UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – INSTITUTO DE FÍSICA DEPARTAMENTO DE GEOFÍSICA NUCLEAR SEMESTRE: 2003.2 Notas de Aula 13 - 15 INTRODUÇÃO A MECÂNICA ESTATÍSTICA PROFESSOR: JOSÉ GARCIA VIVAS MIRANDA Aula 16 Ensemble Grande Canônico No ensemble grande canônico o formalismo se desenvolve sobre um sistema em contato com um reservatório de calor e de partícula, ou seja, com temperatura e potencial químico fixo. S q R e T constantes A parede que separa S e R é isotérmica e permeável. Similar aos desenvolvimentos anteriores, a energia e o número de partículas se conservam, Eo E R E j (1) No N R N j A probabilidade de encontrarmos o sistema S em um estado microscópico j será a mesma de encontrarmos o reservatório no estado definido por ER e NR, posto que S e R são complementares nas variáveis E e N. Pj C R ( Eo E j , N o N j ) (2) Executando o mesmo processo de expansão em torno de ER = Ej , temos 1 ln R ln Pj const . E R 1 2 ln R 2 E R2 N N ln R ( E R Eo ) N R E R Eo 1 2 ln R ( E R Eo ) 2 N R2 2 E R Eo E E (3) (N R No ) N R No ( N R N o ) 2 ... N R No E considerando a definição da entropia ln 1 S . N K B N K BT (4) O que nos leva a uma probabilidade na forma ln Pj const. E j N j . (5) logo a probabilidade será expressa por: E j Pj const.e N j e . (6) Onde, considerando a condição de normalização da probabilidade, a constante será dada por: X e E j N j (7) . j Que é a função de partição no ensemble grande canônico. Esta soma pode ser processada separadamente, primeiro sobre todos os valores da energia j para um número de partículas fixo e depois sobre todos os N, ou seja, N E X e e j . N j (8) Ao compararmos com a definição da função de partição canônica temos que X e N Z ( ,V , N ) . (9) N Conexão com a termodinâmica Da mesma forma que no formalismo canônico podemos provar, heuristicamente que, sendo a função de partição dependente de , T e V, a conexão se dará mediante o grande potencial termodinâmico, ou seja, ( , T ,V ) Que no limite termodinâmico 2 1 ln X . (10) (T , ) 1 1 ln X . lim V V (11) Cálculo da Energia média A definição do valor médio da energia vem dada por E e E j N j (12) j Ej j X . Que utilizando argumentos similares aos usados no formalismo canônico encontramos Ej ln X ln X . (13) Cálculo do número médio de partículas A definição do valor médio de Nj é N e E j N j (14) j Nj j X . Que utilizando argumentos similares aos usados no formalismo canônico encontramos Nj 1 ln X . (15) Estados de um sistema quântico Um sistema microscópico analisado sobre a ótica quântica pode ser representados por uma função de onda na forma: (q1 ,..., q N ) , (16) Onde qi está associado à todas as coordenadas que caracterizam o estado quântico da partícula (posição, spin, etc). A propriedade de simetria nos diz que para um sistema quântico com duas partículas, por exemplo: (q1 , q2 ) (q2 , q1 ) , (17) ou seja, nos indica que o estado quântico do sistema não se altera ao se trocar às coordenadas de duas partículas. Este fator de simetria altera a estatística de cada sistema. Vamos por exemplo considerar um sistema formado por duas partículas idênticas e não interagentes, cujos estados possam assumir apenas três valores distintos 1, 2 e 3. Seu hamiltoniano será dado por: H H1 H 2 , (18) 3 Para cada tipo de simetria teremos uma distribuição de níveis diferente: - Para partículas descritas por funções de onda anti-simétricas: A (q1 , q2 ) 1 1 (q1 )2 (q2 ) 1 (q2 )2 (q1 ), 2 (19) Notemos que sendo às coordenadas das partículas iguais q1=q2 a função A=0, portanto neste caso não poderão existir duas partículas com o mesmo conjunto de números quânticos. A estas partículas chamamos de Férmios e sua respectiva estatística será a estatística de Fermi-Dirac. Considerando a condição de inacessibilidade acima, podemos determinar os estados quânticos acessíveis do sistema. q1 q2 o o o q3 1 (q1 )2 (q2 ) 1 (q2 )2 (q1 ) 2 1 1 (q1 )2 (q3 ) 1 (q3 )2 (q1 ) 2 1 1 (q2 )2 (q3 ) 1 (q3 )2 (q2 ) 2 1 o o Função de onda o Desta forma contabilizamos apenas 3 estados disponíveis para o sistema. - Para partículas descritas por funções de onda simétricas: A (q1 , q2 ) 1 1 (q1 )2 (q2 ) 1 (q2 )2 (q1 ), 2 (20) Não existe a mesma restrição para o caso anti-simétrico, portanto neste caso poderão existir duas ou mais partículas com o mesmo conjunto de números quânticos. A estas partículas chamamos de Bósons e sua respectiva estatística será a estatística de Bose-Einstein. Fazendo o mesmo que para o caso anti-simétrico temos. q1 q2 q3 21 (q1 )1 (q 2 ) oo 21 (q2 )2 (q2 ) oo oo o Função de onda o o o o o 21 (q3 )2 (q3 ) 1 1 (q1 )2 (q2 ) 1 (q2 )2 (q1 ) 2 1 1 (q1 )2 (q3 ) 1 (q3 )2 (q1 ) 2 1 1 (q2 )2 (q3 ) 1 (q3 )2 (q2 ) 2 O que somam 6 estados disponíveis. Formulação do problema estatístico 4 A mecânica quântica nos diz que o estado quântico do gás ideal fica inteiramente caracterizado pelo conjunto de números quânticos (que anteriormente chamamos de qj). n , n ,..., n ,... n , 1 2 j (21) j Onde o índice j designa o estado quântico e nj o número de partículas que povoam tal estado. As propriedades de simetria discutidas no item anterior impõem restrições à população nos níveis. Para o caso de férmions, teremos no máximo uma partícula por nível, assim nj=0 ou 1, para qualquer valor de j. Para Bósons o número de partículas poderá variar entre 0 e N, sendo N o número total de partículas do sistema. Em ambos casos a energia total do sistema será dada por: E n j j n j , (22) j onde j refere-se a energia do estado j. E o número de partículas por: N N n j n j , (23) j A diferença para o caso quântico em relação ao clássico esta no fato de que aqui o que importa é a quantidade de partículas em cada nível energético e não quais partículas, ou seja, as partículas quânticas são indistinguíveis. Para aplicar o formalismo da mecânica estatística sobre estes tipos de sistemas iniciaremos com o ensamble canônico. Como já sabemos a função de partição canônica vem dada por: Z Z (T ,V , N ) e n j H e jn j j (24) , nj n j N j O somatório representa a soma ponderada sobre todos os números de ocupação com a restrição de que a soma sobre todos os n seja igual ao número total de partículas. Para que possamos melhor visualizar a estrutura matemática da equação (24), a aplicaremos a caso simples de dois férmions não interagentes com três possíveis estados. Neste caso os conjuntos {nj}serão dados por: q1 q2 o o o o q3 o o n1 1 1 0 n2 1 0 1 n3 0 1 1 Ou seja, {(1,1,0), (1,0,1) e (0,1,1)}, o que faz com que a função de partição canônica assuma a forma: 11 2 1 3 0 Z Z (T ,V , N ) e 1 2 e 1 3 e 11 2 0 3 1 e 2 3 10 2 1 3 1 e (25) e 5 Contudo na equação (24) temos o produto de j com nj e não a soma, como nos casos anteriores, de forma que não é fatorável. Entretanto ao utilizamos o formalismo do ensemble grande canônico o algebrismo se simplifica. A função de partição no grande canônico pode ser escrita na forma X X (T ,V , ) e N (26) Z (T ,V , N ) N 0 Substituindo Z temos, N j n j j X e , e n j N 0 n j N j Podemos substituir N n j (27) , o que nos leva a j X e ( N 0 n j jn j ) j (28) j nj n j N j N 0 e n j j n j , j nj n j N j O somatório exterior elimina a restrição do somatório interior, de forma que podemos somar sobre todo os possíveis valores de n. ou seja, X e n j ( j ) j (29) , n1 ,n2 ,... Que agora é fatorável e nos leva a X e n1 ( 1 ) n1 e n1 (1 ) (30) n2 n ( ) e j j j nj 6 ... , Aula 17 As diferentes estatísticas de um sistema quântico Vimos na aula anterior que o modelo estatístico de um sistema quântico era melhor deduzido a partir do formalismo do ensemble grande canônico. O resultado obtido para a função de partição foi: n ( ) X e j j , j nj (31) Onde o somatório em nj representa a soma sobre os possíveis valores do número de ocupação do estado j. No caso de partículas temos dois tipos genéricos de partículas os Férmions e os Bósons. Estatística de Fermi-Dirac (Férmions): O somatório interno na função de partição da equação (31) se efetua apenas para as duas possibilidades de uma partícula deste tipo, 1 ou 0, logo e n j ( j ) nj e n j ( j ) ( j ) 1 e 0,1 O que nos leva a uma função de partição na forma: X 1 e ( j ) (32) . . (33) j Aplicando o logaritmo, ln X ln 1 e ( j ) . (34) j Executando o mesmo procedimento que anteriormente podemos determinar o número médio de ocupação: nj 1 ln X . j (35) Sendo a derivada sobre um único termo j do somatório todos os termos acima de j ou abaixo de j a derivada será nula, logo o resultado será: ( j ) nj e 1 e ( j ) (36) 1 ( j ) e 1 . Que nos limites de j∞ e j-∞ teremos respectivamente, 0 e 1. Estatística de Bose-Einstein (Bósons): 7 No caso de partículas que se comportam como Bósons não existe limite para a quantidade de partículas que povoam um determinado nível energético j. Ou seja, o somatório da função de partição será dado por: e n j ( j ) e n j ( j ) n j 0 nj (37) . Que pode ser representada como a série de potência, (38) x j . n n j 0 Onde, ( j ) xe (39) . Sendo |x|<1 este série convergirá para: x j n n j 0 1 . 1 x (40) 1 (41) O que implica em e n j ( j ) n j 0 ( j ) 1 e . Na condição de que: ( j ) e e e j (42) 1 1 . Contudo j não assume valores negativos e seu menor valor será zero, o que implica em e 1. (43) E finalmente que 0. (44) Ou seja, o potencial químico de partículas descritas pela estatística de Bose-Einstein é negativo. De forma similar a efetuada para os férmions, o número médio de ocupação será dado por: ( E j ) nj 8 e 1 e ( E j ) (45) 1 ( E j ) e 1 . Sendo um parâmetro sempre negativo a exponencial no denominador será uma grandeza sempre positiva e maior que 1, o que implica que <nj> 0. Limite baixas temperaturas Observando a equação para o número médio de ocupação dos férmions notamos que no limite de baixas temperaturas, ou seja grande, a ocupação dos níveis dependerá basicamente do potencial químico, ou seja: Para Ej< <nj> 1 Para Ej> <nj> 0 O que significa que todos os estados cuja energia supere o potencial químico terão nível de ocupação médio igual a zero e os abaixo um. Limite clássico da função de partição (págs. 191,194 e 196 Salinas) Resumindo temos que o logaritmo da função de partição para bósons e férmions vem definido por: ln X ln 1 e ( j ) (46) j e nj 1 ( E j ) e 1 No limite clássico não devemos diferenciar entre bósons e férmions, isto é devemos obter <nj> << 1 para qualquer j, o que implica em que exp((j - ))>>1 logo j e e (47) 1 . O que deve valer para qualquer j, assim o menor valor que j pode assumir é zero, logo exp()<<1. Desta forma podemos expandir (46) para exp() pequenos: ln X e ( j ) j 12 e 2 ( j ) ... . (48) j Portanto o limite clássico fica inteiramente determinado com o termo dominante desta função ln X cl e ( j ) (49) . j Que pode ser reescrito em termos da fugacidade ln X cl zZ1 . (50) 9 Onde z e e Z1 e j j Que comparando com a equação clássica obtida no formalismo grande canônico eq. (9) temos que (51) (52) X cl z N Z cl . N 0 Comparando (50) e (51) temos: e zZ1 z N Z cl . N 0 Expandindo o exponencial em forma de série temos N 0 zZ1 N N! (53) z Z cl . N N 0 Que comparando os termos do somatório nos leva a zZ1 N N! N z Z cl N Z Z cl 1 . N! (54) Onde aparece o fator de correção incluído anteriormente 1 Z cl e j . N! j (55) Aula 18 Sólido de Einstein Considerando N osciladores harmônicos unidimensionais, localizados e não interagentes. Todos oscilando com a mesma freqüência w e em contacto com um reservatório térmico a temperatura T. Sendo um sistema quântico temos que a distribuição de energia segue uma função discreta na forma: 1 E j (m j )hv . 2 (56) Logo o Hamiltoniano do sistema será dado por: N 1 E{m j } (m j )hv . 2 j 1 10 (57) Onde o somatório representa a soma sobre todas as partículas e mj o estado quântico da partícula j. A função de partição canônica deste sistema será dada por: Z {m j } Onde o somatório N 1 ( m j ) hv 2 j 1 e (58) . representa a soma sobre todas as possibilidade de cada número {m j } quântico para cada partícula j. Abrindo este somatório temos: N 1 ( m j ) hv 2 j 1 Z e (59) m1 , m2 , ..., mN ... m1 0 m2 0 mN 0 . 1 ( mN ) hv ( m1 12 ) hv ( m2 12 ) hv 2 ... e e e Não existindo interação entre as partículas (osciladores, ou fônons) esta soma pode ser fatorada em termos do número de estados de cada partícula, ou seja: Z 1 ( m1 ) hv 2 e e m1 0 1 ( m2 ) hv 2 1 ( mN ) hv 2 ... e m2 0 mN 0 (60) . Sendo os limites dos somatórios os mesmos podemos escrever a forma fatorada da função de partição canônica: N ( m 12 ) hv N Z e Z1 . m0 (61) Que da mesma forma que para o gás ideal, ao considerarmos osciladores tridimensionais (um sólido) teremos que para cada nj termos 3 coordenadas, o que nos leva a: Z Z13 N . (62) O somatório em Z1 pode ser resolvido através de, Z1 e hv 2 e (63) h v m m 0 . Que é uma série geométrica que converge para: hv 2 Z1 e 1 h v 1 e hv 2 e 1 e hv (64) . Que é a função distribuição associada a apenas um oscilador. Para considerações físicas sobre este sistema podemos definir uma grandeza de referência na forma, 11 hvT T hv . (65) Conhecido como temperatura característica do sistema. Esta representa um referencial com relação a frequência dos osciladores. Substituindo em (64), Z1 e (66) 2T 1 e . T A Energia interna do sistema será dada por: T ln Z ln Z T . 2 U K BT ln Z T U (67) Aplicando a derivada parcial e usando (63)e (64) obtemos: 1 1 U 3NK B 2 . T 1 e (68) 1 1 u 3K B 2 , T 1 e (69) Que no limite termodinâmico, depende apenas da temperatura!! A capacidade térmica a volume constante específica pode ser obtida a partir a definição termodinâmica: T du e cv 3K B 2 , dT T T 1 e 2 (70) Sabemos que Kb=R/Na o que implica em Kb=nR/N. Assim, podemos determinar a capacidade térmica 2 e T (71) Cv 3nR 2 , T T 1 e Avaliando o limite para T>> temos que a função ex é aproximadamente igual a x+1 para pequenos valores de x, como sugere o gráfico abaixo: 12 3.0 x e x+1 2.5 f(x) 2.0 1.5 1.0 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 x De forma que, para este limite, a expressão para a capacidade térmica pode ser aproximada para, 1 , Cv 3nR 2 T 1 1 T 2 (72) Que nos leva a lei de Dulong Petit: lim C T v 3nR . (73) Gás de Fótons Veremos a descrição da mecânica estatística sobre problema da radiação do corpo negro. Sabemos que os comprimentos de onda que se propagam dentro da cavidade exibem um comportamento quântico, ou seja, os comprimentos de onda permitidos na cavidade devem satisfazer a seguinte relação: i 2L . mi (74) Sendo L a aresta da cavidade e mi o número quântico (1,2,3...) que estabelece o harmônico associado ao comprimento da cavidade. Podemos considerar este sistema como um gás de fótons, desta forma as partículas serão indistinguíveis não existindo restrições sobre o número de partículas em um determinado estado quântico. A energia de cada partícula também será quantizada e vem determinada por: Ei ,m p 2i mi2 h 2 . 2m 8mL2 (75) Onde utilizamos a relação pi=h/i, e sendo h a constante de Planck. Utilizando as equações (31) e (41) podemos obter facilmente a relação para o logaritmo da função de partição para partículas bósons, fazendo =0 para fótons temos: ln X ln 1 e j E j , m 1 . (76) Contudo a energia agora depende do número quântico mi que representa uma degenerescência pois para o caso tridimensional teremos que o número quântico mi2 será dado por: 13 m2j mx2 my2 mz2 . (77) Desta forma o somatório em j da equação (76) terá que ser substituído por uma integral no espaço de fase do sistema. Neste caso as coordenadas no espaço de fase serão apenas os números quânticos em suas respectivas direções, ou seja a equação (76) toma a forma ln X 1 E ln 1 e j ,m 8 1 (78) d 3m . O fator de 1/8 se deve ao fato de que a integral deve ser efetuada apenas para os valores positivos de mx, my e mz, ou seja um oitavo do espaço de fase do sistema. O espectro de energia pode ser obtido a partir da energia média do sistema, que para o caso de bósons será dada por, Ej ln X . (79) Como estamos interessados no espectro para distintos comprimentos de onda podemos substituir a integral sobre o número quântico mj pelo número de onda kj, assim, 8L3 3 d mj d kj . (2 )3 (80) 3 E assim a equação para o espectro de energia do gás de fótons será, U (V , k ) 1 V E ln X ln 1 e j ,m d 3k j . 3 (2 ) (81) Que nos leva a integral: k kj Vc u (k ) d 3k j . ck 3 (2 ) 0 1 e (82) Que ao mudamos para freqüência nos leva a v vj Vc(2 ) 4 u (v ) d 3v j . 3 hv j (2 ) 0 1 e (83) Que, por partes temos a famosa lei de Plank u (v ) C v3 hv e 1 (84) . Onde C é uma constante. Que integrando sobre todo o espectro temos a lei de StefanBoltzmann u u (v)dv T . 4 0 14 (85) 15