo de decisão, sobre as ações de
saúde a serem realizadas nos serviços, do campo das corporações médicas para os dos
8
administradores, como uma estratégia vital para atacar a relação custo-benefício do sistema.
(Merhy, 2002:69).
Essa nova prática das operadoras que visa reduzir a utilização da maquinaria, como
recursos de diagnose e terapia, cria um contraditório no contexto das relações que levam à
produção e acumulação de capital no setor. Pois se o interesse dos fornecedores de
equipamentos biomédicos e medicamentos é de práticas que exercem uma ampla
prescrição, para induzir o alto consumo dos seus produtos, o das operadoras vem no sentido
contrário, de restringir esse consumo. Os médicos por sua vez vêem restrições na
contratualidade instituída pela diretriz da “atenção gerenciada”, pois reduzem ou anulam o
autogoverno que têm sobre o seu processo de trabalho. Já no Brasil, a gerência do modo de
cuidar não é implementada com a radicalidade que o foi nos EUA, mas buscou associar
estratégias de redução da prescrição médica que vem pela via contratual e administrativa,
com outras de substituição do modelo vigente, introduzindo novas tecnologias de cuidado
que vão no sentido de ações programáticas direcionadas a uma certa população de risco, de
forma a gerenciar o cuidado e pressionar para baixo os seus custos. Isso é percebido tanto
nos estudos realizados por Merhy (2002:81), como também por recente pesquisa da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (BRASIL/MS/ANS, 2005; Malta et al, 2004)
realizada na região sudeste do Brasil.
É no contexto da busca da substituição do modelo, das práticas de cuidado, enfim,
das tecnologias hegemônicas nos processos de trabalho, que surgem as propostas de
“Programa de Assistência Domiciliar” (PAD) que como veremos a seguir, apresentam
modalidades extremamente diversas dependendo da operadora que o adota.
9
Esta pesquisa foi realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), enquanto
centro colaborador da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em cooperação
técnica-científica com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o apoio da
Organização Pan Americana de Saúde (OPAS). Pelo seu caráter pioneiro, trata-se de um
estudo prospectivo que tem por objetivo revelar as modalidades utilizadas para a
Assistência Domiciliar e verificar o caráter substitutivo das práticas de cuidado nestes
modelos, isto é, pretende-se perceber em que medida há no PAD uma substituição das
tecnologias no interior dos processos de trabalho.
Mas uma questão se torna central no estudo que se segue, qual seja, a que procura
interrogar: O que é substituição de tecnologias de cuidado? Quem ou o quê tem o atributo
da “substitutividade”? Como é possível verificar o caráter substitutivo de certos modelos
em relação ao modelo hegemônico?
Para proceder a essa avaliação utilizaremos como referencial teórico os processos de
trabalho com foco na sua micropolítica, interrogando-os quanto a sua potência de mudança,
entendendo-a como processos que podem levar à Transição Tecnológica na Saúde.
Esse debate se inicia com a discussão da Reestruturação Produtiva da Saúde,
introduzida por Pires (1998) quando realizou o estudo em dois hospitais e concluiu que a
incorporação tecnológica resultava na reestruturação da produção. Observamos nesse caso
que houve certos deslocamentos em torno do perfil tecnológico utilizado na produção do
cuidado, os quais chamamos de “Reestruturação Produtiva”, que significa “a resultante de
mudança no modo de produzir o cuidado, geradas a partir de inovações nos sistemas
produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os produtos da saúde, e na sua
forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos populacionais” (Merhy e Franco,
10
2006:225-226). A reestruturação produtiva não significa necessariamente uma substituição
das usuais tecnologias utilizadas no processo produtivo da saúde, ou seja, ela opera
mudanças, mas o processo de trabalho pode ainda continuar centrado na lógica
instrumental. Em um outro sentido, as mudanças no modo de produção do cuidado, podem
provocar ruptura com o velho processo centrado nas tecnologias duras, impactando em uma
substituição destas tecnologias no núcleo do cuidado, pelas tecnologias leves, trabalho vivo
centradas, e neste caso, teremos um outro fenômeno o qual denominamos de “Transição
Tecnológica”, que pode ocorrer inclusive por tensão criada no processo de trabalho pela
própria reestruturação (Merhy, 2002).
Todo processo de trabalho traz no seu núcleo tecnológico a freqüência de Trabalho
Morto e Trabalho Vivo que estabelece uma dada correlação entre si, sendo que, a razão
entre os dois associada a uma certa intencionalidade dos trabalhadores, na condução dos
processos produtivos, resultam em “reestruturação produtiva” e/ou “transição tecnológica”.
A esse núcleo operativo chamamos de Composição Técnica do Trabalho (CTT) (Franco,
2003) e pode se tornar um analisador do processo de mudanças na organização do trabalho.
Uma Composição Técnica do Trabalho que tem hegemonia do trabalho morto é indicador
de que o processo de trabalho está preso ao modelo mais instrumental, normativo e se
estiver centrado no trabalho vivo, podemos inferir que o trabalhador conta com maiores
graus de liberdade para agir na sua micropolítica e tendo a intencionalidade de inovar, pode
produzir por si mesmo mudanças nas práticas cotidianas de cuidado.
O processo de trabalho na saúde é profundamente marcado pela ação do Trabalho
Vivo em ato, e nesse contexto, a subjetividade do trabalhador é um fator importante de
definição do perfil de assistência. Ela diz respeito ao modo como o trabalhador se posiciona
11
no mundo da saúde e significa aqueles com os quais ele se relaciona, sejam os outros
trabalhadores, os usuários e as suas diversas conexões em rede. A subjetividade é histórica
e socialmente produzida, seu núcleo se encontra no desejo processado em nível
inconsciente o qual faz com que as pessoas produzam certas realidades em torno de si
(Deleuze e Guattari, 1972; Baremblitt, 1998). Esse núcleo desejante pode direcionar sua
potência de intervenção no “mundo da vida” de forma diferenciada, dependendo dos
processos de subjetivação aos quais se expôs. É neste sentido que se compreende as
atitudes assumidas pelos trabalhadores, na sua atividade produtiva, seja na relação com os
pares ou com os usuário, como por exemplo: atos acolhedores; estabelecimento de
vínculos; ações que levam à autonomização do outro, seja trabalhador da sua equipe ou
usuário, são expressões de uma certa subjetividade em agenciamento, isto é, em construção
da realidade que no caso se refere ao mundo da produção do cuidado, que é mediada pelas
tecnologias de trabalho.
A micropolítica do processo de trabalho revela um agir cotidiano sempre em redes,
sendo estas constitutivas de todo processo, abrindo as linhas de cuidado em várias direções
que vão constituindo a integralidade na ação cotidiana dos profissionais. Formam-se nas
relações entre os trabalhadores, deles com os usuários e em linhas de conexão para fora da
micro-unidade organizacional no domicílio, em fluxos abertos que operam às vezes nos
campos simbólicos. Elas se configuram como redes rizomáticas (Deleuze e Guattari, 1995;
Baremblitt, 2002), não têm começo nem fim, operam em campo aberto, reúnem em si o
múltiplo, heterogêneo e têm alta capacidade de se conectar. Na micropolítica do processo
de trabalho na saúde, essas redes têm forte conotação simbólica e se formam por fluxosconectivos entre os trabalhadores, que impulsionam determinado projeto terapêutico
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operando assim uma dada linha do cuidado em todo processo que cerca o usuário (Franco,
2006).
O caráter de substitutividade das tecnologias de trabalho é dado pela configuração
de processos de transição tecnológica, isto é, por uma alteração da hegemonia das
tecnologias usuais no trabalho cotidiano de produção do cuidado. A análise do Programa de
Assistência Domiciliar deve se realizar com base no mundo do trabalho, e das práticas de
cuidado. Ela será verificada sob o olhar da sua micropolítica, e da Composição Técnica do
Trabalho1.
Metodologia.
A pesquisa buscou revelar a experiência corrente na modelagem da Assistência
Domiciliar na Saúde Suplementar, caracterizando-se como um estudo de caso, que estudou
vários de Programas de Assistência Domiciliar, contemplando quatro segmentos da Saúde
Suplementar, quais sejam: Medicina de Grupo, Cooperativa Médica, Auto-gestão e Seguro
Saúde, tendo estudado operadoras representativas do setor.
É um estudo qualitativo que utilizou como instrumentos de coleta de dados a
pesquisa bibliográfica, pesquisa documental principalmente nos sites das operadoras e da
ANS, e entrevistas com informantes estratégicos, com roteiro semi-estruturado. Foram
entrevistados gestores das operadoras e das prestadoras de serviços de Assistência
Domiciliar, Coordenadores das Equipes dos Programas de Assistência Domiciliar,
Trabalhadores das mesmas e Usuários ou Cuidadores que participam dos respectivos
1
De acordo com Franco (2003) a Composição Técnica do Trabalho é a razão entre o Trabalho Vivo e o
Trabalho Morto no núcleo tecnológico dos processos de trabalho em saúde.
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Programas. Além das entrevistas foi realizada visita ao domicílio, com observação direta do
processo de trabalho das equipes na relação com o beneficiário e sua família. Também
foram realizadas visitas técnicas à sede das prestadoras de “Home Care”, para alguns casos,
com acesso a todas as Unidades de apoio aos Programas de Assistência Domiciliar.
O objetivo geral da pesquisa é o de revelar os modelos de Programas de Assistência
Domiciliar na Saúde Suplementar, tendo como foco os processos de trabalho e buscando
analisar o quanto se produziu de mudança nas práticas de cuidado.
Os objetivos específicos são de descrever os aspectos organizacionais e de logística
utilizados pelas operadoras, quando o programa é gerenciado pela mesma, ou pelas
prestadoras de “Home Care”; descrever e analisar os critérios de elegibilidade dos
beneficiários ao PAD; analisar o processo de trabalho entendendo-o como o centro de
tensões produtivas do cuidado. Ao final pretende-se analisar o quanto os Programas de
Assistência Domiciliar provocam tensões nas práticas de cuidado, e em especial se são
dispositivos para a transição tecnológica.
Os dados foram analisados a partir da matriz discursiva dos sujeitos, agrupados em
duas dimensões que são: 1. primeira dimensão do PAD, que são os aspectos
organizacionais e de logística que envolvem o apoio ao trabalho da equipe e aos
beneficiários. 2. segunda dimensão, o modo de produção do cuidado que tem como foco a
análise do processo de trabalho. Um outro agrupamento do discurso dos sujeitos se dá por
marcadores, que são os critérios de elegibilidade para ingresso ao Programa, o vínculo entre
beneficiários e cuidadores em relação à equipe do PAD, resultados obtidos que foram
observados pelos beneficiários ou cuidador, e a satisfação dos beneficiários com o
Programa.
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Esses marcadores, para um estudo prospectivo como esse, já analisam os sentidos os
quais compõem a Assistência Domiciliar e que estão diretamente vinculados ao campo
especifico da produção do cuidado. Assim os resultados foram reunidos para análise das
modelagens dos programas de Assistência Domiciliar na Saúde Suplementar.
Este relatório apresenta a seguir os resultados encontrados na pesquisa nas 4
operadoras da saúde suplementar que fizeram parte deste estudo. A disposição do texto está
organizada de forma que cada operadora pode ser vista de forma separada da outra, ou seja,
os itens de contextualização, resultados e conclusões para cada uma das operadoras, vai
descrevendo e analisando-as separadamente.
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ASSISTÊNCIA DOMICILIAR NA MEDICINA DE GRUPO: O CASO AMIL.
Contextualização.
A Operadora é uma empresa criada e administrada por médicos que têm como
missão institucional “viabilizar a uma parte significativa da sociedade o acesso a uma
medicina de alta tecnologia e qualidade” (gestor da operadora).
A sua origem se deu em 1972, com a Casa de Saúde, uma clínica pequena na cidade
de Duque de Caxias – RJ, que depois de cinco anos, transformou-se na maior maternidade
privada no estado do Rio de Janeiro. Em seguida, foram também incorporadas duas outras
clínicas.
Para administrar essas Clínicas foi criada a Empresa de Serviços Hospitalares, cuja
finalidade é centralizar o controle de compras, faturamento, pessoal e tesouraria. Em 1978,
com os recursos oriundos dessa empresa foi criada a operadora MGr., no Rio de Janeiro.
Com o decorrer do tempo, a empresa se expandiu para outros estados do Brasil,
instalando filias nas seguintes cidades: São Paulo, Brasília, Goiânia, Curitiba, Fortaleza,
sendo considerada a primeira empresa do mundo a utilizar o sistema de franquias para
ampliar a sua cobertura no país, oferecendo atendimento às principais cidades do Brasil.
Além do atendimento no Brasil, a operadora criou uma estrutura de atendimento no
exterior.
Atualmente, a operadora conta com uma carteira de 1.008.877 beneficiários, de
acordo com dados obtidos na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de novembro
de 2006 (www.ans.gov.br, acesso em 26/02/2007). Com uma gama de produtos, que
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oferecem desde cobertura regional até atendimento no exterior, a opeadora está preparada
para atender aos mais diversos públicos, nas mais diversas localidades.
Para isso, a operadora reúne várias empresas para realizar serviços de saúde, sendo
uma rede composta por mais de 10 mil especialistas, abrangendo todas as patologias; ampla
rede hospitalar, para internações, atendimentos de emergência e procedimentos cirúrgicos,
Unidades de terapia Intensiva; CTIs neonatais; Maternidades; Pronto atendimento; e,
Laboratórios.
A operadora conta ainda com algumas modalidades de cuidado em saúde, que
inclui:
Home Care: Benefício extracontratual criado com o objetivo de evitar ou abreviar o
período de internação hospitalar, destinando cuidados no domicílio.
Projeto Gestor: Monitoramento, pelo telefone, de pacientes crônicos, em sua
maioria, idosos, e tem como objetivo principal, gerenciar esses pacientes para evitar
intercorrências e internações.
Total Care: Centro de diagnóstico e tratamento, que reúne em um só lugar toda a
estrutura necessária para cuidar de pacientes com diabetes, hipertensão arterial e
cardiopatias.
Onco Care: Direcionado para pacientes com câncer, que necessitam terminar um
ciclo de quimioterapia, ou de cuidados paliativos, no domicílio.
Resgate Saúde: Sistema de transporte aeromédico, que conta com profissionais de
nível internacional e com unidades que são verdadeiras UTIs móveis.
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Programa de Medicamentos: oferece medicamentos com desconto aos clientes. Para
viabilizar o programa, foi criada a rede Farmalife.
A empresa também investe em ações de prevenção, realizando um trabalho de
conscientização e convencimento dos clientes para que incorporem hábitos saudáveis e
adotem um novo estilo de vida, para preservar, manter e prolongar a saúde dos seus
clientes. Oferece uma variedade de planos, com perfis bastante diferenciados, sendo eles:
Planos de Saúde Livre Escolha
• Plano 60:
- Sistema de reembolso com base na tabela Amil, de acordo com as condições do contrato;
- Cobertura para consultas, exames e internações (em quarto privativo, com direito a
acompanhante, sem limite de idade);
- Teleatendimento 24 horas exclusivo, com médico de plantão.
• Plano 50:
- Atendimento nacional;
- Sistema de reembolso com base na tabela Amil, de acordo com as condições do contrato;
- Cobertura para consultas, exames e internações (em quarto privativo, com direito a
acompanhante, sem limite de idade);
- Teleatendimento 24 horas exclusivo, com médico de plantão;
Planos de Saúde Rede Credenciada
• Next 1 SP:
- Acesso a toda a Rede Foccus;
- Rede credenciada (consultórios, clínicas, laboratórios e hospitais);
- Atendimento nacional para urgência e emergência;
- Cobertura para consultas, exames e internações;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Cobertura no seguinte grupo de municípios: Barueri, Carapicuíba, Cubatão, Diadema,
Guarujá, Guarulhos, Itapevi, Jandira, Mauá, Osasco, Praia Grande, Ribeirão Pires, Santana
do Parnaíba, Santo André, Santos, São Bernardo, São Caetano, São Paulo, São Vicente e
Taboão da Serra.
• Next 2 SP:
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- Atendimento eletivo na cidade de São Paulo;
- Cobertura para consultas, exames e internações;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento nacional para urgências e emergências, através do reembolso das despesas
no valor equivalente ao plano.
• Next plus SP:
- Atendimento eletivo na cidade de São Paulo;
- Cobertura para consultas, exames e internações;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento nacional para urgências e emergências, através do reembolso das despesas
no valor equivalente ao plano.
- Aditivo Amil Resgate Saúde já incluído no plano;
- Oferece a mesma rede credenciada do Next SP, que conta com o Hospital 9 de Julho,
Hospital Santa Catarina, Hospital Infantil Sabará e Laboratório Delboni, entre outros. E
mais: Hospital Albert Einstein*, Hospital do Coração* e Laboratório Einstein. (*Apenas
para internações eletivas).
• Next Rio 10:
- Atendimento no município do Rio de Janeiro;
- Cobertura para consultas, exames e internações;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento no Estado do Rio de Janeiro através de rede especial de urgência e
emergência;
- Atendimento nacional para urgências e emergências (por meio de reembolso do valor
equivalente ao plano);
- Amil Resgate Saúde (aditivo opcional);
- Amil Urgência em Viagens ao Exterior (aditivo opcional).
• Next Rio 20:
- Atendimento regional;
- Cobertura para consultas, exames e internações;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento no Estado do Rio de Janeiro através de rede especial de urgência e
emergência;
- Atendimento nacional para urgências e emergências (por meio de reembolso do valor
equivalente ao plano);
- Amil Resgate Saúde (aditivo opcional);
- Amil Urgência em Viagens ao Exterior (aditivo opcional).
• Next Baixada:
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- Atendimento Regional (Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Magé, Mesquita,
Nilópolis, Nova iguaçu, Paracambi, Queimados, São João de Meriti e Seropé dica);
- Atendimento Regional (Estado do Rio) para urgências e emergências nos hospitais
indicados no orientador médico;
- Cobertura para consultas, exames e internações;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
• Next Niterói:
- Atendimento em Niterói, São Gonçalo e Itaboraí;
- Cobertura para consultas, exames e internações;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento na rede especial de urgência e emergência, no Estado do Rio de Janeiro;
- Atendimento nacional para urgências e emergências por reembolso conforme contrato.
• Next Petrópolis:
- Atendimento na Cidade de Petrópolis;
- Atendimento Regional ( Estado do Rio ) para urgências e emergências nos hospitais
indicados no orientador médico;
- Cobertura para consultas, exames e internações;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão.
• Next 40 Plus SP:
- Atendimento eletivo nas filiais da Amil (Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal,
Goiânia, Curitiba e Fortaleza);
- Reembolso de até R$ 100,00 para consultas de caráter eletivo em consultórios e clínicas;
- Atendimento nacional em caso de urgência e/ou emergência;
- Amil Resgate Saúde.
- Internações com acompanhante sem limite de idade.
• Next 40 Plus RJ:
- Atendimento eletivo nas filiais da Amil (Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal,
Goiânia, Curitiba e Fortaleza);
- Reembolso de uma vez a tabela Amil para consultas eletivas em consultórios e clínicas e
para honorários médicos em internações;
- Sistema de courier para busca e entrega de documentos;
- Coleta domiciliar para exames de análises clínicas no município do Rio de Janeiro;
- Internações com acompanhante sem limite de idade.
• Next 40 Plus CE:
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- Consultas em uma rede credenciada composta por médicos altamente qualificados e
oferece reembolso de até R$ 100,00 para consultas eletivas (consultórios e clínicas) e uma
vez a tabela Amil para honorários médicos em internações.
- Atendimento eletivo nas filiais da Amil (Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito
Federal, Goiânia e Curitiba);
- Internações com acompanhante sem limite de idade;
- Coleta domiciliar para exames de análises clínicas no município de Fortaleza.
• Amil 40:
- Atendimento eletivo nas filiais da Amil (Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal,
Goiânia, Curitiba e Fortaleza);
- Atendimento nacional para urgências e emergências;
- Rede credenciada abrangente e de alto nível;
- Cobertura para consultas, exames e internações (em quarto privativo);
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento eletivo nas filiais da Amil (Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal,
Goiânia, Curitiba e Fortaleza);
- Atendimento nacional para urgências e emergências;
- Cobertura para consultas, exames e internações (em quarto privativo);
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão.
• Amil 30 Plus PR:
- Atendimento eletivo nas filiais da Amil (Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito
Federal, Goiânia e Fortaleza);
- Atendimento nacional para urgências e emergências;
- Saúde Total: além da cobertura médica, esse plano garante cobertura odontológica;
- Sistema de reembolso para consultas com base na tabela Amil, de acordo com as
condições do contrato;
- Coleta domiciliar de material para exames laboratoriais;
- Atendimento domiciliar para urgências e emergências;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Serviços on-line no site Amil.
• Amil 30:
- Atendimento eletivo nas filiais da Amil (Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal,
Goiânia, Curitiba e Fortaleza);
- Atendimento nacional para urgências e emergências;
- Cobertura para consultas, exames e internações (em quarto privativo);
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão.
• Amil 20:
21
- Atendimento eletivo nas filiais da Amil (Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal,
Goiânia, Curitiba e Fortaleza);
- Cobertura para consultas, exames e internações (em quarto privativo);
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento nacional para urgências e emergências.
• Amil 15:
- Atendimento regional;
- Cobertura para consultas, exames e internações (em quarto privativo);
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento nacional para urgências e emergências, através do reembolso das despesas
no valor equivalente ao plano.
Planos por administração:
- Valor da taxa;
- Previsão de gastos médicos a cada período de 12 meses;
- Customização máxima para a sua empresa: produtos para todos os níveis de cobertura, coparticipação, reembolso, rede credenciada, atendimento no exterior, home care e muito
mais;
- Gestão de Saúde gerando mais qualidade de vida para os seus funcionários;
- Teleatendimento 24 horas, com médico de plantão;
- Atendimento nacional para urgências e emergências
• Amil Dental:
- Teleatendimento com médicos de plantão 24h;
- Agências de Atendimento informatizadas.
De acordo com o site da operadora, o plano de saúde Nex “diferencia dos outros planos, por
possuir um corpo clínico, formado por profissionais de notória referência na sua área de
atuação, que faz acompanhamento dos procedimentos realizados por cada paciente, além de
analisar e agir de forma integrada na solução dos casos de alta complexidade. Sua rede
credenciada, formada por modernos hospitais e centros de diagnóstico, está precisamente
dimensionada para atender de forma eficiente e resolutiva a todas as necessidades médicas
dos clientes” (www.amil.com.br acesso em janeiro de 2007).
22
2. Resultados
2.1 Aspectos Organizacionais do Programa de Atenção Domiciliar
A operadora pesquisada compõe um grupo com várias empresas para realizar
serviços de saúde, conformando-se como uma rede composta por hospitais, laboratórios e a
prestadora de “Home Care”. Esta é responsável por toda a parte de serviços voltados para a
Assistência/Internação Domiciliar. É uma outra empresa, que possui estrutura física e de
recursos humanos própria, uma gestão autônoma, mas mantém vínculos com a operadora
por pertencer ao mesmo grupo empresarial.
A operadora possui uma sede própria, chamada pelos profissionais de “Base” ou
“Central”, localizada em Duque de Caxias, onde fica centralizada a rede de apoio da
prestadora de “Home Care”. Essa rede é composta por serviços de: almoxarifado e serviços
de apoio logístico, call center, fallow up, prontuário eletrônico, ouvidoria, farmácia,
contratação de recursos humanos, workshop, treinamentos, escalas de plantões. Todos estes
serviços se referem ao Programa de Assistência ou Internação Domiciliar, PAD ou PID
respectivamente.
A população atendida em todo o estado do Rio de Janeiro pelo programa é de
aproximadamente 500 beneficiários, sendo subdividido nas seguintes áreas: Zona Sul 1 e 2;
Zona Norte 1 e 2; Zona Oeste 1 e 2; Baixada fluminense e Niterói, além, de Petrópolis e
Teresópolis.
Em cada área, a equipe básica é formada por uma enfermeira, dois médicos e 5
fisioterapeutas, que estão organizados para atender uma população de em média 30 a 40
beneficiários, dependendo da complexidade. O número desses profissionais vai depender
23
da quantidade de beneficiários por área. Por exemplo, na Zona Sul, a equipe é composta por
três médicos que fazem rotina, e uma equipe de fisioterapeutas que varia de cinco, seis.
Cada equipe possui um carro disponível, com motorista, para a realização das visitas.
Essa flexibilização acontece também, quando o profissional está com a maioria de
beneficiários em regime de internação domiciliar. Nesses casos, são diminuídas as carteiras
de beneficiários desse profissional, em virtude da pessoa em regime de internação
domiciliar exigir um acompanhamento mais intenso, com visita semanal, ou até mesmo,
visita duas vezes, três vezes na semana.
Além desses profissionais que estão inseridos na equipe do Home Care, a empresa
conta com uma Nutricionista para todo o Programa, uma assistente social que é da
operadora, além de especialistas, como ortopedistas, cardiologista, urologista e
ginecologista, que fornecem parecer técnico sobre cada caso, conforme solicitação médica.
Estes profissionais também são cedidos pela operadora, conforme demonstra a médica.
“Nós contamos com nutricionista, com médico de suporte para
emergência, a enfermeira que faz a supervisão, técnicos de
enfermagem que fazem procedimentos na emergência quando tem
medicação venosa uma vez ao dia, curativos de úlcera de pressão...
tem uma equipe de técnicos de enfermagem que nós chamamos de
técnicos de enfermagem de atendimento. Quando tem pacientes que
necessitam de medicação venosa, um atendimento especial, tem a
enfermagem 24 horas na residência, que é nossa também”. (Médica).
24
Além das equipes de rotina, o programa conta ainda, com o serviço de suporte
médico, que, em casos de pequenas intercorrências ou emergência encaminha ao domicílio
um médico, uma enfermeira e material de suporte.
A operadora trabalha também, em parceria com laboratórios, que realizam exames
menos complexos na residência, como Raio X, ultra-sonografia, dopler. No caso de exames
mais específicos, como ressonâncias, tomografias, são agendados no hospital e a operadora
oferta transporte para o beneficiário.
De acordo com a enfermeira, a operadora possui uma rotina estabelecida para a
realização dos exames mais complexos.
“Quando a gente precisa de tomografia, ressonância, um exame
mais específico, tentamos agendar no hospital, agendamos ambulância, o
paciente vai, faz o que tem que fazer e volta para a residência (...) Esse
agendamento é feito pela central, onde tem um técnico de enfermagem
que recebe todos os atendimentos e faz o agendamento de todos os
exames laboratoriais e exames complementares. Para os exames mais
específicos, o serviço social fica responsável pelas providências, como
verificar se está contemplado no convênio”. (Enfermeira).
Da mesma forma, segundo a enfermeira, o serviço de farmácia da prestadora possui
uma rotina sistematizada, sendo bem avaliada pela equipe.
“São feitas às solicitações para a central, existe o dia da
solicitação e isso é uma coisa muito importante, aqui em Niterói, por
exemplo, é na segunda-feira. A entrega é na terça-feira, por uma Kombi,
25
que vai entregando de casa em casa. A gente orienta para jogar o lixo,
para separar esse lixo. Existem os casos de urgência, que fogem dessa
rotina”. (Enfermeira).
O Home Care da prestadora arca com toda medicação venosa, sendo, a medicação
de via oral, medicação tópica, fraldas, gases, luvas, custeadas pela família. A médica
exemplifica os casos em que a prestadora dispõe de profissionais e medicamentos.
“É feita uma visita na residência de um paciente que não tem
enfermagem, mas ele está complicado, vai precisar entrar com
medicação venosa, então nós vamos precisar de uma escala de
enfermagem, nós só ligamos através do rádio para esse grupo de
enfermeiras lá da base e avisamos que precisamos de enfermagem na
casa do paciente tal e elas é que montam as escalas, que vêem a
disponibilidade dos técnicos e liberam a medicação”. (Médica).
Os prontuários são evoluídos em meio papel, em duas vias, sendo que uma vai para
o prontuário que fica na residência do beneficiário e a cópia vai para o prontuário que fica
na central. A operadora está com planos de informatizar o serviço de prontuário. Os
profissionais inseridos no plano terapêutico contam ainda, com formulários específicos de
cada categoria para preencher.
Em relação à contratação dos profissionais, os de nível superior são todos
contratados pela prestadora, com vínculos empregatícios regido pela CLT. Já os técnicos de
enfermagem possuem vínculos de CLT e contratos terceirizados, sendo cerca de 210
26
técnicos de enfermagem celetistas e em torno de 100 profissionais com vínculo de
cooperativa.
Quanto às diferenças dos vínculos empregatícios dos técnicos de enfermagem, a
operadora sinaliza o impacto negativo dessas duas contratações no processo de trabalho da
equipe, justificando que:
“Os nossos técnicos têm um treinamento de educação continuada
intenso, são treinados, recebem palestras. Quando nós precisamos
desses técnicos da Cooperativa eles têm escalas de outras empresas,
outros serviços, então nós recebemos aquele que já vem com
treinamento que a própria cooperativa dá, que apesar de ser do
nosso serviço, mas ele (técnico) não acompanha as normas, a
realidade do nosso serviço. Então nós sentimos a diferença e isso
dificulta o nosso trabalho, com certeza”. (Médica).
Pela Gestora, essa necessidade de contratação de técnicos terceirizados é justificada
da seguinte forma:
“Porque essa quantidade? Mesmo nós termos muitos técnicos e
ainda assim, nós não conseguimos suprir nossa demanda. Férias, folga,
os meses atípicos, como o inverno, em que o número de casos de
enfermagem aumentam muito. Então nós usamos uma estrutura
terceirizada para suprir essa demanda. Acho que hoje em média 150
profissionais são terceirizados”. (Gestora da Prestadora).
27
Uma outra questão abordada pela operadora é em relação aos cuidadores formais,
que ainda não é considerada ocupação profissional. Esses profissionais possuem vínculo de
CLT, contudo, na carteira de trabalho não são registrados conforme o desempenho de suas
funções, sendo registrados nas funções de dama de companhia, empregado doméstico, ou
outra profissão, exceto cuidador.
Em relação à educação e treinamentos dos seus profissionais, a operadora conta com
o suporte da equipe que fica na “Base”, que organiza treinamentos iniciais e continuados
para os profissionais. Todo profissional que ingressa no programa de Home Care recebe um
treinamento realizado por um grupo de enfermeiros, para conhecer o programa e todo o
material que a prestadora utiliza no desenvolvimento dos seus processos de trabalho.
Os treinamentos continuados buscam também motivar os profissionais através de
premiação. A operadora avalia que é difícil treiná-los, uma vez que esses profissionais
estão no domicílio, não sendo possível avaliar seu trabalho de perto. Outra dificuldade
encontrada pela operadora é para tirá-los do setor, pois estão na residência, teria que
colocar outro profissional no lugar. Esse treinamento acontece no dia em que ele não está
de plantão, dia da folga dele, dessa forma, a prestadora considera que ele deve ter algum
benefício, alguma recompensa. A operadora fornece então, um cartão de bônus para o
profissional em cada treinamento, que lhe dará prioridade em folgas, premiações de final de
ano como, um aparelho de som, televisão, uma viagem, um congresso.
Outro incentivo da operadora é fornecido para os técnicos de enfermagem, com
objetivo não só de capacitar esses profissionais, como também fidelizá-los no programa de
treinamento. A operadora possui um programa de estímulo ao estudo superior, através do
28
custeio de uma parte da mensalidade da faculdade. São candidatos a esse apoio, os técnicos
que possuem vínculos com a operadora de no mínimo três anos.
Além desses a operadora demonstra a existência de outros tipos de treinamentos,
como os que envolvem relações humanas, comportamentos, ética.
“Nós fazemos um treinamento de comportamento, porque é muito
complicado. Não mexer na geladeira. Ficar restrito num local, no
quarto. Ele é quem está para o paciente, ele é que tem que manter a
integridade do quarto, da arrumação, não da limpeza, nem para
cozinha, mas deixar organizado, arrumado (...) Nós tentamos
trabalhar assim. Não falar as coisas, não comentar de uma família
com outra (...)”. (Enfermeira).
2.2 Critérios para o Ingresso no Programa.
De acordo com a operadora, na empresa de Home Care contratada por ela, não
existe serviço de captação de beneficiários para o Programa. O acesso a este serviço é
disparado pelos médicos que fazem rotina nos hospitais vinculados aos convênios, que já
estão orientados quanto à existência do Home Care. A partir do momento que os médicos
avaliam o doente e identificam que o mesmo tem condições de ser atendido em casa, eles
então, solicitam a avaliação da equipe do Home Care.
Essa avaliação, até o ano de 2005, visava apenas identificar os critérios clínicos do
possível beneficiário, como por exemplo, ter escaras, úlceras em estágio avançado,
necessitar de antibioticoterapia, suporte pós-internação (seqüelado, restrito ao leito, ex.
suporte para higiene, etc.), acompanhamento, atendimento de baixa complexidade
29
domiciliar (crônicos), estar internando com uma freqüência maior. A velhice é prioridade
para o programa, porém crianças também são admitidas.
De acordo com a Gestora, esses critérios clínicos não possuem regras estabelecidas,
não está escrito num protocolo, ficando a decisão da incorporação do beneficiário no
Programa, ao cargo da equipe de avaliadores, que é composta por uma enfermeira, uma
médica e quando necessário, fisioterapeuta, em conjunto com a prestadora/operadora. A
fala da Gestora ilustra bem essa questão:
“O sucesso do Home Care é gerenciar. Você não tem regras, não
existem muitas regras estabelecidas. « Como é que é a regra de
liberação? ». Não existe essa regra. Depende. O doente está em
um hospital de alto custo? O doente está em um hospital da rede
própria?A diária é mais cara? E as condições da família? (Gestora).
De acordo com a médica, durante 7 anos, a avaliação social só incluía uma pergunta
para a família: se na residência teria o espaço adequado para o paciente e o material. Não se
entrava na privacidade familiar, como não se entra, até hoje, na classe média e alta. “Se o
endereço é em Icaraí, por exemplo, nós não fazemos visita na residência, apenas
perguntamos as condições da casa para a assistência domiciliar”. (Médica).
A partir de 2005, em virtude da ampliação do Programa para as classes C e D,
foram incorporadas na avaliação para o ingresso dos beneficiários, as condições
socioeconômicas, tais como, a situação habitacional, se é em área de risco, dentre outras
questões.
30
Para a operadora essa mudança foi necessária, uma vez que os profissionais estavam
enfrentando dificuldades em prestar o atendimento.
“O que começou a acontecer? Nós chegávamos a locais como
favelas, locais de dificílimo acesso em que o carro não chegava... Então,
passamos a ter dificuldades de prestar o atendimento por conta de não
ter visto anteriormente a residência. Aí, agora entrou no nosso protocolo,
faz parte do nosso protocolo à avaliação da residência, porque o
paciente pode ter toda a indicação para admissão em Home Care, mas se
o local é de difícil acesso e a própria residência é assim... Então nós não
aceitamos. É considerado como um critério para admissão. Porque é um
risco”. (Enfermeira).
FIGURA 1: Fluxo de Ingresso no Programa de Assistência Domiciliar.
Médico
Prescreve
Assistência
Domiciliar
Operadora
solicita
avaliação do
Home Care
S
Elegibilidade?
Equipe avalia
condições da
família
assumir
Casa
viável?
Família
assume?
S
Prestadora
instala a
Assistência
Domiciliar.
Franco, T.B., 2006.
Para a prestadora existem pelo menos duas situações em que a família não quer o
ingresso do beneficiário no programa. A primeira, apesar da indicação clínica e da família
possuir condições financeiras para receber em casa, eles preferem manter no hospital.
Nessa situação, explica a Gestora, existe um outro momento após a avaliação
inicial, em que a equipe conversa com a família e com o médico que solicitou o ingresso do
paciente no Home Care, para mostrar os benefícios do programa. E, se mesmo após essa
31
conversa, a família não concordar, a equipe responsável pela incorporação do beneficiário
no programa solicita intervenção de uma assistente social. Esta busca dialogar com a
família e saber os motivos que não deseja que a pessoa seja cuidada em casa e também,
argumentar os benefícios do programa, como: assistência individualizada, personalizada,
equipe multidisciplinar e ainda, receber cuidados em casa pela família.
Normalmente, esse primeiro caso ocorre nas classes A e B, sendo a situação
resolvida com a contratação de um cuidador, pago pela família.
A segunda são famílias que não têm condições financeiras para assumir os gastos
com a internação domiciliar, como os custos com os insumos e com o aumento da conta de
luz, por exemplo, ou ainda, pela falta de estrutura da casa para receber os equipamentos.
Essas famílias, de acordo com a médica de rotina, não possuem problemas em
conseguir cuidador, uma vez que normalmente é um membro da própria família, ou até
mesmo vizinho e amigo, que assume essa tarefa. As dificuldades passam pela situação
financeira.
“Eles sabem levar essas dificuldade da vida, eles sabem contornar,
chamam um amigo, um vizinho, a irmã que já sabe fazer tudo... e
ficam bem... A rede de apoio é maior...”. (Enfermeira).
Para a operadora, além dos critérios clínicos e sociais avaliados para a admissão, o
ingresso do beneficiário no programa de assistência domiciliar só é concretizado, a partir do
momento que a família define quem vai ser o cuidador, que pode ser formal (alguém
contratado) ou informal (alguém do contexto familiar). Segundo a Gestora, é a família
quem decide a pessoa que vai realizar essa função.
32
“Podem contratar alguém ou pode ser alguém da família, mas nós
precisamos saber quem é essa pessoa. Precisamos ter o nome, o dia
em que ela vai estar na residência. Nós precisamos ter muito bem
definida a figura do cuidador. Se ele é familiar, se trabalha, se vai
ficar 24 horas, quem vai revezar no final de semana. Isso para saber
quem e quantas pessoas precisam ser treinadas”. (Gestora).
A operadora avalia que o cuidador informal, que é o familiar no papel de cuidador, é
mais interessante para o programa, do que o cuidador formal. Isso se justifica, pelo laço
afetivo, pelo vínculo existente entre a família e o beneficiário. Para a médica, o cuidador
formal tem aquilo como obrigação, porque é uma atividade remunerada, então muitos não
criam o laço afetivo, vínculo, ficam realizando a tarefa de um modo formal, como se fazem
os procedimentos, e não os cuidados.
A operadora avalia a diferença da Internação Hospitalar para a Internação
Domiciliar, destacando principalmente, os critérios e os benefícios liberados pelo convênio
e a necessidade de se estabelecer um cuidador e os desgastes sofridos pela família.
No hospital, dependendo do plano, quase não tem custo para a família, os
medicamentos, fraldas, dentre outros insumos, são fornecidos pelo hospital, sendo essa
realidade, diferente na Assistência/Internação Domiciliar. Ou seja, quando o paciente deixa
o hospital e passa para o Home Care, a operadora transfere o benefício do Home Care para
esse beneficiário, como cuidados médicos, enfermagem, fisioterapia, técnico em
enfermagem, medicação venosa e equipamentos. Contudo, os insumos necessários, como
fralda e medicação oral, a família tem que assumir.
33
“O beneficiário se for para casa, vai precisar de um cuidador, a
família vai precisar comprar fralda, medicação oral. Então isso é
muito bem esclarecido na admissão do doente Home Care. A família
inclusive assina um termo de ciência de quais situações eles vão
passar e dos gastos que vão assumir”. (Gestora)
De acordo com a Gestora, essas questões são discutidas com a família, no início da
admissão. É feita uma negociação com a família, sendo que, cada caso é analisado
separadamente, conforme o perfil da família, tipo de plano de saúde e análise de custo do
paciente. Por exemplo, na fala da gestora da prestadora:
“se tem um paciente que está em um hospital de alto custo, eu
não vou brigar com o paciente por causa de fralda. Nós vamos negociar.
Se esse é o motivo, nós negociamos para o paciente ir para casa”.
(Gestora).
Os casos de famílias com precárias condições econômicas são encaminhados para a
assistente social da operadora, sendo feita avaliação específica do caso. Mas segundo a
enfermeira, a prestadora tem um limite de atuação e não possui um trabalho articulado com
a rede assistencial, seja ela governamental ou não governamental. O que existe, são
iniciativas pessoais, de alguns profissionais, que fazem, por exemplo, relatório médico
especificando as necessidades do paciente. Por sua vez são as famílias que buscam os
recursos assistenciais, e para isto utilizam várias estratégias, como abatimento na conta de
energia, medicamentos na farmácia da Universidade, fraldas em farmácias populares.
Conforme já mencionado acima, existe uma flexibilidade muito grande nos
benefícios liberados para cada pessoa. Isso porque, o Home Care não é contratual. É uma
34
concessão do convênio, uma vez que no contrato não tem escrito que a pessoa tem direito
ao atendimento domiciliar, o que é considerado uma vantagem para a gestora, na medida
em que isto permite essa maior flexibilidade na mudança das estratégias do Programa.
Para a gestora, essa realidade vai mudar quando passar a existir uma
regulamentação nesse setor.
“vai passar a estar escrito no contrato, neste caso é outra
história, e acho que vai dificultar muito para nós. Mas inicialmente é
isso, não é contratual, é uma concessão do convênio, então o convênio
libera”. (Gestora MGr).
Essa regulamentação é percebida como necessária pela operadora, para deixar mais
claro, por exemplo, a questão da saída do beneficiário do programa. Uma vez que, a alta do
programa de internação, principalmente, é vista pelos profissionais como “um calcanhar de
Aquiles”. Para a operadora, as modalidades de cuidado em saúde existentes na prestadora,
tais como, projeto gestor, total care, são consideradas uma boa estratégia para o “desmame”
do beneficiário no programa.
A dificuldade da transferência de modalidades do programa, internação domiciliar
em que há serviço de enfermagem 24 horas, para assistência domiciliar, é apontada como
um grande problema para a operadora, uma vez que as famílias entram com liminar
judicial, mesmo não havendo indicações para enfermagem 24 horas na residência.
De acordo com a prestadora essa atitude ocorre porque as famílias acabam sentindose sobrecarregadas em ter que assumir aos cuidados.
35
“E o caso dessa paciente que vamos visitar: ela teve alta do Home
Care, continuou o seu acompanhamento a nível ambulatorial, só que essa
paciente complicou. Ela teve que ser traqueostomizada, ficou em coma
vigil e teve que vir para a residência. Com tudo isso, nós conversamos
com a família, colocamos a enfermagem por um tempo determinado para
treinamento do cuidador, só que a família não arrumou um cuidador e
entrou com liminar judicial para manter com a enfermagem 24 horas”.
(Médica).
Nos casos de internação domiciliar com liminar judicial, é exigida da equipe de
saúde da prestadora a elaboração de relatório mensal para mostrar o acompanhamento do
paciente. Nesses casos, são realizadas visitas semanais, obrigatoriamente, mesmo que o
beneficiário não demande.
A
operadora
possui
um
departamento
jurídico
responsável
por
dar
encaminhamentos a questões legais, sendo identificado pela operadora que, na interpretação
do direito, não há exclusão da responsabilidade da operadora com a assistência ao paciente.
Nas liminares judiciais, os órgãos Jurídicos, justificam a possibilidade de óbito do
beneficiário com o rompimento da prestação do cuidado e questionam quem vai ser o
responsável por essa situação, transferindo dessa maneira para os profissionais essa
decisão. Com esses argumentos, em sua maioria, os juizes deferem os pedidos às famílias,
determinando a manutenção da enfermagem 24 horas na residência.
A crítica da operadora é que, muitas vezes não existe indicação do técnico 24 horas
na residência, bastando um cuidador treinado para fazer os cuidados básicos como, dar
banho, trocar fraldas, fornecer alimentação pela gastrostomia. Outro aspecto revelado é o
36
fato de que o cuidado em si se mistura à questão social que perpassa as relações
terapêuticas. Isso chega a ser questionado por alguns profissionais que avaliam não ser de
responsabilidade da operadora assumir esse “ônus”. De qualquer forma, essas questão estão
tão presentes em certos projetos terapêuticos que a operadora, de uma forma ou de outra,
acaba tendo que dar atenção a esse outro aspecto.
Há, mesmo que marginalmente à opinião da opera, idéias que fazem um
questionamento mais frontal ao PAD, justamente pelo argumento dos altos custos
operacionais e a pesada logística que o Programa demanda:
“O atendimento domiciliar, principalmente a internação domiciliar,
necessita de uma estrutura logística extremamente complexa, que
envolve desde equipe multidisciplinar, suprimentos, farmácia,
equipamentos (...) Essa modalidade é muito complicada, ela não
deveria existir”. (Diretor da Operadora).
Esse pensamento é articulado com a idéia segundo a qual, em havendo hospitais de
menos complexidade e custo, a internação hospitalar é mais vantajosa do que a internação
domiciliar. No entanto, de acordo com o Gestor da Operadora, o perfil dos hospitais
brasileiros é de alta complexidade e custo, o que torna viável os programas de internação
hospitalar que nesse caso, apesar de caros em função da logística que demandam, ficam
ainda mais vantajosos, em relação aos custos operados no sistema hospitalar. O Diretor
demonstra as vantagens do hospital de baixa complexidade em relação à internação
domiciliar.
37
“Todo mundo só investe em alta tecnologia, isso é um equívoco.
Nós temos de descobrir uma forma de viabilizar os hospitais de estrutura
medianos e simples. Por isso que eu acho que o Home Care é uma
aberração. A internação domiciliar é uma aberração. Porque é uma
responsabilidade, é um estresse. É muito mais racional organizar os
hospitais em estruturas físicas menores”. (Diretor da Operadora).
Nota-se que esse tipo de pensamento está isolado do contexto atual, pois o parque
produtivo da saúde não tende a mudar a curto ou médio prazo, o que significa que os
programas de internação domiciliar tendem a se firmar no mercado da saúde suplementar, é
o que se tem observado, inclusive nessa pesquisa.
A Gestora argumenta que para o Home Care sobreviver, deve de ser mais preciso
nos critérios de elegibilidade e se questionar mais quanto ao perfil do beneficiário
candidato ao Programa e quanto a quantidade dos mesmos que devem ser absorvidos.
A operadora tem estudado o gerenciamento de doenças crônicas, formas de
prevenção, com intuito de fazer com que os beneficiários sejam incorporados
prioritariamente no Projeto Gestor, evitando ao máximo que ele chegue ao programa de
atenção domiciliar. Por que segundo a Gestora, “muitas vezes o Home Care é fim de linha”,
a operadora tenta cercar os beneficiários que necessitam de cuidados continuados em outros
programas, o Projeto Gestor, o Total Care e o Onco Care, para que sejam controlados aí,
evitando ingresso no Programa de Assistência Domiciliar, onde os custos e a
responsabilidade da operadora com os cuidados cotidianos vão aumentar sobremaneira.
38
2.3 Modelos de Atenção Domiciliar da Operadora de Medicina de Grupo.
O Programa de Home Care da prestadora contratada pela operadora apresenta duas
modalidades
de
atenção
à
saúde
domiciliar,
sendo
denominadas,
Acompanhamento/Assistência Domiciliar e a Internação Domiciliar. De acordo com a
Gestora, a diferença dos dois modelos está na complexidade da saúde do beneficiário:
“O paciente em internação (domiciliar) é o paciente com prótese
ventilatória, é o paciente mais complexo. Traqueostomizados e que
precisam de ventilação. Nós classificamos muito em relação à
enfermagem. Paciente em internação, ele tem enfermagem 24 horas. Ele
precisa de assistência 24 horas (...) Nós aqui no Home Care dividimos
em modos de atendimento. É o paciente com enfermagem 24 horas em
prótese; enfermagem 24 horas sem prótese; e depois de 12 horas e 6
horas; Paciente com procedimento, aquele paciente que vem do hospital
com uma úlcera de pressão, então ele é um paciente instável, ele é
acompanhado pelo médico e pelo enfermeiro e com o procedimento para
fazer todos os dias, ou paciente que está em término de antibiótico, que
não tem necessidade de continuar no hospital para terminar o antibiótico
e fazemos em casa. (...) O restante é acompanhamento domiciliar. E
temos o paciente ABCD, que é o paciente de baixa complexidade, que tem
uma visita médica e uma visita de enfermeiro mensal. É atendimento de
baixa complexidade domiciliar”. (Gestora da Prestadora).
A Assistência/Internação Domiciliar, nem sempre é caracterizada da mesma forma
pelos profissionais entrevistados na pesquisa, mas todos eles concordam que a
39
Assistência/Internação Domiciliar é uma proposta de atuação em domicílio, devidamente
amparada por uma equipe de saúde multidisciplinar. Sendo denominado “Programa Home
Care” como sinônimo de Assistência/Acompanhamento Domiciliar e/ou Internação
Domiciliar.
A operadora diferencia a Assistência Domiciliar, da Internação Domiciliar. A
primeira necessita desde cuidados simples de curativos, de enfermagem, até visitas
periódicas de médico, fisioterapeuta, nutricionista. A formação da equipe é de acordo com
as necessidades de saúde do beneficiário. Sendo necessário ser instituído um cuidador, que
será treinado pela equipe de enfermagem. Esse treinamento acontece na casa do
beneficiário, e dura em torno de 15 dias.
Já na Internação Domiciliar os profissionais divergem no entendimento do que vem
a ser essa modalidade. Alguns defendem que o princípio da Internação Domiciliar é ter
serviços de enfermagem 24 horas no domicílio, enquanto outros, incorporam nessa
modalidade, a assistência de enfermagem de 12 e 6 horas. Na fala do diretor do programa é
possível identificar essa incoerência, inclusive referida por ele mesmo:
“A internação domiciliar no nosso conceito e no conceito do
paciente é aquela que tem recursos semelhantes àqueles que se tem no
hospital. São casos em que tem que se ter enfermagem 24 horas e
atendimento de cuidador 24 horas e aí, que cada um tem uma
classificação. Se é com respirador, sem respirador e assim vai. E há uma
coisa de caráter contínuo, ou seja, alguns aceitam que se você tem
plantão de 12 horas já consideram internação, outros, são mais rigorosos
e definem como internação domiciliar a obrigatoriedade de se ter um
40
técnico de enfermagem 24 horas na residência”.
(Diretor
da
Operadora).
2.4 Rede de Cuidado da Operadora
Além do Programa de Home Care, a Operadora conta com mais três modalidades de
cuidado em saúde, sendo eles, o Projeto Gestor, o Total Care e o Onco Care.
O Projeto Gestor é o monitoramento, pelo telefone, de pacientes crônicos, em sua
maioria, idosos, e tem como objetivo principal, gerenciar esses pacientes para evitar
intercorrências e internações.
O Total Care é um ambulatório super especializado, que possui duas sedes. É
direcionado para o tratamento de pacientes crônicos, em geral, diabéticos, hipertensos,
cardiopatas. Tem uma preocupação com a qualidade de vida, realizando atividades de
grupos e apoio psicológico.
Por último, o Projeto Onco Care é direcionado para pacientes com câncer, que
necessitam terminar o ciclo de quimioterapia, ou de cuidados paliativos a beneficiários em
situação de terminalidade no seu quadro mórbido. É utilizada a mesma estrutura do Home
Care, porém, existem suas especificidades em virtude da complexidade do perfil clínico
desses pacientes. Além da realização de treinamentos especiais para os enfermeiros e
técnicos de enfermagem, em parceria com hospitais especializados, existe também, a
avaliação rigorosa da necessidade de internação hospitalar, pois de acordo com a gestora da
prestadora do PAD, a intenção é evitar internações desnecessárias e assim ela vai ao limite
das possibilidades que os cuidados domiciliares oferecem.
41
A operadora está pensando em criar um programa de atenção domiciliar específico
para crianças, que teria o nome de “Baby Care”. De acordo com a Gestora, a necessidade
de se estruturar uma modalidade de atenção voltada para o perfil infantil, se dá pelas
especificidades do trabalho destinado a esse público, sendo necessário à realização de um
trabalho direto com as mães e familiares. Segundo a gestora da prestadora, 90% das
crianças são traqueostomizadas e interagem muito pouco, não têm sustentação de tronco,
então são muito limitadas e para aliviar sua dor são providenciadas festividades, atividades
com palhaços, coelho da Páscoa, Papai Noel, etc. No momento, o programa atende 20
crianças e acredita que, na medida em que aumentar esse número será necessário estruturar
essa modalidade de assistência.
A existência dessas outras modalidades de cuidado é avaliada de forma positiva
pelos profissionais, principalmente, pela sua possibilidade de contribuir com a alta dos
beneficiários do Home Care, na medida em que os mesmos podem transitar pelos projetos.
“Por exemplo, o doente do (projeto) Gestor teve uma queda de
altura, algum acidente doméstico. Ele é atendido no Home Care, quando
estabilizou o doente, nós achamos que o doente já tem condições de ser
atendido no ambulatório ou no Total Care e aí nós já voltamos com o
doente para o gestor”. (Gestora da Prestadora).
“Aqui não se abandona o paciente. Se precisar ele volta. O que
gera uma confiança, uma segurança. O paciente se sente seguro (...).
(Enfermeira).
42
2.5 Processo de Trabalho no Programa de Assistência Domiciliar
Conforme já mencionado, a equipe básica do programa é formada por uma
enfermeira, dois médicos e cinco fisioterapeutas, territorialmente referenciados, que estão
organizados para atender uma população de em média trinta a quarenta beneficiários,
dependendo da complexidade. O número desses profissionais por equipe vai depender da
quantidade de beneficiários por área, sendo que a definição dos profissionais, que serão
incorporados na equipe, vai depender do projeto terapêutico estabelecido para o
beneficiário. Normalmente, esse plano terapêutico é feito pelo médico em conjunto,
principalmente, com os enfermeiros e fisioterapeutas, e ainda, há uma tendência de
incorporar a família nesse processo.
Todos os pacientes que recebem alta do Programa são acompanhados pelo serviço
de apoio, falow up, que funciona da seguinte forma: no terceiro dia de alta o profissional
liga para a família, para saber se está tudo bem com o paciente, como está a atuação dos
profissionais, se tem alguma dúvida sobre o programa se ficou dúvida em relação ao
número do atendimento de urgência. Isso é feito no sétimo dia, no 15º dia, e depois uma
vez por mês. É feita também pela ouvidoria da operadora uma avaliação trimestral por
telefone de “satisfação do cliente”, onde são avaliados pela família, os profissionais, o
serviço administrativo de insumos e comunicação do programa. Essas formas de
comunicação são consideradas como boas estratégias de estreitar a relação entre
beneficiários e operadora.
O trabalho de coordenação do programa é realizado por uma médica, sendo avaliado
como um trabalho de muita atenção sobre todos os aspectos que cercam o programa, “uma
vez que você está por traz dos bastidores, tem que fazer funcionar tudo direitinho”. De
43
acordo com a Gestora, a estrutura do Home Care é muito grande e complexa, exigindo da
coordenação várias frentes de trabalho, como: realizar o primeiro contato com a família,
para explicar a estrutura do Home Care e apresentar o serviço; intermediar os problemas
entre a equipe, familiares, cuidadores, prestadora/operadora; coordenar o trabalho de
logística de enfermagem, fisioterapeutas, médicos; montagem de enfermagem; ver a
elegibilidade do doente, se o paciente é elegível para o Home Care ou não; fazer link com
os enfermeiros e demais profissionais que estão na rua, dividir os casos com eles, enfim, a
micropolítica do trabalho revela uma alta intensidade de atividade na coordenação do
Programa.
O profissional de enfermagem é considerado de extrema relevância para a
operadora, sendo os cargos de coordenação das áreas, ocupados por eles. Os profissionais
de enfermagem que estão na assistência direta, possuem funções desde ensinar o cuidador
sobre o manuseio, a manipulação, a orientação, a higiene do paciente e de toda estrutura
até, orientação de cânula de traqueostomia. Os treinamentos oferecidos para os cuidadores,
que são previamente definidos pela família, são realizados também pelo profissional de
enfermagem, tendo normalmente 15 dias de duração.
Todos os profissionais reconhecem que os enfermeiros possuem maior vínculo com
os beneficiários e com as famílias. E esse reconhecimento é justificado, pelo fato deles
estarem mais próximos do ambiente familiar. O que permite fazer a (inter) mediação entre
os beneficiários, familiares, cuidadores, prestadora/operadora. Ele faz a relação mais
estreita entre o cuidador e a equipe.
Para a operadora o enfermeiro é visto como figura central no processo de produção
do cuidado. Seja pela intermediação que faz com os demais profissionais, seja pelo vínculo
44
que constrói com a família e beneficiário, contribuindo sobremaneira para a realização da
produção do cuidado.
A operadora considera que trabalhar dentro da casa do paciente existe suas
especificidades, que são julgadas como importantes pelos profissionais, principalmente
pelo profissional de enfermagem, onde essa realidade é bastante próxima. O domicílio é
identificado como um ambiente diferente do hospital, no qual esses profissionais já estão
familiarizados, inclusive referindo-o como “nossa casa”.
“Quando o paciente chega ao hospital, eu sou enfermeira do
setor, eu falo as regras do hospital. O horário do almoço é esse, o banho
normalmente é pela manhã, tem uma sala restrita para a família, e o
posto de enfermagem, a família não pode entrar; sala de estar médica, a
família não pode entrar. E quando se chega na casa do outro, a família é
que diz as regras e nós temos de nos adaptar às regras da família. Claro
que muitas regras interferem no tratamento do doente... Mas se não
interfere, é a vida da família e nós não estamos lá para mudar e se isso
não interfere, vai permanecer assim. E nós temos de nos adaptar”.
(Gestora da Prestadora).
Os profissionais destacam que o Home Care possui uma dinâmica bem diferente do
cuidado no hospital, uma vez que eles “invadem” a privacidade das pessoas. O hospital é
tratado pelo profissionais com a “sua casa”, isto é, um lugar apropriado por eles como
território de práticas, relações que são do seu domínio. Já no domicílio, ele é “levado” por
uma dinâmica que é próprias das relações da família ali residente. O técnico que fica no
domicílio 24 horas torna a relação dele muito íntima com a família, pois ali ele vai perceber
45
os amores e ódios nas relações, os conflitos, encontros e desencontros entre as pessoas,
enfim, de alguma forma, mesmo indireta, ele se sente afetado por esses acontecimentos.
“Na residência o profissional acaba participando da intimidade
da família, mesmo com toda orientação não adiante, porque ele está ali
no ambiente, ele ouve as coisas, ele sabe das coisas, ele participa
indiretamente de tudo. Se o casal brigou? Ele sabe que o casal brigou. O
casal está com problemas? Ele sabe que o casal está com problemas.
Então é difícil para uma família, para os profissionais. São pessoas
estranhas que estão dividindo o mesmo ambiente, que estão participando
da sua intimidade. (Gestora da Prestadora).
O Home Care exige um envolvimento com o paciente e a família, diferente do
hospital.
“A gente se envolve muito mais do que no hospital. E é muito mais
caloroso chegar na casa do paciente e oferecerem um cafezinho, bolo de
banana. ... então o seu trabalho é mais reconhecido. Dá mais trabalho,
mas também o entrosamento, essa relação é muito mais fácil de se
levar”. (Enfermeira).
Em relação a existência de treinamentos oferecidos pela operadora, e dos
profissionais julgarem de grande valia, eles fazem uma crítica, alegando que os mesmos
ficam restritos aos aspectos clínicos e epidemiológicos e considerando muito pouco as
46
questões relacionais, que são também demandas importantes do programa. Isso fica bem
claro quando a médica menciona que “para antibióticoterapia, para curativo, procedimentos
há um protocolo, mas para o atendimento não há uma orientação específica.
“Tem que se considerar não só um treinamento de conhecimento
da técnica, mas que tem um suporte também no sentido das relações
humanas, de se adaptar ao novo ambiente, da intimidade, como lidar...
Principalmente com o novo ambiente. Se eu tenho um técnico que
hoje
está na Vieira Souto e amanhã ele está na favela em outras escala....”.
(Gestora MGr).
Os profissionais avaliam que, em relação ao aspecto relacional, a operadora ainda
trabalha de forma insuficiente, não existindo, por exemplo, um suporte psicológico para
cuidar de questões que são singulares no ambiente domiciliar, como a exemplificada acima,
ou até mesmo treinamentos, workshops para trabalhar essas questões.
A operadora entende que precisa incorporar essas demandas no programa,
contratando um técnico, um psicólogo para realizar esse trabalho.
“Nós não temos ninguém para acompanhar, é um desejo nosso
até. Tanto para acompanhar nossos profissionais... porque é difícil
trabalhar numa residência. O ambiente, a casa do outro, as regras são
do outro. É difícil você ficar ali 12 horas, eventualmente 24 horas ali na
residência, fechado, não tem muito que dividir. Para o técnico de
enfermagem é complicado, nem todos têm preparação”. (Gestora).
47
Mas por enquanto, a operadora dispõe apenas de trabalhos “motivacionais
continuados”, com a equipe que está no domicílio, como por exemplo, o módulo que foi
iniciado, que é a eleição do colaborador destaque. É colocada uma urna eletrônica com a
foto de todos os técnicos e enfermeiros, e os profissionais elegem um que é destaque, a
partir dos critérios estabelecidos pela prestadora. O profissional destaque é premiado.
Na prática, de acordo com a médica, o que acontece é que, na medida em que os
profissionais vão realizando seus processos de trabalho é que vão aprendendo e/ou
aprimorando e/ou trocando as formas de cuidado em domicilio. Mas há um acúmulo de
conhecimento e aperfeiçoamento das práticas de cuidado com a experiência e isso pode ir
sendo apropriado pela equipe e operando um certo “protocolo informal de atendimento”.
Não existe um trabalho sistemático que envolva essas relações, essas vivências. O
que parece gerar demandas equivocadas para os profissionais e também, sobre-trabalho,
conforme reproduzido na fala da Gestora e da médica.
“É a enfermeira que acaba dando muito esse suporte, porque a
família tem como referência, tem a facilidade do acesso de estar na
residência, conhece todos os familiares, conhece toda a dinâmica da
residência, então ela acaba dando todo o suporte. Mas ainda não
temos o suporte psicológico”. (Gestora).
“Você acaba ficando meio psicólogo, meio médico. Você quer e
participa daquela família, daquele problema. Não tem jeito. Você
participa mesmo”.
(Médica).
48
A troca de aprendizado entre os profissionais é vista de forma positiva pelo
programa, existindo espaços para a troca de experiências, conforme avaliação da médica de
rotina. Que, apesar de revelar que essa prática é positiva, ela também, “não acontece de
forma tão sistemática igual poderia acontecer”, sendo praticada da seguinte forma:
“O coordenador médico faz o hound, mensal ou de dois em dois
meses, com o médico, o enfermeiro, a fisioterapia, para conversar
com ele e passar os casos. Tem o hound da enfermagem que é na
última Sexta-feira de cada mês, com todas as enfermeiras de cada
área. Para passar os casos para saber o que estão fazendo, trocar
experiências”. (Médica).
A integração entre os profissionais da equipe também é valorizada na construção e
modificação do plano terapêutico, na medida em que os profissionais são chamados a
discutir, por exemplo, a melhor forma de produzir o cuidado. Essa cooperação é avaliada de
forma positiva pela médica, que relata situações em que por exemplo um cliente examinado
apresenta-se com baixa albumina, ao invés de aplicar-lhe um procedimento para repô-la, ela
busca o apoio da nutricionista, operando seu trabalho na interdisciplinaridade.
Em relação ao vínculo estabelecido entre os profissionais com a família e/ou
beneficiário, principalmente o profissional técnico de enfermagem que está mais próximo
da família, a operadora avalia que os profissionais não devem ter vínculos, e se utiliza de
algumas estratégias para reduzir essa possiblidade, por exemplo, ao notar que esse vínculo
está se consolidando na relação profissional com o beneficiário e seus familiares, quando o
49
trabalhador tira férias, o seu retorno já é escalado pela operadora para outro domicílio. Isso
encontra resistência entre os familiares, mas a operadora insiste nesta prática.
Por outro lado, a operadora reforça a necessidade dos profissionais de rotina
manterem vínculos com os beneficiários e familiares, inclusive, elegendo uma equipe de
profissionais de rotina fixa para o atendimento no domicílio.
2.6 Opinião do Beneficiário
2.6.1 Beneficiário 1
A beneficiária (M) entrevistada, de 59 anos é associada da operadora há treze anos,
teve acesso à atenção domiciliar há um ano e meio, quando seu filho (B) de 29 anos teve
tetraplegia, em conseqüência de uma doença neurológica, chamada Guillian Barret. B. que
tinha “problemas mentais” desde o nascimento, aos 27 anos sofreu essa paralisia, que o
impossibilitou de andar, de mastigar, de mexer os braços, aumentando ainda mais sua
dependência de um cuidador.
Segundo M, após um mês e vinte dias de internação no hospital, seu filho foi
inserido no programa de assistência domiciliar da operadora. Sua inclusão no programa foi
a partir de solicitação do neurologista, que o acompanhou no hospital. Ele fez o pedido,
mencionando os tipos de assistência necessária, que incluía cama hospitalar, atendimento
médico e de fisioterapia. A partir dessa solicitação, a operadora encaminhou o médico do
Home Care para avaliar as condições clínicas do beneficiário e da residência para depois
absorvê-lo na modalidade de assistência domiciliar, passando a contar com cuidados
domiciliares de fisioterapeutas, médicos e enfermeiros.
50
“Toda semana a Dra. vinha. Ela tinha o maior cuidado com ele. Ela
passava o medicamento e a enfermeira vinha no caso de ele precisar
de medicamento venoso, coleta de sangue à domicílio, que é grátis,
por conta da operadora.” (Mãe do B.).
Conforme preconizado nessa modalidade de atenção, durante o período da
assistência domiciliar, a operadora não disponibilizou um cuidador para o beneficiário,
sendo esse papel desempenhado pela mãe, com a ajuda do esposo. Eles passaram a
desenvolver tarefas como, banho, alimentação, higiene, medicação do filho.
Há um mês, de acordo com M., seu filho teve uma piora importante, devido a um
processo de infecção intestinal. Começou com diarréia e febre alta, sendo que de início, o
médico ficou monitorando pelo telefone, receitando remédios, solicitando exames de
sangue. Como não ouve melhora do quadro clínico foi necessária a internação hospitalar
por 15 dias, sendo que 8 dias foram em UTI.
Após a alta hospitalar, B retornou para casa, necessitando de cuidados intermitentes
de enfermagem, passando para a modalidade de atenção, denominada internação
domiciliar. A demanda de enfermagem 24 horas foi motivada pelo uso de medicamentos
intravenosos.
Essa mudança de modalidade de atenção domiciliar, de assistência para internação,
acabou provocando uma substituição do cuidador. O técnico de enfermagem passou a
desempenhar as atribuições do cuidador informal (no caso a mãe com auxílio do pai), na
medida em que passou a permanecer na residência do B. por um período de 24 horas.
51
Esse tipo de atenção domiciliar acaba sendo vantajoso para a família, que se sentem
aliviadas com tantas tarefas que desempenhavam.
“Para nós foi um alívio ele ter vindo, não só porque ele precisa,
mas porque é difícil lidar com ele (...) Para mim sozinha... A gente cuida
por que é mãe, mas é muito sacrifício... Eu não tenho saúde. Estou com
três hérnias de disco... Então a gente faz porque não pode deixar... faz
mesmo por amor, porque é muito peso. Eu já estou ficando até torta. Já
não estou mais andando direito. Já não consigo subir em um degrau, tem
uma perna que eu não consigo levantar.” (Mãe do B.).
Para a família vai ser difícil quando a enfermagem tiver que ser desligada da
assistência oferecida pela operadora e novamente, a mãe ter que assumir o papel integral de
cuidadora.
“Com toda minha doença, com todo o meu problema, eu tenho
muito problema na minha vida, mas muito mesmo... e ele é uma pessoa
excepcional. Eu sempre cuidei dele porque ele nunca pôde fazer nada,
mas andava, já me ajudava, sentava no vaso, eu que fazia a higiene nele,
mas ajudava. Levava ele no Banheiro, dava banho...”. (Mãe do B.).
M. refere positivamente ao relacionamento da família com os técnicos de
enfermagem, que se revesam em sistema de plantão e menciona atenção que lhe é
dispensada com expressões que se referem a um “relacionamento ótimo”, “pessoas
52
atenciosas e carinhosas”, que são reveladoras e expressão de ações acolhedoras, vínculo
que são estabelecidos, enfim, do cuidado que se tem com o beneficiário.
A família identifica o programa como um apoio indispensável, que lhe “tira” da fila
do INSS e mesmo viabiliza a assistência..O pai avalia que os custos que a família possui
com B. são muito grandes, como remédios, fraldas, luz, plano de saúde, o que impossibilita
de contratar um cuidador formal e afirma que o ideal seria ter um técnico em tempo
integral, pois atualmente ele se apresenta apenas para fazer medicação intravenosa.
Mesmo com as dificuldades enfrentadas no cuidado com o filho na residência, a
família avalia que o programa de atenção domiciliar é melhor do que o acompanhamento
no hospital.
“No hospital, ele veio com um ferimento na nádega. Lá eu me
estressava com a enfermagem para poder tirar ele do meio daquelas...
Que elas ficavam de bate papo, de novela, aquela coisa toda... Tinha
pouco funcionário, não tem tempo, arranjavam sempre uma desculpa
dessas... Tiravam o sabonete, não tinha toalha... maior falta de higiene,
maior desmazelo”. (Mãe do B.).
Para a técnica de enfermagem (T), que trabalha com Home Care há dois anos e está
na residência do B. desde janeiro de 2007, não existe problema em trabalhar no Home Care
junto à família, embora reconheça uma certa tensão na família, em ter uma pessoa doente
em casa, mas considera que as relações têm sido positivas.
A profissional de enfermagem, que trabalha na operadora há oito meses, sendo
contratada pela cooperativa, identifica a necessidade das famílias em falar dos seus
53
problemas, e pelo fato da enfermagem estar dentro da casa por 24 horas, ela é tensionada a
se envolver com a família, embora os técnicos tenham cuidado em não se envolverem.
Com relação ao profissional estar dentro da casa do B., a técnica identifica como um
motivo que pode gerar conflitos e tensões entre os familiares e entre familiares e
profissionais/operadora/prestadora.
“Como determinada situação, que às vezes para o paciente não é
boa e que a família faz e você tem que modificar certo hábito... às vezes o
familiar tem um jeito de cuidar do paciente e a gente da enfermagem, nós
temos a nossa própria técnica. Mas eu tento fazer o método e eles
aceitam. Nunca tive problema, não. É até questão de segurança. Eles
vêem que a gente está não está maltratando o paciente, não está
deixando de cuidar por não estar fazendo da forma que eles fazem... até
agora eles têm entendido”. (Técnica de Enfermagem em serviço nos
cuidados ao B.)
Para a técnica, tem família que não tem paciência, que as pessoas são muito
agitadas. “É então que o Home Care, utiliza a enfermagem. Querem que a enfermagem
fique direto para não terem o trabalho com o paciente”.
Mesmo existindo essas tensões, a profissional avalia que é bem melhor para o
paciente a internação domiciliar.
“Ele melhora em tudo. No emocional... às vezes o paciente dentro
do hospital, ele está restrito ali, então o ambiente é outro. Estando na
54
casa o paciente fica bem melhor, eu acho”. (Técnica de Enfermagem em
serviço nos cuidados ao B.).
A técnica argumenta que existe diferença do envolvimento dos familiares com os
beneficiários, de acordo com a classe social. Para ela, a “classe alta”, em sua maioria,
contrata um cuidador, justificando pela falta de tempo de algum familiar em manter-se em
casa realizando os cuidados ao doente ali presente. Avalia que, quando o cuidador não é da
família, há uma tendência dele em não cuidar com o mesmo carinho, como se fosse alguém
da família. Outro aspecto importante é que os vínculos construídos são menos estreitos, o
que tende a prejudicar o beneficiário. Estabeleceu-se um consenso de que grupos mais
pobres, desprovidas de alternativas para cuidar do seu familiar, adotam mais
freqüentemente um cuidador da própria família.
Para a técnica, o programa de atenção domiciliar contribui para que o beneficiário
sinta-se melhor. Em sua fala é possível identificar essa avaliação.
“Para o bem estar do paciente, para a melhora do paciente, o fato
de ele estar em casa é bem melhor, sem dúvida. Eu já tive paciente que
estava com traumatismo craniano que já estava há um mês e meio no
hospital e quando voltou para casa em 15 dias, rapidinho, ele teve a
recuperação. O trato emocional dele...” (Técnica de Enfermagem em
serviço nos cuidados ao B.).
2.6.2 Beneficiário 2
55
O Beneficiário 2 teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) há cinco anos, e hoje,
tem uma “letargia” do lado esquerdo, a parte esquerda do seu corpo é totalmente paralisada.
Ele é gastrostomizado, recebe a alimentação pela sonda, apesar de receber também, por via
oral, e ainda, é traquesostomizado. É um paciente acamado, dependente de cuidados
intermitentes, incorporado no modelo de internação domiciliar da operadora/prestadora.
Seu plano terapêutico consiste em, cuidados de enfermagem de 24 horas,
fisioterapeuta duas vezes por semana, visita médica para avaliação clínica semanal e
suporte de insumos e exames. Nesse caso, diferente do que está contemplado no protocolo
do programa, a família não está no domicílio para se responsabilizar pelo beneficiário e
pelos seus cuidados. A operadora é “obrigada” a disponibilizar técnicos em sistema de
rodízio para desempenhar tarefas que vão além do que está preconizado pela operadora,
sendo essa “obrigação”, conseqüência de liminares judiciais que são deferidas para as
famílias permanecerem com o profissional no domicílio.
O técnico de enfermagem entrevistado começou a cuidar do beneficiário em
dezembro de 2006, mesma época que iniciou na operadora. Anterior a esse período, era
vinculado à cooperativa de saúde e já prestava serviço para a prestadora de Home Care.
Quando ingressou na cooperativa pela qual foi contratado pela prestadora de Home
Care, o técnico de enfermagem recebeu treinamento, que considerou como um suporte em
caso de situações com paciente domiciliar.
“Porque paciente domiciliar normalmente é traqueostomizado,
gastrostomizado, usa bomba infusora, que se usa no hospital também. É
mais um suporte para ter mais segurança ainda no domicílio,
56
praticamente nele você, às vezes você vai estar sozinho”. (Técnico
Beneficiário 2).
Para ele, no hospital você tem uma equipe, e em casos de intercorrências é possível
chamar alguém na hora, e no Home Care, não funciona assim, aqui o profissional tem que
“se virar” com seus próprios recursos e assim deve estar muito bem preparado para atender
a intercorrências, pois o tempo para contar com outros profissionais ou mesmo remover o
beneficiário é grande em relação ao que se tem em ambiente hospitalar.
Outra diferença que o profissional destaca é o envolvimento do profissional com o
trabalho em domicílio e a participação da família na produção do cuidado. Em sua
avaliação o técnico que trabalha no domicílio tem que estar provido de sentimentos como
“amor, responsabilidade, carinho”, para realizar seu trabalho e para incorporar a família na
produção do cuidado.
2.6.3 Beneficiário 3
A entrevista foi realizada com o filho da beneficiária, de 43 anos, que desempenha o
papel de cuidador, em parceria com sua companheira, que é remunerada para realizar esse
serviço.
A beneficiária do programa possui o plano de saúde da operadora há mais de nove
anos, quando ficou acamada e com pouca interação social, após ter sofrido dois AVCs e
depois sendo submetida a traqueostomia.
A inserção da beneficiária no programa de atenção domiciliar se deu a partir do
contato estabelecido entre os médicos do hospital com a família, no período em que a
57
mesma ainda encontrava-se internada no hospital. Após avaliação clínica e das condições
da residência, a beneficiária foi incorporada no programa de internação domiciliar, pois
eram administrados medicamentos que necessitavam do apoio de enfermagem.
Após a alta da modalidade de internação domiciliar, a beneficiária passou a receber
o modelo de assistência domiciliar. O plano terapêutico passou a ser composto por
fisioterapia, quando necessária, visita médica semanal ou até mensal, exames para
investigação e complementação diagnóstica. O cuidador permanece com o telefone do
Home Care, o que permite contato direto com a médica e enfermeira do programa, em
qualquer intercorrência.
O cuidador avalia, que para desempenhar esse papel, não é possível que a pessoa
esteja inserida no mercado formal de trabalho, justificando essa afirmação, pelo tempo, pela
responsabilidade que o cuidador assume com o paciente e, também pelo seu desgaste físico
e emocional. O que faz o filho argumentar a necessidade de ser incorporado na modalidade
de assistência domiciliar o técnico de enfermagem, para desempenhar o papel do cuidador.
3. Conclusões
3.1 Aspectos organizacionais do Programa de Assistência Domiciliar na
Operadora de Medicina de Grupo Investigada.
O estudo possibilitou conhecer a produção do cuidado no modelo de assistência e
internação domiciliar de uma operadora de Medicina de Grupo, desde os aspectos
organizacionais do programa, como a infra-estrutura e logística; até como se dão os
processos de trabalho, como, a formação das equipes, as atribuições dos profissionais, a
58
elaboração e condução do plano terapêutico e também; a percepção dos profissionais,
beneficiários e familiares com relação ao programa.
A operadora é parte de uma rede composta por hospitais, laboratórios e a prestadora
de Home Care. A prestadora é uma outra empresa, que possui estrutura física e de recursos
humanos própria, mas vinculada à operadora.
A grande parte dos profissionais é contratada pela própria prestadora, formando
uma rede de profissionais que são escalados conforme as demandas dos beneficiários.
Somente entre os técnicos de enfermagem há uma parte dos profissionais com contratos
terceirizados. Essa diferenciação de vínculos empregatícios é percebida de forma negativa
pelos profissionais, na medida em que o processo de trabalho em saúde é prejudicado, seja
pela fragilidade dos vínculos, seja pelo conhecimento técnico diferenciado.
A operadora possui uma sede própria onde fica centralizada a rede de apoio da
prestadora, sendo esta composta por serviços de: logística, call center, fallow up, prontuário
eletrônico, ouvidoria, farmácia, contratação de recursos humanos, workshop, treinamentos,
escalas de plantões. Essa infra-estrutura montada pela operadora permite que os
profissionais e beneficiários estejam respaldados por uma equipe que está à disposição 24
horas para prestar atendimento.
Vale ressaltar que o programa demanda uma logística importante e às vezes custosa,
pois significa mobilizar profissionais diariamente para os domicílios, muitas vezes
equipamentos e materiais, requerendo estrutura de transporte bem articulada. Mas verificase que do ponto de vista organizacional e de logística, o programa está montado e
funcionando de forma satisfatória, conforme os relatos obtidos.
59
Os resultados do estudo demonstram uma notória motivação do programa na
redução de custos, especialmente os hospitalares, apesar da Gestora da operadora avaliar
que o custo do paciente na modalidade de internação domiciliar é muito caro, mas mesmo
assim, em razão dos altos custos hospitalares no Brasil, permanece vantajoso sob este
aspecto. Para a Gestora, alguns doentes são mais caros no Home Care, do que no hospital,
principalmente por causa da logística e do deslocamento da equipe. Normalmente são os
pacientes de internação domiciliar, classificados como os que necessitam de enfermagem
24 horas. Às vezes, são os casos que possuem liminar judicial para a manutenção da
assistência 24 horas de enfermagem. Os pacientes de acompanhamento domiciliar são
considerados como de baixo custo, por não utilizar material, equipamento, profissional 24
horas. Sendo estes, considerados como os que são economicamente mais vantajosos para o
Home Care.
“Se no hospital tem um andar de clínica médica com 20 pacientes,
coloca-se um médico de plantão de rotina, ele vê todo mundo num
único dia. No Home Care ele vai ver seis. E tem o transporte para o
médico. Carro com motorista. Para o enfermeiro, o deslocamento do
enfermeiro. Se tem enfermagem é enfermagem exclusiva, são quatro
técnicos para um único paciente... Entrega de material e
medicamento, recolhimento do excesso, do material que não foi
utilizado. Tudo isso é uma logística sofrida, é muito cara. Tem
situações em que o Home Care é mais caro”. (Gestora).
60
O Programa possui uma singularidade no processo de produção de cuidado na
medida em que o mesmo não está contemplado nos planos de saúde e não está
regulamentado pela ANS. Dessa forma, os critérios de elegibilidade dos beneficiários são
analisados caso a caso, sendo definidos a partir da combinação da situação clínica
específica do mesmo, com as condições de moradia para receber uma pessoa sob
tratamento domiciliar e ainda, a presença de um cuidador que se responsabilize pelos
cuidados na residência.
3.2 Processos de Trabalho no Programa de Assistência Domiciliar.
A internação domiciliar e o seu modo específico de produção do cuidado traz uma
importante questão que é o fato da presença de um agente externo, o profissional de saúde,
na casa do beneficiário. O saber médico se depara com o saber da família, do senso comum
do cuidado e do contexto sociocultural. Uma questão importante que atravessa as relações
no ambiente familiar, diz respeito à “colonização” do saber da família, pelo saber científico
ou a vivência do conflito no encontro entre esses dois campos de força, na relação de
cuidado. Ao vivenciar a mudança da produção do cuidado, saindo do ambiente hospitalar e
passando para o domicilio, a equipe e os familiares vivem relações que são permeadas por
tensões e conflitos, exigindo dessa maneira, uma certa inteligência no manejo de conflitos,
no gerenciamento das relações e a capacidade de pactuar os processos de cuidado. Isso é
parte constitutiva da micropolítica do processo de trabalho e deve ser considerado portanto
como um campo de negociação no contexto de uma certa “disputa”.
O processo de trabalho é realizado por uma equipe multiprofissional, composta por
assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, psicólogos e técnicos de
61
enfermagem. Isso por si só já contribui para a harmonia das relações entre familiares e
equipe cuidadora, pois os diversos saberes podem encontrar variantes nas tensionadas
relações. É necessário reconhecer a natureza diversa da assistência domiciliar, na qual o
profissional de saúde “invade” a privacidade da família e ao mesmo tempo há o receio
desta de perder o controle sobre o seu território. A operadora toma cuidado para que haja
certo “distanciamento” do profissional para com os membros da família no sentido de
evitar estas tensões, uma vez que os aspectos culturais, sociais, econômicos estão
permeados nessa relação.
Várias lógicas atravessam a saúde suplementar e conseqüentemente o programa de
atenção domiciliar. Essas lógicas são permeadas por conflitos e tensões, que interferem na
produção do cuidado. A hegemonia de cada uma dessas lógicas vai depender dos interesses
em cena. A primeira lógica que atravessa a produção do cuidado na operadora é a
mercadológica, de diminuição dos custos com a internação hospitalar e de transferência
para a família de alguns gastos, como por exemplo, insumos e medicamentos. Já a segunda
lógica, a do cuidado, é pensada e desenvolvida pelos profissionais que estão na ponta, que
prestam a assistência diretamente e possuem contato estreito e vínculo com a família.
O Programa de Assistência Domiciliar vivencia processos diferenciados e às vezes
contraditórios no processo de produção do cuidado. Às vezes parece mais com um microhospital que se monta no domicílio, centrando o processo de trabalho nos recursos das
tecnologias duras. O próprio treinamento dos profissionais vem nesse sentido, ou seja, está
centrado na realização de procedimentos.
Por outro lado, pela proximidade com a família, o ambiente domiciliar e a
ambiência que cerca as relações nesse lugar, os profissionais são afetados por tudo isso e se
62
aproximam em demasia, firmando vínculos com o beneficiário e seus familiares. Essa
atmosfera faz com que as práticas mais relacionais de cuidado, isto é, as tecnologias leves
se apresentem no cenário de produção do cuidado, operando micro-processos de mudança,
que são percebidos pelos beneficiários.
Podemos dizer que há processos de transição tecnológica na micropolítica do
processo de trabalho, sutis, mas que apontam para a sustentação do Programa de
Assistência Domiciliar, para além da questão econômica e financeira na qual a operadora se
apega para mantê-lo e discutir a sua formatação no espectro dos modelos tecnoassistenciais.
3.3 Percepção dos resultados do Programa para o usuário.
Ao mesmo tempo, em que as operadoras visam à diminuição dos custos, percebe-se
que há uma melhora no cuidado aos beneficiários em relação à assistência que era obtida no
ambiente hospitalar. Tanto os profissionais, quanto os cuidadores informam mais conforto,
melhora da condição psíquica e maior cooperação com o tratamento. Na avaliação de todos
os atores envolvidos é melhor para o beneficiário estar em casa, tanto para ele, quanto para
a família. De acordo com a médica, são casos isolados e mínimos em que percebem a
rejeição da família em assumir os cuidados em casa. Ela defende que os beneficiários
sentem-se mais seguros estando com a família.
As práticas de cuidado no domicílio superam as tecnologias comuns de trabalho em
ambiente hospitalar, confirmado pelas entrevistas onde os cuidadores manifestam maior
satisfação e melhor cuidado na residência. Esse registro confirma em certo sentido um
processo de transição tecnológica, como já foi dito, gradativo, mas persistente, em alguns
63
profissionais que têm a Assistência Domiciliar como uma bandeira de vida e profissional,
mas não é possível generalizar esta afirmativa, pois lógicas de cuidado centradas em
procedimentos atravessam as práticas que se afirmam nas tecnologias de cuidado mais
relacionais.
Apesar da avaliação positiva da produção do cuidado no domicílio, destacada pelos
profissionais e familiares/beneficiários, outro aspecto avaliado é a sobrecarga que o cuidado
em domicílio pode acarretar, principalmente nas famílias em que o cuidador é próprio do
ambiente familiar. Esses casos acontecem em grande freqüência, nas famílias de classes
populares, onde a tendência é que alguém da família se abdique da sua vida pessoal e
profissional para oferecer os cuidados em saúde.
Por fim, foi possível identificar que o setor necessita de estabelecer diretrizes para a
regulação, para melhor pactuação do programa entre beneficiários, famílias, profissionais,
prestadoras e operadoras.
64
ASSISTÊNCIA DOMICILIAR NA AUTO-GESTÃO: O CASO CASSI.
Contextualização da Operadora.
A operadora é uma empresa de autogestão em saúde, fundada em 1944, com o
objetivo de ressarcir as despesas de saúde dessa população. Atualmente a operadora possui
666.686 beneficiários, de acordo com dados obtidos na Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) de novembro de 2006 (www.ans.gov.br, acesso em 26/02/2007),
divididos em dois principais planos: Plano de Associados e Plano Família. A operadora
conta com 11 Unidades Regionais e 11 Unidades Estaduais, instaladas nas principais
capitais do país.
A operadora é responsável por uma rede de mais de 45 mil prestadores de serviços
espalhados por todo o país, sendo procurada por outras instituições de autogestão a fim de
celebrar Convênios de Reciprocidade para atender aos seus participantes em regiões onde
essas empresas não possuem Rede Credenciada.
Além de proporcionar os serviços assistenciais, a operadora disponibiliza os
serviços de processamento de dados relativos aos atendimentos de saúde.
Nos últimos anos a operadora mudou sua lógica assistencial, principalmente no
sentido de incorporar novos conceitos e novas estratégias de cuidado em saúde. Assim, a
operadora deixou de ter como prioridade a ação médico-curativa, focada apenas da doença
e na figura individual do paciente, estendendo agora, medidas preventivas e de ações
voltadas para a promoção da saúde e para a coordenação dos cuidados do indivíduo e de
65
sua família. A operadora passou a ter como missão institucional “assegurar atenção integral
à saúde para uma vida melhor".
Para a viabilização desse novo modelo de cuidado, a operadora adaptou e adotou o
Modelo de Saúde da Família do SUS, deixando de operar com o antigo Modelo MédicoCurativo passando a utilizar o Modelo de Atenção Integral à Saúde, chamado de Estratégia
Saúde da Família.
O novo modelo de atendimento da operadora visa garantir atenção à saúde dos seus
associados dentro dos princípios “do direito universal a saúde e do cuidado humanizado,
ético, solidário e personalizado às necessidades de cada indivíduo e sua família”, através da
coordenação dos cuidados e do atendimento mais humanizado.
Cada equipe tem sob sua responsabilidade, para a coordenação dos cuidados em
saúde, uma população demarcada por um prévio cadastramento que tem por objetivo
facilitar o acesso das equipes e permitir maior proximidade com a realidade de cada pessoa
e de cada família. Cada equipe técnica é formada por um médico da família e um técnico de
enfermagem, um nutricionista, um enfermeiro, um psicólogo e um assistente social.
O Plano de Associados é destinado aos associados da operadora e seus
beneficiários, que são hoje cerca de 400 mil, destaca-se pela grande abrangência de sua
cobertura. Não exige carência e a adesão é feita automaticamente no ato da contratação do
funcionário pela empresa. O Plano de Associados dispõe de ampla rede de médicos,
clínicas e hospitais credenciados em todo o País e de unidades próprias de atendimento em
quase todas as capitais. Além disso, a operadora reembolsa o associado, de acordo com sua
Tabela Geral de Auxílios, quando este utiliza serviços de profissionais não credenciados.
66
Além das coberturas tradicionais (consultas, exames, internações, tratamento em UTI), os
associados da operadora e seus beneficiários também podem receber:
•
Auxílio para transplante de órgão;
•
Colocação de órteses e próteses;
•
Atenção completa à saúde mental;
•
UTI aérea e terrestre;
•
Tratamento diferenciado para portadores de deficiência;
•
Abono de aparelhos e objetos com finalidade médica para uso domiciliar;
•
Abono de materiais e medicamentos de uso domiciliar para pacientes com
doenças graves, crônicas ou degenerativas;
•
Auxílio funeral;
•
Serviços de enfermagem domiciliar e hospitalar, quando autorizados pela
operadora.
O Plano Família
foi criado em 1997, para atender antiga reivindicação dos
associados que tinham interesse de seus familiares serem assistidos pela operadora, que não
pertencentes ao Plano de Associados. O Plano Família congrega, hoje, mais de 280 mil
participantes em todo o Pais. Os serviços contam com profissionais e instituições de saúde
credenciados nas capitais e no interior. Podem participar desse plano, parentes até o 3º grau
dos funcionários; ex-funcionários; ex-cônjuges; filhos de parentes de 3º grau de plano
coberto.
67
O Plano Família possui duas modalidades denominadas Família I e II. O Plano
Família I possui cobertura assistencial para:
•
Consultas médicas;
•
Internação em apartamento, com direito a acompanhante;
•
Atendimento em todo território nacional em instalações próprias da
operadora ou na rede de credenciados;
•
Atendimentos em ambulatório, consultório ou pronto-socorro;
•
Atendimentos hospitalares, clínicos, cirúrgicos e obstétricos;
•
UTI - Unidades de Terapia Intensiva, sem limite de permanência;
•
UC - Unidade Coronariana;
•
Exames complementares, serviços auxiliares de diagnose e de terapia e
tratamentos especializados;
•
Remoções em UTI terrestre ou aérea;
•
Cobertura para doenças infecto-contagiosas;
•
Fisioterapia;
•
Homeopatia e acupuntura;
•
Atenção à saúde mental;
•
Transplante de órgãos (cobertura para despesas com receptor);
O Plano Família II possui cobertura assistencial para:
68
•
Assistência ao recém-nascido de parto coberto, nos primeiros 30 dias após o
nascimento;
•
Despesas com doadores vivos de transplante;
•
Ceratotomia radial;
•
Tratamento de obesidade mórbida;
•
Hemodiálise e diálise peritoneal;
•
Psicoterapia breve de crise.
Dentro dos serviços oferecidos pela operadora, o programa de atenção domiciliar é
considerado como tecnologia assistencial capaz de garantir a melhoria da qualidade de vida
dos usuários acompanhados, através da racionalização da utilização dos recursos
empregados no âmbito do cuidado oferecido, assim como contribuir positivamente
enquanto proposta de atenção em saúde para os usuários.
A operadora conta também, com programas de saúde destinados aos seus
beneficiários, desenvolvidos pela equipe do programa estratégia da família, sendo eles:
1. Plena idade: elevar o bem-estar da população idosa, com o desenvolvimento de
ações voltadas para a promoção do envelhecimento saudável, prevenção de doenças, a
recuperação da saúde e a reabilitação daqueles que venham a ter sua capacidade funcional
restringida.
2. E P S (Exames Preventivos de Saúde) : permitir a identificação precoce de
problemas de saúde nos funcionários que possam estar relacionados ou não ao exercício do
trabalho.
69
3. Saúde do trabalhador: proporcionar aos funcionários melhores condições de
trabalho para a preservação da integridade física e mental vem sendo a tônica dos serviços
de Saúde do Trabalhador.
4. Viva coração: promover a qualidade de vida de seus beneficiários através de
orientações sobre a importância da prevenção de riscos e do autocuidado, condições básicas
para a saúde do coração.
5. Saúde Mental: prestar assistência integral aos participantes que apresentam
transtornos mentais e necessitam de cuidados especializados nesta área.
6. Bem viver: prestar atenção integral às pessoas com deficiência.
Histórico e Orientação Básicas do Programa de Assistência Domiciliar da
operadora.
As primeiras iniciativas da operadora para o estabelecimento de um programa de
assistência domiciliar datam de 1998, nos municípios de Rio de Janeiro e São Paulo,
quando se iniciou o planejamento com objetivo de implantação do Programa.
Em 2000, a operadora regulamentou o Programa de Atenção Domiciliar, a partir das
experiências-piloto iniciadas nos estados citados e de estudos bibliográficos que foram
encaminhados pela mesma.
A operadora pesquisada revela em sua documentação específica relacionada ao
Programa de Assistência Domiciliar um argumento que diz muito da motivação para a
instituição do mesmo, combinando a idéia de cuidado “stricto sensu”, em uma perspectiva
de melhoria da saúde dos beneficiários, com a necessária redução de custos operacionais,
especialmente para a internação hospitalar. Os trechos a seguir, retirados de um dos
70
documentos que discutem tais programas, demonstram as duas faces do problema em
questão:
“O presente Programa tem como característica principal a
orientação do usuário para o auto-cuidado e o preparo da família para
complementação dessa atenção, tornando-o cada vez mais autosuficiente, de forma que a assistência prestada pela CASSI possa ser
cada vez mais de suporte. Todas as ações devem ser dirigidas para que o
usuário retorne às atividades da vida diária assim que tenha condições,
sendo assistido adequadamente até alcançar o maior nível de
independência possível.
Os custos relativos à assistência à saúde têm sido motivo de
preocupação tanto do setor público quanto privado no Brasil. Difunde-se
e consolida-se a idéia de que é possível obter-se resultados médicosanitários semelhantes, a um custo assistencial menor. As despesas cada
vez mais elevadas colocam-nos diante dessa opção ou da necessidade de
redução da cobertura com serviços de saúde.
Projeto piloto de atenção domiciliar realizado pela CASSI, no ano
de 1999, nas Unidades São Paulo e Rio de Janeiro, demonstrou a
redução de despesas em 30 a 70% na atenção domiciliar em relação ao
custo hospitalar”. (Programa de Internação Domiciliar).
71
Corrobora com essa idéia os objetivos definidos para o Programa, que combinam a
redução de custos, associada a um “cuidado mais cuidador”, preocupando-se com o bem
estar do beneficiário que necessita de cuidados especiais, segundo os critérios da operadora.
São os seguintes os objetivos do programa:
“Geral: Oferecer atenção domiciliar aos usuários dos Planos de
Saúde da CASSI, focalizando o doente e não a doença, levando-se em
consideração a influência positiva de sua permanência no ambiente
familiar e a otimização de custos.
Específicos:
Restaurar a saúde do paciente e melhorar a sua condição de
vida;Diminuir o tempo de permanência hospitalar;Diminuir taxa de
consulta
a
especialistas;
Otimizar
a
utilização
de
métodos
diagnósticos;Acompanhar o tratamento e a evolução do quadro clínico;
Simplificar os procedimentos terapêuticos;Buscar os melhores resultados
para o usuário e para a empresa;Reduzir custos ; Diminuir o risco de
infecção;Organizar um conjunto de informações que possa apoiar as
decisões gerenciais;Fornecer apoio bio-psicossocial ao usuário e sua
família no ambiente domiciliar; Promover maior conforto e dignidade
aos pacientes terminais; Diminuir o número de reinternações
hospitalares; Educar o paciente e sua família, com ênfase no autocuidado”.
72
Os parâmetros do perfil dos pacientes a serem acompanhados são definidos,
associando um certo perfil nosológico com o grau de utilização dos serviços, e ainda
analisa as possibilidades da assistência domiciliar dar conta das necessidades terapêuticas
do próprio beneficiário, como pode se ver no documento:
USUÁRIO POTENCIAL
Indivíduo que, apesar dos recursos de saúde disponíveis, utiliza os serviços
hospitalares e outros serviços credenciados de forma ineficiente, tendo como conseqüência
um menor nível de bem-estar e de saúde e custo elevado de tratamento.
2.1 Perfil do Usuário
Perfil 1: usuários internados que poderão ter alta hospitalar desde que tenham
cuidados médicos, de enfermagem e/ou de terapias complementares intensivas por curto
prazo (até 45 dias ). O grau de incapacidade pode ser leve, moderado ou grave.
Perfil 2: usuários que poderão receber alta hospitalar desde que tenham cuidados
médicos, de enfermagem e/ou terapias complementares, sendo seu grau de incapacidade
moderado ou severo (crônico). Esses cuidados poderão ser transitórios ou permanentes,
com níveis de intensidade modificando-se gradualmente conforme a assunção do caso pela
família.
Perfil 3: usuários que já estão em seu domicílio e têm histórico de repetidas
internações e, que através de monitoramento, cuidados transitórios ou permanentes, terão
evitadas intercorrências e novas internações.
73
Perfil 4: usuários portadores de patologias crônicas, degenerativas e graves que se
encontram em domicílio, não tem história de internações repetidas, mas, devido à sua
patologia, apresentam alto potencial para internação.
A este perfil da clientela do Programa de Assistência Domiciliar, associa-se uma
certa classificação dos beneficiários, segundo critérios definidos pela própria operadora,
que são informados a seguir:
A incapacidade do usuário pode ser:
Leve: É transitória; alguma descompensação sistêmica (diabetes, hipertensão, pósoperatório, etc.). O usuário permanece com alguma habilidade e consegue desenvolver
atividades autônomas.
Moderada: Dependência parcial que pode ser permanente ou não. Uma parte da
habilidade de desenvolver atividade autônoma é afetada..
Severa: Dependência total e permanente. A habilidade para desenvolver atividades
autônomas é afetada na sua totalidade.
Os seguintes grupos se inserem nos perfis acima citados:
Crônicos: são aqueles portadores de condições irreversíveis e que podem ser
evolutivas como: comatosos, pulmonares crônicos, renais crônicos.
Portadores de necessidades especiais: são os que apresentaram alguma doença ou
acidente, foram tratados, mas sofreram alguma lesão permanente como: tetraplégicos,
paraplégicos, vítimas de AVC, amputados, etc.
Reabilitáveis: são doentes que apresentaram alguma doença ou acidente, foram
tratados, e adquiriram estabilidade clínica, mas sofreram lesões que provocam longa
74
convalescença como: queimados, politraumatizados, ortopédicos, portadores de infecções
que necessitaram de debridamentos e drenagens extensas, portadores de pés diabéticos,
úlceras varicosas, etc.
Terminais: são os pacientes em fase final (fora de possibilidades terapêuticas),
quando não há mais chances de se evitar o óbito, mas que necessitam de cuidados gerais e
alívio dos sintomas, como: neoplásicos, pulmonares crônicos, renais crônicos, portadores
de AIDS, etc.
Os critérios de elegibilidade dos beneficiários são definidos combinando a situação
clínica específica do mesmo, com as condições de moradia para receber uma pessoa sob
tratamento domiciliar e ainda a presença de um cuidador que se responsabilize, conforme
consta no documento “Programa de Atenção Domiciliar” elaborado na CASSI em 2004 e
que orienta a organização do Programa e acordo com os seguintes critérios: Quadro clínico
estável, passível de cuidados domiciliares; Tempo de permanência no hospital; Expectativa
de alta hospitalar; Receptividade e adesão do paciente e da família; Apoio do médico
assistente; Existência de domicílio fixo e adequado para receber a infra-estrutura necessária
ao cuidado domiciliar; Verificação dos custos/benefícios ( evidência de redução de custos
para a CASSI associada ao aumento da qualidade da assistência oferecida ao usuário);
Presença de um responsável na família sensibilizado com o problema do usuário
incapacitado e aceitando favorecer o bom desenvolvimento das atividades atuando como
intermediário junto à CASSI; Presença de um cuidador ou familiar com abertura e perfil
para receber treinamento e educação em saúde.
A identificação do usuário é feita por busca ativa realizada pela própria operadora,
não admitindo “demanda espontânea” para ingresso no Programa, sendo que a empresa
75
desestimula a divulgação da Assistência Domiciliar, pois uma grande demanda não
comportaria dentro do que foi planejado, que se restringe a um número definido
previamente, que se encontra em torno de 70 (setenta) beneficiários. Abaixo informamos o
modo como são identificados os usuários, conforme consta no documento da operadora:
“O Programa abrangerá apenas os usuários críticos. A identificação
deverá ser feita através de:
Sinalização da auditoria médica externa (recorrente) e/ou interna.
Relatório de prorrogação de senhas da Central de Atendimento e
Orientação.
Solicitações de Auditoria pela Central de Atendimento e Orientação.
Visitas hospitalares realizadas pelo Serviço Social..
Demanda da instituição hospitalar onde o usuário encontra-se internado
ou da família.
Relatórios do sistema CSC ( Maiores beneficiários e outros ).
Pesquisas de usuários que se submetam a reinternações.
Usuários participantes do Programa de Medicamentos da CASSI”.
(CASSI, 2004, pág. 14).
Segundo a operadora, a captação do usuário deve ser feita de forma dirigida. A
divulgação do Programa a todos os usuários que se encontrem sob internação poderia
resultar em demanda adicional e criar expectativas que não podem ser respondidas em
pacientes que não se enquadram nos critérios de elegibilidade.
A operadora estipulou que o Programa teria dois níveis de atenção à sua clientela,
um que ela está nomeando de “assistência domiciliar” para os usuários mais graves, e outro
76
de “suporte domiciliar” para aqueles que não necessitam de cuidados intensivos, mas são
dependentes de cuidados profissionais ou apoio em equipamentos, orientação e materiais
específicos. Assim define o documento da operadora:
NÍVEIS DE ATENÇÃO
ASSISTÊNCIA DOMICILIAR: será prestada ao usuário que conforme
sua patologia demande um cuidado de saúde mais intensivo, onde haja
necessidade de enfermagem (podendo variar de 24 horas por dia a uma
visita periódica), além de assistência médica e de outros profissionais de
saúde, mesmo contando com a presença de um ou mais cuidadores
treinados ou em treinamento. Destina-se a pacientes que de outra forma
estariam internados em hospital.
SUPORTE DOMICILIAR: será prestado ao usuário que conforme sua
patologia necessite de apoio através de um ou mais dos seguintes itens:
cuidador ( que pode ser um familiar responsável) treinado, aquisição de
medicamentos de uso contínuo, empréstimo de materiais hospitalares (
cama, cadeira de rodas, cadeira higiênica, ou outros), terapias
complementares em âmbito domiciliar (fisioterapia, fonoaudiologia, etc.),
sendo as necessidades de enfermagem definidas pela freqüência de uma
visita por dia até uma visita por semana. (CASSI, 2004, pág. 16).
77
Já em fevereiro de 2007 circulou documento, intitulado “Reavaliação do Programa
de Atenção Domiciliar (PAD)”, que tem o objetivo de rever o plano diretor para o mesmo,
que foi instituído no documento anterior. Este vem assinado pela estrutura diretiva da
operadora. Esse documento define os objetivos específicos do Programa, da seguinte
forma:
Estratégias relacionadas aos objetivos descritos.
Objetivo 1 - Garantir efetividade nas ações de saúde do programa, visando melhoria
da qualidade de vida para os usuários.
Estabelecer e acompanhar o cumprimento do Plano Terapêutico periódico em
parceria com prestadores e familiares.
Sensibilizar a família para sua efetiva participação no tratamento necessário ao
paciente, contribuindo para a sua co-responsabilização.
Garantir a satisfação dos usuários externos (usuários, familiares e prestadores).
Garantir recursos assistenciais de qualidade, em consonância com as necessidades de saúde
identificadas.
Objetivo 2 - Otimizar Recursos Financeiros racionalizando os custos da assistência
a ser prestada em todo o seu processo.
Referenciar e acompanhar prestadores/serviços para atendimento aos usuários
cadastrados pelo Programa de Atenção Domiciliar, garantindo, através do apoio da área de
Relacionamento com o Mercado, o cumprimento dos acordos efetuados e monitoramento
dos custos envolvidos.
78
Buscar a otimização dos custos envolvidos na assistência através do estudo das
tecnologias disponíveis para atendimento às necessidades identificadas, considerando o
binômio custo-efetividade.
Acompanhar a situação de saúde dos pacientes inscritos no Programa de Atenção
Domiciliar, adequando os recursos envolvidos às necessidades identificadas.
Objetivo 3 - Programar e desenvolver ações de promoção a saúde e prevenção de
agravos.
Garantir parcerias com prestadores, serviços e instituições que auxiliem na
implementação do cuidado sob o ponto de vista da atenção integral em saúde.
Realizar estudos epidemiológicos da população atendida pelo Programa de Atenção
Domiciliar, buscando evidenciar perfil de saúde da clientela para a proposição de Política
de Atenção à Saúde na lógica da prevenção e promoção à Saúde.
Contribuir para a criação de ambiente de atenção à saúde ao usuário do Programa de
Atenção Domiciliar e familiares envolvidos, buscando a melhoria da qualidade de vida da
clientela.
Nota-se que os objetivos definidos neste documento são bem precisos em relação às
diretrizes do Programa, facilitando a instrução para o funcionamento do mesmo. Importa
informar que esse documento orienta para uma avaliação a ser feita no programa, que por
sua vez deve significar um reajuste no seu funcionamento.
79
2. Resultados
2.1 Aspectos Organizacionais do Programa de Atenção Domiciliar.
O programa de atenção domiciliar é um dos programas existentes na operadora AG,
criado em 1999. A operadora reúne uma rede de prestadores de serviços, que são
credenciados por ela, para o funcionamento do programa de atenção domiciliar, que conta
com 80 beneficiários. A rede de prestadores contratualizada pela operadora é selecionada
considerando o perfil para o atendimento domiciliar, sendo composta por prestadores
individuais, por empresas e ainda, por empresas de Home Care.
“Nós temos muitos arranjos. Nós temos prestadores individuais, por
exemplo, um fonoaudiólogo. Tem também firmas que tem contratos jurídicos
com a operadora, que prestam serviços”. (Profissional AG).
Os profissionais individuais que prestam serviços para a operadora são
credenciados, sendo o vínculo estabelecido através de contrato individual. Os profissionais
são previamente selecionados por área geográfica para a realização do atendimento
domiciliar. Em geral, esses profissionais são mobilizados para a modalidade de suporte
domiciliar, onde realizam visitas domiciliares, semanais ou mensais, dependendo do quadro
clínico do usuário. Essa escolha dos profissionais é realizada pela operadora, em comum
acordo com os familiares.
A equipe que presta o suporte domiciliar é variada, depende dos tipos de cuidados
necessários para o usuário, traçados no plano terapêutico. A disponibilização de
80
profissionais e procedimentos é feita mediante autorização da operadora, sendo
diferenciada conforme o plano de saúde. Nessa modalidade de atenção domiciliar, os
custos com medicamentos são avaliados pela operadora e na maioria das vezes arcados pela
família, podendo ser compartilhados entre a família e a operadora.
As empresas de Home Care são contratadas para o atendimento a pacientes que
estão inseridos no programa de atenção domiciliar, na modalidade de internação domiciliar.
“Aquele mais complexo, depende de respirador, de filtro, de
circuito. Depende de um número de medicamentos grandes. Necessita vez
por outra de medicação de urgência para ser feita intravenosa. Então
nesse caso, eu
contrato a empresa de Home Care. Porque? Porque
eu preciso ter uma viabilidade, uma logística de entrega rápida desse
tipo de medicamento...”
(Profissional AG.).
Nos casos de internação domiciliar os custos dos profissionais são todos arcados
pela operadora, sendo os custos de medicamentos pela empresa de Home Care. A
operadora paga diretamente à empresa de Home Care, sendo a fatura apresentada à família
como forma de criar senso de responsabilidade. Há uma estratégia da equipe em envolver a
família, responsabilizá-la para que ela contribua com os cuidados ao beneficiário e em caso
de Alta do Programa, agindo assim ela pode ser ver mais apta a fazer os cuidados
necessários.
A operadora remunera as empresas prestadoras de serviços de duas maneiras, uma
por pacote, “os valores dos serviços básicos (diária, visita, enfermagem, materiais e
81
medicamentos, etc.) são agrupados em um valor único, admitindo-se a negociação de
adicionais por visitas de especialistas ou surgimento de intercorrência não evitável”; e a
outra, segmentado, os valores são estabelecidos para cada tipo de serviço prestado, (visita
médica, enfermagem, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, medicamentos, materiais, etc.).
Para a realização de procedimentos de exames laboratoriais e de imagem a
operadora também conta com uma rede de empresas especializadas que realizam os exames
na casa do usuário, sendo necessária autorização prévia da operadora. Essa agilização de
procedimentos de exames e insumos para a residência é feita pela assistente social.
De acordo com a operadora, o programa de atenção domiciliar é dimensionado pela
equipe de saúde, conforme a demanda do serviço, após avaliação dos casos em que é
necessário entrar com o PAD. Isso é coordenado preferencialmente por profissional de
medicina ou enfermagem. A operadora sugere que o programa tenha uma equipe
multiprofissional composta por um coordenador, um médico, um enfermeiro, um assistente
social e um assistente administrativo para 50 atendimentos domiciliares.
2.2 Critérios para o Ingresso no Programa
Para o ingresso do beneficiário no programa de atenção domiciliar, independente da
modalidade, existe um fluxo definido pela operadora. De acordo com a profissional
entrevistada, existem alguns hospitais credenciados pela operadora, onde é feito um contato
com a equipe do hospital, fisioterapeutas, médicos, enfermeiros, para informar sobre o
programa de atenção domiciliar. Em casos de pacientes que tenham o perfil do programa é
realizado um levantamento das internações, através dos prontuários. Nos casos elegíveis
82
para a atenção domiciliar é realizada uma visita à família para verificar as condições físicas
e logísticas do domicílio, conhecer a disponibilidade da família em promover o cuidado na
residência, identificar a presença de um responsável na família sensibilizado com a questão.
Quando o paciente está lúcido a equipe também conversa com o paciente, para sentir como
é o contato que a família tem com o paciente e qual o seu desejo.
“Saber como ele se sente em relação à doença. Qual a disponibilidade que a
família tem. Existem conflitos familiares muito grandes. Existe pacientes que
são cuidados por uma única pessoa... Então nós procuramos descobrir que
dinâmica familiar é essa. Isso é importantíssimo. Vemos a viabilidade, se
existe o desejo da família em trazer o paciente”. (Profissional AG.).
Depois de realizada a visita familiar é traçado um plano terapêutico, onde se
levantam todos os recursos possíveis de ser mobilizados pela operadora, desde os
profissionais, equipamentos, medicamentos. Em cima desse levantamento é discutido com
a família o plano terapêutico e a viabilização do mesmo, uma vez a família estando de
acordo, o beneficiário ingressa no programa.
83
FIGURA 1: Fluxo de Ingresso do beneficiário ao Programa de Atenção ou
Internação Domiciliar da operadora de auto-gestão pesquisada.
Levantamento
de casos
através de
prontuários.
Caso
elegível?
Franco, T. B., 2007.
Avaliação do
domicílio e
família.
Tem um
cuidador?
Discute-se um
plano
terapêutico.
Beneficiário é
admitido no
PAD/PID.
Há
acordo
no
plano?
O programa de atenção domiciliar divide o perfil dos usuários em quatro grupos
elegíveis para o programa, sendo eles:
Crônicos: são aqueles portadores de condições irreversíveis e que podem ser
evolutivas como: comatosos, pulmonares crônicos, renais crônicos.
Portadores de necessidades especiais: são os que apresentaram alguma doença ou
acidente, foram tratados, mas sofreram alguma lesão permanente como: tetraplégicos,
paraplégicos, vítimas de AVC, amputados, etc.
Reabilitáveis: são doentes que apresentaram alguma doença ou acidente, foram
tratados, e adquiriram estabilidade clínica, mas sofreram lesões que provocam longa
convalescença como: queimados, politraumatizados, ortopédicos, portadores de infecções
84
que necessitaram de debridamentos e drenagens extensas, portadores de pés diabéticos,
úlceras varicosas, etc.
Terminais: são os pacientes em fase final (fora de possibilidades terapêuticas),
quando não há mais chances de se evitar o óbito, mas que necessitam de cuidados gerais e
alívio dos sintomas, como: neoplásicos, pulmonares crônicos, renais crônicos, portadores
de Aids, etc.
O perfil dos beneficiários do programa de atenção domiciliar da operadora AG. é
de idosos, acompanhando a tendência da clientela da operadora. A coordenadora do
Programa informa que aclientela da operaora é formada em sua grande maioria por idosos e
que isso se reflete no PAD, que repete o perfil.
Apesar dessa tendência, para a operadora, o usuário em potencial para o programa é
aquele que utiliza o plano de saúde de forma ineficiente, gerando elevado custo e ainda,
prejuízos para a saúde do usuário. Seguindo esse raciocínio, a entrevistada informa que o
Programa está voltado principalmente para o atendimento à clientela que usa internação
hospitalar de longo prazo ou aquele que vem fazendo internações sucessivas. Outra
questão importante considerada e quanto à estabilidade clínica, tida como um dos
pressupostos para inclusão no programa, isto é, é admitido na internação domiciliar após
um meticuloso trabalho de alta, que seja capaz de dar segurança à equipe do PAD quanto
as condições clínicas do candidato ao Programa. A operadora considera também, como
fundamental para o ingresso no programa, a constituição de um cuidador/familiar para
receber treinamento, quase sempre esse responsável é um familiar, pode não ser um
familiar direto, mas é uma pessoa da casa.
85
2.3 Modelos de Atenção Domiciliar da Operadora AG.
O programa da operadora AG. tem duas modalidades de atenção domiciliar. Uma
que eles chamam de suporte domiciliar e outra, chamada de assistência domiciliar ou
internação domiciliar, como já foi aqui mencionado. O divisor de águas entre essas duas
modalidades é justamente o que eles chamam de “modalidade de complexidade do
paciente”, e toda a necessidade que vem a partir desta situação. Essas modalidades de
atenção domiciliar são definidas pelo programa como:
Suporte Domiciliar: Necessidade de cuidado de saúde, que pode ser, desde
cuidador, até, aquisição de medicamentos de uso contínuo, empréstimo de materiais
hospitalares (cama, cadeira de rodas, cadeira higiênica, ou outros), terapias complementares
em âmbito domiciliar (fisioterapia, fonoaudiologia, etc.), sendo as necessidades de
enfermagem definidas pela freqüência de uma visita por dia até uma visita por semana.
Assistência Domiciliar: Necessidade de cuidado de saúde mais intensivo, onde haja
necessidade de enfermagem (podendo variar de 24 horas por dia a uma visita periódica),
além de assistência médica e de outros profissionais de saúde, mesmo contando com a
presença de um ou mais cuidadores treinados ou em treinamento. Destina-se a pacientes
que de outra forma estariam internados em hospital.
Um paciente de suporte domiciliar tem, na verdade, uma situação menos complexa
do ponto de vista da questão de saúde e, por conseguinte, a necessidade de equipamentos,
dos medicamentos, toda a tecnologia que está agregada para o cuidado é uma tecnologia
menos complexa. O cuidado é estruturado através de uma equipe multiprofissional, mas um
cuidado entendido como simples, que a operadora entende que pode ser feito através de
uma tecnologia “mais simplificada” que não tem necessidade de uso de tecnologias duras
86
mais densamente. Já o paciente da internação domiciliar não, ele é um paciente que tem
uma estrutura mais forte atrás dele e tem uma equipe que presta cuidados quase que
intensivos ao paciente.
Além do programa de atenção domiciliar, a operadora conta com uma outra
modalidade de cuidado em saúde, chamada de “estratégia saúde da família ( ESF)”, que
faz conexões com o programa. A equipe desse programa é composta por técnicos de
enfermagem, nutricionista, psicólogo, enfermeiro, assistente social, médico, subdivididos
por área programática, que na verdade são divididos por bairros e as equipes são
dimensionadas de acordo com a população a ser atendida.
Essa modalidade de cuidado é considerada bastante importante para programa de
atenção domiciliar, na medida em que os beneficiários que estão no programa de atenção
domiciliar e estão em condições de serem absorvidos pelo “Programa Estratégia da
Família” são referenciados, contribuindo para a alta do Programa de Atenção Domiciliar e
para a continuidade do suporte assistencial.
“Nós apresentamos o paciente, a família para essa equipe, temos uma
conversa. Fazemos a passagem falando sempre para a família o seguinte:
Não é que o programa esteja abandonando, mas se houver alguma situação
de saúde em que ele volte a necessitar dos recursos do PAD, ele volta ao
PAD. Então a família tem a possibilidade de contar com o suporte da equipe
o tempo inteiro”. (Profissional AG.).
87
Existe um universo enorme de pacientes que estão na modalidade de suporte
domiciliar, oferecida pela operadora, que vem sendo monitorada pelo programa estratégia
da família.
“Então hoje nós temos uma interface com a estratégia da família tendo
em vista a complexidade. Então os nossos pacientes que começam a
receber alta, não existe alta, acabamos descobrindo que não existe alta.
Então ela sai do programa de suporte e vai para o programa de atenção
que continua apoiando, monitorando o cotidiano. Então é isso que
acontece. Há uma interface. Então essa ligação com o ESF é
fundamental”. (Profissional AG.)
2.4 Processo de Trabalho no PAD/PID.
A operadora tem uma equipe matricial no cuidado, que oferece o acompanhamento,
tanto na internação domiciliar quanto no suporte domiciliar. Essa equipe é responsável
também, pela mobilização de uma rede assistencial, conforme a necessidade verificada no
domicílio da pessoa que está sendo cuidada, sendo essa rede composta por três arranjos.
Que pode ser um profissional individual, uma cooperativa de profissionais, ou uma empresa
de Home Care. Esse cuidado é acompanhado por essa equipe matricial para garantir o
manejo e auxiliar na incorporação de elementos que são as relações de família, questões
sociais, viabilizar recursos. Essa equipe matricial é composta por profissionais da própria
operadora.
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FIGURA 2: Organização e fluxos de cuidado estabelecidos pelo Programa de
Atenção e Assistência Domiciliar da operadora de auto-gestão pesquisada.
Cooperativas
Prestadores
Privados
Empresa
Home Care
GESTOR DO
CUIDADO
Equipe de
Coordenação
REDE
PSF
Beneficiário
Familia/cuidador
Franco, T.B., 2007
Para verificar as necessidades do beneficiário e monitorar o cuidado domiciliar,
independente da modalidade de atenção domiciliar, existe uma equipe formada por duas
médicas, enfermeiro, assistente social, um elemento de coordenação e uma psicóloga.
Essa equipe se reúne semanalmente para discutir os casos; traçar estratégia com o
Home Care; definir planos terapêuticos e avaliar o programa.
89
A coordenação do programa é responsável por realizar a gestão do cuidado,
participando das visitas domiciliares para fazer a avaliação da relação custo-benefício da
atenção para cada usuário, o plano terapêutico, fazendo as referências e requisitando os
cuidados. Dentre outras estão, apresentar planejamento operacional e avaliar o desempenho
dos profissionais da equipe.
Em relação aos cuidados diretos com o usuário, a realização de procedimentos, a
coordenação não participa desse tipo de assistência, como por exemplo, passar uma sonda,
dreno. Esse trabalho é realizado por um médico assistente contratado para fazer a
assistência na residência, mobilizado pela operadora. A função do coordenador é pensar no
trabalho como um todo, propor linhas de trabalho para o programa. Ele faz a avaliação do
trabalho e discute os casos”.
Somente em situações limite o profissional da coordenação intervém, como por
exemplo, um caso em que um paciente com câncer, desnutrido, desidratado, com diarréia
e já há 72hs, usando um monte de drogas que aceleram a atividade intestinal. Nesse caso, o
profissional da coordenação se comunica com o médico assistente ao qual aquele
beneficiário está vinculado, para mudar sua prescrição. Há portanto um fluxo de conexão
entre os profissionais, operando em uma rede de conversar, que é fundamental para garantir
a qualidade da assistência.
Para a operadora a assistente social é considerada o canal de comunicação com a
família. Ela tem uma carga horária superior do resto da equipe, que são 40 horas semanais e
se constitui como uma “via preferencial” no contato entre a equipe, o beneficiário e os
familiares.
90
A assistente social tem como atribuições: realizar visitas domiciliares e hospitalares
para perceber as situações de vida da família e do usuário, que vai desde a questão
financeira, até o vínculo familiar, a disponibilidade da família em cuidar no domicílio; sensibilizar a família para a desospitalização; dar suporte emocional à família; - resolver a
entrega de material, equipamento e serviços; - agilizar as autorizações dos procedimentos.
De acordo com a profissional entrevistada, a necessidade da assistente social para
dar suporte familiar justifica-se pelo perfil de usuários do programa.
“Porque na nossa situação existem pacientes que eles nunca evoluem para a
condição de alta para a estratégia, são pacientes muito graves... Então até
eles morrerem eles sempre dependem da família. Então eleva o desgaste da
família, que é muito grande, a família fica cansada. Você nota. E quem vê
isso é a assistente social”. (Profissional AG.).
O enfermeiro é responsável pela discussão com a família da racionalidade do uso
dos medicamentos e equipamentos, se os materiais estão sendo usados de forma adequada,
se existe carência ou excesso de material ou medicamento, se a instrução está sendo feita de
uma forma cuidadosa. Ele também supervisiona e avalia o técnico de enfermagem que está
na residência, especialmente quanto a sua habilidade técnica e o relacionamento com a
família, o beneficiário e outros profissionais. Implementa ações de educação em saúde
visando a prevenção, reabilitação e preparo do usuário e da família para o autocuidado.
Avalia a evolução da terapêutica médica, trocando informações com o médico da equipe. É
responsável também, pela fiscalização do prontuário e formulários conforme a atuação da
equipe. De acordo com a operadora ele tem um papel semelhante ao de gerente, e ainda
controla os processos.
91
O psicólogo dá suporte para a família, para o usuário e também, para a equipe
interna.
O médico tem como atribuições, fazer anamnese do paciente com enfoque no
doente e não na doença; identificar as necessidades e os tipos de suporte domiciliar como,
medicamentos, nutricionais, terapias complementares, aparelhos, profissionais; elaborar um
planejamento terapêutico; promover a continuação dos cuidados; avaliar a qualidade do
serviço médico realizado pela assistência terceirizada; participar do treinamento do
cuidador e da promoção da saúde do usuário.
De acordo com a operadora existe um diálogo entre os profissionais, que
habitualmente é sem atrito. Segundo a operadora, esse diálogo é tranqüilo devido os
profissionais estarem vinculados à operadora há muito tempo o que favorece “termos um
canal de conversa”.
A operadora avalia que o fato de haver pouco rodízio dos
profissionais que prestam atendimento no domicílio contribui de maneira
importante para o vínculo com a família, com os cuidadores e usuários.
“Quase não temos rotatividade de pessoas que assumem o domicílio, a
relação geralmente com as famílias é excelente. Eles adoram as famílias.
Nós fazemos questionários de avaliação semestralmente para as famílias
e é bem elevado o nível de satisfação com esses profissionais (...) Quase
sempre você nota que existe um clima dentro da casa de camaradagem,
de solidariedade. Você nota até que os espaços de vida já estão
mutuamente trocados”. (Profissional AG.).
92
Nos casos de internação domiciliar a operadora contrata uma empresa de Home
Care, que possui seu quadro de profissionais, sendo seus trabalhos integralmente
acompanhados pela equipe matricial.
“Então esse paciente é o único que eu entrego na mão do Home Care. O
Home Care fica sozinho? Não. Nem pode. Porque geralmente é um
problema, não só pela forma de abordar que é uma forma de abordar mais
dura... E o interesse da empresa é dinheiro, é ganho financeiro. Então nós
temos que dizer: “Não, aqui nós não vamos fazer isso”, “Ah, mas a gente
queria botar o respirador”. Não. Nesse paciente nós queremos dar uma
adequação melhor. Então nós ficamos o tempo inteiro nesse processo com o
Home Care”. (Profissional AG.).
Quanto à incorporação de novas tecnologias, a operadora tenta redimensionar essa
lógica das empresas de Home Care centrada nas tecnologias duras, buscando agregar no
cuidado domiciliar outras tecnologias, como as mais relacionais, tecnologias leves e leveduras. Um exemplo que ilustra bem essa situação foi trazido pela profissional na entrevista,
onde houve a incorporação da atividade manual de crochê, como forma de resignificar a
vida da usuária do programa, que se encontrava em situação de depressão. O crochê passou
a fazer parte do plano terapêutico da paciente, de acordo com a profissional da operadora.
“Então o tricô e o Crochê estão constituindo a vida dela. Por
quê? Já vinha sendo abordada pelo psicólogo dentro de casa e tinha
depressão e o médico medicando. A família é afastada das questões dela,
vivem viajando. E nós buscamos outra alternativa. Tentar criar um
93
espaço de vida dela, um espaço de vida que tenha de repente uma
produção dela, já que é uma mulher que ao
longo da vida dela fazia
mesa de bolo, fazia enfeites, fazia trabalhos manuais
e tudo, então eu
tentei resignificar por aí a vida dela. Então tem um pouco disso. Você
tenta trazer um outro tipo de abordagem, esse é um tipo do nosso
trabalho... Avaliar o serviço que está sendo prestado...”. (Profissional
AG.).
Em relação à atenção oferecida para o cuidador, a operadora realiza treinamento
para o cuidador no domicílio, contudo a operadora avalia que possui dificuldades de
capacitá-lo, uma vez que, de acordo com a profissional:
“Operar essa questão do cuidador é muito difícil. O cuidador é
muito demandado pela pessoa que está sendo cuidada. Então criar esse
espaço é às vezes difícil, nós teríamos que estar arrumando uma pessoa
para estar no lugar dela e nem sempre nós conseguimos fazer essa
substituição, então quase sempre isso está sendo feito in loco e fica muito
aquém do que deveria ser”. (Profissional AG.).
As relações dos profissionais da equipe com o beneficiário e sua família são
apontadas como interativas, na medida em que a família é chamada a participar do processo
de cuidado. Para retratar esse diálogo, a médica trouxe um caso exemplar:
94
“O menino fez uma bronco-aspiração. Teve uma crise convulsiva
e fez uma bronco-aspiração. Foi para o hospital e precisou de ventilação
no hospital. Ficou um tempo em ventilação mecânica depois foi para
Bipap e agora mesmo quando nós o trouxemos para casa, nós vimos que
não tinha condição de fazer uma ponte de oxigênio domiciliar. Então
hoje a mãe ligou para cá. “Dr.ª nós tínhamos pensado em uma fonte
através de cilindro de oxigênio”, só que eles já tinham usado muito o
cilindro. Então mãe. Vamos pensar o seguinte. Você está usando muito o
cilindro? Vamos deixar então com o concentrador de oxigênio, que não
precisa trocar sempre o cilindro e vamos adaptar para um equipamento
que te dê maior segurança. E a mãe fica preocupada já que o filho teve
febre... Então é assim, a família interage para que nós possamos penar
juntos a respeito do caso”. (Profissional AG.).
Conclusões:
Na opinião da operadora, as empresas de Home Care estão mais voltadas para as
tecnologias duras, voltadas para procedimentos, e têm pouca sensibilidade para perceber o
usuário naquilo que é sua necessidade. A empresa justifica pelo manejo dos instrumentos e
os procedimentos, a necessidade do seu trabalho e de intervenção dos seus trabalhadores no
manejo com o paciente. Essa lógica é percebida tanto pelos profissionais quanto pelos
familiares. Por exemplo, no caso abaixo, relatado pelo pai de uma criança em atendimento:
“Porque senão fica uma coisa muito dura, como por exemplo:
Tinha uma criança que tinha problemas com a técnica de enfermagem. E
95
o pai percebia isso. Mas as pessoas banalizavam a fala do pai “Minha
filha sabe”. Então nós fomos lá e criamos um espaço para saber como a
criança vai revelar que ela está incomodada? Então a idéia é que as
enfermeiras do Home Care passassem a estar o tempo inteiro com essas
técnicas para que nós pudéssemos ter técnicas que cada vez mais
pudessem estar entendendo um pouco mais do trato dessa criança. O
Home Care gosta de ver assim: Será que ela não sabe mexer no
oxímetro? Ela não sabe passar alimentação pela sonda? Então não
percebe que existe algo mais do que isso”. (Profissional AG.).
Às vezes os profissionais do Home Care demonstram um desprezo pela
sensibilidade do paciente, tendo comportamentos que são incompatíveis com as práticas de
cuidado para uma pessoa debilitada, como é o beneficiário em situação de internação
domiciliar. Isso fica evidente no relato do pai da criança:
O pai dizia assim: “Como pode ser uma pessoa que toca o celular
dela diversas vezes enquanto a filha dorme e briga com o marido. E a
empresa não sacava isso. Tinha uma que saía e fumava e voltava com
cheiro de cigarro e o pai reclamava. Estava coberto de razão. Mas as
pessoas não estavam prontas para ouvirem o que o pai dizia, nem o que
avó dizia. Diziam que a avó é histérica. Mas não percebiam que ela
estava cansada.” (Profissional AG.).
A operadora faz uma crítica às empresas de Home Care, referindo-as como um
“problema”, pelo fato de habitualmente elas entenderem a forma de cuidado a partir
96
simplesmente de procedimentos técnicos, como tentar reunir materiais, medicamentos,
equipamentos. Segundo a profissional entrevistada, “ainda existe muito para as empresas
avançarem. É a lógica do dinheiro mesmo que prevalece”.
Apesar dessas questões, a operadora avalia que o programa de atenção domiciliar
possui vantagens, que são tanto qualitativas, quanto quantitativas. As vantagens qualitativas
são defendidas como, recuperação mais rápida da saúde do paciente; melhoria da qualidade
de vida; assimilação da idéia do autocuidado; reintegração do paciente crônico no meio
familiar e social; recuperação em ambiente mais agradável, presença dos familiares,
desnecessário deslocamento da família, controle sobre visitas; diminuição do risco de
infecções; menor burocracia (não há a estrutura de um hospital por trás do atendimento);
escolha
adequada
da
mão-de-obra
(enfermagem
e
terapias
complementares);
estabelecimento de plano de tratamento prévio (incluindo previsão de alta do Programa): o
planejamento deve ter início, meio e fim em uma seqüência lógica e com fixação de
objetivos a serem alcançados; atendimento personalizado; caminho para disseminação e
efetivação do Modelo Assistencial. Sendo as vantagens quantitativas: redução dos custos
assistenciais; redução dos prazos de internações hospitalares; diminuição da reincidência de
hospitalização; controle sobre procedimentos desnecessários.
Na avaliação da médica, o programa de atenção domiciliar é considerado
“fantástico” (...)
“Na medida que traz um conteúdo muito importante para a vida das pessoas
em um momento muito difícil. Eu acho que tem uma potencialidade enorme.
Uma chance enorme de você pensar o cuidado dessas pessoas, uma chance
97
enorme para que possa fazer isso de forma segura dentro do meio da
pessoa”. (Profissional da AG.)
O programa de atenção domiciliar provoca a necessidade de se criar formas de
cuidado, que fogem das formas tradicionais pré-estabelecidas. Para a médica o programa
pode promover uma série de arranjos, que aproximem o profissional da pessoa humana que
é o beneficiário. O profissional é provocado a pensar o cuidado através de uma mudança
das suas relações e práticas profissionais.
Por outro lado, a médica avalia que nos últimos dois anos a operadora AG. está
preocupada com a questão econômica.
“Na verdade nós estamos sendo muito cobrados dentro dessa lógica de
mercado. É uma coisa muito maluca e tem umas coisas que nós não temos
como quantificar. Mas as pessoas gostam de acreditar que “dois mais dois
são quatro”. Como a operadora é muito impregnada dentro dessa lógica
econômica, quando nós temos uma gerência voltada para a área de saúde
que fica fraca e não temos um bom interlocutor a área de mercado
predomina e agora nós estamos em um momento desse tipo”.
(Profissional da AG.).
O modelo tecnoassistencial adotado pela operadora, para os Programas de
Assistência e Internação Domiciliar está organizado como centro, a equipe da própria
operadora, que coordena e faz a função de gestora do cuidado à população de beneficiários
inscritos no mesmo. Sendo assim, ela é o núcleo que detém os recursos necessários ao
funcionamento do programa, quais sejam: o conhecimento dos casos eletivos, segundo
98
critérios definidos previamente pela operadora para ingresso no programa; contratualização
com uma rede de profissionais, funcionários ou não da operadora, e entidades de direito
privado, como cooperativas ou empresas de Home Care; governabilidade para admitir e dar
alta aos beneficiários. A equipe ainda define o plano terapêutico e monitora sua condição,
inclusive para os casos em que este é feito pela empresa.
Essa estrutura é combinada com a delimitação da oferta para os cuidados
domiciliares, que é de 70 beneficiários. Aparentemente pequena, mas esse número combina
com o modelo tecnoassistencial adotado pela operadora, que é similar ao “Estratégia Saúde
da Família (ESF)” utilizado no Sistema Único de Saúde, o que possibilita a assistência
domiciliar contínua, o acompanhamento sistemático de todos os casos que necessitem de
algum tipo de atenção no domicílio. Portanto, o programa é restrito aos casos mais graves,
que necessitam de recursos, os quais as ações de rotina do ESF, não conseguem operar
adequadamente. Assim o programa é uma estrutura de suporte a apoio, complementar ao
modelo instituído. Mesmo assim, dados da operadora informam que existiam em fevereiro
de 2007, em torno de 500 (quinhentos) beneficiários sob cuidados domiciliares, com
autorização para acompanhamento de profissional de enfermagem em domicílio ou terapias
seriadas (fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, entre outros).
O programa demanda uma logística importante e às vezes custosa, pois mobiliza
profissionais diariamente para os domicílios, muitas vezes equipamentos e materiais,
requerendo estrutura de transporte bem articulada. Mas verifica-se que do ponto de vista
organizacional e de logística, o programa está montado e funcionando de forma satisfatória,
conforme os relatos obtidos.
99
A conformação desse complexo, o ESF combinado com o Programa de Assistência
e Internação Domiciliar forma um conjunto que garante uma boa estrutura aos cuidados no
domicílio e também, contribui para a incorporação da lógica de cuidado mais relacionais,
pela própria natureza dos dois modelos de atenção à saúde.
Quanto à incorporação de novas tecnologias, foi percebido que a operadora tenta
redimensionar essa lógica das empresas de Home Care centrada nas tecnologias duras,
buscando agregar no cuidado domiciliar outras tecnologias, como as mais relacionais,
tecnologias leves e leve-duras. Um exemplo que ilustrou bem essa situação foi quando
houve a incorporação da atividade manual de crochê, como forma de resignificar a vida da
usuária do programa, que se encontrava em situação de depressão.
As práticas assistenciais em domicílio superam as tecnologias comuns de cuidado
em ambiente hospitalar, confirmando em certo sentido um processo de transição
tecnológica, gradativo, mas persistente, em alguns profissionais que têm a Assistência
Domiciliar como uma bandeira de vida e profissional. Mas não é possível generalizar esta
afirmativa, pois lógicas de cuidado centradas em procedimentos atravessam as práticas das
prestadoras de Home Care, que se afirmam nas tecnologias de cuidado mais relacionais.
100
A ASSISTÊNCIA DOMICILIAR NA COOPERATIVA MÉDICA: O CASO
UNIMED-BH.
1. Contextualização
O surgimento das Cooperativas Médicas (CM) ocorreu em 1967, na cidade de
Santos (SP) com o objetivo de defender economicamente e socialmente os médicos
cooperados ao gerar renda e oportunidades para seus associados uma vez que consolidavase na época um modelo de intermediação do trabalho médico por grupos privados.
Para esta pesquisa foi selecionada a CM localizada na cidade de Belo
Horizonte/MG, fundada em 1971, pois esta ocupa um lugar de destaque frente às demais
operadoras de saúde e pela sua representatividade no estado de Minas Gerais. Com
abrangência na região metropolitana de Belo Horizonte, conta com 4.500 médicos
cooperados, com rede hospitalar, clínica e laboratorial. Atualmente representa 15% do
número total de beneficiários mineiros. Sua missão institucional é prover soluções em
saúde, valorizar o trabalho médico e assegurar a satisfação dos clientes. Eles descrevem
Solução em saúde como uma organização de relacionamentos e competências para oferecer
aos clientes ações integradas de assistência, prevenção de doenças e promoção da saúde,
gerando satisfação e resultados para pessoas e empresas.
Segundo comprovante disponível no site da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), acessado em 09/02/2007, esta CM tem atualmente 609.798
beneficiários. Esta clientela está alocada em três tipos de planos. Estas opções de plano são
101
oferecidas tanto no plano individual quanto no plano empresarial: Unifácil, Unipart e
Unimax.
O plano Unifácil caracteriza-se pela co-participação, ou seja, a empresa ou o
beneficiário paga uma mensalidade fixa reduzida e participa com um pequeno valor nas
consultas, exames e internações, segundo tabela pré-definida. As consultas são préagendadas nos Núcleos de Atenção á Saúde (semelhantes a uma Unidade Básica, oferta
ações de enfermagem e consultas de clínica médica, pediatria e ginecologia) em Belo
Horizonte e Contagem, e, uma rede de médicos exclusivos Unifácil para atendimento em
Santa Luzia, Nova Lima, Vespasiano e Lagoa Santa. Mantém atendimento ambulatorial de
urgência e emergência e internações em enfermarias.
O plano Unipart é similar ao plano Unifácil, seguindo o modelo de co-participação.
A diferença ocorre na rede preferencial no qual o beneficiário terá acesso. No caso, o
beneficiário Unipart tem acesso a qualquer hospital, profissional conveniado e laboratórios.
A acomodação pode ser em enfermaria ou apartamento.
No plano Unimax, com pagamento de mensalidade pré-definida, o beneficiário tem
acesso á rede ampla e sem necessidade de co-participação, com opção de acomodação em
enfermaria ou apartamento.
Nos três planos há os chamados “opcionais” que são a cobertura odontológica e
transporte aéreo médico. Nos planos empresariais, a CM propõe realizar uma rede de
relacionamento com a empresa através de Tecnologia da Informação (e-mail, sistema
informatizado) e promoção de saúde no local de trabalho disponibilizando informações
102
sobre os mais diversos temas que interferem na saúde do colaborador2, como diabetes,
tabagismo, estresse, hipertensão e outros. Com objetivo de diminuir índices de absenteísmo
e para o aumento da produtividade.
Outros serviços oferecidos:
•
Unidisk – serviço 0800, 24 horas por dia e 7 dias na semana. Serve para dar
agilidade, conveniência e conforto para autorizar procedimentos, solucionar dúvidas,
atualizar informações. Tem opções para urgência e emergência médicas, mudança de plano,
autorização de procedimentos, compra ou informação sobre novos planos, atendimento
exclusivo aos prestadores de serviços na rede credenciada.
•
Autenticação Biométrica por Impressão Digital que descarta o uso de senhas,
do cartão do cliente, a utilização do plano por outras pessoas e dá agilidade na realização de
consultas e exames;
•
O programa “Dr. Você” é uma avaliação no qual o beneficiário/colaborador
preenche com objetivo de melhorar o atendimento. Conta com os itens: Qual o motivo de
sua vinda, Como você avalia o médico que o atendeu (pontualidade, Qualidade do
atendimento, Entrevista e exame clínico, Resolução de problemas), Como você avalia o
atendente que o atendeu, Como você avalia a estrutura física, Sua manifestação acima foi:
Elogio, Sugestão, Solicitação, Crítica;
•
Débito automático;
•
Informes educativos para conscientização da utilização dos serviços, por
exemplo: avisar com antecedência se faltar a uma consulta;
2
Termo utilizado referenciando ao trabalhador que possui o plano de saúde desta CM. Nos planos
individuais, a pessoa que possui qualquer plano de saúde é nomeada beneficiário.
103
•
Pronto Atendimento para casos de urgência nas especialidades de cirurgia
geral (24 horas), clínica médica (24 horas), ortopedia (das 07 ás 23 horas), pediatria (24
horas), exames de raio-x e laboratório;
•
Hospital-Dia e Maternidade realizam cirurgias programadas e partos, além
dos casos de urgência nas especialidades de Ginecologia e Obstetrícia;
•
Serviço de Atenção Pré-Hospitalar - APH: Em situações de emergência
médica, isto é, que envolvem riscos de morte, os clientes podem recorrer á equipe da APH,
um serviço próprio da cooperativa em plantão permanente através do Unidisk. Este serviço
é oferecido exclusivamente nos municípios onde a CM atura diretamente (Belo Horizonte e
outras 16 cidades na região metropolitana), desde que estejam até 60 km do centro de Belo
Horizonte).
•
Unibaby é um programa criado para oferecer mais tranqüilidade e segurança
á mamãe e seu recém-nascido, no período pós-parto. Em média, 72 horas após a alta
hospitalar o bebê, a nova mãe, cliente da CM recebe, em casa, a visita de uma enfermeira
que dá a ela e seus familiares envolvidos com os cuidados do bebê orientações e
informações úteis para os primeiros dias de vida da criança.
2. Resultados:
O primeiro projeto de Atenção e Internação Domiciliar nesta CM surgiu em 1999
com o programa, então intitulado HOME CARE/HOSPITAL EM CASA, com a utilização
de serviço terceirizado. Sua proposta era levar para o domicílio todo o equipamento
104
hospitalar necessário para a realização da Internação Domiciliar no caso daqueles pacientes
que estavam a muito tempo hospitalizados e poderiam fazer o restante do tratamento no
domicilio. Em 2004 realizou-se uma avaliação que comparava o custo da internação
hospitalar com a internação domiciliar e a média de permanência nas duas situações. O
resultado foi uma diferença muito grande de custo e permanência, mostrando que a
Internação Domiciliar era mais cara e mais prolongada. Foi diagnosticado também que este
modelo era de baixa aceitação das famílias, pois sua adoção pela operadora estava gerando
um grande número de liminares judiciais de beneficiários que tinham preferência para que a
operadora assumisse os cuidados básicos. O gestor da operadora entrevistado informa que
nesse programa, o número de pacientes era pequeno em relação ao total de beneficiários,
em torno de 200 num universo de 400.000. Este projeto foi encerrado em julho 2005 e os
clientes foram inseridos nos programas recém criados da Atenção Domiciliar.
Antes do término do Programa Home Care, inicia-se a partir de 2002 uma
reestruturação na Internação Domiciliar. Informa o gestor da operadora, que a mesma
constatou que uma grande clientela utilizava os serviços de saúde de forma desordenada, de
uma maneira inadequada, ou seja, se comportava fora dos padrões esperados pela
operadora. Isso significa que na avaliação da operadora, estes pacientes internavam com
muita freqüência e tinham muitas visitas ao Pronto Atendimento e pouca utilização de
consulta em consultório. Com uma demanda pré-estabelecida começam a implantação dos
três programas básicos, agora dentro do modelo de Atenção Domiciliar atual:
O primeiro programa surge em 2002 - Programa de Curativos em Domicílio em que
a equipe realiza curativos em domicílio nos pacientes cronicamente acamados e que
105
desenvolvem úlceras de decúbito e/ou feridas crônicas. Neste programa houve a migração
de 18 clientes do Programa de Home Care.
Com os resultados deste programa, foi levantado que estes pacientes continuavam
dependentes de cuidados e a família continuava precisando de suporte e de uma referência
para este beneficiário.
Com isso, foi criado em maio de 2003 o programa de Gerenciamento de Casos
Crônicos que foca o cuidado continuado aos beneficiários com perfil acima de 50 anos de
idade, portadores de doenças crônicas e que necessitam de algum suporte à saúde em
domicílio.
Posteriormente ocorreu o programa de Intervenção Específica para uma intervenção
em domicilio nos casos de situações agudas e que demandariam uma internação para
tratamento, mas o cliente tem condições de permanecer no domicílio. São pacientes com
alguma infecção que necessitam de antibióticoterapia endovenosa, pacientes estáveis ou
com desidratação aguda e que demandam soroterapia endovenosa. O único tratamento em
que a equipe transfere maquinário para a casa do beneficiário, é no caso de pacientes com
ventilação mecânica invasiva.
O programa conhece um vertiginoso crescimento, sendo inicialmente em 2003 o
número de 30 clientes, em 2004 esse número pulou para 300 beneficiários. Em 2005 foram
2100 e em 2006 chegou a 3300 clientes aproximadamente. Para 2007 tem-se a meta de
4500 clientes.
O público alvo é de beneficiários acima de 50 anos e a maior parte com seqüelas de
Acidente Vascular Cerebral - AVC. Existem 2 ou 3 casos com trauma ráquio-medular, com
106
idade inferior a 50 anos, tetraplégicos e que a família pediu orientações para seus cuidados.
São beneficiários totalmente dependentes de cuidados de terceiros.
Gráfico 1 – Distribuição do Número de Beneficiários na AD no período de 2002 a
Número de Beneficiários na
AD
2006 na Cooperativa Médica Unimed-BH.
3500
3300
3000
2500
2100
2000
1500
1000
500
0
18
2002
30
2003
300
2004
2005
2006
Ano
Fonte: Entrevista com Gestor da CM.
Com estes resultados na Atenção Domiciliar, o gestor da operadora informa que
houve uma redução de 54% nas internações hospitalares, mais de 50% de redução das
visitas a pronto atendimento e uma redução global de custos de 22%. Para 2007 há a meta
de 900 desospitalizações. Outros resultados são relatados pelo gestor, em relação à melhora
na qualidade do serviço oferecido, aumento da resolutividade, diminuição do tempo de
permanência em tratamento, melhora na qualidade de vida e na qualidade de assistência á
saúde dessa população.
O aumento progressivo de beneficiários no programa dá-se por demanda espontânea
devido á propagação positiva que o mesmo tem entre os beneficiários da CM. Através de
107
busca ativa, no qual um auditor trabalha com um banco de dados da CM – Salutare - e
busca ativa dentro dos hospitais, e, através de encaminhamento dos médicos cooperados.
2.1 – EQUIPE DO PROGRAMA E PROCESSO DE TRABALHO:
Até 2002 todo o serviço da Atenção e Internação Domiciliar era terceirizado com
prestadores de serviço. Com a organização do Programa de Curativos em Domicílio, o
serviço tornou-se próprio. A mesma situação ocorreu quando foi criado o serviço de
Gerenciamento de Casos Crônicos, que era para atender aqueles beneficiários que tinham
alta do serviço de curativos. Em 2003 a CM contratou um prestador especializado em
Gerenciamento de Casos que cuidou da evolução e crescimento do Programa.
Em 2005 quando encerrou a Internação Domiciliar, as empresas prestadoras foram
convidadas a migrar e aderir ao novo modelo, com isso tem-se atualmente na AD 4 (quatro)
prestadores e o serviço próprio da CM, o qual tem em torno de 70 profissionais. Como
existe uma procura muito grande de beneficiários, os prestadores absorvem a demanda de
problemas de saúde de baixa complexidade, ficando para os serviços próprios da CM os
beneficiários de alta complexidade, que é o grande número de atendimentos realizados.
Todos os membros da equipe estão no mesmo nível assistencial. Não existe
hierarquia entre a equipe, porém a enfermagem é quem faz o primeiro contato. Todos
prestam assistência no âmbito de promoção, orientação, treinamento, capacitação dentro de
sua área específica, mas com o foco de toda a equipe no treinamento da família e do
cuidador.
Composição da equipe da CM:
108
O pilar do programa é a enfermagem. Ela tem a função de fazer uma avaliação
inicial do cliente através de um questionário. A partir dessa avaliação, ela dimensiona o
cuidado necessário, orienta a família com as atividades básicas do cliente, no manejo das
sondas, na prevenção às úlceras de decúbito. Ensina o cuidador a prevenir lesões e vai
dimensionar a necessidade dos outros profissionais. A enfermagem é que vai solicitar uma
avaliação médica, da fisioterapia, do serviço de nutrição.
O número de visitas ao beneficiário é bem variado. No Programa de Curativo, no
mínimo duas vezes por semana para fazer a substituição das coberturas. Caso possa ser
feito um curativo mais simples, com pomada, que demande troca diária há orientação para a
família, desde que não haja interferências e exposição óssea. No Gerenciamento de Casos,
no primeiro mês, há uma carga maior de visitas, porque a família está se adaptando ao
cuidado domiciliar, a equipe está conhecendo, diagnosticando, instituindo o plano
terapêutico. Então são feitas duas visitas da enfermagem na primeira semana, uma visita na
segunda e terceira semanas e a partir daí há o dimensionamento dos profissionais no
atendimento.
A função do médico também é educativa. A maioria dos médicos do programa não
são cooperados, são funcionários da operadora. Isso se deve ao fato dos beneficiários terem
os seus cooperados de referência, mas, que muitas vezes não têm disponibilidade de ir ao
domicílio. Então, necessita-se de um médico que faça essa ponte entre a família e o médico
de referência. Muitas vezes, os beneficiários têm mais de um médico, tem mais de um
especialista, com isso este médico tem a função de organizar a prescrição, organizar a
demanda pela especialidade, verificar a interação medicamentosa, entrar em contato com o
médico assistente caso ele perceba algum efeito de alguma inconsistência na prescrição de
109
dois médicos diferentes, que não conheciam a prescrição um do outro, evitando que os
efeitos aumentem após a farmácia. Tem função também de orientar a família no que diz
respeito á detecção precoce de agravos. Geralmente faz duas visitas no primeiro mês e
retorna dependendo da demanda.
O fisioterapeuta orienta a família em procedimentos básicos de aspiração,
principalmente secreção oral, cavidade oral, aspiração com mangueira, mudança de
decúbito, para favorecer expectoração, para favorecer mobilização de secreções e
posicionamento do leito, para dieta, para evitar as lesões e as úlceras de decúbito. Para a
fisioterapia, foi instituído que são seis visitas para o treinamento dos cuidadores. Caso o
beneficiário tenha algum agravo será tratado caso a caso o número de visitas.
A nutricionista orienta a dieta do beneficiário, como preparar uma dieta com aporte
protéico calórico, para aquela via de administração que o beneficiário tenha condições de
receber, seja via nasoenteral, seja oral, seja uma blasqueostomia. A nutricionista faz o
cálculo da necessidade diária do beneficiário, orienta e ensina a família no preparo do
alimento, os cuidados que tem que ter na conservação, na manutenção dos equipamentos
necessários para o preparo desses alimentos. A nutricionista faz 3 visitas e depois de dois
meses pode-se fazer uma visita de manutenção.
A psicologia entra exatamente no momento que tem uma tensão no âmbito familiar
e tem a função de identificar quem é o familiar responsável, o familiar principal. Ela entra
em um momento onde tem que ajudar a família na aceitação da perda, desde as perdas
funcionais até o óbito. Auxilia no caso do cuidado paliativo que é onde essa família precisa
de um suporte maior, rotina de vida, a morte do beneficiário em casa. Também faz um
trabalho juntamente com a equipe, por que para esta é muito difícil lidar com essas perdas
110
diárias. Alguns beneficiários têm progressivamente alguma perda funcional que, em alguns
momentos assusta a família e o profissional de saúde. Não há pacientes com transtornos
psiquiátricos pois são pacientes de difícil adesão á proposta de intervenção.
A Assistente Social é quem dá o aval para que faça a atenção no domicilio. Tanto no
aspecto hospitalar (condições de higiene) quanto domiciliar. Ela avalia se o domicilio tem
condição física para receber este tipo específico de beneficiário e para conversar com a
família. A maioria dos domicílios estava apta a receber este tipo de modalidade de cuidado.
Os profissionais que acompanham o beneficiário durante todo o processo
terapêutico são o médico e o enfermeiro, com interconsulta dos outros profissionais. Os
demais profissionais avaliam, dão alta e monitoram via telefone e quando necessário, em
domicílio. Tanto o médico e o enfermeiro acompanham o beneficiário em todos os
momentos.
A equipe faz todo o trabalho educativo, de orientação dentro do domicílio. A AD
entende que as pessoas são diferentes, utilizando o conceito de equidade e a proposta do
Gerenciamento de Casos.
“A equipe tem que conhecer a realidade da pessoa, ver como é a
casa dela. Eu não posso falar com uma pessoa que não tem um eletro
doméstico, um processador de alimento como é que ela vai processar o
alimento. Tem que transportar para a realidade dela” (Gestor).
111
Além das visitas, a AD realiza um monitoramento telefônico. Há disponibilidade do
telefone para a família entrar em contato quando se fizer necessário. De acordo com a
complexidade do caso, pode passar a ser feita uma visita mensal, e um contato telefônico
mensal, de modo que a cada 15 dias, a família recebe um contato da equipe de saúde.
As equipes trabalham de forma regionalizada seguindo o modelo de regionalização
da prefeitura de Belo Horizonte. Cada região tem uma equipe de referência, onde a
referência principal é a enfermagem. A família é orientada, em qualquer dúvida, para
qualquer percepção de um agravo, a acionar imediatamente a enfermagem. É feita uma
avaliação com perguntas de triagem, de avaliação do caso e se necessário é chamado o
médico.
São 9 equipes, conforme as 9 regionais administrativas do município de Belo
Horizonte. É feita uma distribuição geográfica dos beneficiários e definiu-se um número de
setenta clientes por enfermeira e médico, e para os demais profissionais o número é maior.
Por exemplo, a região Centro-Sul de Belo Horizonte concentra a maior parte dos
beneficiários, por isso tem um número maior de equipes.
2.1.1 INGRESSO DO PROFISSIONAL NA EQUIPE:
O ingresso do profissional na equipe é cercada de cuidados para que o mesmo passe
por um período de treinamento e adaptação ao novo trabalho, pois entende-se que os
cuidados domiciliários são bem diferentes daqueles realizados no hospital. Faz parte deste
processo, primeiramente a apresentação do programa pela Coordenadora da AD durante um
dia inteiro ao profissional recém contratado. A partir do segundo dia, este profissional irá
112
acompanhar todos os profissionais nas visitas domiciliares. Após esse acompanhamento
com a equipe, ele acompanha mais de perto o profissional da sua área. No fim, retorna para
uma reunião para ver onde estão as dificuldades, para saber se o profissional está realmente
preparado para assumir o beneficiário, se tem alguma dúvida técnica, burocrática ou
operacional. Esclarecesse tudo antes e se esse profissional considerar-se apto será liberado
para ir a campo. Esta capacitação é feita em 10 dias.
Após 3 meses é feita outra avaliação deste profissional, no qual a Coordenadora do
Programa, um membro do Desenvolvimento Humano e Organizacional e este profissional
preenchem um questionário e fazem um fead back das colocações feitas. Segundo a
Coordenadora do Programa, este momento é tido como reflexão e valorização deste
profissional.
Até o momento não teve um profissional que no momento da reunião falou que
queria um tempo a mais de treinamento. Em 4 anos de programa, apenas 4 profissionais
pediram demissão, e o fizeram por motivos alheios às condições de trabalho no programa.
A Coordenadora do Programa relata que o profissional recém formado tem uma
maior disponibilidade de engajar nesta modalidade de cuidado devido a sua flexibilidade
teórica e disposição para aprender. Mas que é necessário melhorar a qualificação dos
estudantes das Instituições de Ensino Superior, geralmente de formação biologicista, para
formarem profissionais com conhecimento nesta área.
Vemos que esta proposta de capacitação é suficiente para a interação deste
profissional no Programa de Atenção Domiciliar, passando pelas instâncias de gestão e
clínicas assistenciais que esta modalidade permite, pois nenhum profissional prolongou sua
permanência na capacitação. A proposta de acompanhamento com profissionais de outras
113
áreas tende a estimular uma visão multidisciplinar da Atenção Domiciliar e pode ajudar
este profissional a identificar uma possível atuação de outro profissional ao beneficiário
assistido.
2.2 – O QUE A OPERADORA OFERECE:
Esses programas não são contratados, são considerados benefícios ofertados pela
operadora aos seus beneficiários e portanto são extracontratuais. A operadora avalia que no
programa, há um benefício para o cliente e também para a cooperativa médica. A adesão
aos programas é voluntária e tem um processo de elegibilidade do beneficiário para seu
ingresso.
A CM trabalha com o conceito da equidade e não da igualdade, tentando mostrar
que não se pode tratar aquele indivíduo pertencente à classe média alta, da mesma forma
que se trata àquele que mora no aglomerado, numa vila, que mal tem dinheiro pra comprar
um leite. Então, ela busca lidar com os extremos reconhecendo as diferenças e operando em
torno das mesmas.
A CM oferece o medicamento de uso hospitalar: antibiótico terapia venosa,
curativos especiais. Quando há um beneficiário com necessidade de ventilação mecânica é
oferecido toda a estrutura necessária: ventilador, oxigênio, técnico de enfermagem por todo
período que ele estiver com a ventilação assistida. O medicamento de uso ambulatorial,
medicamento para tratar de doenças crônicas como anti-hipertensivo, ou glicemiantes,
fraldas, utensílios, equipamentos não são fornecidos.
114
Quando há necessidade de fazer exames e/ou outros diagnósticos durante a AD, os
exames laboratoriais são colhidos em casa.
Esse deslocamento é realizado pela CM, após avaliação da Atenção Pré-Hospitalar,
responsável pelas ambulâncias. O acordo com a família é o de que se for um deslocamento
eletivo a família faz, se é um deslocamento de urgência a CM faz. Então, se é um raio-X,
geralmente é para uma beneficiário que precisa de um diagnóstico mais rápido, considerase de urgência. A ambulância da CM faz o transporte. Segundo a Coordenadora do
Programa, a guia de referência e contra-referência devidamente preenchida não é realidade
na CM, o que tornaria o encaminhamento mais complicado.
2.2.1 – FLUXO RESUMO DE INGRESSO DO BENEFICIÁRIO NO
PROGRAMA:
A partir dos relatos nas entrevistas com o Gestor, com a Coordenadora do
Programa e com a Coordenadora de Equipe pode-se fazer, resumidamente, um fluxo do
beneficiário dentro do programa baseado nas informações colhidas. Temos então:
Sim
Entrada na
AD
- Demanda Espontanea
- Encaminhamento
- Convite de um auditor
Avaliação da
enfermagem
O
beneficiário
tem
elegibilidade?
Avaliação do
domicilio
O
domicilio
oferece
condições?
Sim
Programação
dos
profissionais
Realização de
visitas e
Gerenciamento
de Casos
Nâo
Não
Encaminhado
para clínica
médica ou
hospital
115
...
2.3 - RESULTADOS ESPERADOS PELA EQUIPE:
O primeiro resultado esperado é o cumprimento das orientações da equipe, a adesão
ao plano de cuidado – ao plano terapêutico, diminuição do índice de hospitalização, dos
eventos de agravos, melhorar a condição de saúde desse beneficiário e do conforto da
família como um todo, redução do custo assistencial e permitir o acesso deste beneficiário
aos recursos diferenciados das tecnologias de cuidado.
Em alguns membros da equipe houve uma percepção muito clara de que esse
segmento de atenção domiciliar é uma fronteira a ser conquistada pelos profissionais de
saúde. A CM tem uma dificuldade muito grande de encontrar pessoas com perfil e com
formação pra trabalhar nessa área, é como “encontrar um jogador de futebol que goste de
jogar no campo do adversário”. Isso porque no domicílio a família tem o controle, a equipe
tem que respeitar a família, é diferente do hospital onde a equipe de saúde é que determina
a rotina, que determina os horários. No domicílio é a família que determina a rotina, os
horários e o profissional é que tem que se adaptar, mas, pelo volume de profissionais que a
CM tem e com o turn over muito baixo, acha-se que isso demonstra satisfação com o
programa.
“É gratificante a gente estabelecer um contato em um ambiente
diferente, um contato que não é esporádico, como o contato no hospital
ele é um contato permanente, há uma vinculação, as pessoas, costumam
ser agraciadas com presentes na época de festas, de natal, etc. Ganham
presentes da família porque mostram uma gratidão da família, uma
compreensão do que é, e o estado de saúde do paciente fica estável,
melhora. Quer dizer, a gente não pode, promover a recuperação muitas
116
vezes de um paciente seqüelado com um acidente vascular cerebral, a
gente pode dar uma condição boa de estabilidade pra ele dentro da
gravidade do quadro que ele atingiu. E é isso que a gente tem
trabalhado. É isso que a gente busca, é a estabilidade, e a dignidade dos
nossos clientes. (Gestor)
A CM avalia a estabilidade do cliente, faz um controle de carga horária dos
funcionários através de ponto, mas avalia muito mais a estabilidade dos beneficiários. Nesta
avaliação é questionado o fato dos beneficiários terem retornado para internação, se isso era
possível prever, seus motivos, enfim, avalia-se a prática profissional para compreender se
houve algum deslize ou forma de evitar a internação. Isso tem um sentido pedagógico, da
aprendizagem com o programa, a qual é incorporada no dia-a-dia do trabalho. A equipe tem
trabalhado as questões de prevenção, tanto das causas de internação, quanto das internações
em si.
3. A ALTA DO PROGRAMA:
A operadora informa que o beneficiário tem alta do programa, primeiro, quando ele
está estável ou quando está curado de seu agravo. Por exemplo: O beneficiário entra no
programa por que tem uma queimadura e tem dificuldade de fazer um curativo
ambulatorial. Fechou este curativo, o beneficiário terá alta do programa por cura. Ou então,
um beneficiário que saiu do hospital com uma infecção urinária, para uma desospitalização,
terminou o tratamento de antibióticoterapia, encerra o atendimento. Outros casos pontuais
que são feitos em casa: um antibiótico, soro, pode ter alta do programa. Um beneficiário
que sofreu acidente automobilístico teve uma fratura e está com ostiomielite, está internado
117
há dois meses com uso de antibiótico e vai tomar o antibiótico por mais três meses. Ele é
encaminhado para Atenção Domiciliar para término da antibióticoterapia e orientações
gerais. Terminou a antibióticoterapia o beneficiário recuperou, fez a cura da ostiomielite e
tem uma condição de ter uma vida normal, não tem perda de autonomia e nem déficit
funcional. Ele teve uma ação pontual que foi a fratura como complicação a ostiomielite.
Então, um motivo de alta é ALTA POR CURA.
Outro motivo de alta é quando a família ou o beneficiário não deseja continuar no
programa, por alguma razão não está atendendo a expectativa do beneficiário ou família.
Neste caso terá alta e não vai ficar no programa. O beneficiário tem um prontuário em casa,
se a equipe concluir que ele não se beneficia tanto com o Programa, vai escrever no
relatório/prontuário que os familiares do beneficiário desejam sair do programa porque têm
condições de continuar o tratamento em âmbito ambulatorial e a partir daquela data estão
encerradas as atividades. Recolhe o prontuário e encaminha para o Serviço de Atenção
Domiciliar (SAD) para ser arquivado.
Outro motivo de alta é ALTA POR ÓBITO. Nos casos de doenças crônicodegenerativas em fase terminal e demência, o beneficiário é acompanhado pelo Programa
até o óbito. Exemplo do paciente crônico: é o beneficiário sequelado de AVC,
gastrotomizado, traquiostomizado, que não mantém contato, que está saindo do hospital
para ser atendido na modalidade de Atenção Domiciliar - Gerenciamento de Caso ou
Monitoramento. É um beneficiário totalmente dependente da atividade diária, tem um
déficit funcional importante, perda de autonomia completa. O beneficiário que está em fase
terminal, por exemplo oncológico, e necessita de cuidados paliativos, por mais que ele vá
receber só uma soroterapia, analgesia, ele é crônico e um crônico que vai movimentar a
118
equipe, por que ele tem uma doença que não tem possibilidade terapêutica. Quando ocorre
o óbito a equipe vai ao domicílio recolher o prontuário e encaminha para o SAD.
Outra razão, mas que a operadora nomeia de TRANSFERÊNCIA ocorre no
momento em que o beneficiário vai ao hospital pra uma internação e retorna; ele foi
transferido para outra estrutura e depois retorna para o programa.
A Coordenadora do Programa estipula que a média de alta é em torno de 2%,
considerando-a rara de acontecer devido ao processo de elegibilidade ser bem definido para
o tipo de beneficiário no qual o programa está proposto. Se o beneficiário está dentro do
perfil, a possibilidade de ficar durante um tempo esperado e necessário para cumprir seu
projeto terapêutico é grande. Se ele não está enquadrado dentro da elegibilidade, o
beneficiário não é admitido no programa, principalmente porque não tem cuidador, ou seja,
a família não quer assumir o cuidado, e geralmente alega que isso não foi acordado com ela
na fase prévia ao ingresso no PAD.
A permanência é alta, igual nos outros programas. A portaria do
SUS fala que o período médio de permanência esperada é 30 dias, por
que é mais pontual. Até tem menos pacientes nesta cronicidade. Aqui a
gente pega mais paciente crônicos. (...) como para intervenção
específica: antibióticoterapia, analgesia venosa, a maioria. A alta é por
essa razão que acontece. Alta por óbito, alta por escolha do paciente e da
família, e, alta-transferência. (Coordenadora do Programa)
119
A Coordenadora de Equipe reforça esta tendência da maioria das altas ocorrerem
por óbito.
“A gente acompanha até morrer, ele não tem alta não, só tem alta
desse programa, alguns pacientes que estão independentes. Dependente
de cuidado, ele fica no programa até morrer. Até morrer mesmo, porque
são pacientes que a proposta é de dar esse tipo de suporte. Então, morre
muito paciente, mas aí são pacientes que a gente realmente espera que
eles faleçam, e a gente quer fazer isso de uma forma mais adequada,
mais digna, mais tranqüila pra família e pra todo mundo”.
(Coordenadora de Equipe)
4. O ponto de vista do beneficiário:
O beneficiário ao qual foi feita a escuta para essa pesquisa (a entrevista foi
feita com a cuidadora, sua filha), tem como diagnóstico principal Alzheimer e uma doença
degenerativa, sem diagnóstico, que o acomete há mais de 30 anos. Atualmente, ele não fala,
alimenta-se através de sonda e teve as pernas amputadas. Tem 75 anos, viúvo e mora com
sua filha há 3 anos. Possui o plano de saúde desta operadora há mais de 20 anos e ingressou
na AD em maio de 2006, devido á perda da locomoção e o surgimento de escaras.
Para a cuidadora/filha o programa é extremamente benéfico pois facilita a
locomoção do beneficiário. Para ingressar no programa ela fez a demanda à operadora, e
em seguida foi necessário o laudo de um médico responsável que acompanha o caso. Neste
caso foi um neurologista que diagnosticou o Alzheimer. Esse neurologista fez um relatório
120
que foi encaminhado para a AD. Após 30 dias a equipe deu um parecer positivo para seu
ingresso no Programa.
Após a aprovação para ingressar no programa, foi feita uma entrevista
colhendo o histórico do beneficiário (na época o mesmo ainda falava e respondeu boa parte
da entrevista), com a enfermeira responsável e logo em seguida a médica da equipe –
coordenadora da região geográfica na qual se localiza sua residência. Todos os dados
colhidos, tanto na entrevista quanto nos atendimentos ficam na casa do beneficiário,
semelhante a um prontuário, com as diversas anotações dos profissionais que já passaram
por ali. A fisioterapeuta e a nutricionista realizaram visitas posteriormente à enfermeira.
A enfermagem é a profissional mais constante. São feitas 2 visitas semanais, em
que se faz o curativo, mede-se a pressão, olha o estado geral, o ânimo e faz um controle
escrito. Os demais profissionais são esporádicos. Mas há uma rotatividade muito grande das
enfermeiras, segundo a cuidadora.
A avaliação que a cuidadora faz do programa é “muito boa” e concentra a
sua avaliação inicial, ao fato da operadora dispor de transportes, pois o paciente é muito
dependente deste recurso.
Não é só por que faz curativo, nem tirar a pressão, por que isso as
cuidadoras fazem, a gente que é leiga, que eu não sou da área de saúde,
mas a gente vai aprendendo a lidar, com a parte de higiene com a parte
de cuidado, a gente vai pegando, ao passo que no caso do idoso, ele se
sente perdido quando ele é transportado. (Cuidadora)
121
Entretanto, a cuidadora relata situações que ilustram como se processam os
cuidados em nível do cotidiano. Um primeiro problema relatado diz respeito à necessidade
de recolocar uma sonda nasal, que alimenta o beneficiário, em um horário noturno em que
não conseguiu localizar nenhum profissional para realizar o procedimento, tendo que
recorrer a um hospital para isso. Houve atrasos da ambulância para pegá-lo, foi solicitado à
cuidadora que comprasse a sonda, sendo que a mesma não dispunha de recursos para isso,
resultando em um novo impasse a ser enfrentado naquela situação. De novo o retorno para
casa se deu com atraso da ambulância. Relatos de fragmentos do cotidiano vão dando a real
dimensão dos processos micropolíticos vivenciados pelos beneficiários, cuidadores e
equipe do PAD. Nesse caso revela a dificuldade de acesso a recursos, em um momento
crítico e o relato traz as tensões, conflitos, a necessidade de pactuação, e isso tudo vai
aparecendo como analisadores do mundo real ao qual se dá a atenção domiciliar.
Outra situação como esta, do cotidiano dos serviços se deu a partir de uma
observação feita pela cuidadora de que as escaras estavam “complicando e não saravam”.
Foram feitos exames de diabetes, deficiência de albumina, até que a equipe resolveu que
tinha que deslocá-lo para fazer exame. Ao ser examinado por um cirurgião plástico, este
definiu que deveria ser feito um desfibrilamento (arrancar as necroses), mas o
procedimento não poderia ser feito naquele exato momento. O beneficiário teve que se
deslocar para casa e posteriormente para outro hospital. Entre idas e vindas ao hospital,
quando finalmente se realizou o exame dos membros inferiores constatou-se que o
beneficiário não tinha mais passagem de sangue nas artérias. Os muitos exames que se
seguiram fez a equipe hospitalar concluir conclusão que seria necessário amputar os
122
membros inferiores. A cuidadora avalia que a internação hospitalar resultou em perdas na
qualidade de vida do beneficiário.
“eu acho até que ele teve algumas isquemias não diagnosticadas
lá, tanto que ele perdeu, porque aqui olha, agora ele vem para o sol,
agora ele deita, troca ele de lugar, depois ele vai para ali, e lá ele ficou
muito deitado, então formou uma escara na sacral que não sarou até
hoje, entendeu? Então o que chegou a conclusão, amputou, mas mesmo
assim a gente via que ele não estava recuperando, ai o que chegou a
conclusão, que ele não estava comendo o suficiente, por que ele comia,
demorava, mastigava e não deglutia”. (cuidadora).
A cuidadora relata ainda conflitos seus havidos com os médicos, que em um
episódio quiseram colocar uma sonda gástrica, mas como ele tinha ido quatro vezes para o
bloco cirúrgico a cuidadora não permitiu e justifica assim o seu gesto:
“ele ainda estava comendo, ele tem sabor, se você der uma
banana para ele, ele come, se você der um copo de suco ele bebe, para,
às vezes devolver, mas ainda tinha sabor, ai eu vim com ele”.
(cuidadora).
Após um certo período foi colocada a sonda, porque parecia que o beneficiário não
estava se nutrindo. Agora ele está com um quadro nutricional todo balanceado, com
complemento alimentar como a farinha, albumina, então o que se notou, é que as escaras
estão sarando. Não sabiam o tanto de água que ele bebia, por que ele ficava com a
garrafinha, agora ele tem o horário que ele toma 300ml de água.
123
Nota-se com essa situação uma certa disputa pelo “projeto terapêutico”, entre o
saber científico representado pelo profissional e o “saber cuidador” da filha do beneficiário.
Independente da discussão técnica que aqui pode ser feita, mas que não é o mais importante
nesse momento, vale notar que a tensão entre os saberes como aqui se observou é uma
constante também na Atenção Domiciliar. Deve resultar em uma certa pactuação, definida
pela força de tensão entre as partes.
No período de 2 meses em que permaneceu internado, a equipe de AD não teve
contato com o beneficiário. Ela indicou a internação hospitalar, só que a partir do momento
que ele entrou no hospital não houve mais contato. O contato aconteceu quando a cuidadora
ligou para a enfermeira e contou sobre a amputação. A enfermeira e a médica fizeram uma
visita no hospital, a nutricionista ligou com pesar e não voltou mais à casa do beneficiário.
Com o retorno ao domicilio, a cuidadora diz que comunica todas as suas atitudes
sobre o beneficiário á equipe. _“Elas são o suporte externo”. Quando há necessidade de
consulta, com outros profissionais fora da equipe, é esta que indica o profissional. Foi o
caso do cirurgião plástico que realizava as raspagens. Na consulta com o neurologista foi
proposto o cancelamento da medicação, pois não havia mais resposta ao tratamento de
Alzheimer e reforçou a permanência no programa de monitoramento. Ocorreu também a
troca de enfermeiras, saindo á enfermeira que levantou a questão do problema vascular e
entrou uma especialista em feridas.
A cuidadora elencou as vantagens do programa:
i) A confiança de saber que a equipe está disponível 24 horas, caso precise; embora
haja o registro do problema ocorrido em relação à sonda nasal que foi aqui relatado.
124
ii) O não deslocar, tirar do ambiente natural;
iii) e o custo, “por que se eu tivesse que locomove-lo eu gastaria mais ainda além
do que pago do plano, porque o plano não é barato, apesar dele ser um sócio antigo”.
A cuidadora relata que além do gasto com o plano, que consome 60% da
aposentadoria do beneficiário, há o gasto com a manutenção, higiene, luvas, máscaras. Mas
que os gastos foram acordados no ingresso do programa. Quando a enfermeira vai ao
domicílio fazer o curativo, ela trás uma pasta com todos os insumos necessários para os
procedimentos.
Dentro do programa de curativos, somente a enfermeira e a médica realizam as
visitas. A enfermeira realiza duas visitas por semana. A médica realiza visita a cada 2
meses. A nutricionista também realiza visita a cada 2 meses. A fisioterapeuta realizou
somente a visita inicial e sugeriu um plano de exercícios que segundo a cuidadora não
funciona, tendo ela contratado uma fisioterapeuta, o que é de conhecimento da equipe. A
cuidadora sabe que no programa existe uma psicóloga, mas que faz um trabalho terapêutico
extra-domiciliar. Na opinião da cuidadora, as visitas são satisfatórias e em qualquer
intercorrência a equipe aciona outras estruturas da CM.
A cuidadora procura aprender a realizar o cuidado, mas se avalia ainda em fase de
adaptação. Utiliza o trabalho de outras 3 pessoas por ela contratadas para contribuir com
essas atividades. É um contrato de empregada doméstica e auxiliam nas atividades da casa
além do cuidado ao beneficiário.
A troca de informações com a equipe ocorre de forma gradual. Os membros da
equipe passam as informações com cartilhas. No momento da produção dos procedimentos,
125
indicam os insumos que deverão ser utilizados no processo terapêutico, trocam experiências
a partir dos eventos ocorridos com o beneficiário e vão ao cotidiano indicando a melhor
forma de agir, demonstrando os detalhes do trabalho que é realizado, em um movimento
sutil de transferência de tecnologia de cuidado para a família.
Quanto à necessidade de recorrer ao consultório médico, a cuidadora disse que
acabaram as idas ao consultório e fez uma referência á diminuição do custo do ponto de
vista da CM, pelo fato da cooperativa disponibilizar um profissional para os cuidados, no
caso a médica e os cuidados ficarem sob responsabilidade das cuidadoras.
Houve a diminuição nos exames devido á estabilidade do quadro clínico. São feitos
de 3 em 3 meses os exames recorrentes. A coleta é feita no domicílio, na hora estipulada
pela cuidadora e o laboratório dá um desconto para os beneficiários do Programa.
O uso da medicação permaneceu o mesmo à situação anterior, mas o gasto com os
curativos aumentou, devido ao caso específico deste beneficiário.
O número de internações hospitalares diminuiu devido ao “cercamento” que as
cuidadoras e a equipe realizam aos sintomas que o beneficiário apresenta.
“Por exemplo, se a gente nota que ele está com uma respiração
diferenciada o que a gente faz? A gente age antes dele pegar uma
pneumonia. Para que colocou a sonda? Para evitar que ele aspirasse e
pegasse uma infecção ou uma pneumonia. Então o programa funciona
assim mesmo, ele cerca as coisas antes de acontecer, então você interna
menos, você faz mesmo”. (cuidadora)
126
Para a cuidadora houve uma melhora na assistência á saúde do beneficiário,
embora tenha ocorrido uma piora no quadro clínico. As profissionais da equipe são bem
avaliadas por ela, quando a sua qualificação técnica. Na busca de exames o acesso é fácil.
Ela tem direito a ambulância. Quando há necessidade de internação o beneficiário vai com
indicação do médico. O acesso aos medicamentos e materiais é indiferente para a
beneficiária, pois a CM não oferece insumos.
Como proposta de melhoria do programa, a beneficiária apresenta a reivindicação
do psicólogo para o beneficiário e para a família. Neste caso, o beneficiário não teria como
fazer um trabalho psicoterápico, pois não responde mais, mas no caso da cuidadora/filha, há
uma demanda terapêutica que é suprida fora do programa de AD.
Segundo a cuidadora este trabalho terapêutico serve para ela oferecer ao
beneficiário uma atenção mais “suave” e manter a estrutura da casa mesmo com o estado
grave do beneficiário.
A relação que a cuidadora faz do processo terapêutico com o cuidado passa pelo
auto-conhecimento. Há dois anos a cuidadora vendeu a empresa que era proprietária e fez
especialização em Ioga, Reik e hoje é professora destas áreas. Ela relata que leva esta
prática para dentro do domicilio, para a história do beneficiário e que se pudesse o trataria
com acupuntura, mas que não dá mais tempo.
“É uma historia de vida dele e que por acaso nos todos somos
participantes dessa historia, então tirar disso o melhor aprendizado,
então o que ele está me ensinado nesses anos que ele está aqui comigo,
(...) Então, isso é uma coisa que eu fiz desde o início, e o vovô não está
127
aqui de favor, o vovô mora nessa casa, o vovô faz parte da família.
(cuidadora)
Nos cuidados que presta ao beneficiário, a cuidadora conta com apoios, ditos
indispensáveis: as cuidadoras, o marido, os filhos. Do marido ela diz que ele permitiu esse
tipo de situação e os filhos acompanham um pouco mais distantes e espera que todos
estejam tirando alguma vivencia desse processo. O ingresso no programa acrescentou
novos atores: os profissionais da CM, e que a cuidadora enfatiza ter uma relação “muito
amorosa” com todos, tratando-os pelo nome, querendo saber o que acontece com cada um.
Com relação à alta, a beneficiária diz lidar bem. Que irá continuar a tratá-lo da
mesma forma que cuida atualmente até o momento em que ele for embora, pois ele já faz
parte da rotina da família.
“Eu (cuidadora/filha) acho que apesar de toda a debilidade dele,
ele ainda vai viver um tempo, principalmente por que ele é muito bem
cuidado, as meninas brincam e falam assim: Nó, a gente cuida tão bem
do seu pai que ele vai ficar ai e a gente vai morrer. É o risco que corre, !
Eu acho que pai por mais que não tenha sido o pai ideal que você
sonhou, não é o meu caso, mas o filho tem obrigação de amparar pai,
haja visto que tem um ditado que diz: uma mãe cria 10 filhos, 10 filhos
não cria um pai, uma mãe, Então tenho que fazer minha parte, porque se
cai pra mim, nós somos 3, cai para mim é por que era meu. (cuidadora)
128
Segundo a cuidadora, a CM avalia sua opinião em relação à assistência de
forma verbal. Por que, segundo a cuidadora/filha, eles lidam com vidas e que o beneficiário
precisa ter uma melhora por ter ingresso no programa.
Uma outra forma de relação que a beneficiária faz com a equipe ocorre na disputa
do processo terapêutico. A beneficiária relata que tenta “manipular” a enfermeira de
alguma forma, mas que não há muito resultado devido à rigoroso tratamento protocolar
oferecido pela enfermeira, algo parecido com uma disciplina miliatar, de acordo com ela.
Há também o atravessamento de opinião de outros profissionais que acompanharam o caso.
Atualmente, a cuidadora segue os conselhos da enfermeira e orienta as cuidadoras para
fazer da forma prescrita por ela, e que com o passar do tempo avalia que está aparecendo o
resultado esperado.
A operadora planeja realizar periodicamente uma pesquisa de opinião entre os
beneficiários. Este deverá receber uma orientação para ligar e informar sua situação de
saúde, se há alguma queixa em relação ao atendimento obtido. Atualmente isso acontece
através de telefonemas da equipe, do Assistente Social que tem uma estagiária que a
auxilia. Tem auditores que vão à residência do beneficiário e fazem um levantamento
amostral para checar o nível de satisfação. Os primeiros resultados começam a aparecer:
No geral, o serviço anda muito bem. A relação com o usuário, se
os profissionais evoluem, se os profissionais estão realmente fazendo as
visitas, se a família está satisfeita, se a família entende a orientação que é
passada, se a família compreende a proposta e os cuidados gerais, o que
tem na casa, o que precisava ter. Então essa avaliação mais global
mesmo. O ambiente do paciente, da assistência como um todo. Aí
129
pergunta como vai a assistência médica, enfermagem, fisioterapia, uma
pergunta direcionada para cada profissional. (Coordenadora)
Existem casos que as pessoas criam uma expectativa maior ao que a operadora pode
oferecer. Esses casos não são a maioria, mas são administrados internamente.
5. Conclusões:
Pela pesquisa realizada podemos concluir que o Programa foi estruturado
inicialmente para uma diminuição dos gastos com a Internação Domiciliar, pois os gastos
eram maiores que a Internação Hospitalar. Os resultados do programa nesse aspecto são
significativos. Por outro lado, na produção do cuidado o PAD é um dispositivo importante
para melhoria também neste aspecto. Possivelmente de posse desses resultados a operadora
tem apostado na continuidade e crescimento do programa. Pode-se ver isso nas metas que
foram informadas para 2007, que dizem respeito à mudança da sede para um espaço maior
e contratação de novos profissionais, se preparando para a expectativa o aumento de
beneficiários inseridos no programa.
A dispensação de medicamentos e insumos é ponto de disputa entre os beneficiários
e a CM. A CM adota a tese a qual não é sua obrigação ofertar todos os
medicamentos/insumos para o tratamento e oferta alguns medicamentos de uso hospitalar
ao beneficiário que não são encontrados em farmácias. A família por sua vez considera um
direito seu ter o acesso a todos medicamentos e insumos necessários à atenção e internação
domiciliares. Esse gasto é pactuado quando ingresso no programa. Na tensão, profissionais
130
do programa assumem a postura de procurar o serviço público de saúde para obtenção de
medicamentos, como foi observado.
A equipe do programa de AD é composta por: assistente social, enfermeiro,
fisioterapeuta, médico, nutricionista e psicólogo. A enfermeira faz a função de “gestora do
cuidado” sendo portanto quem conduz o projeto terapêutico. Apesar dessa função central na
AD, não há um nível hierárquico de funções. As visitas dos profissionais são definidas pela
demanda de cada beneficiário, o que faz com que alguns profissionais façam visitas
esporádicas e outros não. Observa-se que os campos de conhecimento fazem mais
interseção nessa modalidade de cuidado, demonstrando sua força na multiprofissionalidade.
Vê-se também que há uma demanda importante para o Fonoaudiólogo e a expansão das
ações da Psicologia nesta modalidade de atendimento. A estratégia de regionalização das
equipes favorece a vinculação do beneficiário com a equipe.
Segundo a cuidadora, os profissionais são capacitados para manterem certo
distanciamento das relações familiares. Nota-se uma certa disputa do processo terapêutico,
mas pelo histórico deste beneficiário as tomadas de decisão ficavam sob o comando da
“gestora do cuidado”, a enfermeira.
Em uma determinada parte da entrevista com a cuidadora, ocorre uma disputa de
processo terapêutico entre a atenção domiciliar e a internação domiciliar. Tanto que a
cuidadora aposta nos cuidados domiciliares e acredita ao tempo que o beneficiário passou
no hospital uma piora no quadro de saúde. São notórios os benefícios do cuidado em
domicilio: uma atenção personalizada, cuidados permanentes, utilização da tecnologia leve
para a produção do cuidado, o acolhimento da família e das cuidadoras com o beneficiário.
131
A
ASSISTÊNCIA DOMICILIAR NO
SEGURO
SAÚDE:
O CASO
BRADESCO.
Contextualização.
O presente relatório diz respeito ao estudo de uma operadora de saúde caracterizada
como seguradora que possui um universo de 2.550.743 beneficiários no Brasil3. Esse
contingente de beneficiários representa aproximadamente cerca de 50% do total de
beneficiários das 14 seguradoras de saúde existentes no Brasil (Malta e Jorge, 2005).
Há mais de 20 anos no mercado, seus maiores beneficiários são oriundos de
contratos coletivos com empresas diversas que oferecem assistência médica a seus
funcionários.
A caracterização como seguradora garante aos seus beneficiários um acesso a
consultas, recursos diagnósticos e terapêuticos por livre-escolha. Apesar disso, mantém
uma rede referenciada.
O recurso de internação domiciliar, disponível na operadora, não existe em nenhum
dos contratos com os beneficiários, não sendo, portanto, obrigatória a sua oferta. O recurso
é oferecido mediante ao crivo de critérios pré-estabelecidos para pacientes hospitalizados
em condições de permanecer com o tratamento em seu domicílio. Hoje, possui 380
internações á. Esse é um número obtido na entrevista, no entanto, possui sucessiva
variabilidade. O Programa de Internação domiciliar tem condições de receber quantos
beneficiários forem julgados em condições de serem transferidos para seu domicílio.
3
Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários-ANS/MS-06/2006;
Cadastro de Operadoras - 06/2006.
132
Existe o desejo da operadora em ampliar o Programa para “Home Care” no seu
conceito mais amplo, mas a caracterização de seguradora dificulta esse processo, pois não
possui como premissa produzir saúde, mas segurar seus beneficiários. E para o
gerenciamento de beneficiários acometidos por doenças crônicas é fundamental a existência
de uma rede assistencial vinculada a uma coordenação de cuidados que promova a
integralidade da atenção.
O Programa dispõe de um médico e quatro funcionários administrativos para o seu
gerenciamento. E, para o suporte na identificação de casos trabalham em conjunto com o
“núcleo da sala de hospitais” que é o “núcleo de longa permanência” – onde os
beneficiários internados são monitorados quanto ao tempo de permanência.
Para a internação domiciliar foram contratadas algumas empresas prestadoras de
serviço, uma das quais foi também alvo do estudo que resultou neste relatório. Os
requisitos para a escolha de uma empresa prestadora de internação domiciliar pela
operadora estão atrelados a idoneidade fiscal e jurídica, existência de equipe
multiprofissional, de call center, possuir médico alcançável, capacidade de prover serviços
de ambulância, equipamentos e exames e, de receber demanda de todo o território nacional.
A forma de contrato é feita por uma carta acordo, pois aos olhos da ANS, a empresa de
“home care” é apenas uma prestadora de serviço e à seguradora cabe contratar apenas
entidades hospitalares ou profissionais. São estabelecidas diárias globais para o pagamento,
de acordo com a complexidade do cuidado (baixa, média ou alta) e uma tabela para
materiais, medicamentos, procedimentos e intercorrências. São exigidos também relatórios
periódicos sobre o estado de saúde do beneficiário, bem como plano terapêutico.
133
Essa empresa contratada, alvo de nossa investigação, é formada pela parceria de um
grande grupo privado brasileiro (que opera nas áreas financeira, imobiliária, de seguros,
entretenimento e de saúde) com outro grupo europeu, com experiência na área de saúde.
Está há 14 anos oferecendo serviço de “Home Care” em 7 cidades no Brasil, é conveniada
de diversas operadoras de saúde além de oferecer serviços também a pessoas físicas. Possui
cerca de 150 pacientes em internação domiciliar no Rio de Janeiro e Grande Rio. Possui
uma equipe muitidisciplinar em cada unidade formada por médicos, psicólogo, enfermeiro,
técnico de enfermagem, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e assistente social. A
maioria dos profissionais desta equipe é composta por contratos terceirizados, seja por
cooperativas, seja por pessoa jurídica.
Existe uma equipe fixa que atua na empresa e promove o suporte técnico, como
atendimento 24 horas para intercorrências. O fluxo para identificação da necessidade de
uma visita médica ou de outro profissional, além das previstas, segue uma hierarquia. O
técnico de enfermagem comunica-se com o enfermeiro de plantão e este por sua vez, caso
não possa orientá-lo, comunica-se com o profissional competente, em geral o médico, para
orientá-lo na conduta. O enfermeiro da empresa prestadora é que providencia ambulância,
vaga em hospital ou visita de um outro profissional capacitado a resolver o problema
instalado, se for o caso.
A empresa prestadora promove reuniões semanais com a equipe para discutir casos
clínicos com o objetivo de rever as condutas e aprimorá-las. Cada semana eles discutem
uma área geográfica.
134
O monitoramento da qualidade da atenção pela empresa prestadora é feito através
de indicadores como incidência de inserção domiciliar, de úlceras em casa, queda do leito e
re-hospitalizações.
A avaliação de satisfação do beneficiário/família, não existe formalmente na
operadora. Na empresa prestadora, o gestor referiu que já existiu, não existe mais e que
deve retornar. Já a gerente de assistência da empresa prestadora, informou haver uma
avaliação de satisfação sistemática, por contato telefônico, hoje realizada pela psicóloga.
Apesar das incongruências todos referem haver um significativo índice de satisfação dos
beneficiários e/ou familiares.
As localidades no território nacional, onde a empresa não está presente, são supridas
quando há demanda, através da terceirização da assistência para uma empresa da
localidade. A responsabilidade da qualidade da assistência é da empresa prestadora que
terceirizou o serviço. O monitoramento pela operadora, neste caso, também é feito pela
contratação de médicos auditores na localidade.
Entrevistas Realizadas.
Foram entrevistados o gestor da operadora, o gestor da prestadora de serviço, ambos
médicos, um gerente de assistência da prestadora de serviço, enfermeiro, e uma
familiar/cuidadora de um paciente internado há 7 anos em regime domiciliário, vítima de
um acidente vascular cerebral aos 48 anos de idade. Este paciente teve como seqüela a
tetraplegia, afasia, lucidez questionada e está mantido em cama hospitalar, com cuidados de
técnico de enfermagem 24 horas, traqueostomizado e gastrostomizado.
135
Resultados:
Nomenclatura.
O Programa que monitora a assistência domiciliária na seguradora estudada é
denominado de Programa de Internação Domiciliar. Essa ressalva foi feita em virtude deste
conceito se diferenciar do conceito de “home care”.
“Para nós a internação domiciliar seriam todos os cuidados que o
paciente necessitaria em ambiente hospitalar. Eu estou transferindo uma
internação hospitalar para uma internação domiciliar. Não existe um
programa de “home care” como a gente chama. (Gestor Operadora)
“O programa de internação domiciliar da seguradora tem como
objetivo a substituição do ambiente hospitalar pela casa do paciente,
naqueles pacientes que tenham uma condição clínica suficientemente
grave que a rigor indicaria a manutenção no ambiente hospitalar. Por
isso que o termo é internação domiciliar e não “home care” no senso
mais amplo.” (Gestor Prestadora)
“A internação domiciliar ela é um produto da assistência
domiciliar globalizada. Que hoje a RDC [Anvisa] chama de atenção
domiciliar. Internação domiciliar ela se caracteriza por uma assistência
contínua de profissional de enfermagem na casa do paciente, onde os
136
critérios são baseados em cuidados de profissionais. Não cuidados
básicos de higiene, de ajuda de terceiros. Então é um cuidado baseado
em assistência profissional, de um profissional. E a gente determinou que
seria de 24, 12 horas... por um período de 24 ou 12 horas ou 6 horas que
seria denominada internação domiciliar”. (Gerente de Assistência de
Enfermagem)
Origem do Programa de Internação Domiciliar.
Segundo a gestora da operadora, o Programa surgiu a partir da demanda de um
paciente cuja família solicitou a seguradora para adquirir um respirador, pois bastava isso
para o paciente permanecer em domicílio já que a família manuseava o equipamento com
destreza.
Atendida a solicitação da família, a seguradora fez os cálculos atuariais e verificou
que “o custo benefício seria muito maior.” Refere este como sendo o primeiro caso. Mas
não deixa de mencionar a importância do movimento do mercado como determinante na
oferta desta modalidade de internação domiciliar.
“(...) e a gente comprou o respirador e colocou na casa do
paciente e ele nunca mais internou, precisou de internação hospitalar. E
a partir daí, esse conceito foi.... eu acho que foi muito mais uma demanda
dos próprios segurados, dos próprios pacientes do que da seguradora em
si. E foi também um movimento do mercado ? Todo mundo começou a, de
137
uma certa forma, e isso é claro que começou no custo benefício, na
redução do custo da internação hospitalar a transferência a domicílio. E
aí a gente foi aperfeiçoando e foi chegando.” (Gestor Operadora)
As empresas que contratam a operadora para segurar a saúde de seus funcionários
também demandam a assistência domiciliária por ser um recurso menos dispendioso para
elas.
Funcionamento.
Critérios de elegibilidade.
O Programa tem um funcionamento que requer um monitoramento sistemático.
Existe um pequeno grupo de profissionais, funcionários da seguradora, que verifica
sistematicamente o custo e tempo de permanência em internação hospitalar dos pacientes.
Caso um paciente esteja a um tempo maior do que o esperado e, portanto, representando
um custo elevado para a seguradora, imediatamente um auditor é acionado para verificar se
o paciente em questão possui condições clínicas para seguir com o tratamento em
domicílio.
“são doentes que estão há algum tempo no hospital e, por algum
motivo, não podem ter alta. Então nós identificamos dentro das
internações hospitalares, as senhas que nós liberamos da internação
hospitalar, quais seriam aqueles doentes que seriam passíveis de terem
138
um atendimento domiciliar. Eles já são cronicamente internados no
hospital e não conseguem receber alta. Isso é um tipo de demanda que é
a principal demanda nossa. Os doentes que nós já conhecemos e que hoje
estão internados no nível hospitalar e que seriam passíveis de serem
cuidados no nível domiciliar.” (Gestor da Operadora)
Outra possibilidade de identificar um paciente é através dos médicos auditores que
fazem visitas freqüentes aos hospitais de grande faturamento para a seguradora e aos
pacientes nele internados e verificam se há possibilidade de transferir o paciente para um
tratamento em domicílio.
Se houver essa possibilidade a seguradora apresenta a situação para a empresa
prestadora de serviços de internação domiciliar que se encarrega de avaliar com mais
minúcias técnicas as possibilidades de substituir a internação hospitalar por domiciliar.
Outra possibilidade é o desejo da própria família ou a indicação do médico assistente.
Caso o beneficiário esteja internado em um hospital de baixo custo, a operadora não
sugere a internação domiciliar pelo risco de ser mais dispendiosa, antagonizando com seu
objetivo de redução de custo. Salvo o caso em que o hospital cujo beneficiário está
internado não oferecer condições para o seu tratamento e a solução de uma transferência
para um hospital de maior complexidade tornar-se ainda mais dispendiosa. A indicação do
beneficiário, por parte da operadora, para este recurso de internação domiciliar está
fortemente vinculada à apreciação de custo.
139
Como a seguradora se reserva ao direito de indicar o paciente que será beneficiado
com a internação domiciliar, cabe aos demais envolvidos apenas ratificar ou retificar a
indicação. Em caso de retificação da operadora, aos olhos da prestadora de serviço, esta
acata a decisão, muito embora não seja de controle da prestadora, segundo a gerente de
assistência, se a operadora tentará nova abordagem com outra prestadora. No caso de
ratificação, a prestadora encaminha uma relação de necessidades e um plano terapêutico
para a aprovação da operadora.
Esse processo de aprovação final causa insatisfação por parte da prestadora por
considerar de muita morosidade, trazendo prejuízos aos pacientes que poderiam se
beneficiar de uma modalidade de cuidados domiciliares, mas ao ficar em um hospital,
muitas vezes deixam de ter o problema que o levou ao tratamento ou sofreu uma piora que
impedirá sua transferência para o domicílio.
Outra insatisfação por parte da prestadora de serviços está na identificação tardia de
pacientes para a internação domiciliar, decorrente dos critérios de elegibilidade estarem
calcados mais no diagnóstico do que no cuidado. Segundo os entrevistados da prestadora,
as identificações deveriam ser mais pró-ativas. Isso traria maiores resultados aos pacientes
e familiares como também à operadora que tem em vista a redução de custo com a
assistência hospitalar. Além disso, não existe neste Programa a possibilidade de um
beneficiário ser identificado, através de uma consulta médica, para a internação domiciliar
antes de ter sido internado em ambiente hospitalar, mesmo que a indicação para permanecer
em tratamento no domicílio seja contundente.
140
“É pouco pró-ativo. É muito mais reativo do que pró-ativo. Então
eu acho, essa é a minha convicção, eu não tenho nenhum fato
comprovado mas eu acho que uma pró-atividade maior em relação a isso
redundaria em maior número de indicações para “home care” e com
todos os benefícios decorrentes disso. E acho que ainda carece um pouco
de agilidade no tramite interno, as vezes, eu até entendo que existam
etapas burocráticas a serem vencidas, a serem cumpridas, mas eu acho
que isso devia ter uma certa... uma agilidade um pouco maior. (...) o
“home care” é uma ferramenta fantástica de gestão para esse tipo de
paciente. Mas ela tem que ser usada como uma ferramenta, e não como
algo que você só vai se lembrar quando alguém chega e diz, olha, eu
preciso isso... aí já passou a melhor fase...” (Gestor da prestadora)
“O que pega mais é em relação aos critérios de elegibilidade.
Porque não existe muita clareza ainda da operadora em relação aos
critérios de elegibilidade. Então é muito focada ainda em diagnóstico,
não em cuidados.” (Gerente de Assistência de Enfermagem)
“Às vezes a gente avalia um paciente que fica 15 dias na
operadora (...) aí, quando dá a resposta o paciente não é nem mais caso.
Ficou 15 dias no hospital e a gente já minou a nossa relação com os
familiares, porque as famílias acham que nós é que estamos amarrando.
Então é uma coisa muito burocratizada. (...) Então é um processo muito
141
burocratizado. E, por exemplo, se o médico for à casa de um paciente e
identificar que o paciente está com uma pneumonia e que ele pode tratar
esse paciente em casa, sem ter que levar ele para o hospital, eu não tenho
como...” (Gerente de Assistência de Enfermagem)
Os pacientes que, em geral, são alvos da internação domiciliar são os doentes
crônicos (80%). Pacientes com DPOC, com seqüela de AVC, cardiopatas, parkinsonianos
ou com outras doenças neurológicas que demandam certos tipos de procedimentos como
hidratação venosa, medicação de uso venoso, nutrição parenteral, uso de respirador ou
algum suporte respiratório.
Outro tipo de paciente que freqüentemente vai para casa, é o “doente terminal”.
Casos agudos de pacientes que demandam uma antibióticoterapia, ou quimioterapia para
pacientes com neoplasias são considerados também internação domiciliaria, no entanto em
regime de 6 a 12 horas de assistência do técnico de enfermagem. Os pacientes precisam
estar estáveis a despeito da gravidade de seu estado de saúde. Se o paciente demanda
muitas intervenções invasivas, deve permanecer internados em ambiente hospitalar.
Ingresso e Processo de Trabalho.
A avaliação minuciosa do beneficiário, após a indicação da operadora, é realizada
por um enfermeiro da prestadora que segue um protocolo de avaliação clínica, psicológica e
social do paciente e da família, bem como do espaço físico em que residem para se traçar
um plano terapêutico. Esse mesmo profissional conversa com a família e, se for possível
142
com o paciente também, sobre essa possibilidade de transferência para o domicílio.
Segundo os entrevistados, entre eles a própria familiar do paciente que confirma o
procedimento, o profissional, neste momento explica todas as vantagens, necessidades e
condições necessárias para a transferência do paciente. Junto desta orientação verbal a
enfermeira entrega também um folheto explicativo à família e apresenta-lhe um documento
que deve ser assinado pelo familiar ou paciente confirmando as orientações verbais.
Se houver algum sinal de resistência da família, ou mesmo aceitação indicativa de
problemas futuros o enfermeiro aciona o psicólogo e/ou o assistente social, de acordo com
a demanda da família e do paciente. Segundo a gerente de assistência de enfermagem, o
questionário de avaliação utilizado pela empresa foi produzido pela equipe multidisciplinar.
São feitas também avaliações do ambiente doméstico, se, por exemplo, a instalação
elétrica suporta um determinado equipamento que o beneficiário terá que usar, se o acesso
até a residência permite a locomoção de uma maca e/ou cadeira de rodas. Nestes casos, se
houver indicação de internação domiciliar, a família deverá providenciar as modificações,
se for possível, para que o beneficiário possa ser cuidado em sua residência. Caso contrário
a transferência não é feita. Além disso, se o beneficiário residir em local com histórico de
violência como favela, em geral, as equipes não ficam disponíveis, inviabilizando a
transferência do beneficiário para a sua residência.
Os insumos necessários para a manutenção do beneficiário em domicílio são
providenciados e fornecidos pela empresa prestadora e cobrada da operadora através de
fatura, afora material de higiene, rouparia e alimentação via oral, enquanto permanecer a
internação domiciliar. Em geral muitos dos insumos fornecidos pela prestadora são
suprimidos com a retirada do técnico de enfermagem.
143
Todos os exames e procedimentos são realizados, o máximo possível, no domicílio
do beneficiário, salvo algumas exceções que requerem equipamentos que não são móveis.
Neste caso a equipe cuidadora acompanha o beneficiário até o destino e retorna com ele
para o domicílio.
A internação domiciliar, exceto as situações pontuais mencionadas anteriormente,
como por exemplo a aplicação de quimioterapia, iniciam-se com a permanência de técnico
de enfermagem por 24 horas, com escalas de trabalho 12/32 conforme rege as leis
trabalhistas para essa categoria profissional. À medida que o paciente vai estabilizando e a
família incorpora a rotina de cuidados, o cuidado técnico de enfermagem passa para 12
horas, posteriormente para 6 e finalmente para 2 horas quando o paciente demanda apenas
um procedimento que justifique a visita do técnico de enfermagem. De acordo com o gestor
da operadora, não existe um tempo pré-determinado para esse desmame, os casos são
avaliados por sua singularidade e são monitorados ao longo do tempo.
“Normalmente uma internação domiciliar é longa, a não ser em
casos muito pontuais, ela, no mínimo dura uns 40 a 60 dias. É o tempo
médio de uma internação domiciliar. A não ser assim, coisas muito
pontuais. É um antibiótico que tem que fazer por uma semana, 10 dias. E
geralmente são pacientes mais jovens que tem uma patologia aguda e
resolveu e acabou.
(...) Como eu tenho um esquema de visitas periódicas, a gente vai
reavaliando ao longo do tempo. Então eu tenho doentes que ficam 30
144
dias, mas eu tenho doentes com 3 anos, 4 anos de internação domiciliar.”
(Gestor da Operadora)
Em geral, são traçadas metas para o “desmame” do cuidado, definidas a partir dos
procedimentos executados junto ao beneficiário, determinados no plano terapêutico. O
gestor da prestadora cita como exemplo um beneficiário traqueostomizado.
(...) o objetivo é nós tirarmos a cânola da traqueostomia. Nós
estabelecemos uma meta, nós vamos ficar com ele, vamos nutri-lo
adequadamente, cuidar da infecção, tratar a traqueostomia da forma
mais adequada e o objetivo será fechar a traqueostomia. (Gestor da
Prestadora)
Para monitorar o chamado “desmame” do técnico de enfermagem, um médico
visitador, contratado pela operadora, também via terceirização, visita freqüentemente o
paciente para avaliar o plano terapêutico e os relatórios enviados pela prestadora com o
estado e necessidades do paciente. Caso o desmame não seja feito em tempo previsto e, de
acordo com a sinalização do médico visitador, denominado pelo gestor da operadora como
“médico dedo-duro”, sobre uma possível lentidão no processo, a operadora cobra da
prestadora uma multa diária que representa 5 a 10% do total do faturamento.
“O meu médico visitador, quer dizer... que também não é meu, é
terceirizado ele vai, ele também explica, porque eu não libero, e não
existe, por exemplo, o doente que não tem tempo de alta, como é que a
gente faz esse tipo de liberação? A gente libera a internação a cada 30
dias e uma vez por mês pelo menos o nosso médico visitador vai e
verifica quais são as condições do doente, se ele vai precisar permanecer
145
com todo aquele aparato por um período maior ou se já existe a
possibilidade da gente começar a reduzir o número de horas e a começar
a retirar alguns equipamentos. Então é uma interface, seguradora,
médico visitador e a própria empresa ” (Gestor da Operadora)
(...) muitas vezes a própria empresa não quer ter o trabalho de
começar a convencer a família de ter que tirar o “home care”. E aí tem
uma multa que a gente chama taxa de permanência. (Gestor da
Operadora)
Não é raro ocorrer internação domiciliar de longa permanência, especialmente
considerando-se os critérios estabelecidos pela operadora para a entrada de um beneficiário
neste programa de internação domiciliar. Nesses casos, a meta a ser alcançada deve ser o
cuidado permanente.
“Então são sempre estabelecidas metas a serem alcançadas (...)
tem casos em que a meta é dar o melhor tratamento ao paciente enquanto
ele permanecer vivo, porque é um doente que vai ficar o resto da vida (...)
com alguma demanda que necessita de uma empresa para cuidar dele.”
(Gestor Prestadora)
“A gente tem que cumprir essas metas. A medida em que ele entra
eu tenho que estar cumprindo. Eu estou entrando, por exemplo, com
paciente traqueostomizado e eu determino que eu quero dar alta para ele
em três meses. Então eu tenho que criar as minhas metas junto com a
equipe. A gente vai fechar essa traqueo, na primeira semana a gente não
vai fazer nada, na segunda semana a gente vai tentar diminuir esse
146
calibre da cânola... junta todo mundo com aquele objetivo para cumprir
a meta de dar alta para ele em 3 meses... estou chutando! Ou então o
paciente está com uma sonda naso-enteral e para tirar essa sonda eu
tenho que trabalhar para que ele volte a se alimentar pela via oral.
Então, toda a equipe vai se engajar nesse projeto.” (Gerente de
Assistência de Enfermagem)
A questão, costumeira, nesses casos de internação de longa permanência, é que,
nem sempre o desmame do técnico de enfermagem é realizado de forma tranqüila. No
momento em que os cuidados são delegados, após treinamento pelos técnicos de
enfermagem, à família, as queixas são freqüentes e muitas vezes a decisão pela
permanência do cuidado de enfermagem é da justiça, através da concessão de liminares.
De acordo com o Gestor da Operadora, a inexistência de cobertura contratual
conduz a determinados conflitos com a família que às vezes não atina para os critérios da
operadora e sistema de funcionamento da internação domiciliar. Segundo esse gestor,
muitas vezes a família necessita de um cuidador, formal ou informal, para lidar no
cotidiano com o beneficiário. Mas a operadora, por sua vez, não garante essa modalidade
de assistência.
“(...) um cuidador não teria cobertura. Quer dizer, não é nem
cobertura porque na verdade eu não tenho essa cobertura na apólice. Ele
não preencheria os critérios que nós estabelecemos para a internação
domiciliar. E aí a família briga com a gente porque quer. E a gente diz
olha, isso não é objeto do seu seguro e assim mesmo entra com liminar e
a gente acaba liberando.” (Gestor da Operadora)
147
“ muitas vezes (...) a família é muito resistente, porque para umas
é muito ruim, mas para outras é muito bom. E tem... principalmente, são
pessoas idosas. Eu tenho a idade média dos doentes internados é tudo
criancinha, porque é tudo acima de 80. Tem de 80, 90, tem uma velhinha
de 102 anos que está em internação domiciliar. Então, mas a média fica
entre 85 e 90 anos. E aí a família já se acostumou. Porque tem lá uma
enfermeira a disposição e tudo. Aí, na hora que a gente começa a dizer,
vamos programar a alta, é um tormento. Muitas vezes há muita briga, é
muito difícil.” (Gestor da operadora)
A prestadora, por sua vez refere que a gestão da operadora e seus critérios de
elegibilidade e de desmame, baseados mais em diagnósticos que cuidados, é que provocam
determinados conflitos com a família e certo constrangimento para os técnicos da
prestadora. Mas, apesar disso, defende os interesses da operadora que solicita a alta, o
desmame do técnico de enfermagem.
“(...) então às vezes é exigido que a gente dê alta para um
paciente que demanda cuidados de profissionais ainda. E muitas vezes a
gente diz que o paciente é caso e a operadora diz que não é, porque os
critérios não são compatíveis. Os critérios realmente eles pegam. (...) E
aí o convênio pede alta do paciente e aí o paciente tem ainda uma
necessidade de cuidados, não de profissionais, mas aí a família não
aceita. Aí a gente fica no meio. Que a família que não aceita a alta e a
operadora que está nos pedindo para sair, o convênio não cobre. (...) Na
148
verdade a gente defende os interesses da operadora. Nós não podemos
colocar a operadora... não podemos dizer assim vamos ter que sair
porque a operadora quer que a gente saia. A gente não pode falar isso. A
gente tem que preservar o nosso maior cliente que são eles. A operadora.
Mas na verdade a gente tem que mediar essa situação, porque a gente
tem que explicar, a gente tem que conscientizar desde que a gente avalia
esse paciente, a gente tem que conscientizar a família que o ente querido
dele ficou sequelado de repente, com uma limitação, que ele vai ter que
conviver com aquilo para o resto da vida. A família vai ter que mudar a
sua estrutura familiar, a família vai ter que cuidar daquela pessoa e, que
nós vamos entrar no momento para ajudá-los, para devolver o paciente
em condições da família seguir em frente. As famílias, geralmente, não
querem cuidar. (...) A definição de um período de atendimento. Isso
também é muito complicado porque eu não tenho bola de cristal para
ficar prevendo que eu vou fechar uma traqueosrostomia em um mês.
Depende de N coisas para eu conseguir isso. Posso até conseguir, mas
depende de como vai ser a trajetória daquele paciente e eu não sei. Eu
não conheço ele ainda.“ (Gerente de Assistência de Enfermagem)
As orientações fornecidas pelos profissionais da assistência são consideradas
preventivas, juntamente com as orientações aos familiares sobre a lida com o beneficiário.
Atribuições dos profissionais.
149
As atribuições dos profissionais estão obviamente relacionadas às suas
competências. Entretanto os psicólogos e assistentes sociais, parecem atuarem em situações
diversas como avaliação de satisfação do beneficiário e sua família, monitoramento de
indicadores, e também quando são pontuados, no caso do psicólogo, fatores emocionais
interferindo na recuperação do beneficiário. A atuação em crises no contexto da internação
domiciliar, envolvendo todos os atores, não parece ser um alvo muito claro de intervenção
do psicólogo, tampouco do assistente social, cujo objeto de intervenção, neste cenário, não
é de fácil compreensão por parte dos produtores de assistência domiciliar, a despeito dos
conflitos possíveis na triangulação entre prestadores de assistência, família e operadora.
Rotina de visitas
As visitas médicas pela empresa prestadora são mais freqüentes no início do
cuidado, pelo menos uma vez por semana, e vão diminuindo conforme o estado de saúde do
beneficiário vai tornando-se mais estável, salvo alguma intercorrência. O profissional de
enfermagem também faz visitas uma vez por semana, e pode chegar a uma visita a cada 15
dias, também de acordo com o estado de saúde do beneficiário. Os demais profissionais
visitam o beneficiário, enquanto houver necessidade dos procedimentos de sua competência
e em número de vezes capaz de satisfazer as condições de saúde do beneficiário. A equipe
de visitadores é dividida por área geográfica.
Vínculo / responsabilização
Cabe ao médico assistente do beneficiário acompanhar seu estado de saúde também
no domicílio, mantendo-se sempre informado e em contato com a empresa prestadora. No
150
entanto, nem todos aceitam acompanhar o beneficiário em seu domicílio. Quando isso
ocorre, a família pode indicar outro médico assistente de sua preferência ou esse
acompanhamento poderá ser feito pelo médico da empresa prestadora contratada pela
operadora. A modalidade de seguradora garante maior autonomia aos familiares e ao
beneficiário pela escolha de seu médico assistente, mas, segundo o gestor da prestadora,
ainda assim é mais comum que o acompanhamento seja feito pelo médico da empresa
prestadora. Os procedimentos tomados para a manutenção do médico assistente na
condução do caso, além de ser ético, diminui as resistências do médico quanto a
transferência do beneficiário para o domicílio por temer a subtração de um paciente em sua
clínica.
“Nós sempre buscamos manter o médico assistente como médico
responsável pelo doente, mesmo que ele vá para casa. Isso é uma questão
ética que a gente não abre mão. O que a gente vem notando e isso é uma
coisa que a gente vem notando não só aqui no Rio de Janeiro como em
vários locais, que o médico normalmente pede para que nós, pelo menos
a parte mais braçal, as visitas, o acompanhamento domiciliar sejam
feitas por pessoas da nossa equipe. Então, ainda que em alguns casos ele
continue pelo menos como responsável, responsável no sentido de você
estar monitorando, você estar informando o médico periodicamente da
evolução do doente, em alguns casos a gente assume essa parte braçal de
fazer as visitas tudo isso, ou em outros casos ele diz, olha, eu não tenho
tempo de fazer visita em casa e eu queria que vocês fizessem.” (Gestor da
prestadora)
151
O conceito de vínculo para alguns dos entrevistados está atrelado ao longo
tempo de contato dos executores de cuidado com o beneficiário e sua família, reiterando a
literatura sobre o assunto que versa, entre outras coisas, sobre a necessidade de
longitudinalidade para o estabelecimento de vínculo.
De acordo com o Gerente de Assistência de enfermagem, o vínculo do beneficiário
e da família é observado com maior intensidade com o técnico de enfermagem que
permanece na residência por longos períodos, à despeito de serem rodiziados
eventualmente “para não criar vícios”. Além deles os profissionais visitadores,
especialmente os enfermeiros, também são de grande importância para a formação do
vínculo, pois ficam responsáveis por todo o período de internação e são trocados apenas em
situações especiais, em geral por desvincularem-se da empresa.
“Ele tem maior vínculo com o técnico de enfermagem porque é o
que fica maior tempo junto com ele. (...) E o técnico é o que faz o maior
vínculo com a família. Geralmente é com as pessoas que visitam, que é o
técnico, o supervisor que vai lá, é o fisioterapeuta, é o médico que
visita...” (Gerente de Assistência de Enfermagem)
Os gestores, tanto da operadora quanto da prestadora referem também o vínculo
institucional dos beneficiários e familiares com a seguradora.
A questão de haver um acordo de trabalho dos profissionais executores da
assistência com a empresa prestadora de serviços através de contratação de empresas
152
terceirizadas para prestação de serviço ou de pessoa jurídica, segundo a Gerente de
Assistência de Enfermagem, não interfere na qualidade da assistência, pois a
responsabilidade jurídica e moral permanece da empresa de “Home Care”.
“A terceirização ela acontece, mas a nossa responsabilidade
continua. (...)Tem uma supervisão desse serviço. De trabalhar e
acompanhar esse resultado. Para ir desenvolvendo essa pessoas.”
(Gerente de Assistência de Enfermagem)
Vantagens Referidas.
O gestor da operadora cita como vantagens da internação domiciliar a redução 40%
do custo global do seguro em relação a uma internação em ambiente hospitalar; a oferta de
um serviço de melhor qualidade ao beneficiário, a recuperação mais rápida do mesmo,
melhor orientação da família quanto ao tratamento, menor número de consultas em prontosocorros e menor número de utilização do próprio seguro saúde.
“...porque a gente já comparou a mesma patologia, na mesma
faixa etária, num ambiente hospitalar e no ambiente domiciliar. E a
recuperação, o progresso do paciente é infinitamente melhor em casa.
(...) Olha, a redução de custo, eu vou te dizer, no primeiro ano é de 40%
o custo da internação domiciliar. Quer dizer, do custo global do seguro.
Não é só da internação hospitalar não. Por aquilo que eu te disse. A
família é bem treinada, a família começa a conhecer melhor a doença
porque ela está lá no dia a dia sabendo tudo o que está acontecendo, ela
153
entende melhor a importância da medicação. É um doente que não
abandona o tratamento. Então, nos primeiros 12 meses a diminuição do
custo é assim fantástica.” (Gestor da Operadora)
Para o gestor da prestadora, as vantagens observadas são o redimensionamento da
rede hospitalar, a vantagem econômico-financeira, o retorno do paciente para o ambiente
familiar, o impacto positivo na recuperação dos doentes e ao fato de estarem menos sujeitos
a complicações iatrogênicas.
“ Eu me lembro de um doente que estava desesperado para voltar
para casa e voltou para casa e o que ele queria era comer uma comida
que a mulher dele... só que ele estava com uma sonda e, a mulher fez a
comida, triturou no liquidificador, passou pela sonda. Ele não estava
sentindo gosto de nada, mas ele estava maravilhado. Isso tem um impacto
positivo na recuperação dos doentes que é uma coisa já documentada dos
tempos bíblicos, quer dizer, as feridas dos vencedores sempre
cicatrizavam mais rápido que as feridas dos vencidos, então para o lado
psicológico isso é muito importante, a principal vantagem.” (Gestor da
Prestadora)
O Gerente de assistência de enfermagem aponta como vantagens o fato do
beneficiário estar em casa garantir maior autonomia do mesmo no convívio familiar,
melhor recuperação do estado de saúde, a diminuição de infecções e escaras, a diminuição
154
das intercorrências médicas, o aumento do tempo de vida, uma melhor relação custobenefício e uma maior disponibilidade de leitos nos hospitais.
Perfil do Profissional para a Assistência Domiciliar.
O Gerente de Assistência de Enfermagem é categórico em dizer que o profissional
para atuar em assistência domiciliar necessita de capacitação e principalmente perfil para
lidar com as adversidades que envolvem essa modalidade assistencial.
“As pessoas para trabalharem no “home care” tem que ter perfil,
assim como no hospital, tem que ter perfil para trabalhar em CTI, em
centro cirúrgico, não são todos que se adaptam, todos precisam ser
treinados, capacitados para trabalhar com “home care”. Não é um bico,
de jeito nenhum, não pode ser encarado como um bico. É uma nova
modalidade com muita oportunidade para toda equipe multiprofissional.
E acho que é bom para todo mundo. É bom para o paciente, é bom para o
médico, é bom para as operadoras, é bom para os hospitais e é bom para
a gente que é o nosso enfoque.” (Gerente de Assistência de Enfermagem)
“(...) exige perfil das pessoas que vêm trabalhar, exige
treinamento, exige que a pessoa esteja disposta a atender todos os dias.
O enfoque é outro. O enfoque não é mais um enfoque curativo, não é um
enfoque voltado para o paciente só. O enfoque está na família, onde este
paciente está enquadrado, onde ele pertence e isso dá uma gama de
155
adversidades que a gente tem que lidar no dia-a-dia muito grande que
exige um envolvimento muito grande e bem diferente daquilo que você
tem no hospital, que você, mesmo que você esteja de rotina no hospital,
você vai lá você resolve aquela rotina e você vai embora e ficam outras
pessoas resolvendo. Aqui você não se envolve só no problema do
paciente. Na medida em que você bota o pé dentro de casa, você começa
a participar daquela dinâmica daquela família. De todas as suas
características, de toda a sua doença familiar.” (Gerente de Assistência
de Enfermagem)
Conflitos.
Os fatores que geram maior conflito nesta modalidade de assistência domiciliar,
narrado com unanimidade pelos gestores, é a relação com a família. No hospital, tanto o
beneficiário quanto a sua família, se submetem às regras de uma instituição, regras estas
que “protegem” os executores da assistência mantendo-os dentro de uma lógica de
organização de trabalho onde eles detém o saber sobre a assistência, sobre o cuidado mais
adequado ao paciente.
Na residência, os técnicos se submetem às regras do lar e lidam com o saber da
família sobre o cuidado mais adequado. Suas ações são supervisionadas pela família, o
processo de trabalho é atravessado pelas normas do lar. A família, muitas vezes, exige a
troca de técnicos baseada em estética, a despeito da ética. Assim, convivem com
preconceitos, descriminações, abuso de poder, assédios morais e sexuais, precariedade de
condições trabalhistas como ausência de cadeira confortável para o técnico de enfermagem
156
sentar-se, o não fornecimento de alimentação, exigência para o desempenho de tarefas
domésticas, entre outras coisas. Essa, segundo os gestores entrevistados é uma realidade
mais freqüente entre as famílias mais abastadas.
Os técnicos de enfermagem e demais visitadores são freqüentemente treinados para
lidar com regras de convivência no ambiente domiciliar. Mas, gerir o processo de trabalho,
muitas vezes passa a ser uma tarefa calcada em singularidades, já que cada família tem a
sua peculiaridade. No caso de famílias que não oferecem alimentação aos técnicos de
enfermagem, por exemplo, as escalas de trabalho são manejadas de modo que o técnico não
saia de um trabalho direto para o outro, pois precisam passar em suas residências e preparar
suas marmitas.
“(...) quando o doente vai para o hospital ele passa a ser um
hóspede do hospital, passa a ter que se adequar as regras do hospital, a
comida é servida no horário do hospital, as visitas... em casa nós é que
somos os hóspedes do doente e da sua família. Somos nós que precisamos
nos adequar as regras da casa. Isto é uma diferença brutal, de coisas
tipo, nós tínhamos uma doente que era parente de um político famoso,
extremamente direitista que, na época da eleição, e, o Sr votou em quem,
heim? Eu votei no PT. Vai embora, eu não quero ninguém do PT aqui. É
isso, então você tem desde o que fala eu não quero auxiliar gordo porque
a minha cadeira... tinha outro dia uma senhora que, mas a minha cadeira
é muito frágil, custou uma fortuna, me manda outra pessoa. Então tem
todas essas características, você tem que buscar seguir no máximo do
possível, sem abrir mão de alguns preceitos básicos, você tem que
157
adequar as demandas da família e, cada família é uma família diferente,
cada família tem uma demanda, é um negócio de louco.” (Gestor da
Prestadora)
“Porque também tem as exigências, é aquilo que eu te falei, tem
que ser homem, não pode ser negro, não pode ser gordo, às vezes não
pode ser uma técnica bonitinha porque a mulher tem ciúme do marido, às
vezes tem adolescente em casa, então tem essas características todas, é
uma loucura!” (Gerente de Assistência de Enfermagem)
O coordenador de assistência de enfermagem revela um dado importante do
stress da família, que precisa se adaptar a uma nova condição de saúde de um “ente
querido”. Aponta também para o adoecimento psíquico das famílias, cada uma com a sua
peculiaridade. Por este motivo é de grande importância a avaliação prévia das famílias com
o intuito de verificar as condições estruturais, sociais e principalmente psíquicas para que
esses fatores que não venham interferir negativamente no cuidado e recuperação do
beneficiário.
Entretanto, nem sempre a avaliação é garantia de sucesso, uma vez que muitas
famílias aceitam todas as condições no ato do processo de avaliação e acordos pelo desejo
de saírem do ambiente hospitalar, mas não sustentam os acordos por muito tempo.
“(...) as famílias, quando estão num hospital elas querem muito ir
para casa. E lá elas se mostram com uma faceta. Quando chega em casa,
158
o jogo, muitas vezes inverte todo. Você combina tudo com a família e
quando você chega em casa não é nada daquilo, Ah, eu não sabia disso!
E aí, Ah não, não me falaram.” (Gerente de Assistência de Enfermagem)
A dinâmica familiar pode ser muito alterada, por exemplo, se adoece o único
membro da família que trabalhava, a crise pode ser temporária que demanda adaptação,
mas também pode ser uma situação crônica. Algumas famílias possuem em seu núcleo
pacientes psiquiátricos.
“O grande desafio da internação domiciliar é você lidar com as
famílias. As famílias são muito doentes, já chegam para a gente
esporiados, porque já passaram muito tempo no hospital, já passaram
por todos os problemas que tem no hospital, de iatrogenias que muitas
vezes tem, descaso, já vem assim, já não tem mais paciência com nada e
já está achando que a empresa vai passar a perna nele. Então já vem
assim, não aceitando nada, não querendo... querendo exigir. Agora eu
quero tudo! E, para a gente é muito difícil porque a gente não tem o
respaldo da instituição, não temos a proteção da instituição como a gente
tem no hospital. No hospital a gente está protegido. E ele tem normas,
você tem regras de funcionamento e quem escolhe o hospital é o cliente, é
o paciente. Então, quando ele chega lá, o paciente e a família, ele aceita
as normas que tem lá. Se ele não aceitar ele vai ser convidado a se
retirar. No “home care”, na internação domiciliar nós é que vamos para
a casa do paciente. A instituição passa a ser a casa do paciente”
(Coordenador de assistência de enfermagem)
159
“E tentar o mais cedo possível identificar o perfil dessa família.
Porque a gente acaba se envolvendo em questões que não são nossas. A
gente não pode virar as costas. Imagine as piores coisas que acontecem,
a gente está vivendo lá na família. Racismo, assédio sexual, usuário de
droga, brigas entre pai e filho, tudo, tudo o que você pode pensar de
escórias que existem nas famílias, a gente está lidando, a gente não tem
como escolher isso.” (Coordenador de assistência de enfermagem)
“Mas já viu que não dá para entrar com um paciente sem ter uma
estrutura domiciliar favorável. Estrutura que eu digo, não só física, mas
estrutura familiar mesmo. Até porque nós também seremos penalizados
pela operadora se não conseguirmos cumprir os nossos objetivos (...)
porque a gente tem casos que o paciente é espancado pelo familiar.
Então, a gente, embora isso não seja garantia, mas a gente tenta o
máximo não entrar numa furada dessa. Porque tem pacientes que não
têm condições de estar indo para casa por falta de condições favoráveis
da própria família.” (Gerente de Assistência de Enfermagem)
A tensão entre operadora e prestadora de serviços domiciliares em relação aos
critérios de elegibilidade e alta (desmame) é um fator de insatisfações, no entanto, a
prestadora, como já foi mencionado acima, defende os interesses da sua cliente, ou seja, da
operadora contratante.
Outro fator de insatisfação, também já mencionado, é a morosidade das ações da
operadora. Os gerentes da prestadora julgam seus processos muito burocráticos e acham
160
que a solução para isso é a operadora relacionar-se com a prestadora imbuída de um
vínculo de maior confiança.
Algumas dificuldades são relatadas também em relação às famílias que muitas vezes
não aceitam a perda de seu parente e questionam um possível prolongamento de sua vida se
estivesse em ambiente hospitalar. São casos também para serem tratados de maneira
singularizada.
Vínculo Trabalhista.
O contrato com os profissionais executores da assistência domiciliária é feito, salvo
algumas exceções de coordenadores e supervisores técnicos que são vinculados à própria
empresa de “home care” prestadora, através da contratação de empresas terceirizadas de
serviços e de contratação de pessoas jurídicas.
Essa é uma característica que demanda maior estudo no que diz respeito à eficácia
da assistência, já que em relação a otimização da gestão e ao custo apresentam vantagens.
Regulamentação.
A empresa prestadora, na fala de seus gestores, faz alusão à necessidade de uma
regulamentação da modalidade de assistência domiciliária pela Agencia Nacional de Saúde
Suplementar (ANS). Acreditam, seus gestores, que alguns conflitos podem ser amenizados,
os processos de trabalho bem como os custos, otimizados e, os pacientes e suas famílias
beneficiados com as vantagens dessa modalidade de assistência.
161
“A gente tem muito para evoluir ainda. Acho que uma das coisas
que dificulta muito a operação da assistência domiciliar é a falta de
regulamentação. É muito difícil se criar normas e rotinas quando a gente
está submetido ao modo de fazer de cada um [das operadoras] (...)Cada
um dá as regras do jogo. Isso torna muito difícil o nosso trabalho. A falta
de regulamentação na área é muito grande e até a forma de entendimento
mesmo de que isso é uma nova modalidade que não é em hipótese alguma
igual ao hospital.” (Gerente de Assistência de Enfermagem)
“(...) a ausência de regulamentação é uma das responsáveis por
uma série de problemas que acontecem dentro do âmbito da atenção
domiciliar. Aí eu estou falando de liminares, de doentes que acham que
merecem, que precisam continuar e a operadora diz que não precisa
continuar e, na maioria das vezes, 99,9% das vezes a operadora está
coberta de razão. O que a gente vê é o doente querer ter o conforto de
alguém tratando de um velhinho, um paciente com algumas necessidades
que são perfeitamente passíveis de serem supridas pela própria família.
Agora, no momento em que não existe regra, quer dizer, cada um faz a
sua regra, cada um quer fazer a sua regra. Infelizmente o nosso poder
judiciário não é dos poderes mais justos no que diz respeito às questões
legais mesmo. O contrato diz não dá cobertura para AIDS, aí vem o juiz e
diz, não tá escrito aqui, mas tem que dar cobertura para AIDS. São umas
coisas meio malucas. Mas de qualquer forma eu acho que a ausência de
162
regras é uma coisa complicada. Num sistema que oferece cobertura à
saúde 365 por ano, a questão da atenção domiciliar tem que ser
repensada de uma outra forma. (...) Acho que a atenção domiciliar deve
ser implantada a nível da Saúde Suplementar. Já está implantada em
nível de SUS. Não tem sentido você não ter isso na assistência privada.
Questões de ordem técnicas já foram bem dimensionadas, bem
equacionadas pela Anvisa, com a RDC nº 11. Quer dizer, do ponto de
vista estrutural tudo está mais ou menos preparado. Agora só falta de
que forma isso vai ser feito. (...) e na minha opinião, se você tiver os
critérios bem definidos você não vai ter... hoje você tem um caso tão
absurdo de um doente que está num hospital e pede uma liminar para o
juiz porque ele quer ir para casa [e] o cara já sai do hospital com uma
liminar para ser atendido em casa, o que é uma das coisas mais fora de
propósito que existem, mas eu volto a dizer, um dos grandes culpados, é a
ausência de regras..” (Gestor da prestadora)
A Internação Domiciliar Pela Ótica do Usuário / Cuidador Familiar.
Considerando que o beneficiário, alvo de nosso estudo, apresenta seqüelas de um
AVC que inviabilizam a comunicação verbal, a entrevista foi feita com a familiar
responsável por ele e cuidadora, cujo grau de parentesco é de esposa.
163
A modalidade de internação domiciliar foi apresentada à família pela neurologista
do hospital, provavelmente através da auditora, que identificou tratar-se de um paciente
propício para essa modalidade assistencial. A equipe da empresa prestadora explicou todas
as vantagens e funcionamento da internação domiciliar conforme a rotina estabelecida para
esse contato.
Inicialmente, a familiar temeu uma piora do quadro por não acreditar ser o
domicilio um ambiente mais adequado para a assistência ao seu marido, além de considerar
que orifícios abertos deviam ser tratados em hospital. A neurologista, segundo ela, teve um
papel fundamental em explicar-lhe que os riscos de infecção eram maiores no ambiente
hospitalar do que em casa.
“Eu no início fiquei um pouco temerosa de assumir, porque eu
não
conseguia
me
imaginar
convivendo
com
uma
pessoa...
principalmente porque ele está com isso aqui... traqueo, gastro, que hoje
em dia eu encaro com naturalidade, mas no início eu achava um absurdo
uma pessoa sair do hospital com orifícios abertos e vir para dentro de
casa que tem poeira, tem ? Caramba, imagina? Muito pior, mas não. Aí
ela, não, a parte de casa, as bactérias que tem dentro da nossa casa
fazem muito menos mal do que as bactérias do hospital. Enfim, ela me
explicou tudo e me convenceu a vir para a casa.” (Familiar)
Após a familiar aceitar o benefício proposto, houve um primeiro momento de
estranhamento quando a enfermeira sugeriu a identificação de um cômodo exclusivo para
localizar o beneficiário em sua casa. A familiar, neste momento disse que se era para ele
164
ficar em casa, ficaria nas condições em que sempre ficou, ou seja, no quarto do casal. Isso
gerou uma peculiaridade na escala noturna dos técnicos de enfermagem, devendo ser
sempre do sexo feminino, para não haver constrangimentos com a esposa. Desse modo,
permanecem no quarto, o beneficiário, em cama hospitalar, a esposa, em sua própria cama e
duas técnicas de enfermagem do sexo feminino que revesam-se entre o sono, em um
colchonete, e ao cuidado com o beneficiário.
“Eu vou dormir com ele, ao lado dele, não na cama logicamente,
mas eu preciso que ele fique no ambiente dele. Dentro do quarto dele,
como se nada tivesse acontecido. A única diferença é que ele está numa
cama e eu estou noutra e ele está nesse estado, mas o carinho, a atenção,
o ambiente dele, o cantinho dele eu faço questão que seja preservado.”
(Familiar)
A própria familiar exigiu que os técnicos de enfermagem diurno fossem do sexo
masculino por causa do trabalho mais pesado de dar banho, manipular o beneficiário
algumas vezes para “descansar o pulmão”. E assim a escala dos técnicos permanece até
hoje.
Todas as medidas relativas ao cuidado, aos insumos, as necessidades de um modo
geral são providas pela empresa prestadora. Apenas os materiais de higiene são providos
pela família. O contato da familiar é freqüente e mais estreito com a enfermeira visitadora e
responsável pelo cuidado com o beneficiário.
165
A familiar recebe telefonemas periódicos da psicóloga que verifica sua satisfação
com a assistência prestada e identifica possíveis necessidades.
O beneficiário está há 7 anos em internação domiciliar e jamais demandou uma reinternação hospitalar. Esta modalidade de assistência permitiu uma redução na freqüência
de infecções urinárias e pulmonares. A prescrição medicamentosa permanece a mesma
desde o início. Apenas uma vez em todo esse tempo foi necessária a saída do beneficiário
de sua residência para realizar uma tomografia. Essa saída foi providenciada e
acompanhada pela equipe da prestadora.
A esposa refere que o estado psicológico de beneficiário melhorou muito após sua
transferência para casa.
“No início ele chorava muito, ficou depressivo. Então tinha todo
aquele trabalho de chegar perto dele e conversar muito. E a gente em
casa, quando ele veio para cá, ele melhorou muito. (...) Mas essa
mudança que ele teve no comportamento dele, eu acho que, independente
do remédio [Rivotril], que lógico que ajuda muito, eu acho que o que
ajudou mais foi a volta para a residência. É ele está em casa com a
família, tendo carinho, tendo atenção, confiança nos técnicos que estão
com ele.” (Familiar)
Identifica como grande vantagem da internação domiciliar o bem-estar do paciente e
as facilidades e conforto para a família, à despeito de uma certa ausência de privacidade no
166
lar, por conta da presença sistemática dos técnicos de enfermagem. Hoje, diz que não
consegue imaginar o seu marido internado em um hospital.
“Hoje em dia eu já não conseguiria aceitar ele dentro de um
hospital. Quer dizer penso completamente ao contrário do que eu
pensava. Eu acho que a internação domiciliar para mim foi a melhor
coisa que puderam fazer. Assim, criar para o doente e para a família do
doente. (...) A minha opinião é a seguinte, se ele estivesse em um hospital
eu tenho minhas dúvidas se ele estaria tão bem como ele está hoje.
Clinicamente. Então eu acho que para ele foi a melhor coisa e é para
qualquer doente, no estado dele ou similar, que possa acontecer. É estar
dentro de casa. Perto das pessoas dele, da família dele. Logicamente com
o aparato de enfermagem, porque a gente é leigo e não entende nada
como tratar dele.” (Familiar)
“... mas a única coisa que assim, sai um pouco da nossa rotina é
que a gente passa a não ter privacidade dentro de casa. Queira ou não
queira você passa a ter sempre uma pessoa estranha transitando dentro
da sua casa. Que passa a se tornar uma pessoa, com o tempo, até amiga,
mas não é uma pessoa da família, não é uma pessoa... é uma pessoa
estranha. Então a gente fica sem privacidade. Eu por exemplo, no meu
quarto eu só durmo no meu quarto e acabou. Eu não posso trocar uma
roupa, eu não posso me ajeitar dentro do meu quarto. Acabou isso tudo.
Ao levantar eu tenho que me compor direitinho, a gente não pode chegar
e levantar à vontade como se você estivesse sozinha com o marido dentro
167
de casa. Ou seja, é a privacidade, é a única coisa que eu acho que a
gente tem que acho um pouco difícil de ir se enquadrando, mas não
chega a ser um problema, para mim não chega a ser um problema. Eu já
me habituei a isso.” (Familiar)
No princípio as visitas médicas e de enfermagem eram semanais, hoje, o médico é
acionado se houver necessidade e a enfermagem visita o beneficiário a cada 15 dias,
considerando a estabilização do estado de saúde do beneficiário. Ele recebe cuidados de
fisioterapia diariamente e recebe a visita do supervisor semanalmente.
Um dado interessante foi o relato de que o beneficiário, apesar de sua afasia e
lucidez questionada consegue expressar insatisfação quando, por algum motivo, seja por
folga ou revezamento, o técnico de enfermagem com o qual ele está acostumado é
substituído. O beneficiário, nesta situação, apresenta os índices de pressão arterial e sono
alterados.
“... você vê, ele não fala, ele tem uma lucidez como eu te falei,
parcial, eu acredito, mas toda a vez que um técnico, que já está
acostumado com ele, que vem sempre se ausenta, por uma folga e que
vem um folguista, ele sente. A pressão sobe, ele não dorme direito. (...)
Eu tenho que ficar indo para o lado dele para ele ver que eu estou ali,
para passar confiança nele.” (Familiar)
168
A relação da familiar com a Operadora, no momento é nenhuma. Após alguns anos
de internação domiciliar com atenção 24 horas por técnico de enfermagem, a operadora
entendeu que devia suprimir parte desse cuidado até delegar o cuidado para a familiar. No
entanto, o fato dele permanecer traqueostomizado e gastrostomizado a lida não é simples e
a familiar contestou essa atitude da operadora, com a anuência do médico assistente da
empresa prestadora que também entendeu tratar-se de um paciente com demanda para
cuidados técnicos de 24 horas. A operadora foi irredutível na atitude e a familiar entrou na
justiça e obteve inicialmente uma liminar obrigando a operadora a permanecer com a
assistência 24 horas e posteriormente obteve causa ganha após julgamento do processo.
“... porque ele é um paciente que, se à noite ele tiver um mal
súbito, passar mal, ele não pode chamar ninguém. Se passar mal, vem a
acontecer alguma coisa, e aí? Todo mundo dormindo... Fora que ele tem
traqueostomia, que o técnico é que tem que cuidar. Tem gastrostomia,
que é uma coisa também técnica e que uma pessoa leiga não sabe mexer
e nem deve, eu acho. É uma questão até de causar até infecções e tudo o
mais. Então o médico não concordou com essa parte do Bradesco. Houve
ainda no decorrer desse período, houve um problema que eu tive que
inclusive colocar a justiça no meio porque [a operadora] ficou
pressionando querendo reduzir a enfermagem, eu botei na justiça e esse
processo durou 3 anos e o juiz me deu causa ganha. Então agora ele tem
24 horas de enfermagem permanente, definitivo enquanto for
necessário.” (Familiar)
169
A operadora que fazia visitas sistemáticas ao beneficiário, deixou de fazê-las por
impedimento da familiar, uma vez que seu advogado orientou-a aguardar o julgamento para
receber a operadora. Porém, mesmo após o julgamento, com ganho de causa para a
familiar, a operadora não mais se manifestou embora permaneça cumprindo sua
designação.
A satisfação da familiar com a assistência dispensada pela empresa prestadora é
total. Tanto que demonstra interesse em tornar público um movimento pessoal pela
regulamentação da internação domiciliar pela ANS, alegando inclusive a redução de custo
para a operadora.
“Eu estou inteiramente satisfeita com o atendimento. Em todos os
sentidos. A gente as vezes tem probleminha de técnicos que entram e
saem por algum motivo, de imediato eles substituem, se a família não
gosta do técnico por algum motivo, eles de imediato trocam, então eles
sempre estão fazendo o possível para agradar e fazer o melhor. Então
não tenho queixa de nada não.” (Familiar)
“Se tivesse alguma forma de dar minha opinião publicamente, no
sentido de regulamentar isso no plano de saúde, eu seria a primeira a
encabeçar isso. Eu acho que os planos de saúde devem sim... até porque
a despesa é menor. (...) ...sou totalmente favorável a isso tudo e eu acho
que a regulamentação deveria sim acontecer. Em prol dos doentes que eu
acho que merecem. Eu acho que é o que eu te falei, se ele não tivesse esse
aparato todo da enfermagem, os cuidados, a hidratação de pele... são
sete anos deitado, sem movimento, se ele estivesse em um hospital já
170
tinha... todo ferido, porque não é questão de negligência, é que lá eles
cuidam de muita gente ao mesmo tempo. Então não tem como. Aqui não,
ele tem os técnicos exclusivos dele que estão ali o tempo inteiro
cuidando. Então isso para ele é tudo. Eu acho que os doentes merecem
isso, entendeu? As pessoas pagam o plano de saúde caro, e, na hora que
precisam tem que ter um retorno. Tem pessoas que chegam e só usam e
vão lá no consultório e fazem um examezinho de rotina, vem para a casa
e tudo certo. Infelizmente acontecem coisas desse tipo, como é o caso
dele, teve um AVC e está há sete anos em uma cama.” (Familiar)
171
Conclusões.
Esse estudo pôde demonstrar, em termos gerais, que a implantação e implementação
de um recurso substitutivo à assistência hospitalar tradicional - a assistência domiciliar ainda que motivada exclusivamente por questões atuariais, pode apresentar diferenças na
assistência à saúde, resignificar as relações de produção no setor. Isto, por considerar que
em todo sentido, os sujeitos trabalhadores, individuais e coletivos, são os que
independentemente das intenções gerais postas sobre o programa, operam seu processo de
trabalho de modo singular e é nessa singularidade e no encontro entre si e os usuários que
significam os atos de cuidado. Afora que a saúde como um todo, vem buscando alternativas
tecnoassistenciais que propiciem uma assistência mais humanizada e integralizada, com
otimização dos recursos disponíveis, inclusive os financeiros.
A nomenclatura utilizada pela operadora para caracterizar a assistência - internação
domiciliar – diz muito sobre uma atenção ainda atrelada a hospitalizações, e processos
produtivos centrados nos procedimentos. Associado a isso, a dinâmica da assistência é
hierarquizada, onde o profissional médico detém o maior poder, desfavorecendo a
interdisciplinaridade na tomada de decisões relativas ao cuidado. Isso também é
demonstrado no fato dos entrevistados não mencionarem no perfil ideal de profissionais
para a assistência domiciliar, o desejo e facilidade dos profissionais aspirantes a essa
modalidade assistencial, em lidar com equipes multidisciplinares.
Por outro lado, a especificidade do estado de saúde dos beneficiários e,
principalmente do lócus de atenção, o ambiente familiar, impõem à equipe executora do
cuidado, uma avaliação mais singularizada das necessidades e possibilidades na atenção. A
reflexão entre a norma e a necessidade do beneficiário e da família passa a imperar a
172
dinâmica do cuidado. Essa dinâmica é muito favorecida pelas tensões geradas em um
convívio em que o saber técnico científico, baseado em procedimentos objetivos, esbarra
com o saber empírico e poder das famílias e, em decorrência com a necessidade de insurgir
tecnologias mais subjetivas e relacionais para prover o cuidado. Esse é um bom exemplo de
reconfiguração de políticas, gestão e de práticas incitadas pela maior participação do
beneficiário e seus familiares na condução e decisões do cuidado em saúde.
No entanto, a maior participação do beneficiário e seus familiares na condução e
decisões do cuidado em saúde é limitada pela pressão da operadora sobre a prestadora no
sentido de delegar o quanto antes as responsabilidades do cuidado para a família. A
empresa prestadora defende os direitos da operadora, ainda que discorde de suas decisões.
O beneficiário, cuja família tenha maior autonomia e capacidade de se insurgir contra uma
decisão que não lhe favorece possui chance de revogar essas decisões através do apoio
judicial. Já as famílias mais conformadas aceitam pacificamente as decisões ainda que lhe
cause grandes dificuldades.
Com a observação acima mencionada, uma questão que se coloca, é a necessidade
de ampliar o leque de conhecimentos sobre direitos na saúde suplementar. Além disso, o
estabelecimento de critérios mínimos para definir o momento mais adequado para suprimir
o cuidado de terceiros ao beneficiário é de suma importância para garantir uma atenção
mais equânime.
Foi muito significativo o exemplo fornecido pela familiar entrevistada sobre a
manifestação de insatisfação do beneficiário com a substituição temporária ou não do
técnico de enfermagem com o qual ele está habituado diariamente. Considerando a
dificuldade de comunicação verbal ou por sinais, o beneficiário apresenta sintomas
173
(aumento da pressão arterial e dificuldade em conciliar o sono) característicos de quem
sofre algum tipo de ansiedade, ou temor.
Isso demonstra que a despeito de uma gestão de serviços calcadas em
procedimentos, a despeito das tensões entre operadora e prestadora, das dificuldades de
manifestação verbal de sentimentos por parte do beneficiário, foi possível estabelecer um
vínculo de confiança forte entre o cuidador e o sujeito cuidado. Ou seja, a atenção
humanizada foi possível e está intrinsecamente relacionada ao modo de fazer do
profissional que o acompanha.
Não cabe relacionar motivos para que isso ocorra, por remeter a um outro estudo
essencial para investigar as minúcias que levam a esse diferencial que é a atenção
humanizada baseada numa tecnologia relacional. Seria o relacionamento terapêutico entre
os sujeitos cuidador e usuário, favorecido pelo tempo maior que o técnico de enfermagem
dispõe para o cuidado de um paciente?
Os gestores tanto da operadora quanto da prestadora, informam que o vínculo do
beneficiário e sua família se faz com o técnico de enfermagem, por ser este, o profissional
que permanece por longo período no cuidado e no convívio com a família. No entanto,
alegam que para não “criar vícios” os técnicos são rodiziados periodicamente. Há, portanto,
uma incongruência já que o cuidado mais adequado e de qualidade é um dos diferenciais
argumentados para defender a assistência domiciliar, pelos gestores. Neste caso, o
estabelecimento de vínculo de confiança que é um fator positivo para a recuperação do
beneficiário é também um fator negativo para a gestão da empresa que sofre pressão para
prover o “desmame” dos técnicos de enfermagem e incumbir a família dos cuidados
necessários.
174
A avaliação de qualidade da assistência, que é feita pela operadora periodicamente,
se realiza somente através de mecanismos relacionados à hospitalização, diagnósticos e
procedimentos. Os indicadores utilizados são: taxa de escaras nos beneficiários, taxa de rehospitalizações, taxa de quedas do leito.
Existe ainda muitas dimensões a serem observadas nessa nova modalidade
assistencial, no entanto, o estudo é conclusivo na capacidade da assistência domiciliar em
favorecer a resignificação do cuidado e do processo de trabalho que o envolve, imposta
pelas tensões inerentes à relação dos profissionais com a família no ambiente doméstico.
175
Conclusões Finais da Pesquisa.
(incorpora análise em conjunto de todas operadoras pesquisadas).
Um aspecto relevante a ser registrado preliminarmente, diz respeito ao fato de que
todas as operadoras pesquisadas tomaram em algum momento a decisão de implantar seus
Programas de Assistência Domiciliar (PAD) e os mantém ao longo de muitos anos e alguns
em franca expansão. Parece uma afirmativa óbvia, mas essa constatação é importante, por
indicar que esses Programas fazem sentido para a saúde suplementar, são parte integrante
dos modelos tecnoassistenciais e sobretudo são valorizados pelas operadoras. Mesmo não
havendo uma regulamentação sobre os mesmos, as operadoras ofertam os PAD’s como um
serviço adicional ao contrato estabelecido com sua clientela, é ofertado como um benefício.
Sabendo que a principal motivação das operadoras em estabelecer os PAD’s foi o da
redução dos seus custos, é possível afirmar que ela consegue manter este objetivo, pois os
programas se encontram em franco desenvolvimento.
Tido pela operadora, por princípio como “algo mais” que a mesma oferece, além e
fora da relação contratual instituída, por outro lado, os usuários que utilizam desses
serviços não compartilham dessa idéia e trazem consigo o conceito segundo o qual o PAD
para eles é um direito. Essa concepção é o que sustenta os inúmeros recursos tanto na esfera
administrativa quanto na judicial, que os beneficiários fazem para manter a Assistência
Domiciliar, mesmo em situações em que a mesma já não se justifica, na avaliação da
operadora. Esse é o principal ponto de conflito entre usuários, familiares de usuários e a
operadora: a Alta do PAD.
176
Não sendo um produto formalmente reconhecido, e fora da relação contratual
formal, o PAD foge a qualquer tipo de regulamentação no âmbito da saúde suplementar. A
regulação existente diz respeito àquelas estabelecidas pela ANVISA e que falam
especificamente da questão sanitária. Há um contraditório importante a ser considerado, ou
seja, o Programa não existe formalmente, mas existe na vida real e opera fortemente nos
modelos de assistência concebidos pelas operadoras. Mesmo não tendo existência “legal”, é
reconhecido pelo sistema judiciário que julga processos em que os beneficiários requerem a
“continuidade” da assistência domiciliar, quando a mesma está em vias de ser suspensa, por
Alta do usuário deste serviço.
Uma primeira conclusão importante a que chegamos é de que, o fato de não haver
uma regulamentação pela ANS, produziu paradoxos no contexto dos PAD’s, quais sejam:
de um lado a sua não existência formal, mas real; a não contratualização formal, mas o
reconhecimento do PAD pelo sistema judiciário; a não regulamentação como produto, mas
a oferta em larga escala desse serviço. O desafio atual certamente é o de estabelecer uma
regulamentação dos PAD’s no sentido de instituí-los como produtos importantes a serem
ofertados, dando-lhes um caráter institucional e legal e sobretudo a regulamentação pode
proteger interesses dos beneficiários e seus familiares, como também da operadora.
Um outro aspecto relevante a se observar é o de que há uma grande diversidade nos
modelos de Programas. Essa variedade é a expressão das diferentes modalidades de
serviços que são ofertados, havendo até mesmo nomenclaturas próprias quando se referem
de forma diferenciada para programas de atenção domiciliar, mais relacionados à idéia de
que estes são substitutivos ao “atendimento ambulatorial” e programas de internação, que
177
são os que se referem à substituição do “atendimento hospitalar”. Mas embora isso ocorra,
há algumas características que são comuns a todos os modelos pesquisados, são elas:
1. Aspectos Organizacionais:
a) A infra-estrutura é exigente, sendo necessária uma sede física para abrigar
recursos materiais que são disponibilizados ao programa, operar a logística e servir de
“base operacional” para as equipes que trabalham no PAD.
b) A logística absorve grande parte dos recursos disponibilizados aos PAD’s, o que
se verifica tanto na modalidade de assistência, quando na de internação. O esforço de
logística é consumido principalmente para a mobilização de equipamentos, transporte de
pessoal, provimento de insumos aos beneficiários e sistemas de comunicação ágil entre a
equipe e desta para com os usuários e seus familiares.
c) Entre as formas de atenção e internação domiciliar, verificamos que a segunda é
mais “terceirizada”, sendo entregue a uma prestadora especializada nesse serviço por 3 das
4 operadoras pesquisadas.
c) A equipe de trabalhadores do PAD é sempre multiprofissional. Isso é um fator
importante de se observar, pois as diversas categorias profissionais participam de todas as
etapas de trabalho com o beneficiário. Na avaliação do critério de elegibilidade, na
discussão do projeto terapêutico, condução dos processos de trabalho, e a alta do
beneficiário. Isso demonstra que na Assistência Domiciliar os diversos saberes em saúde
são mais fortemente requeridos, do que na Assistência Hospitalar, por exemplo. Supõe-se
que, no hospital há um espaço mais “protegido” e “controlado”, onde os projetos
terapêuticos estão mais isolados das variáveis externas e por isso são processos
178
simplificados, em relação àqueles conduzidos em ambiente domiciliar, onde a ambiência
assume alta complexidade, com interferência de inúmeras variáveis sobre o sujeito usuário
e o projeto terapêutico em curso o que pode interferir nos resultados finais. Por exemplo,
para o ingresso e sustentabilidade de um plano terapêutico eficaz, importa aqui a avaliação
das condições sócio-econômicas do beneficiário e sua família, o aspecto cultural e das
relações intra-familiares, o espaço físico da residência e a disponibilidade de cuidador,
enfim, o aspecto clínico no sentido “stricto senso” é apenas uma das dimensões a ser
avaliada no conjunto de fatores que corroboram para a Assistência Domiciliar.
d) A singularidade é um aspecto importante a se observar, pois ela está presente em
cada caso na Assistência Domiciliar. E nesse contexto, cada situação é tratada de forma
específica, ou seja, não é possível uma produção em série, quando se fala de assistência
domiciliar.
2. Aspectos da produção do cuidado integral.
a) A micropolítica do processo de trabalho revela a ocupação de um espaço,
anteriormente dominado pela família, que é o seu domicílio, pela equipe técnica que passa a
ocupá-lo com pretensões de ordená-lo, segundo as conveniências do beneficiário, que são
prescritas por essa mesma equipe. Esse encontro é marcado por forte tensão e esta é
constitutiva do processo de trabalho da equipe e da sua relação com o beneficiário e a
família.
179
b) A origem da tensão se encontra na tentativa do saber técnico prevalecer sobre o
saber “senso-comum” da família, no que diz respeito às práticas de cuidado. Supõe-se que a
família tem um saber-fazer a priori, adquirido pelas vivências que as pessoas têm e sua
inserção no mundo da vida. O saber técnico ao chegar ao domicílio tenta “colonizar” o
ambiente, o que se faz “anulando” o saber-fazer da família e impondo sua normativa no
modo de cuidar. Esse conflito a priori pode levar a uma relação permanentemente tensa ou
ao pacto produtivo que conduz a um “cuidado cuidador” na relação com o beneficiário.
c) Nos casos estudados, essa relação é variada e não há um fator isoladamente
determinando os vetores de cuidado. Este se produz, na ação de cada profissional, na suas
atitudes, nas relações que faz com o beneficiário, a família e os outros trabalhadores da
equipe. Há atitudes de não pactuação pela equipe ou trabalhador, de interdição das
intervenções feitas pela família no projeto terapêutico, o que aumenta a tensão gerando uma
negatividade no processo, “potência de morte” no cuidado ao usuário. Por outro lado, há
trabalhador e equipe dialógicos, que pactuam os projetos, e dá fluxo às intervenções da
família, gerando positividade nas relações de cuidado, desta forma maior “potência de
vida” no projeto terapêutico encaminhado com o usuário.
Essa variação na produção do cuidado vai ser dar, por processos que são marcados
por praticas:
c.1 - tecnologicamente determinadas, quando elege as tecnologias de
cuidado preferenciais. E nesse sentido é mais interativo, dialógico e portanto, detentor de
um cuidado mais cuidador, se o processo de trabalho estiver centrado nas tecnologias mais
relacionais. Por outro lado, se estiver centrado nas tecnologias duras, com práticas
180
eminentemente prescritivas, será menos eficaz naquilo que se pretende quanto ao aspecto
do cuidado que é produzido.
c.2 – subjetivamente inscritas no processo de trabalho, que se processa por
agenciamentos que podem levar ao cuidado ou não cuidado, dependendo dos processos de
subjetivação inscritos nas relações existentes entre os diversos sujeitos implicados com o
ato de produzir o cuidado. Subjetividades solidárias vão levar a atitudes assistenciais
capazes ver no outro um sujeito pleno, com potência de por si mesmo, também produzir
saúde e cuidado e operam desta forma tecnologias mais relacionais. Por outro lado,
subjetividades capitalísticas (Rolnik e Guattari, 1999) em que os processos de cuidado vão
operar conforme as tensões exercidas pelas diversas formas de acumulação na saúde, e que
interferem decididamente na micropolítica dos processos de trabalho, tornando-os
hegemonizados pelas tecnologias duras e leve-duras, em processos terapêuticos
excessivamente prescritivos.
c.3 – institucionalmente amparadas em uma decisão ético-política da
operadora, de organizar e sustentar o funcionamento de Programas de Assistência
Domiciliar, o que significa oferecer infra-estrutura e logística compatíveis com as
necessidades operativas do PAD. Desta vez também, os recursos disponibilizados podem
ser acordados com os usuários e seus familiares. Têm-se observado que a operadora adota
certos critérios de provimento de materiais e medicamentos, que são negociados caso a
caso.
d) Podemos dizer portanto que há no interior dos processos de trabalho do PAD, um
processo de mudança das usuais práticas de cuidado. Essa mudança caracteriza uma
“reestruturação produtiva” no setor, isto é, inaugura inovadoras práticas assistenciais,
181
impacta os resultados da assistência, como foi relatado pelos diversos interlocutores
entrevistados na pesquisa.
e) Quanto à transição tecnológica, que significa ver nos Programas de Assistência
Domiciliar a substituição das usuais tecnologias de cuidado, é necessário observar se os
processos existentes:
e.1 – invertem uma hegemonia do trabalho morto para outra em que o
trabalho vivo em ato comanda o processo produtivo, no núcleo tecnológico do cuidado.
e.2 – esse processo anterior, deve estar associado a uma intencionalidade
centrada na subjetividade solidária dos trabalhadores para com os seus pares, os
beneficiários e familiares.
e.3 – a substituição das tecnologias de cuidado deve se consolidar em formas
inovadoras e perenes de condução do processo de trabalho, com base nas tecnologias leves.
f) Observado em nível da sua micropolítica, os Programas de Assistência Domiciliar
revelam substituição de práticas de cuidado existentes na relação dos trabalhadores com os
usuários, em um nível ainda residual. Verificamos que são dispositivos de uma
reestruturação produtiva, pois impacta o modo de produção do cuidado ao operar nova
modelagem dos processos de trabalho, mas a mudança se encontra no nível incipiente,
porque as lógicas econômico-financeiras, normativas, ainda atravessam fortemente os
processos de trabalho.
Os trabalhadores conseguem operar processos de trabalho diferenciados, em
conexão com linhas de “cuidado cuidador”. Podemos afirmar que os PAD’s revelam
processos assistenciais potentes no sentido da solidariedade, da eficácia, da dignidade do
182
beneficiário, dos resultados alcançados, sendo portanto experiências que trazem
positividade no contexto da saúde suplementar. Há por outro lado processos em paralelo
sendo encaminhados, por uma lógica econômica e financeira. É do encontro no conflito,
entre esses vetores de tensão, que surgem as práticas de cuidado, que vão representar os
dois campos, e por isso mesmo, só é possível verificá-las no contexto da micropolítica, que
é dinâmico e pode assumir conformações distintas, no espaço-tempo em que estiver
contextualizado o processo produtivo.
g) Como sugestão para a Agência Nacional de Saúde Suplementar, poderíamos
propor que fosse estudada a possibilidade de regulação da Assistência Domiciliar.
183
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Coordenador da Pesquisa
185
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