o estilo de ensinar da professora e a conduta do aluno em

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O ESTILO DE ENSINAR DA PROFESSORA E A CONDUTA DO ALUNO
EM PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
ROCHA, Lia Beatriz Munhoz – PUCPR/CAPES
[email protected]
PORTILHO, Evelise Maria Labatut - PUCPR
[email protected]
DREHER, Simone Ap. de Souza - PUCPR/ CAPES
[email protected]
Área Temática: Educação: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
A pesquisa Aprendizagem e Conhecimento na Formação Docente é o disparador do presente
artigo, que enfoca o estilo de ensinar da professora e as condutas observadas nos alunos das
turmas da 1ª etapa do 1º ciclo do Ensino Fundamental, realizada em uma Rede Municipal de
Ensino do estado do Paraná. O objetivo deste estudo foi identificar o estilo de ensinar
apresentado pela professora alfabetizadora e relacioná-lo às condutas manifestadas pelos
alunos em sala de aula. Como referencial teórico, foram consultados, entre outros, Mizukami
(1986); Freire (1998; 2007); Portilho (2004; 2008) e Bleger (1984). Dos setenta e sete
ambientes educativos observados, 60% apresentam professoras com estilo de ensinar
tradicional centralizador; 25% com o estilo tradicional dialogado; 9% estilo laissez faire; e os
estilos interacionista e tecnicista foram identificados em apenas 3% das docentes. Com
relação à conduta dos alunos, 50% manifestaram conduta dependente; 26% conduta opositora;
17% conduta passiva e 7% conduta operativa. Os dados parecem indicar que as condutas
apresentadas pelos alunos revelam o estilo de ensinar da professora. A presença significativa
do estilo tradicional centralizador nas salas de aula da 1ª série (Ciclo I) de alfabetização, não
pode e não deve ser utilizada como fator de insucesso ou fracasso do sistema escolar. A
maioria dos professores, principalmente da rede de ensino pesquisada, participa
sistematicamente de programas de formação continuada. Acreditamos que os dados devem
servir para repensar e reorganizar a formação continuada dos docentes, em que a reflexão
sobre a prática e o praticar as conclusões destas reflexões, no próprio ambiente educativo
onde a professora atua, seja a tarefa a ser perseguida por gestores comprometidos com uma
prática educativa transformadora.
Palavras-chave: Aprendizagem; Estilo de ensinar; Conduta; Aluno; Professora
alfabetizadora.
4506
Introdução
O presente artigo faz parte de um conjunto de publicações que vêm sendo produzidas a
partir da pesquisa Aprendizagem e Conhecimento na Formação Docente, realizada em uma
Rede Municipal de Ensino do Estado do Paraná, nas turmas da 1ª etapa do 1º ciclo do Ensino
Fundamental.
Em 2004 o Grupo de Pesquisa afirmava que
A realidade educacional demonstra que mesmo com políticas de ampliação do
número de vagas para a primeira série, muitas crianças têm enfrentado diversos
problemas entre estes, o aprendizado da leitura e escrita, que merece cada vez mais
investigações. É possível citar como exemplo o fato de encontrarmos crianças que
ao final do Ensino Fundamental não apresentam domínio da leitura e da escrita,
ocasionando na maioria dos casos, o fracasso escolar e a exclusão dessas crianças do
sistema escolar (PORTILHO et al, 2004, p. 6).
Diante das constatações, entendemos que existe urgência no estudo, na análise e nas
propostas de intervenção que podem contribuir para a superação das causas que impedem as
crianças e os jovens do nosso país de adquirir as competências necessárias para o domínio da
leitura e da escrita.
O objetivo deste estudo é, portanto, diagnosticar as possíveis influências do estilo de
ensinar da professora1 alfabetizadora na conduta dos alunos, estilo que facilita ou não, o
acesso da criança ao mundo letrado.
Para tanto, apresentamos os diferentes estilos de ensinar e as concepções de ensino que
subjazem a eles, o sentido de conduta adotado pelo grupo de pesquisadores e o caminho
metodológico traçado para conhecer e analisar a realidade observada nas 25 escolas visitadas.
Desenvolvimento
O trabalho do professor é um assunto que vem sendo discutido há muito tempo. As
diferentes tendências em educação, ensino e aprendizagem, considerando as especificidades
de cada época ou momento histórico, registram mudanças significativas no cenário
1
Como na pesquisa só encontramos professoras mulheres, adotaremos este termo para registrar e especificar o
docente participante do estudo.
4507
educacional, e ao mesmo tempo, apresentam elementos fundamentais à prática pedagógica
docente, refletindo sobremaneira no estilo de ensinar, no caso desta pesquisa, da professora
alfabetizadora.
Para entender uma concepção de ensino é importante compreendê-la na sua
integridade, no seu contexto histórico, político e social. Todas apresentam papéis importantes,
que devem ser refletidos, entendidos, e, se necessário, transformados. Mizukami (1986)
contribui com uma reflexão pertinente quando afirma:
Trata-se de uma concepção e uma prática educacionais que persistiram no tempo,
em suas diferentes formas, e que passaram a fornecer um quadro referencial para
todas as demais abordagens que a ela seguiram. (...) Englobam-se, portanto,
considerações de vários autores defensores de posições diferentes em relação ao
ensino tradicional, procurando caracterizá-lo tanto em seus aspectos considerados
positivos, quanto negativos (MIZUKAMI, p.7, 1986).
A abordagem tradicional tem como principal fundamento a transmissão e a retenção
da informação, partindo do saber elaborado historicamente e transmitido pelo professor.
Segundo essa concepção, a escola torna-se um lugar privilegiado onde o conhecimento
sistematizado pela cultura é passivamente digerido pelo aluno. O professor ensina e o aluno
aprende, em um espaço especialmente preparado para tal.
A autoridade do professor é necessária para que o ensino aconteça dentro dos
objetivos previstos. A relação professor-aluno torna-se vertical: um ensina, o outro aprende,
de uma forma hierarquizada.
Nesse conceito, o educador faz das suas falas “depósitos” de comunicados, sendo que
os alunos o recebem de forma paciente, memorizam e, em hora oportuna, repetem. Sem
reflexão sobre a ação, os docentes apenas transmitem, transferem e depositam informações, as
quais são recebidas passivamente e ingenuamente, sem haver transformação. Portanto, o papel
do professor é daquele que educa, que pensa, que sabe, que fala, que prescreve a ação, escolhe
o conteúdo a ser transmitido, identifica a autoridade do saber, e principalmente, é o sujeito do
processo de ensinar e aprender. Nesse contexto, o papel do aluno se torna claro: se um educa,
o outro é educado; quando um fala, o outro escuta.
O educador é o sujeito que sabe, que impõe, e os educandos são os seres de adaptação
e ajustamento. Essa visão pedagógica leva os alunos a estarem “fora de” ou “à margem ”de
todo o processo de construção do conhecimento. Freire (2007) salienta que “A solução estaria
4508
em deixarem a condição de “seres de fora” e assumissem a de “seres de dentro” (p. 70)”, isto
é, participantes ativos.
Referindo-se ainda a esta abordagem tradicional, Mizukami (1986) enfatiza que, nessa
prática pedagógica, há fundamentalmente a transmissão de conteúdos, o centro do processo
ensino/aprendizagem é o professor que se volta para as disciplinas e os conteúdos
propriamente ditos. A autora afirma que “o aluno executa prescrições que lhe são fixadas por
autoridades exteriores (p.8)”. Esta autora (1986) afirma ainda que a instituição escola, nessa
concepção, é um lugar de excelência à transmissão de informações.
Nessa mesma perspectiva, Saviani (1997) descreve a escola para esta abordagem de
ensino, como aquela que possui o papel de difundir a instrução, assim como, transmitir os
conhecimentos propostos. Essa se organiza como “agências”, sendo o professor o centro,
aquele que transmite o acervo cultural a seus alunos, os quais têm, como dever, “assimilar” o
que lhes foi transmitido.
De acordo com os autores já citados, entende-se que a escola tradicional, ou a
concepção bancária, segundo Paulo Freire (2007) é caracterizada por ser uma concepção de
produto, sem enfatizar o ensino/aprendizagem como um processo. Essa forma de entender a
educação possui diferentes marcos históricos, permanecendo no momento atual, sob distintas
formas.
Diferentemente da Escola Tradicional, a abordagem Progressista de ensino enfatiza os
aspectos sócio-político-culturais que permeiam a educação. Segundo essa idéia, a escola deve
ser um local que oportunize a aprendizagem individual, coletiva e problematizadora. Tanto
professor, como alunos são sujeitos do processo de ensinar e aprender, respeitando a história
pessoal e os conhecimentos anteriores de cada um.
Nessa visão, Paulo Freire (2007), após apresentar a educação bancária, propõe para a
educação o viés da problematização, cujo eixo central é a dialogicidade. Para o autor, a
essência do diálogo vem da palavra, sendo esta, mais do que um meio para que a
comunicação aconteça; ela precisa ocorrer pela ação e reflexão, ou seja, pela práxis.
A palavra inautêntica, com que não se pode transformar a realidade, resulta
dicotomia que se estabelece entre seus elementos constituintes. Assim é que,
esgotada a palavra de sua dimensão de ação, sacrificada automaticamente, a reflexão
também, se transforma em palavreria, verbalismo, blábláblá (FREIRE, p.90, 2007).
4509
Entendendo as palavras de Freire (2007), a palavra por si só, torna-se alienante e
também alienada, “oca”, desprovida de significado, da mesma maneira utilizada na concepção
bancária, isto é, fora do contexto. Sendo assim, a ação longe da reflexão se converte em
ativismo, sendo a ação pela ação, negando o verdadeiro sentido da práxis: a transformação do
mundo, da prática pedagógica.
O autor salienta que uma das formas de transformar a realidade é por meio do
diálogo.
Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma
relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia.
Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse
este clima de confiança entre sujeitos. Por isso inexiste esta confiança na
antidialogicidade da concepção “bancária” de educação (FREIRE, p.94, 2007).
Ao tratar a educação com amor, o homem será mais homem e a mulher mais mulher, o
professor mais professor e a professora mais professora, assumindo, assim, o seu papel
verdadeiro. A relação deixa de ser vertical e assume o sentido horizontal, onde
professor/professora
e
aluno/aluna
tornam-se
sujeitos
do
mesmo
processo
ensino/aprendizagem.
Não obstante, a educação que se faz de forma horizontal é aquela que não impõe, pois
“o educador se torna educando e o educando, por sua vez, educador (MIZUKAMI, p.99,
1986)”. Essa relação, em que o sujeito assume a sua própria posição, possui um caminho de
conscientização de ambos os protagonistas. Nessa concepção, o professor e professora estão
preocupados com o aprendizado dos alunos e das alunas, com o diálogo e a forma de
comunicação oportunizará a cooperação, a união, a organização, assim como a solução em
comum dos problemas.
O professor e a professora deixam de ser transmissores de conhecimentos e passam a
criar possibilidades para a produção e construção; aceitam e compreendem as diferenças entre
os educandos/educandas, entendendo que todos são os sujeitos, cada um na sua
especificidade. Dessa forma, ensinar assume o papel de aprender e ensinar, pois “quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, p. 25, 1998).
Na Pedagogia da Autonomia (1998), o autor elenca exigências básicas ao ato de
ensinar, e agrupa-as em três grandes temas: “Não há docência sem discência”, “Ensinar não é
transferir conhecimento” e “Ensinar é uma especificidade humana”. Esses temas nos levam a
4510
entender o real papel dos docentes, assim como dos discentes. Há uma reciprocidade entre
esses sujeitos, havendo respeito, compreensão, bom senso, criatividade, problematização,
criticidade e, principalmente, amor. Mas para que isso aconteça é necessário que cada um
assuma o seu papel e o desempenhe da melhor forma.
Nessa concepção de ensino, professor/professora e aluno/aluna são sujeitos ativos na
sala de aula, no processo pedagógico. A relação professor/aluno é horizontal, sendo que o
papel do professor/professora é o de problematizar o aprendizado, sem fugir do contexto
histórico em que os conteúdos estão inseridos. Em contrapartida, o aluno tendo um papel
ativo, possui atividades como: observar, experimentar, comparar, relacionar, solucionar,
levantar hipóteses, argumentar, transformar.
As abordagens de ensino são importantes para que o professor identifique em sua
prática a concepção que a norteia, e assim ressignifique o seu estilo de ensinar a partir da
realidade em que esteja inserido. O que se percebe, na maioria das vezes, é o professor ou
professora não percebendo a relação do conhecimento teórico com a vivência de sala de aula.
[...] pues parece ser que los profesores no utilizan la bibliografia que conocen para
determinar su estilo natural de enseñanza. [...] Era raro o caso del profesor que había
dedicado mucho tiempo al estúdio de la teoria educacional, incluso en las épocas en
que se encontraba en la Facultad de Educación (BENNETT, p. 63, 1979).2
Assim sendo, a maneira de agir, muitas vezes, provém de uma aprendizagem, chamada
por Pozo (2005), de implícita. Esse tipo de aprendizagem é aquela que acontece sem que o
sujeito aprendente tenha consciência do seu aprendizado.
Dessa forma, entende-se que os estilos da professora alfabetizadora encontrados na
pesquisa, podem estar presentes de uma forma implícita na sua prática pedagógica. Suas
ações refletem quais são as concepções de ensino que permeiam a docência.
Acredita-se que, para que a professora tenha mais segurança na sua prática docente,
muitas vezes, fica presa a conceitos antigos, a concepções de ensino que estavam presentes no
momento em que freqüentava a escola, aos modelos de seus professores. Esses modelos,
positivos ou negativos, aparecem com freqüência na ação pedagógica, porém, podem ser
2
(…) pode parecer que os professores não utilizam bibliografia que conhecem para determinar seu estilo natural
de ensinar (...) É raro o caso do professor que se dedicou muito tempo ao estudo da teoria educacional, na época
em que se encontrava na Faculdade de Educação.
4511
analisados, refletidos e transformados de acordo com a necessidade da sala de aula e dos
alunos.
Para que essa professora consiga dar um novo significado aos modelos encontrados na
sua vida enquanto estudante, é preciso que ela tome consciência do seu modo de aprender e
consequentemente, de ensinar.
Nessa perspectiva, Portilho (2008, p. 219) salienta que, “com o objetivo de
sistematizar os dados observados nas salas de aula da 1ª série do Ensino Fundamental, os
pesquisadores levantaram cinco Estilos de Ensinar”, entendendo-os como: estilo tradicional
dialogado; estilo interacionista; estilo tradicional centralizado; estilo tecnicista e estilo laissezfaire. A seguir, serão elencados estes estilos com seus respectivos significados, propostos pelo
grupo de pesquisadores.
a)Estilo tradicional dialogado – o ensino que se encontra centrado na professora; ela
promove o diálogo (aula expositiva dialogada).
b)Estilo interacionista – tipo de ensino que promove a Interação Professor/
Conhecimento/ aluno.
c)Estilo tradicional centralizado – aquele que se encontra centrado no professor.
d)Estilo tecnicista – estilo centrado na técnica, nos modelos, no fazer pelo fazer.
e)Estilo laissez- faire – estilo que não possui um fio condutor, é o “deixa acontecer”.
Como vimos até agora, os estilos de ensinar da professora estão ligados às concepções
pedagógicas de cada época vivida pela educação, que por sua vez, são resultados da visão de
homem, de mundo e de sociedade e se refletem nas condutas tanto dos educadores como
alunos.
Para compreender o conceito de conduta, trouxemos as idéias de José Bleger e alguns
autores referendados por ele, em sua obra Psicologia da Conduta.
O termo conduta ou comportamento foi incorporado à Psicologia e a outros campos do
conhecimento, como a Química e a Biologia
em todos estes campos o termo se refere ao conjunto de fenômenos que são
observáveis ou que são factíveis de ser detectado, o qual implica a instrução
metodológica de ater-se aos fatos tal qual eles se dão, com exclusão de toda
inferência animista ou vitalista (BLEGER, 1984, p.22).
4512
Bleger (1984 p. 23) salienta que, etimologicamente, a palavra conduta é latina e
significa conduzida ou guiada; quer dizer que todas as manifestações compreendidas no termo
de conduta são ações conduzidas ou guiadas por algo que está fora dela, ou seja, pela mente.
Desde a década de 40, Lagache citado por Bleger (1984, p.25), define conduta como
“o conjunto de respostas significativas, pelas quais, um ser vivo em situação, integra as
tensões que ameaçam a unidade e o equilíbrio do organismo”; ou como “ o conjunto de
operações ( fisiológicas, motrizes, verbais, mentais) pelas quais um organismo em situação
reduz as tensões que o motivam e realiza suas possibilidades”.
Diante destas concepções, entende-se que a conduta, por si só, não revela o fenômeno
central, pois ela é sempre resposta a algo que está acontecendo, por isso a importância, nesta
pesquisa, além da observação da conduta do aluno no ambiente educativo, também analisar,
as relações e correlações com o estilo de ensinar da professora.
Ao observar a conduta do aluno em fase de alfabetização, faz-se necessário um olhar
globalizado para este ambiente educativo. As relações ali existentes sugerem reflexões que
vão além da conduta em si.
Segundo Koffca e Thorndike (1954), citados por Bleger (1984), ao falar em conduta é
preciso incluir o aspecto fenomênico. Já Koffca (1954) inclui uma visão tripartida da conduta:
os processos, movimentos observáveis; dentro desses, encontram-se o conceito funcional,
comportamento efetivo ou real, e o conceito descritivo, fenômenos ou vivências.
Para melhor entender estes conceitos, cita-se dois exemplos: primeiro, uma partida de
futebol. O jogo não foi decidido no tempo normal e se estende por mais 30 minutos. Percebese que os jogadores não têm mais o mesmo ritmo de jogo que tinham no início da partida (este
é o processo, movimentos que observamos). Ao analisar o comportamento dos jogadores
(diminuíram o ritmo na prorrogação), observamos o processo real ou efetivo do que estamos
vendo, e, se sobre esta visão determina-se à fadiga dos jogadores, está se descrevendo tal
comportamento por um conceito funcional, que foi realizado partindo de um fato real. O
segundo exemplo: uma pessoa desconhecida perde algo na rua e eu o recolho e lhe entrego.
No dia seguinte, volto a encontrá-la. Essa pessoa reage de outro modo; descrevo seu
comportamento dizendo que ele me reconheceu ou que se lembra de mim (este é o processo,
movimentos que observamos), porém ao descrever este processo, eu estou utilizando um
conceito descritivo, que são as vivências ou fenômenos que estão constituídos pelos
pensamentos ou opiniões que cada sujeito pode expressar.
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Portanto, a partir destes exemplos baseados em Koffca (1954) sobre os aspectos
fenomênicos da conduta, funcional e descritiva, cabem algumas reflexões: de que maneira
estão sendo observadas e consideradas as condutas dos alunos? De forma funcional ou
descritiva? Se maneira descritiva, ao fazê-lo, não se está correndo o risco de analisar estas
condutas baseando-se nos valores, nas vivências, na cultura, na realidade de quem observa e
não daquele que é observado?
Sobre a conduta funcional, Mowrer e Kluckhon, citados por Bleger (1985, p 25),
declaram que a vêem como uma das quatro proposições “mínimas essenciais” de conduta, na
teoria dinâmica da personalidade:
Para eles, a conduta é funcional, e por funcional entende-se que toda conduta tem uma
finalidade: a de resolver tensões. Se a conduta é funcional e acontece também para resolver as
tensões, quais são as tensões que estão acontecendo em sala de aula? O professor está
entendendo esta conduta como conseqüência desta tensão? Ele vê alguma tensão na conduta
deste aluno?
Na segunda proposição, a conduta implica sempre conflito ou ambivalência. E quais as
atitudes destes alunos em sala de aula que delatam conflitos e quais delatam a ambivalência?
A conduta só pode ser compreendida em função do campo ou contexto no qual ocorre.
Qual o contexto da sala de aula, da alfabetização, dos professores e dos alunos?
E na última proposição, todo organismo vivo tende a preservar um estado de mínima
integração ou consistência interna. O que a conduta do aluno e o estilo de ensinar do professor
estão tentando preservar internamente?
Todas estas indagações vêm dos fenômenos das relações humanas, e, durante muitos
anos, reconheceram-se no ser humano dois tipos distintos de fenômenos, aos quais podiam se
reduzir todas as suas manifestações. Um é o concreto, que se dá por meio das manifestações
corporais ou manifestações (atuações) sobre o meio externo. O outro fenômeno é o simbólico
ou mental, que são todas as manifestações que não se dão por ações materiais.
Neste sentido, uma conduta concreta corporal se trata, por exemplo, do
empalidecimento ou enrubescimento do rosto. Uma conduta concreta no mundo externo seria,
por exemplo, comparecer a um lugar, dirigir um automóvel, ainda que para isso, se necessite
das modificações corporais.
Outras condutas, as simbólicas, incluem todas aquelas manifestações que não se dão
por ações materiais e concretas, conhecidas como fenômenos mentais.
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Esta dicotomia entre concreto e simbólico tem reflexos até hoje, e observamos isso nas
salas de aula, em que o comportamento, as condutas do aluno são vistas como um processo a
parte da própria aprendizagem. Estas manifestações são observadas, porém dicotomizadas,
isto é separadas do processo do sujeito como um todo.
Por exemplo, se o aluno se mexe demais em sala de aula, é considerado hiperativo. Se
o aluno faz várias atividades ao mesmo tempo e não completa nenhuma, tem déficit de
atenção; se tem dificuldades de interagir com os colegas, tem problemas de ordem
psicológica; se tem dificuldades de entender o que lhe é pedido, tem problemas de
aprendizagem.
Não se diz com isso que tais situações não necessitem de um apoio especializado, mas,
quando estas condutas refletem o estilo de ensinar do professor, ou então que o aluno está
pedindo ajuda, ou que ele só não está entendendo o jeito como o professor está explicando,
quem assumirá a responsabilidade de fazer também esta leitura?
Entende-se nesta perspectiva, que a conduta, sempre implica manifestações
coexistentes nas três áreas: corporal, no mundo exterior, e na mente. É uma manifestação
unitária do ser total e não pode, portanto, aparecer nenhum fenômeno em nenhuma das três
áreas sem que implique necessariamente as outras duas; portanto, as três áreas são sempre
coexistentes.
Neste estudo, as condutas foram elencadas a partir dos seguintes conceitos:
a)Conduta dependente – refere-se ao aluno que precisa do comando externo, da
supervisão da professora.
b)Conduta opositora – traduz o aluno que se opõe verbalmente ou corporalmente; é
resistente.
c)Conduta passiva – diz respeito ao aluno que não age, nem interage. Não demonstra
as emoções.
d)Conduta operativa – é aquela em que o aluno apresenta iniciativa, possui
autonomia.
e)Conduta propositiva – refere-se ao aluno que vai além do que é proposto, é criativo
e faz proposições.
Diante do exposto faremos uma análise do que foi observado em nossa pesquisa. A
população investigada foi constituída de 403 alunos da 1ª série (Ciclo I) do Ensino
4515
Fundamental de uma Rede Municipal de Ensino do Estado do Paraná, assim como 82
professoras alfabetizadoras.
Na observação do Ambiente Escolar foi elaborado um instrumento para que as
pesquisadoras registrassem a estratégia utilizada pela professora na atividade proposta aos
alunos, de preferência de leitura e escrita, a conduta desses alunos ou a resposta deles à
intervenção da professora, destacando, assim, seu estilo de ensinar.
Para que as observações fossem interpretadas com maior fidedignidade e validade e as
pesquisadoras obtivessem uma linguagem em comum, foi construído um protocolo
considerando: as estratégias de funcionamento da sala de aula, de estruturação física, da
relação epistêmica, de abordagem da aprendizagem, de planejamento, de comunicação verbal
e não verbal; assim como os estilos de ensinar e as condutas do aluno.
Dos 77 (setenta e sete) ambientes educativos observados, foram encontrados, com
predomínio do estilo tradicional centralizador, 60% dos ambientes e, em segundo lugar, 25%
com o estilo tradicional dialogado. Os estilos interacionista, tecnicista e laissez-faire foram
pouco observados.
Ao considerar os dados obtidos na pesquisa, percebe-se que as professoras
alfabetizadoras parecem estar vinculadas a abordagens de ensino usadas no tempo em que elas
estavam na escola, ou seja, mais tradicionais, centradas no conteúdo, no professor como o
centro do processo ensino/aprendizagem.
Nesse contexto, a prática das professoras reflete o que elas trazem na sua história
escolar. Tardif (2006) afirma que o saberes do educador são temporais, pois “remete à história
de sua formação e de sua aquisição (p.35)”. O autor assegura que, antes de se preparar para
atuar na sala de aula, o educador ficou imerso no seu local de trabalho durante
aproximadamente dezesseis anos. Neste percurso ele teve modelos (positivos ou negativos) de
educadores, crenças, representações da prática da docência que ficaram acopladas.
Nas falas das professoras, o estilo tradicional não contém necessariamente, atitudes
autoritárias de desrespeito. Mas o que foi observado é que em muitas situações, esta maneira
de proceder acaba não levando em consideração as diferenças de tempo e ritmo dos alunos,
assim como, impede que ele participe, comentando o que entendeu ou não. Alguns exemplos
dessas falas: “Ainda não terminaram? Um minuto a mais para terminar”; “Não mandei pegar
lápis nenhum. Vocês não sabem o que eu vou fazer”; “EU não quero que você diga o nome da
letra. Quero que você leia”.
4516
Por outro lado, parece existir um movimento indicando mudança no fazer da sala de
aula, quando se percebe esta mesma professora abrindo espaço para ouvir o aluno. Mas, esse
fato ainda não indica a descentralização do processo ensino/aprendizagem da figura da
professora. Consequentemente, este estilo de ensinar observado, acaba refletindo na atitude
dos alunos em sala de aula.
Dos dados analisados nas observações em sala de aula foram obtidos os seguintes
resultados: 50% dos alunos manifestaram conduta dependente; 26% dos alunos manifestaram
conduta opositora; 17% dos alunos manifestaram conduta passiva; 7% dos alunos
manifestaram conduta operativa. Nenhum dos ambientes observados apresentou alunos com
destaque na conduta propositiva.
Por sua vez, quando observamos que a conduta predominante do aluno em sala de aula
foi a dependente em 52% dos ambientes educativos, esse dado parece indicar que as crianças
em período de alfabetização estão presas a uma educação centralizada no saber do professor, e
como conseqüência, apresentam uma conduta acadêmica com pouca autonomia ou autoria de
pensamento.
Outro dado a ser destacado se refere ao percentual de 26% de salas onde os alunos
manifestaram condutas opositoras, isto é, os que se colocavam verbalmente ou corporalmente
contra a tarefa, ou eram resistentes às estratégias utilizadas pela professora. Um fato que
demonstra tal atitude é o relato de uma professora para uma das pesquisadoras “Vagner não
para quieto, faz a tarefa rápido, pulando. A professora diz se tratar de caso de hiperatividade,
pois ele atrapalha bastante. Já o encaminhou, mas ele não foi selecionado”.
Esta inquietação da criança em sala de aula pode indicar duas possibilidades: a
primeira é que ao alternar a área de manifestação de sua conduta (corporal, mental, e mundo
exterior), o significado pode ser o mesmo, isto é, que algo não vai bem em sala de aula; a
segunda possibilidade é que o aluno desta fase pode estar indicando, pela sua conduta, que
algo está mudando. Sendo assim, observar esta alternância na conduta da criança é de suma
importância para o professor que se propõe a dar um novo significado ao ensino.
Essas condutas aparecem na área do mundo externo, por meio da inquietação dos
alunos no próprio espaço físico e nas atitudes perante os comandos da professora,
comprovando, assim, que nada acontece numa área da conduta sem que esteja coexistindo nas
outras áreas. O aluno demonstra em suas atitudes o reflexo do estilo de ensinar da professora.
4517
Destacamos as palavras de Bleger (1984, p.80), quando afirma que “toda conduta é
sempre um vínculo com os outros, uma relação interpessoal”, ou, dito de outra maneira, toda
conduta refere-se sempre a outro.
A prática pedagógica é reflexo desta ação, quando acreditamos que ela seja sempre
uma relação entre aquele que ensina e aquele que aprende. Ambos se complementam e se
constituem durante o processo.
Considerações Preliminares
A presença significativa do estilo tradicional centralizador nas salas de aula da 1ª série
(Ciclo I) de alfabetização, não pode e não deve ser utilizada como fator de insucesso ou
fracasso do sistema escolar. A maioria dos professores, principalmente da rede de ensino
pesquisada, participa sistematicamente de programas de formação continuada. Acreditamos
que os dados devem servir para repensarmos e reorganizarmos os encontros docentes, em que
a reflexão sobre a prática e o praticar as conclusões destas reflexões, no próprio ambiente
educativo onde a professora atua, seja a tarefa a ser perseguida por gestores comprometidos
com uma prática educativa transformadora.
Da mesma maneira, a conduta manifesta do aluno não pode ser interpretada como fato
isolado e descontextualizado do ambiente como um todo, ou mesmo considerada como
problema de comportamento ou aprendizagem. Cabe ao educador significar a atitude do
aluno, não antecipando diagnósticos, mas entendendo e relacionando esta conduta com o
momento vivido.
O desenvolvimento de uma prática docente contextualizada e comprometida com a
aprendizagem do aluno requer a organização do ambiente educativo, favorecendo a
socialização e o encontro entre professora e alunos, a promoção do trabalho em e no grupo, a
elaboração de planos de trabalho que enfatizem aprendizagens significativas e adequadas à
diversidade do processo de aprender.
REFERÊNCIAS
BENNETT, N. Estilos de enseñanza y progreso de los alumnos. Madrid: Morata, 1979.
BLEGER, J. Psicologia da conduta. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 45 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
4518
_________. Pedagogia da Autonomia. 9ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. 5ed. São Paulo: Editora
Pedagógica e Universitária, 1986.
PORTILHO, E. M.L. et al. Projeto de pesquisa: aprendizagem e conhecimento na
formação docente. Projeto de pesquisa. Curitiba, 2004.
PORTILHO, E. M. L. Os Estilos de Aprender e Ensinar da Professora Alfabetizadora.
Revista de Estilos de Aprendizaje, Madri, n. 1, vol 1, abril de 2008. Disponível no site
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