UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS Mestrado em Saúde Coletiva Pensar o Cuidar no Morrer: entre a Obstinação e a Esperança PAULA FERNANDA XAVIER MEDEIROS SANTOS 2012 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS Mestrado em Saúde Coletiva Pensar o Cuidar no Morrer: entre a Obstinação e a Esperança PAULA FERNANDA XAVIER MEDEIROS Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação strictu sensu em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva. Área de concentração: Políticas e Práticas de Saúde Orientadora: Profª Drª Amélia Cohn SANTOS 2012 Dados Internacionais de Catalogação Sistema de Bibliotecas da Universidade Católica de Santos SibiU _________________________________________________________ M488p Medeiros, Paula Fernanda Xavier Pensar o cuidar no morrer: entre a obstinação e a esperança/ Paula Fernanda Xavier Medeiros ; orientadora Amélia Cohn - Santos: [s.n.], 2012. 122 f.; (Dissertação de Mestrado) – Universidade Católica de Santos, Programa de Mestrado em Saúde Coletiva. 1. Cuidados Paliativos. 2. Morte. 3. Obstinação Terapêutica I. Cohn, Amélia (Orientadora). II. Universidade Católica de Santos. III. Título. CDU 614(043.3) _________________________________________________________ FOLHA DE APROVAÇÃO PAULA FERNANDA XAVIER MEDEIROS Pensar o Cuidar no Morrer: entre a Obstinação e a Esperança Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação strictu sensu em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva. Área de concentração: Políticas e Práticas de Saúde Santos, ______de ________________de 2012. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Dra. Amélia Cohn Orientadora – Membro Titular - UNISANTOS ____________________________________________________________ Dra. Silvia Maria Tagé Thomaz Membro Titular - UNIFESP ____________________________________________________________ Dra. Rosa Maria Ferreiro Pinto Membro Titular - UNISANTOS DEDICATÓRIA A Sidney Medeiros, a Família, aos Amigos e a todos que se preocupam, em tempos difíceis, com o sofrimento humano e lutam por tempos mais iluminados. AGRADECIMENTOS Aos Meus Pais Dora e Américo que sempre me deram amor e força, valorizando meus potenciais. A Meu Marido Sidney pela compreensão, carinho e companheirismo. Amo você. A Todos os Meus Amigos e Amigas que sempre estiveram presentes. Agradeço a torcida e amizade de anos. A Minha Turma, pelo aprendizado, convívio e discussões saudáveis que compartilhamos. Especialmente a minha colega de turma e amiga Sandra Alves que embarcou comigo nesse desafio e juntas conseguimos concretizá-lo. A Minha Orientadora, Profª Dra Amélia Cohn, que apostou na abordagem de um tema novo no Mestrado de Saúde Coletiva da UNISANTOS e me acompanhou nesse processo, compartilhando do meu entusiasmo. Obrigada, principalmente pela confiança, o apoio, a partilha do saber, o incentivo à autonomia no aprendizado. E claro pelas conversas na serra. As Professoras Dra Rosa Maria Ferreiro Pinto e Dra Silvia Maria Tagé Thomaz pelas importantes sugestões no Exame de Qualificação e por incentivarem a abordagem do tema. Aos Professores do Mestrado de Saúde Coletiva da UNISANTOS que contribuíram na minha formação, compartilhando muitas vezes mais do que o conhecimento técnico e científico. Ao NEPEC, grupo de pesquisa, pela experiência de uma vida, por compartilhar o conhecimento, incentivar a pesquisa e pelo acolhimento generoso. E especialmente às professoras Rosa Maria Ferreiro Pinto e Fátima Micheletti que têm o dom de captar a beleza onde muitos vêm miséria e dividirem esse desvelamento da realidade com todos. As colegas de Barueri que apoiaram e compreenderam as minhas ausências, especialmente as assistentes sociais Regiane Rodrigues e Suellen Costa. Aos serviços de saúde e assistência social pela cooperação que autorizaram a participação dos profissionais de saúde neste estudo. Agradeço a generosidade e disponibilidade dos profissionais de saúde, sujeitos desse estudo, em compartilhar suas experiências pessoais e profissionais. RESUMO Os dados epidemiológicos de saúde das últimas décadas constatam a ocorrência de mudanças significativas na esperança de vida ao nascer e no perfil de morbimortalidade da população com o aumento do número de portadores de doenças crônicas. Esse novo cenário revela o fenômeno do envelhecimento populacional, como resultante de um processo gradual de transição demográfica no país. O presente estudo propôs-se a entender o significado que os profissionais de equipes de saúde atribuem aos Cuidados Paliativos e a seus respectivos papeis nesse tipo de conduta. Determinaram-se como objetivos específicos: desvelar o significado atribuído à morte pelos profissionais de equipes de saúde; compreender como esses profissionais trabalham a questão da morte nos Cuidados Paliativos; investigar as dificuldades enfrentadas por eles em relação à questão da morte e pacientes terminais e/ ou sem possibilidades de cura no seu cotidiano de trabalho; evidenciar o entendimento que tem sobre os Cuidados Paliativos. Dada a complexidade do tema optou-se por priorizar profissionais de saúde cujos espaços de atuação são o hospital, a instituição de longa permanência para idosos e a assistência domiciliar. Trata-se de uma pesquisa social de metodologia qualitativa que utilizou a entrevista semi-estruturada com 09 profissionais de 03 categorias diferentes, médico (a), assistente social e enfermeiro (a). A interpretação dos dados levou à identificação de quatro eixos de análise: sobre o significado da morte e do morrer; prática profissional e sua relação com a morte; dificuldades em relação à questão da morte e pacientes terminais e/ ou pacientes sem possibilidades de cura; identificação e compreensão dos Cuidados Paliativos. A morte é encarada como parte do cotidiano de trabalho pelos profissionais. Foi possível observar a falta de preparo para lidar com a morte e a relação com a família, bem como a ideologização do hospital como espaço de cura. Os Cuidados Paliativos não são entendidos por todos os profissionais como uma nova forma de cuidados na saúde. Por fim, as considerações apontam toda a complexidade do enfrentamento da questão da morte no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde e colocam os Cuidados Paliativos como uma ideia subversiva, entre outras coisas, por supor o estabelecimento de um vínculo entre profissionais e pacientes, bem como, a valorização da subjetividade nessa relação. Palavras-Chave: cuidados paliativos; morte; obstinação terapêutica. ABSTRACT Epidemiological evidence of health in recent decades show the occurrence of significant changes in life expectancy at birth and mortality profile of the population with increasing number of patients with chronic diseases. This new scenario reveals the phenomenon of population aging as a result of a gradual process of demographic transition in the country. This study aimed to understand the meaning that the teams of health professionals attribute to palliative care and their respective roles in such conduct. It was determined the following objectives: to reveal the meaning attributed to death by teams of health professionals; to understand how these professionals work the question of death in palliative care; investigate the difficulties faced by them in relation to the issue of death and dying patients and / or no possibility of healing patients in their daily work, highlight the understanding they have about Palliative Care. Given the complexity of the subject we chose to prioritize health professionals whose areas of expertise are the hospital, long-term institution for seniors and home care. It is a qualitative methodology of social research that used semi-structured interview with 09 professionals in 03 different categories, MD, social worker and nurse. The interpretation of the data led to the identification of four areas of analysis: on the meaning of death and dying; professional practice and its relationship with death, difficulties in the matter of death and dying patients and / or patients with no possibility of cure; identification and understanding of Palliative Care. Death is seen as part of the daily work of professionals. It was possible to observe the lack of preparedness to deal with death and the relationship with the family, as well as the ideological space of the hospital as cured. Palliative care is not understood by all professionals as a new form of health care. Finally, all considerations point to the complexity of dealing with the issue of death in the daily work of health care professionals and lay Palliative Care as a subversive idea, among other things, supposed to establish a link between professionals and patients as well as the value of subjectivity in this relationship. Keywords: palliative care, death, medical futility. LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1 – Tabela 1 – Alguns precedentes históricos do movimento hospice.....................21 2 – Figura 1 – Linha de cuidado no câncer..............................................................23 3 – Figura 2 – Atenção Integral à Saúde: um olhar sobre o sujeito.........................24 4 – Quadro 1 – Dados de Identificação dos sujeitos da pesquisa...........................79 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABCP Associação Brasileira de Cuidados Paliativos AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida AVDs Atividades da Vida Diária CFESS Conselho Federal de Serviço Social COMET Comitê de Ética CP Cuidados Paliativos CREMESP Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo CTIs Centros de Tratamento Intensivo EUA Estados Unidos da América FMUSP Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo GM Gabinete do Ministro IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ILPIs Instituições de Longa Permanência para Idosos INCA Instituto Nacional do Câncer IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada NEPEC Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação em Saúde Coletiva OMS Organização Mundial de Saúde PAD Programa de Atendimento Domiciliar RMBS Região Metropolitana da Baixada Santista SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SECPAL Sociedad Española de Cuidados Paliativos SUS Sistema Único de Saúde TECLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNIFESP Universidade Federal de São Paulo UNISANTOS Universidade Católica de Santos USP Universidade de São Paulo UTI Unidade de Terapia Intensiva SUMÁRIO Introdução...............................................................................................................13 Capítulo 1 - CUIDADOS PALIATIVOS: UMA NOVA FILOSOFIA DE CUIDADO 1.1 Das origens remotas: Breviário dos Cuidados Paliativos...................................19 1.2 Conceitos de Cuidados Paliativos......................................................................25 1.2.1 Cuidados Paliativos e qualidade de vida .............................................27 1.3 Filosofia dos Cuidados Paliativos.......................................................................27 1.4 A Questão da Dor...............................................................................................29 1.5 A Organização dos Serviços Cuidados Paliativos: modalidades de atendimento..............................................................................................................30 1.6Abordagem multiprofissional e interdisciplinar: quando a soma das diferenças multiplica os resultados ...........................................................................................33 1.6.1 Equipe Multiprofissional........................................................................33 1.6.2 Interdisciplinaridade..............................................................................37 1.7 O doente: autonomia e dignidade......................................................................39 1.8 A Família como cuidadora informal....................................................................43 1.8.1 A família e a equipe de Cuidados Paliativos........................................43 1.8.2 O cuidado: legado familiar?..................................................................46 1.9 Notas sobre legislação em Cuidados Paliativos.................................................48 Capítulo 2 – A SOCIEDADE E O MORRER 2.1 A Representação Social da Morte no Ocidente..................................................50 2.2 A contribuição da Tanatologia para o entendimento do processo do morrer.....56 2.2.1 Estágio da Negação e Isolamento........................................................57 2.2.2 Estágio da Raiva...................................................................................58 2.2.3 Estágio da Barganha............................................................................58 2.2.4 Estágio da Depressão..........................................................................59 2.2.5 Estágio da Aceitação............................................................................59 2.2.6 Luto.......................................................................................................60 2.3 A questão da morte e os profissionais da saúde................................................61 2.4 Obstinação terapêutica: o cuidado em seu excesso..........................................64 2.5 Educar para a morte...........................................................................................66 Capítulo 3 – A PESQUISA E O DESAFIO DO CONHECIMENTO NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO 3.1 A metodologia: caminhos percorridos................................................................70 3.2 Sobre a coleta de dados.....................................................................................72 3.2.1 Aspectos éticos.....................................................................................72 3.2.2 Dificuldades e limitações......................................................................73 3.2.3 Pesquisa de campo..............................................................................73 3.3 Os cenários da pesquisa....................................................................................74 3.3.1 ILPI........................................................................................................75 3.3.2 Hospital.................................................................................................76 3.3.3 Home Care............................................................................................77 3.4 Reflexões a partir das entrevistas: resultados e discussões..............................78 3.4.1 Eixos de análise....................................................................................79 3.4.1.1 Sobre o significado da morte e do morrer...............................80 3.4.1.2 Prática profissional e sua relação com a morte.......................83 3.4.1.3 Dificuldades em relação à questão da morte e pacientes terminais e/ ou pacientes sem possibilidades de cura .......................93 3.4.1.4 Identificação e compreensão dos Cuidados Paliativos.........100 Considerações Finais......................................................................................... 103 Referências Bibliográficas .................................................................................111 Apêndices I - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido II- Roteiro de entrevista 13 INTRODUÇÃO Quando se referem aos dados epidemiológicos de saúde das últimas décadas constata-se que ocorreram mudanças significativas na esperança de vida ao nascer e no perfil de morbimortalidade da população. O último Senso Demográfico realizado pelo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 revela que 11,68% da população total do país representa a população com 60 anos ou mais. Informações de 2011 apontadas nos estudos da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE)1 apontam que a população com 60 anos ou mais do Estado de São Paulo corresponde a 11,53% do total. Enquanto no município de Santos chega a 18,04% e a Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) tem 13,17% da população com 60 anos ou mais. A projeção da SEADE para 2020 dessa faixa etária da população no Estado de São Paulo refere em números totais que serão em torno de 7 milhões de pessoas que representarão aproximadamente 15,9% da população. Além das modificações populacionais, o Brasil tem experimentado uma transição epidemiológica, com alterações relevantes no quadro de morbimortalidade. As doenças infecto-contagiosas, que representavam 40% das mortes registradas no País em 1950, hoje são responsáveis por menos de 10%. O oposto ocorreu em relação às doenças cardiovasculares: em 1950, eram causa de 12% das mortes e, atualmente, representam mais de 40%. Em menos de 40 anos, o Brasil passou de um perfil de mortalidade típico de uma população jovem para um desenho caracterizado por enfermidades complexas e mais onerosas, próprias das faixas etárias mais avançadas (GORDILHO et al apud IBGE, 2009, p.84). Em síntese, as informações sobre a esperança de vida ao nascer apontam, claramente, para um processo de envelhecimento populacional no País, o que vai exigir novas prioridades na área das políticas públicas a serem direcionadas para grupos populacionais específicos. Como exemplo dessas prioridades, destaca-se a formação urgente de recursos humanos para atendimento geriátrico e gerontológico, além de providências a serem tomadas com relação à previdência social, que deverá se adequar a essa nova configuração demográfica (IBGE, 2009, s.p.). Os dados supracitados refletem o fenômeno do envelhecimento populacional, como resultante de um processo gradual de transição demográfica no país. 1 Disponível em: www.seade.gov.br . Acesso em 10.jun.2011. 14 Um novo padrão demográfico brasileiro se caracteriza pela redução da taxa de crescimento populacional e por grandes mudanças na estrutura etária da população, com um significativo aumento do contingente de idosos (IBGE, 2009). Estas modificações, por seu turno, tem imprimido importantes mudanças também no perfil epidemiológico da saúde da população, com alterações relevantes nos indicadores de morbidade e mortalidade. Dados do IBGE2 referentes às morbidades hospitalares3 para o Estado de São Paulo revelam que em 2007 ocorreram 11.140 óbitos por neoplasias (tumores). Os óbitos por neoplasias são mais baixos apenas do que os óbitos por doenças dos aparelhos respiratório e circulatório. Uma projeção da Organização Mundial de Saúde (OMS) das principais causas de morte para 2030, estima que as doenças crônicas4 como o câncer e as doenças cardiovasculares representarão 75,8% das causas de morte (IPEA, 2009). As novas condições clínicas implicam o predomínio das doenças crônicas não transmissíveis e não mais das doenças infecciosas. Tais mudanças levaram à incorporação de padrões de saúde e doença por meio de alterações nos determinantes socioeconômicos, ecológicos e de estilo de vida da população. Na visão tecnológica da medicina, as doenças funcionam como desafio à ciência, ao progresso e reafirmam a ideologia desenvolvimentista, segundo a qual, um dia, as descobertas acabarão com as enfermidades e a morte será vencida. A partir dos interesses coorporativos, elas são o espaço privilegiado de acirramento na guerra competitiva entre grupos profissionais, laboratórios e indústrias de equipamento. Elas medeiam a luta entre saber e poder econômico, organicamente relacionados com o sistema de produção médico. No entanto, a contradição é que, a despeito da imagem salvadora e filantrópica que a corporação médica tenta projetar de si e de seu poder, sua história está carregada de fracassos que evidenciam sua impotência ante a morte. A noção de fracasso, materializada na morte, portanto, faz parte da representação médica da doença. (MINAYO, 2006, p.248) 2 Fonte: Ministério da Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS 2009. Informações apenas das internações efetuadas através da AIH – Autorização de Internação Hospitalar das unidades hospitalares participantes do SUS (públicas e particulares conveniadas). Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em 10.jun.2011. 3 O problema da sub notificação das doenças na área de saúde não foi considerada. 4 Trata-se de doença que acompanha a pessoas por um longo período de tempo, podendo ter fases agudas, momentos de piora ou melhora sensível. 15 Além disso, o avanço da tecnologia na área da saúde, tanto em relação ao avanço de novos equipamentos hospitalares que contam cada vez mais com instrumentos capazes de realizar diagnósticos mais precisos quanto com o surgimento de novos medicamentos desenvolvidos pela indústria farmacêutica, refletem profundamente na prática médica, principalmente na direção da obstinação terapêutica que surge como opção para esta sociedade que encara a morte como fracasso. A obstinação terapêutica também conhecida como futilidade terapêutica é o comportamento de submeter pacientes a tratamentos cujo resultado é mais prejudicial ao paciente do que os sintomas da doença. De tal modo que a partir do momento que a tecnologia possibilitou a cura de inúmeras doenças passou-se a acreditar inconscientemente na imortalidade, sendo a morte tema tabu que se constitui num dos fantasmas do consciente humano; a sociedade ocidental contemporânea passa então a negá-la. Essa negação reflete as mudanças na sociedade que valoriza a produtividade, a juventude e a independência. Por mais que a tecnologia na área da saúde tenha avançado o paciente ainda está sofrendo, talvez não fisicamente, mas emocionalmente. As necessidades de pacientes sem possibilidades de cura e pacientes terminais não mudaram ao longo dos anos; mudou apenas a capacidade em satisfazê-las na medida em que a família e profissionais de saúde se tornaram incapazes de cuidar porque todos estão preocupados em produzir, permanecerem jovens (negação do envelhecimento) e independentes, valores altamente valorizados pela sociedade contemporânea; e à medida que a doença avança esses ideais não são alcançáveis por esses pacientes. Essas mudanças afetaram sobremaneira a organização familiar com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, que até então eram responsáveis pelos cuidados dos demais membros da família. Contudo, mesmo com a pouca disponibilidade, quando necessário ainda é a mulher quem mais se desdobra para atender os familiares. Assim, o envelhecimento da população, como resultado da prevenção e evolução tecnológica da medicina, os problemas relativos às condições de vida da população (desemprego, falta de acesso aos serviços de saúde, moradia precária, alimentação inadequada), o aumento da esperança de vida e o processo acelerado de urbanização e industrialização que contribuem para o crescimento de doenças crônico-degenerativas na população mundial, causará impacto e exigirá 16 transformações nas políticas públicas, principalmente nas áreas de Saúde, Previdência e Assistência Social. As doenças crônicas não transmissíveis trazem uma carga econômica às pessoas portadoras dessas doenças, às famílias e à sociedade em geral ao produzirem elevados custos para os sistemas de saúde, assistência social e previdência social devido à mortalidade e invalidez precoces. Diante da grande incidência de doenças como o câncer e as diversas doenças crônicas, os Cuidados Paliativos chegam, na contramão da visão utilitarista da sociedade capitalista, com uma proposta de aliviar o sofrimento humano que nem sempre se reduz ao aspecto físico. O modelo assistencial que se persegue no cuidado dessas doenças articula os recursos nos diferentes níveis de atenção, para que seja garantido o acesso aos serviços e o cuidado integral. A abordagem dos indivíduos com essas doenças deve acolher as diversas dimensões do sofrimento (físico, espiritual e psicossocial) e buscar o controle da mesma com preservação da qualidade de vida possível. De tal modo, as pessoas devem ser vistas como sujeitos, na singularidade de sua história de vida, condições socioculturais, anseios e expectativas. Os Cuidados Paliativos possibilitam a construção de novas concepções para a vida e, sobretudo, novas significações para a morte. Faz-se urgente quebrar a barreira que se construiu e voltar a discutir a morte, o luto e a perda como processo natural para que se possa contribuir para uma nova postura e atitude diante do inexorável, e encarar o desafio de dar qualidade de vida aos pacientes sem possibilidades de cura e/ ou pacientes terminais. Independentemente da existência ou não de serviços especializados em Cuidados Paliativos nos hospitais, pacientes sem possibilidades de cura ou terminais são usuários cotidianos dos diversos serviços de saúde e o atendimento a esses pacientes pode representar uma situação de extrema dificuldade para a equipe de saúde. O presente estudo propôs-se a compreender como se dá o cuidado a pacientes terminais e/ ou sem possibilidades de cura na visão dos profissionais de equipes de saúde. Para tanto foi estabelecido como objetivo geral: entender o significado que os profissionais de equipes de saúde atribuem aos Cuidados Paliativos e a seus respectivos papeis nesse tipo de conduta. E determinaram-se como objetivos específicos: 17 - desvelar o significado atribuído à morte pelos profissionais de equipes de saúde; - compreender como esses profissionais trabalham a questão da morte nos Cuidados Paliativos; - investigar as dificuldades enfrentadas por eles em relação à questão da morte e pacientes terminais e/ ou sem possibilidades de cura no seu cotidiano de trabalho; - evidenciar o entendimento que tem sobre os Cuidados Paliativos. Dada a complexidade do tema optou-se por priorizar profissionais de saúde cujos espaços de atuação são o hospital, a instituição de longa permanência para idosos (ILPI) e a assistência domiciliar (serviço de Home Care). Foram entrevistados, em cada serviço, profissionais de três categorias diferentes, médico (a), assistente social e enfermeiro (a). O estudo de abordagem qualitativa está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo foca os Cuidados Paliativos, abordando entre outros temas a implantação, a filosofia e os princípios fundamentais da sua assistência. O segundo capítulo trata da representação social da morte no ocidente, da contribuição da tanatologia, da questão da morte e os profissionais de saúde e da obstinação terapêutica. O terceiro capítulo compreende o percurso metodológico empregado e a apresentação dos resultados encontrados na pesquisa de campo. Por fim, as considerações sobre o estudo desenvolvido revelam toda a complexidade do enfrentamento da questão da morte no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde e colocam os Cuidados Paliativos como uma ideia subversiva, entre outras coisas, por supor o estabelecimento de um vínculo entre profissionais e pacientes. O interesse na realização deste estudo na área de Saúde Coletiva deu-se à medida que este campo de conhecimento procura conhecer de que forma a sociedade identifica suas necessidades e problemas de saúde e de que forma se organiza ou não para enfrentá-los. Os Cuidados Paliativos convergem com a Saúde Coletiva, enquanto prática, na medida em que esta propõe um novo modo de organização do processo de trabalho em saúde que enfatiza a melhoria da qualidade de vida, privilegiando mudanças nos modos de vida e nas relações entre os sujeitos sociais envolvidos no cuidado à saúde da população. Entendendo que exista uma potencial necessidade dos Cuidados Paliativos uma vez que a medicina 18 curativa não consegue dar respostas que aliviem o sofrimento em todas as dimensões de pacientes sem possibilidades de cura e ou pacientes terminais. 19 Capítulo 1 - Cuidados Paliativos: uma nova nova filosofia de cuidado “Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar.” (Thiago de Mello) 1.1 Das origens remotas: Breviário dos Cuidados Paliativos Numa perspectiva histórica, o surgimento dos Cuidados Paliativos vem de longe e estariam relacionados às origens dos hospices5 que davam assistência aos moribundos na Europa da Idade Média quando a religiosidade predominava no período. A origem dos hospices remonta à Fabíola, matrona romana que no século IV da era cristã abriu sua casa aos necessitados, praticando assim ‘obras de misericórdia’ cristã: alimentar os famintos e sedentos, visitar os enfermos e prisioneiros, vestir os nus e acolher os estrangeiros. Naquele tempo, hospitium incluía tanto o lugar onde se dava a hospitalidade como a relação que ali se estabelecia. Essa ênfase é central para a medicina paliativa até hoje. Mais tarde, a Igreja assumiu o cuidado dos pobres e doentes, fato que continuou na Idade Média. Na Grã-Bretanha isso foi interrompido abruptamente com a dissolução dos mosteiros no século XVI. O primeiro hospice fundado especificamente para os moribundos foi provavelmente o de Lyon, em 1842. Depois de visitar pacientes com câncer que morriam em suas casas, Madame Jeanne Garnier abriu o que ela chamou um hospice e um Calvário. Na Grã-Bretanha, o renascimento ocorreu em 1905, com o St. Joseph Hospice em Hackney, fundado pelas Irmãs Irlandesas da Caridade. Sua fundadora, Madre Mary Akenhead, era contemporânea de Florence Nightingale, que fundou em Dublin, em 1846, uma casa para alojar pacientes em fase terminal (Our Lady’s Hospice) e chamou-a de hospice, por analogia às hospedarias para o descanso dos viajantes, na Idade Média. Neste mesmo período foram abertos em Londres outros hospices, entre eles o St. Columba (1885) e o St. Lukes 5 Hospice: filosofia de assistência onde não somente o paciente e sua família recebem tratamento, mas o grupo que ali trabalha e interage com eles é semelhante a uma casa. O respeito que se oferece é a base para uma relação que se dá tanto no breve espaço de tempo e contato entre a equipe, paciente e seus familiares, quando na via daqueles que ali permanecem, isto é a busca do sentido que todos necessitamos encontrar para organizar, a história de nossa vida em uma forma que facilite nossa viagem final (Cicely Saunders). Um típico hospice inglês compreende: Serviço de Assistência Domiciliar com médicos, enfermeiras e assistentes sociais especializadas em visitas e cuidados domiciliares (Home Care), centro de cuidados diários (Day Hospice), enfermarias, às vezes Grupos de Pesquisas, Grupos de Apoio ao luto dos familiares e usualmente Serviço de Educação e Especialização. A direção dos serviços cabe a um médico especialista, enfermeira especialista, ou qualquer outro elemento da equipe multiprofissional capacitado para administrar cuidados paliativos (MATOS e MORAIS in Figueiredo, s.d., p.49). 20 (1893), o único fundado por um médico, o Dr. Howard Barret, para acolher pobres moribundos. Em 1967 surge na Inglaterra o St. Christopher Hospice e a pessoa extraordinária e carismática de Cicely Saunders, uma assistente social que cuidava das necessidades dos pacientes em fase final no hospital St. Thomas, em Londres (PESSINI apud Menezes, 2004, p.01-02). Nos Estados Unidos, o movimento hospice tem seu início em 1974, no desenvolvimento de um serviço de internação no hospice de Connecticut, em New Haven. O ethos inicial do movimento em terras americanas foi prevalecentemente anti-médico. No final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, o movimento era uma organização popular, comunitária, dirigida por voluntários e enfermeiras, sem muito envolvimento de médicos. Nos Estados Unidos a atenção à saúde se baseava majoritariamente em empresas de seguro (hoje muito mais), que não incentivavam economicamente tanto os médicos como os hospitais, já que no início dos cuidados de hospice não eram cobertos pelos seguros. Hoje os cuidados paliativos estão contemplados em lei desde 1983, embora ainda existam resistências da Associação Médica Americana em relação à medicina paliativa. Aos poucos essas barreiras vão sendo desfeitas. A American National Hospice Organization, (criada em 1978) registrava em 1988 mais de 2.800 associados, entre serviços de pequeno e médio porte, filantrópicos e curativos. Estima-se hoje que cerca de 500 mil pacientes, dos 2,3 milhões que morrem anualmente nesse país, recebam assistência de hospice (NATIONAL HOSPICE ORGANIZATION apud Pessini in Bertachini e Pessini, 2004, p.185). A tabela abaixo sintetiza alguns precedentes históricos do Movimento Hospice (SECPAL apud Maciel in CREMESP, 2008, p.29): 21 1 – Tabela 1 - Alguns Precedentes Históricos do Movimento Hospice. Assim, o movimento moderno dos Cuidados Paliativos teve início na Inglaterra na década de 1960 com o St. Christhopher´s Hospice e posteriormente foi se desenvolvendo no Canadá, nos Estados Unidos da América (EUA) e nas últimas duas décadas no restante da Europa. O movimento evidenciou a falta de respostas por parte dos serviços de saúde diante da especificidade dos cuidados que teriam que ser dispensados aos doentes incuráveis. Entre as décadas de 1970 a 1990 ocorreu uma ampliação dos programas de cuidados paliativos na Europa e, hoje, o país com a maior rede de cobertura de cuidados paliativos no mundo é a Inglaterra, seguida pela Espanha que em 2000 contabilizava 206 programas específicos de Cuidados Paliativos (PASCUAL apud Andrade, 2007, p.35). Na década de 1980 o movimento dos cuidados paliativos ganha apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS), que passa a estimular os países membros 22 a desenvolver programas de controle de câncer que incluíssem prevenção, detecção precoce, tratamento curativo, alívio da dor e cuidados paliativos. Em 1986 publica o manual Cancer pain relief and palliative care report (O alívio da dor de câncer e os cuidados paliativos) (PESSINI in Bertachini e Pessini, 2004, p.185). Esse modelo de cuidados chegou ao Brasil no início dos anos de 1980, período em que os brasileiros ainda viviam o final de um regime de ditadura militar, cujo sistema de saúde priorizava a modalidade hospitalar, basicamente curativa. O ensino universitário na área de enfermagem, tal como o da medicina, estavam voltados para os aspectos biológicos da doença. A prática era em sua maior parte individual, com abordagens fragmentadas de diversos profissionais, ou seja, intervenções multiprofissionais para um mesmo paciente. Via-se a doença e não a pessoa com uma doença. Vários fatores dificultam a disseminação dos cuidados paliativos no Brasil. Dentre eles, as diferenças socioeconômicas da população e das regiões, a dimensão geográfica do país, a formação nos cursos da área de saúde, a resistência dos profissionais em aderir ao paradigma do cuidar quando não há mais cura, entre outros. Existem 65 serviços de Cuidados Paliativos cadastrados no site da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos6 (ABCP), presentes principalmente nas capitais. Estes serviços, na maioria das vezes, iniciaram suas ações com o controle da dor e, posteriormente, agregaram os Cuidados Paliativos. Eles estão inseridos tanto em instituições hospitalares públicas como em clínicas privadas. A psicóloga clínica Ana Geórgia Cavalanti de Melo7 (2008, p.7) aponta outras dificuldades a serem vencidas para a expansão dos Cuidados Paliativos no país: ausência de uma política nacional de alívio de dor; deficiência na educação de profissionais de saúde e comunidade; preocupações quanto ao uso da morfina e outros opióides8; limitações no fornecimento de outras drogas necessárias para o 6 Fundada em outubro de 1997, é uma associação sem fins lucrativos que visa implantar e promover os cuidados paliativos em doenças crônico-evolutivas durante a fase de progressão e a terminalidade, através da formação de profissionais de saúde, promovendo assistência e desenvolvimento de pesquisas científicas. 7 Fundadora e Ex – Presidente da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABPC), atual Secretária Executiva da ABPC. 8 Opióides são substâncias derivadas do ópio. Eles são classificados em naturais ou sintéticos, de acordo com sua natureza química. Quanto à intensidade de sua ação farmacológica, são fracos ou fortes, sendo os primeiros indicados para a dor moderada e os últimos para a dor intensa ou severa. Combinam-se aos receptores opióides para produzir seus efeitos e são antagonizados pela naloxona (CREMESP, 2008, p.379). 23 alívio da dor; carência de recursos financeiros para pesquisa e desenvolvimento em cuidados paliativos. Um dos serviços de referência é o Serviço de Suporte Terapêutico Oncológico do Instituto Nacional de Câncer (INCA) no Rio de Janeiro, que funciona desde 1989, na modalidade de assistência domiciliar e hospitalar. Com vistas a melhor atender esses pacientes, em 8 de Dezembro de 2005 o então Ministro da Saúde, Saraiva Felipe, criou a Portaria Nº 2.439/GM que institui a Política Nacional de Atenção Oncológica: Promoção, Prevenção, Diagnóstico, Tratamento, Reabilitação e Cuidados Paliativos, a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Dessa forma, o modelo assistencial na linha de cuidado no câncer deve articular os recursos nos diversos estágios de atenção, para que sejam garantidos o acesso aos serviços e o cuidado integral. Todas as pessoas devem ser vistas como sujeitos, na singularidade de sua história de vida – da qual são protagonistas, condições socioculturais, aspirações e expectativas. A abordagem dos indivíduos com a doença deve acolher as diversas dimensões do sofrimento (físico, espiritual e psicossocial) e buscar o controle do câncer com a preservação da qualidade de vida. As figuras a seguir ilustram o caminho a ser percorrido por pacientes diagnosticados com câncer e a forma pela qual estes pacientes devem ser atendidos visando à integralidade do atendimento. Figura 2 – Linha de cuidado no câncer. Fonte: INCA – Instituto Nacional do Câncer. 24 Figura 3 – Atenção Integral à Saúde: o olhar sobre o sujeito. Fonte: INCA – Instituto Nacional do Câncer. Apesar de a maioria dos trabalhos científicos e dos serviços existentes estarem relacionados a pacientes em tratamento na especialidade de oncologia, os cuidados paliativos poderiam e deveriam ser oferecidos a pacientes diagnosticados com diferentes patologias, como: • Neurológicas – doença de Alzheimer, doença de Parkinson, esclerose múltipla, tetraplegias, doenças cerebrovasculares, etc.; • Osteomusculares – osteossarcomas, artrite avançada, osteomielite, etc.; • Cardiopulmonares – quadro asmático grave, enfisema pulmonar, bronquite crônica, insuficiência cardíaca, etc.; • Lúpus Eritematoso Sistêmico; • Quadros metastático; • AIDS; • Insuficiência renal crônica, dentre outras. Tradicionalmente, dada sua origem histórica, os Cuidados Paliativos eram vistos como sendo aplicáveis unicamente no momento em que a morte era iminente. Hoje, os Cuidados Paliativos são oferecidos no estágio inicial do curso de uma determinada doença progressiva, avançada e incurável. 25 Um estudo9 realizado em 2009 por pesquisadores do Massachusetts General Hospital em Boston - EUA comparou pacientes recentemente diagnosticados com metástase de câncer de pulmão de células não pequenas que receberam tratamento padrão e aqueles que receberam Cuidados Paliativos ao longo do tratamento focado na cura desde o momento do diagnóstico, e demonstrou os benefícios desse modelo de atenção. O grupo de pacientes que recebeu os Cuidados Paliativos desde o início do tratamento apresentou melhora na sua qualidade de vida, com menor número de quadros de depressão, além do aumento da sua sobrevida em pelo menos 2,7 meses. Os resultados desse estudo, que foi publicado pelo New England Journal of Medicine, reforçam os Cuidados Paliativos como uma intervenção apropriada e benéfica quando é introduzida desde o momento do diagnóstico de doenças crônicas. Ou seja, essa intervenção deve acontecer concomitantemente a todos os outros tratamentos médicos ligados à doença em si e passar a ocupar mais espaço no acompanhamento do paciente à medida que a doença avançar. A questão que deve ser esclarecida é que, diagnosticada a impossibilidade de cura de uma doença, não significa que o paciente esteja em fase terminal, podendo ainda viver muito tempo com a doença, e é preciso buscar a melhor qualidade de vida para o mesmo. Assim, admitir que se esgotaram os recursos para a cura e que o paciente se encaminha para o fim da vida não significa que não há mais o que fazer: contrariamente, inúmeros outros procedimentos podem e devem ser oferecidos ao paciente e sua família. 1.2 Conceitos de Cuidados Paliativos O conceito de Cuidados Paliativos evoluiu ao longo do tempo e à medida que foi se desenvolvendo em várias partes do mundo. A sua definição levou em consideração as necessidades dos pacientes sem possibilidades de cura e sua família, e não fatores como idade, o órgão do corpo atingido ou uma determinada patologia. Os Cuidados Paliativos podem influenciar outras formas de cuidados de saúde, valorizando aspectos que ficaram em segundo plano a partir do domínio da 9 Early Palliative Care for Patients with Mestastatic Non-Small-Cell Lung Câncer, 2010. 26 medicina chamada científico-tecnológica, tais como dimensões humanas e éticoespirituais da pessoa humana (PESSINI, 2005). A OMS em 1990 definiu Cuidados Paliativos como: O cuidado ativo total de pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. Controle da dor e de outros sintomas e problemas de ordem psicológica, social e espiritual são prioritários. O objetivo dos Cuidados Paliativos é proporcionar a melhor qualidade de vida para os pacientes e seus familiares. Essa definição é positiva no sentido de que se centra no paciente, enfatiza a natureza múltipla da condição humana e identifica a qualidade de vida como seu objetivo maior. Contudo, o uso do termo “curativo” não ajuda, uma vez que muitas enfermidades crônicas não podem ser curadas, mas podem ser compatíveis com uma expectativa de vida por vários anos e até décadas. Os Cuidados Paliativos são cuidados coordenados e integrais, e incluem a assistência aos familiares, ministrados por equipes e unidades específicas de cuidados paliativos, em regime ambulatorial, de internamento ou no domicílio. Os elementos essenciais que os constituem são o alívio dos sintomas, o apoio psicológico, espiritual e emocional do doente e o apoio à família durante a fase do luto, o que implica o envolvimento de uma equipe interdisciplinar de estruturas diferenciadas. A OMS em 1998 definiu também Cuidados Paliativos para crianças, como sendo: Cuidado ativo total para o corpo, mente e espírito, e também envolve o apoio para a família; tem início quando a doença é diagnosticada, e continua independente de a doença da criança estar ou não sendo tratada; os profissionais da saúde devem avaliar e aliviar o estresse físico, psíquico e social da criança; para serem efetivos exigem uma abordagem multidisciplinar que inclui a família e a utilização dos recursos disponíveis na comunidade; podendo ser implementado mesmo se os recursos são limitados; pode ser realizado em centros comunitários de saúde e mesmo nas casas das crianças. 27 Em 2002, a OMS redefiniu o conceito de Cuidados Paliativos, colocando ênfase na prevenção do sofrimento: Cuidados Paliativos é uma abordagem que aprimora a qualidade de vida, dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e alívio do 10 sofrimento , por meios de identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual. Os dois conceitos introduzidos agora colocam o ato de tratar e alíviar os sintomas como objetivos dos Cuidados Paliativos, bem como ampliam a atenção para além dos pacientes, abordando também seus familiares. 1. 2.1 Cuidados Paliativos e qualidade de vida O que se busca para o paciente sem possibilidade de cura e/ ou paciente terminal é aprimorar a sua qualidade de vida, e nestes casos esta não pode ser entendida apenas como ausência de doença; ou seja, a qualidade de vida nestes casos não se refere exclusivamente à questão da saúde. Em 1994 o Grupo de Qualidade de Vida da OMS definiu o termo como sendo “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (OMS apud Minayo et. alii, 2000, p.13). É possível afirmar que este conceito de qualidade de vida não é abordado nessa perspectiva de construção subjetiva em profundidade pelos diversos cursos da área de saúde, como também não é de entendimento da sociedade como um todo. 1.3 Filosofia dos Cuidados Paliativos Os Cuidados Paliativos destinam-se a doentes que não tem perspectiva de tratamento curativo, ou seja, pacientes com doença que progride e cuja expectativa 10 Grifos meus. 28 de vida a princípio é limitada, o seu sofrimento é intenso e apresentam problemas e necessidades de difícil resolução, que exigem apoios específicos, organizados e interdisciplinares. São pacientes sem possibilidades de cura que demandam Cuidados Paliativos. Antes é preciso distinguir ação paliativa de Cuidados Paliativos. A ação paliativa é toda medida terapêutica, sem finalidade de cura, que busca diminuir as consequências negativas da doença sobre o bem-estar geral do doente internado ou no domicílio. As ações paliativas integram a prática profissional, independente da doença ou estágio de evolução. Já os Cuidados Paliativos, embora não tenham a finalidade de cura, tem uma abordagem mais ampla (aspectos espirituais, físicos, psicossociais), portanto, exigem dos profissionais uma capacitação para lidar com a finitude humana. Assim, a partir da definição de Cuidados Paliativos da OMS, tem-se os seguintes princípios fundamentais (OMS, 2002) que norteiam tais cuidados: • Valorizam o atingir e manter um nível ótimo de dor e administração dos sintomas; • Afirmam a vida e encaram o morrer como um processo normal; • Não apressam e nem adiam a morte. Intervenções de Cuidados Paliativos não devem ser para abreviar a vida prematuramente; • Integram aspectos psicológicos e espirituais dos cuidados do paciente. Um nível elevado de cuidado físico é certamente de vital importância, mas não suficiente em si mesmo. A pessoa humana não se reduz a uma mera entidade biológica; • Oferecem um sistema de apoio para ajudar os pacientes a viver tão ativamente quanto possível, até o momento da sua morte. Neste sentido, é importante ressaltar que o paciente estabelece os objetivos e prioridades. O papel do profissional da saúde é capacitar e assistir o paciente em atingir seu objetivo identificado; • Ajudam a família a lidar com a doença do paciente e no luto. Em Cuidados Paliativos a família é uma unidade de cuidados. Neste sentido, os membros da família terão suas questões e dificuldades, que devem ser identificadas e trabalhadas; • Exigem uma abordagem em equipe. É evidente que do exposto até o momento nenhuma pessoa, ou disciplina somente, pode adequadamente lidar com a gama e complexidade das questões que surgem durante o período de cuidados paliativos; • Buscam aprimorar a qualidade de vida; • São aplicáveis no estágio inicial da doença, concomitantemente com as modificações da doença e terapias que prolongam a vida. É importante ressaltar que os Cuidados Paliativos não devem ser encarados como essencialmente diferentes de outras formas ou áreas de cuidados de saúde. 29 O que tornaria complicado, senão impossível, a sua integração no sistema de saúde regular. Diversos elementos cruciais dos Cuidados Paliativos se aplicam perfeitamente à medicina curativa, bem como, de outro lado, o desenvolvimento dos Cuidados Paliativos pode influenciar positivamente outras formas de cuidados de saúde. 1.4 A Questão da Dor A inglesa precursora e referência nos Cuidados Paliativos, Dame Cecily Saunders11 (KÓVACS apud Bertachini e Pessini, 2004, p.286), criou o conceito de “dor total”, uma combinação de elementos das dimensões física, psíquica, social e espiritual da pessoa humana. Frente à mentalidade utilitarista de eliminar o sofredor por causa do sofrimento, Saunders propõe que “o sofrimento somente é intolerável se ninguém cuida” (apud PESSINI in Bertachini e Pessini, 2004, p.24). É fato que a dor ainda não recebe a atenção devida na assistência à saúde. Pesquisas realizadas nas Universidades de Cuidados Paliativos e câncer da OMS revelam que anualmente milhões de pacientes morrem, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, sem receber o devido tratamento da dor e sem terem sido considerados outros sintomas que são tão importantes quanto a dor e também causam sofrimentos. Aqui há que se distinguir entre dor e sofrimento. Para tanto, recorre-se a Pessini (in Bertachini e Pessini, 2004), quando explica as dimensões da dor/sofrimento: • Física – facilmente identificada. Surge de um ferimento, de uma doença ou da degradação progressiva do corpo, impedindo o funcionamento físico e o relacionamento com os outros; • Psíquica – múltiplos fatores podem desencadear sofrimento psíquico, entre eles o enfrentamento da própria finitude que levam à perda da esperança e sonhos ou à necessidade de redefinir-se diante do mundo; • Social – marcada pelo isolamento, consequência da dificuldade de comunicação sentida no processo de morrer, e que muitas vezes leva à perda do papel familiar; 11 Cecily Saunders era assistente social, médica e tinha graduação em inglês. 30 • Espiritual – este tipo de sofrimento surge da perda de significado e do sentido da vida e da esperança. Com relação à dor física, o uso de medicamentos para o seu controle é essencial. Porém, o uso da morfina, ou melhor, a falta de prescrição médica da medicação sob o pretexto de que a droga causa dependência, deixa milhares de pacientes sofrendo dores incomensuráveis. O sofrimento pelo qual passam essas pessoas pode levá-las a desejar a morte e a desistirem da vida. No entanto, pacientes com prognósticos reservados12 deveriam ter a oportunidade de gozar do tempo que lhes resta sem dor, sem tanto sofrimento. Todas as pessoas necessitam de um sentido e de uma razão para viver, e para morrer e a dor pode gerar um pedido de morte. Embora essas dimensões do sofrimento sejam e estejam inter-relacionadas, nem sempre é fácil distingui-las umas das outras, mas todas as dimensões devem fazer parte do atendimento ao paciente. 1.5 Organização dos Serviços de Cuidados Paliativos: Modalidades de Atendimento O funcionamento de um serviço ou unidade de Cuidados Paliativos com uma equipe de profissionais diversificada pode incluir: atendimento simultâneo interdisciplinar aos pacientes/familiares; identificação, capacitação e participação ativa do cuidador e da família; execução conjunta do plano de cuidados, adequando-se à realidade socioeconômica e cultural da família; atendimento psicológico individual ao paciente e familiares; visita domiciliar para identificar as condições de moradia e serviços de saúde mais próximos ao local para atendimento de situações emergenciais em conjunto com outros profissionais; avaliação contínua do atendimento, adequando-se às necessidades do paciente e familiares; contato através de ligações telefônicas periódicas; contato com outros serviços para que haja envolvimento nos casos de retorno à cidade de origem; acompanhamento psicológico do cuidador/família na fase de luto; discussão dos casos e condutas pela equipe para manter coerência e unidade nas decisões; 12 Prognóstico reservado é uma expressão largamente utilizada no meio médico, referente à impossibilidade de cura da doença e proximidade da morte (MENEZES, 2004, p.119). 31 discussão de artigos específicos visando à contínua atualização entre as especialidades. Após a adesão do paciente e da família aos Cuidados Paliativos, o paciente é atendido pela (o) assistente social, que lhe repassa todas as informações referentes ao funcionamento do serviço, levanta dados sobre sua condição socioeconômica e familiar, seus possíveis cuidadores, suas angústias, dúvidas e preocupações, assim como de seus familiares. A intervenção do assistente social tem como finalidade levar o paciente e a família a uma reflexão sobre os determinantes do processo saúde-doença e propor a construção de formas de enfrentamento da doença, de lidar com os sintomas, realinhando a vida e as relações sociais à nova etapa de suas vidas. Muitas vezes, o assistente social é responsável pela vinculação entre o paciente, a família e o profissional de saúde por meio do fornecimento de informações sobre o funcionamento da instituição e os serviços oferecidos. Este tipo de informação ajuda a construir uma relação de confiança entre o paciente e a instituição. Em seguida, o paciente passa por uma avaliação com a equipe de enfermagem, que avalia suas condições clínicas e se há necessidade de atendimento domiciliar. Paralelamente são apresentadas pela (o) assistente social aos outros membros da equipe as informações levantadas na entrevista social. Encaminha-se o paciente ao médico, que realiza os encaminhamentos para procedimentos como exames, avaliações com outros especialistas, internamento, prescrição de medicamentos, além de reforçar o objetivo do serviço e captar outras demandas não observadas. Ao mesmo tempo a avaliação do paciente é complementada de forma integral pelas demais áreas (psicologia, nutrição, fisioterapia etc.). Caso seja necessário, outros profissionais são acionados e o paciente ainda pode ser encaminhado para outros programas existentes. Durante a avaliação o paciente e a família devem ser esclarecidos e informados quanto ao objetivo do acompanhamento em Cuidados Paliativos e terem a clareza de que a equipe não possibilitará a cura do mesmo. A seguir, após a avaliação da equipe, a tomada de decisão é feita de forma conjunta visando definir o melhor tipo de atendimento a ser oferecido pela instituição de saúde de acordo com o serviço disponível: hospitalar; domiciliar ou ambulatorial. O atendimento ambulatorial é destinado aos pacientes que apresentam condições físicas, socioeconômicas, familiares, de locomoção (transporte) e de 32 acompanhantes que lhes possibilitem comparecer aos controles periódicos no hospital. As consultas são agendadas com antecedência de acordo com a gravidade e intensidade dos sintomas. A partir do momento que ocorre o agravamento da doença e a impossibilidade de comparecer ao hospital, a equipe passa a atendê-lo no domicílio, se houver o serviço disponível. O atendimento domiciliar é direcionado aos pacientes que não possuem condições de deslocar-se até o hospital. Assim, permanecem em suas casas com seus familiares, recebendo a atenção e os cuidados necessários a partir das orientações e do apoio dos profissionais, se houver uma estrutura mínima que garanta o conforto do paciente na residência. A frequência dos atendimentos domiciliares é analisada de acordo com a necessidade de cada caso. Geralmente, no mínimo, dois membros da equipe realizam a visita, objetivando observar as condições físicas e ambientais do paciente, orientar e improvisar as adaptações necessárias ao atendimento, fiscalizar as condições sanitárias do ambiente, capacitar os familiares no cuidado com o doente e avaliar a necessidade de assistência do paciente pelos demais membros da equipe. Depois da primeira visita domiciliar, a equipe decide sobre as visitas seguintes e coloca-se à disposição para tirar dúvidas e, a qualquer momento, orientar familiares, se necessário. E mesmo não existindo demanda para todos os profissionais que realizam a visita domiciliar, é importante que continuem indo para manter o vínculo com o paciente e a família. É comum que os hospitais delimitem uma área de abrangência em torno do mesmo para o atendimento domiciliar. Neste caso, na área territorial onde houver o Programa de Atenção Domiciliar13 (PAD) pode-se recorrer ao trabalho dessa equipe. O atendimento hospitalar, em internamento, é exclusivo para os pacientes que apresentam sintomas de difícil controle e manejo relatado pela família ou apresentem sérios problemas que demandem atendimentos diários dos membros da equipe de saúde. Independente do tratamento realizado, o paciente e seus familiares devem ser informados dos riscos que o mesmo apresenta, e o tratamento deve ser com 13 O Programa de Atendimento Domiciliar (PAD) é oferecido para pacientes que necessitam de cuidado em suas casas. Tem como foco a orientação e a educação continuada para os pacientes, familiares e cuidadores. São realizadas visitas regulares a pacientes acamados, que não podem se locomover até uma unidade básica de saúde para receber tratamento. O PAD é oferecido pelos municípios (alguns) e normalmente atende determinada área de abrangência da Unidade Básica de Saúde. 33 eles discutido, para que o direito deles de participar ativamente das decisões que envolvem seu tratamento não seja tolhido. Por outro lado, a falta de entendimento e de comprometimento de algumas equipes de saúde com os pacientes, de um modo geral, pode colaborar para o abandono do mesmo na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e enfermarias dos hospitais. Por todo o acompanhamento e mesmo após a morte, a comunicação é elemento fundamental para todos os envolvidos, passando informações de forma transparente, objetiva e numa linguagem acessível a todos (equipe de saúde/paciente/família). A importância de falar a verdade sobre o prognóstico está na possibilidade da resolução de problemas de diferentes ordens (afetivo/ financeiro), da preparação da família para uma nova organização familiar. A revelação do diagnóstico e do prognóstico pode partir tanto do familiar para o paciente quanto o inverso, porém primeiro a receber a notícia na maioria das vezes não é o paciente. A informação é entendida como direito social, condição para o exercício da cidadania e para realizar escolhas. 1.6 Abordagem multiprofissional e interdisciplinar em Cuidados Paliativos: quando a soma das diferenças multiplica os resultados 1.6.1 Equipe multiprofissional Cabe à equipe de Cuidados Paliativos lidar com a história de vida do paciente, muito mais do que com a sua doença. Isso implica também lidar com o imaginário deste e de sua família. Além de instrumentalizá-los a buscar seus direitos e benefícios sociais adquiridos como portadores de determinadas doenças. Dentre os profissionais que compõem a equipe de Cuidados Paliativos, o médico ocupa lugar de destaque por ser portador de uma representação social14 14 “A produção das ideias, das representações, da consciência está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material entre os homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens aparece aqui como a emanação direta de seu comportamento material (...) os homens são produtores de suas representações, de suas idéias, etc...mas os homens reais, ativos, tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde.” (ENGELS e MARX , 1999, p. 36-37). 34 emblemática. O imaginário social atribuiu ao médico poderes que ele não tem, como se este fosse um homem (ser humano) munido de “super poderes”, capaz de driblar e superar a morte. Ao longo do tempo os médicos incorporaram esse ideário e, muitas vezes se comportam como se fossem “deuses descidos”, e dessa forma acabaram por adquirir poderes de fato. É no hospital, principalmente, que demonstram seu poder nas relações de força que estabelecem com os demais, sejam profissionais de outras categorias, pacientes ou familiares. Assim, quase sempre o paciente procura o médico com a ideia de que ele resolverá seu problema, de que ele será seu “salvador”. E quando os “super poderes” não são suficientes para evitar a morte de um paciente, e isso acontece com frequência, essa representação de “salvador” muitas vezes já internalizada pelo médico é tão forte que recai sobre o próprio profissional que se cobra muito e não reconhece os limites da sua atuação profissional. Os médicos se sentem desconfortáveis ao lidar com pacientes sem possibilidade de cura, pois enfrentam a realidade de que seus conhecimentos médicos e habilidades técnicas nem sempre serão suficientes. A expectativa criada a partir dessa relação pode levar o profissional à frustração e ao estresse. No entanto, não raro, como no caso, por exemplo, de uma pessoa que perdeu um ente querido numa cirurgia, a culpa “do fracasso” recai sobre a equipe ou o hospital, e não na figura do médico. Percebe-se mesmo nesses casos que a responsabilidade pela morte não é dirigida diretamente ao médico. As pessoas não se dão conta que mesmo com o comprometimento total dos profissionais de saúde, eles encontram limitações na sua prática, inclusive pelas condições de trabalho que lhes são oferecidas. Rubem Alves relembra uma cena de infância, a tela de Sir Samuel Luke Fildes (1844-1927) O médico (1891) enquanto aguardava uma consulta médica e escreve sobre a relação entre o médico e paciente. Instrumentos musicais existem não por causa deles mesmos, mas pela música que podem produzir. Dentro de cada instrumento há uma infinidade de melodias adormecidas, à espera de que acordem do seu sono. Quando elas acordam e a música é ouvida, acontece a Beleza e, com a Beleza, a alegria. O corpo é um delicado instrumento musical. É preciso cuidar dele, para que ele produza música. Para isso, há uma infinidade de recursos médicos. E muitos são eficientes. Mas o corpo, esse instrumento estranho, não se cura só por aquilo que se faz medicamente com ele. Ele precisa beber a sua própria música. Música é remédio. Se a música do corpo for feia, ele ficará triste – poderá mesmo até parar de querer viver. Mas se a música for bela, ele sentirá alegria, e quererá viver. Em outros tempos, os 35 médicos e as enfermeiras sabiam disso. Cuidavam dos remédios e das intervenções físicas – bons para o corpo – mas tratavam de acender a chama misteriosa da alegria. Mas essa chama não se acende com poções químicas. Ela se acende magicamente. Precisa da voz, da escuta, do olhar, do toque, do sorriso. Médicos e enfermeiras: ao mesmo tempo técnicos e mágicos, a quem é dada a missão de consertar os instrumentos e despertar neles a vontade de viver... (ALVES apud Oliveira, 2007, p.95). Apesar desta forte representação que o médico possui dentro de uma equipe de Cuidados Paliativos, o relacionamento entre seus membros deverá ser horizontal, sem a prioridade e hegemonia de uma especialidade sobre outra, nem de um profissional sobre outro. Todos os cuidados do doente são realizados por profissionais de diversas categorias que farmacêutico, visam terapeuta atender ao ocupacional, sofrimento físico fisioterapeuta, (médico, enfermeira, nutricionista), mental (psiquiatra e psicólogo), social (assistente social) e espiritual (padre, pastor, rabino, monge budista, espírita etc.). Resumem-se, assim, os papeis de alguns destes: • Médico - Especialista em Medicina Paliativa e Terapia da Dor. • Enfermeira - Profissional importante da equipe de socorro e manejo da dor. • Assistente Social - Elemento importante como elo de ligação entre o “hospice” ou serviço de saúde, a família, o doente e a comunidade. Encarrega-se da avaliação social, ambiental e econômica do binômio doente/família. Fornece informações sobre o território/ comunidade onde o usuário vive. • Psiquiatra e/ou Psicólogo - Profissional que avaliará o perfil psicológico do paciente, seu estado emocional atual, sua capacidade de enfrentamento da doença, oferecendo ferramentas para o paciente e familiares para um lidar mais natural com a situação da finitude de uma vida. • Fisioterapeuta - Profissional voltado para a reabilitação do paciente após um surto de dor incapacitante, estimulação da capacidade funcional residual do paciente. • Farmacêutico - A assistência farmacêutica está sobretudo focada em informar sobre as disponibilidades dos medicamentos aos demais membros da equipe, com relação às possibilidades farmacotécnicas e aos aspectos legais, bem como aos pacientes e familiares, quanto ao uso e ao 36 armazenamento corretos dos medicamentos. Contribui com informações sobre interações medicamentosas e reações adversas a medicamentos. • Terapeuta ocupacional - realiza atividades significativas para os pacientes e seus familiares; orienta e adapta as Atividades Básicas da Vida Diária, maximizando a autonomia e independência do paciente; orienta o posicionamento, a fim de evitar deformidades que aumentem ou causem dor. Com a progressão da doença, as atividades e recursos terapêuticos são adaptados de acordo com as possibilidades e interesses do paciente. • Cuidador (a) – Principal responsável pelos cuidados do doente, que pode ser um familiar ou um amigo. Deve ser participante ativo da equipe, embora não deva ser sobrecarregado de informações e cobranças. Geralmente o aspecto religioso/espiritual é uma manifestação do próprio paciente e/ou familiar, embora muitas vezes de maneira indireta. O apoio religioso/ espiritual pode colaborar com o trabalho da equipe de saúde como um todo, visto que a espiritualidade é uma importante ferramenta para enfrentar determinadas situações e usá-la sempre que possível pode fortalecer o paciente, independente da religião à qual seja adepto. De forma que propor o acompanhamento de uma figura religiosa mais próxima do paciente pode ajudá-lo a enfrentar a própria terminalidade. Quando o profissional de saúde atua em Cuidados Paliativos ele passa a acompanhar o paciente até seu percurso final. O foco da sua prática deixa de ser a cura e passa a ser o cuidado. Mas, o profissional de saúde não foi preparado para esse momento na universidade. Por isso, a atenção em relação aos profissionais de saúde que lidam com pacientes sem possibilidades de cura é necessária. Esse profissional deverá estar habilitado a lidar com emoções, suas e daqueles com quem terá que conviver ao longo de sua vida profissional, passar por capacitações específicas e aperfeiçoar suas habilidades de comunicação. Em suma, deve-se criar condições para que o profissional se sinta gratificado com seu trabalho, de forma que possa se sentir emocionalmente estimulado; que o trabalho possa ser sentido como um desafio intelectual; que o profissional possa se sentir participando de um empreendimento socialmente significativo e conseqüentemente valorizado. Que também se perceba desempenhando papel importante em experiências humanas; que tenha consciência de suas experiências 37 existenciais também são significativas e que sua experiência profissional é algo especial (CARVALHO apud Bertachini e Pessini, 2004, p.319). Todos os dias, os profissionais de saúde estão em contato com a dor, a angústia, o medo e a solidão. Torna-se imprescindível a discussão com os mesmos sobre a percepção da representação que tem de suas mortes e seu morrer. Que sentimentos, fantasias e medos são desencadeados a partir de sua história de vida e como vivenciam o processo de adoecer e morrer. Todas as organizações e as instituições de saúde deveriam manter um programa para cuidar de seus funcionários, para que eles possam cuidar dos pacientes na perspectiva de garantir a autonomia dos pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura e ou terminais. 1.6. 2 Interdisciplinaridade Um dos princípios dos Cuidados Paliativos é a atuação em equipe interdisciplinar, onde cada profissional, com o seu saber, contribui para o alívio da dor, independente da sua dimensão, e o preparo para a morte do paciente, mas ainda é difícil encontrar no cotidiano das instituições de saúde a atuação interdisciplinar. O trabalho interdisciplinar exige que os profissionais dialoguem, se respeitem, e estejam preparados para partilhar suas angústias, preocupações, inseguranças e fragilidades. Embora nem sempre seja fácil, o esforço garante resultados melhores e, consequentemente, maior satisfação com o próprio trabalho. Além do que, evidencia que nenhuma pessoa é capaz de dar todas as respostas para o enfrentamento das demandas de um paciente em Cuidados Paliativos, sendo fundamental “ver o todo, não pelo somatório das partes que compõem, mas pela percepção de que tudo sempre está em tudo, tudo repercute em tudo, permitindo que o pensamento ocorra com base no diálogo entre as diversas áreas do saber” (GOULART apud Lima, s.d., s.p.). A interdisciplinaridade é um instrumento que pode colaborar para a melhoria do atendimento, ou seja, dar resposta mais qualificada às demandas trazidas pelos usuários. Mas exige relações horizontais em contraposição à tomada de decisão 38 que sempre vem do alto escalão das instituições e não ouve a equipe como um todo; disponibilidade; saber lidar com o conhecimento diferente que cada um possui. Isso implica interdependência disciplinar, trabalhar com as ideias do outro para que os saberes se complementem. É um exercício de comunicação e relações interpessoais, sem dúvida um desafio, porque pressupõe uma reavaliação das relações de poder dentro das instituições. Para compreender melhor a realidade, a mudança deve ter a direção da parceria, porque não vivemos sós, porque precisamos do olhar do outro, porque o outro entende, analisa, vive e observa por um ângulo sempre diferente do nosso, ampliando nosso próprio olhar (ARNT, 2002, p.74). Porém, algumas equipes que se propõem a desenvolver uma ação interdisciplinar ainda estão num primeiro nível de integração do trabalho que é apenas o nível multiprofissional, caracterizada pela troca de informações. Há uma dificuldade em transitar pelos saberes, mas na atuação das equipes interdisciplinares, essa prática deve ser realizada por todas as categorias profissionais, e se constitui num exercício diário com avanços e recuos. Desta forma não é mais possível conceber que um atendimento seja só médico. O atendimento tem que ser interdisciplinar, com a colaboração e cooperação de diferentes especialidades no exame de um mesmo caso. O ser humano é o todo, é uma pessoa com inúmeras necessidades e “a ausência da interdisciplinaridade, representada na fragmentação dos dispositivos das tecnologias em saúde, pode implicar práticas reificadas” (LEWGOY, MENDES e SILVEIRA, 2008, p.25). É relevante atentar para o fato de que os profissionais não podem ser os únicos responsáveis pela construção de uma prática interdisciplinar, pois para a sua concretização devem-se levar em consideração as condições objetivas, materiais, históricas e subjetivas de cada profissional envolvido. Nesta perspectiva, o livro “Saúde e Serviço Social” 15 organizado por Bravo e outras, traz para a discussão uma determinada leitura da questão da interdisciplinaridade: 15 2007. 39 Acrescentamos que alguns autores, como Minayo (1994), Frigotto (1995) e Jantsh & Bianchetti (1995), trazem, para a mesa do debate teórico, a leitura marxista da interdisciplinaridade, em que está implícita a inclusão dos determinantes históricos, econômicos, culturais e a fundamentação ético – política, como elementos constitutivos da totalidade, e em que o sujeito (profissional de saúde) não pode ser visto como o único responsável pela desconstrução/ construção de uma prática interdisciplinar. Devem-se sempre levar em conta as condições objetivas, históricas, materiais e subjetivas para sua concretização (TEIXEIRA e NUNES apud Bravo, 2007, p.123). Um dos desafios da concretização do trabalho interdisciplinar está na superação do medo por parte de algumas categorias, de perder o prestígio social e pessoal historicamente construídos e, ainda, a questão da ética profissional, o que inviabiliza um maior comprometimento dos mesmos com o paciente e a própria equipe. Destaca-se que muitas vezes os profissionais são atropelados pela emergência em dar respostas às demandas e acabam subtraindo o privilégio da reflexão16. Contudo, deve-se manter acesa e renovada a discussão sobre interdisciplinaridade cuja construção se dá no cotidiano profissional. Nesse tipo de trabalho, os profissionais de saúde passam a ouvir o paciente e a ter paciência. Na medida em que a qualidade de vida melhora, os pacientes internados ou que estão no domicílio demonstram a satisfação pelo atendimento que recebem e os profissionais se sentem recompensados pelo trabalho realizado. 1.7 O Doente: Autonomia e Dignidade É através do corpo que toda a fragilidade humana se mostra. A doença chega com uma série de limitações que podem tirar a autonomia e ferir a dignidade da pessoa humana. A doença significa um dano à totalidade da existência. Não é o joelho que dói. Sou eu, em minha totalidade existencial, que sofro. Portanto, não é uma parte que está doente, mas é a vida que adoece em suas várias dimensões: em relação à si mesmo (experimenta os limites da vida 16 O sistema de saúde brasileiro faz com que os profissionais disponham de pouco tempo para ouvir o seu paciente com atenção e estabelecer com ele uma comunicação adequada. Logo pacientes e familiares não conseguem espaço para colocar suas dúvidas e aflições, dando margem a fantasias que dificultam o entendimento do diagnóstico e prognóstico. 40 mortal) em relação com a sociedade (se isola, deixa de trabalhar e tem que se tratar num centro de saúde), em relação ao sentimento global da vida (crise na confiança fundamental da vida que se pergunta por que exatamente eu fiquei doente?) (BOFF, 2000, p.143). Um pressuposto básico da assistência paliativa é o respeito aos desejos do paciente e à sua autonomia, importante para se viver e morrer com dignidade. E quando o doente busca sua própria autonomia significa que ele deseja manter o controle da situação e espera ser respeitado em suas opções. Para que o paciente tenha condições de escolha são necessários o esclarecimento das opções terapêuticas e suas consequências. Além disso, para viver com dignidade é necessário: manter a privacidade, ter a chance de se expressar, se divertir, questionar e ter respostas diretas, a oportunidade de ter o melhor controle possível dos sintomas, tudo isso é parte do que constitui dignidade na vida da pessoa num programa de Cuidados Paliativos. A pioneira na abordagem de pacientes no processo de morrer, Elizabeth Kübler-Ross, fala com propriedade sobre a autonomia nesse momento: Uma boa morte significa não sofrer e passar por sofrimentos intensos que faz o paciente clamar contra o mundo. Uma boa morte significa que se possa escolher onde morrer: caso queira morrer em casa, pode-se morrer em casa. Uma boa morte significa que se tenha ao lado alguém que escute e que não nos coloquem na última enfermaria do hospital, longe de todos, sozinho. Uma boa morte significa que ninguém vai ministrar-me uma overdose de nada para tirar-me a vida prematuramente: isto é algo que é contrário a uma lei universal. Morrer com dignidade significa que eu tenha permissão de morrer com o meu caráter, com minha personalidade, com meu estilo (apud Figueiredo, s.d., p.107). E tratando a autonomia como um direito humano universal: O livre desenvolvimento da personalidade humana está intrinsecamente ligado à idéia de autonomia do sujeito, de âmbito de autodeterminação jurídica, pois a liberdade é imprescindível para a materialização dos direitos de personalidade, para o livre desenvolvimento da pessoa, para sua dignidade [...] É necessário refletir sobre o grau de autonomia jurídica que a pessoa tem quanto ao processo de morte. Afastando-se a eutanásia, a idéia de morte digna permite à pessoa a autodeterminação a respeito dos últimos momentos de sua vida, com poderes, inclusive, para elaborar documentos que vinculem terceiros, como no caso do testamento vital. O 41 reconhecimento da autonomia da pessoa quanto a esses momentos é imprescindível para a garantia de sua dignidade [...] Deve-se compreender que a dignidade da pessoa humana não é um conceito objetivo, absoluto, geral, possível de ser abstraído em padrões morais de conduta e a serem impostos a todas as pessoas. Sem a consideração da alteridade e da tolerância, ignorando-se a pluralidade e a complexidade da sociedade atual, o uso do princípio da dignidade humana pode ser usado para a negação da pessoa, para a homogeneização dos indivíduos e para a negação da dignidade (BORGES, 2005, s.p.). Algumas vezes a família não quer que o doente saiba da sua doença e, ao esconder informações sobre a evolução da mesma, lhe nega a condição de indivíduo autônomo, capaz de tomar decisões. Portanto, a autonomia só é possível com a colaboração da família e da equipe paliativista. Exemplo da perda de autonomia: O caso de um paciente de 84 anos, semelhante ao que observamos em centros de tratamento intensivo. Consciente, pediu que não se tentasse nenhuma intervenção, sentia que “já tinha vivido o suficiente e gostaria de morrer em paz”. Entretanto: Havia tubos por todos os orifícios do seu corpo, todas as atividades vitais eram realizadas por máquinas, as mãos estavam amarradas, da sua boca torta saía o tubo do respirador, com seu ruído constante. O único meio de comunicação que lhe restava eram os olhos, que expressavam profunda tristeza, e dos quais rolavam lágrimas. Neste caso o processo de morte não pertence mais à pessoa, tira-se a sua autonomia e sua consciência. O paciente encontra-se muitas vezes só, porque os horários de visita são estabelecidos segundo a conveniência do hospital. Perde a noção do dia e da noite porque a iluminação é sempre igual. Os seus companheiros são tubos e ruídos de monitores, e não a voz e a imagem dos familiares (KOVÁCS apud Oliveira, 2007, p.56). Ainda acontecem situações em que os pacientes na fase final da vida são isolados numa ala do hospital ou em casa pela família. Esse isolamento faz com que se sintam inferiores, sem valor e inúteis. Estar doente, na sociedade atual, é o mesmo que não produzir, sendo isso considerado como vergonhoso e por isso o doente deve ser escondido, fazendo com que não interfira também na produção dos familiares e amigos (PITTA, 1999). O trabalho é uma das dimensões das sociedades contemporâneas que mais sofre mutações, e se configura como um dos grandes desafios na atualidade. As repercussões da doença na vida do paciente trabalhador devem ser abordadas 42 com o intuito de tentar traçar estratégias para minimizar seus efeitos. O paciente pode ter o afastamento, a restrição ou a interrupção do trabalho em consequência da doença e ainda as limitações do desenvolvimento de diversas atividades do cotidiano. Na medida em que o corpo fica vulnerável, que é sua força de trabalho, e, portanto, fonte de subsistência e única estratégia de sobrevivência, retira a utilidade e o papel social do paciente nesta sociedade. Essa realidade social espolia expectativas dignas de vida, ao retirar a possibilidade desses sujeitos pensarem projetos de vida diferentes. O sofrimento também surge com a evolução da doença, deixa a pessoa cada vez mais fragilizada e dependente de outras, diminuindo a sua autonomia e ferindo a sua dignidade. O sentimento de desvalor é uma das principais fontes de sofrimento. O prevalecimento da autonomia leva a um novo tipo de relação médico/paciente, na qual a tomada de decisões passa a ser compartilhada, deixando de ser exclusiva do médico que, até então, decidia e informava o paciente sobre as etapas do tratamento, em uma posição paternalista e autoritária, legitimada pelo saber técnico. Essa fase era marcada pela perda da autonomia do paciente e sua submissão ao poder médico. Por se tratar de uma mudança no modelo de tomada de decisão, os profissionais, os pacientes e os familiares podem ter dificuldades em assumir os novos papeis atribuídos pela filosofia dos Cuidados Paliativos que podem ser sanadas dia–a–dia, sendo um desafio a enfrentar. Apesar de parecer simples, estabelecer esse tipo de relação é de grande complexidade por envolver relações de poder e por demandar uma relação sujeito-sujeito17. Assim, quando o quadro clínico permitir, incentiva-se o paciente a realizar o que ele deseja no momento. Entre as inúmeras histórias de pacientes em Unidades de Cuidados Paliativos conta-se que casamentos e batizados foram realizados, além de desejos como comer algo que há muito tempo lhe fora proibido pelo 17 Para Merhy, quando um trabalhador dos serviços encontra-se com o usuário, no interior de um processo de trabalho, estabelece-se entre eles um espaço mediador que sempre existirá nos seus encontros, mas só nos seus encontros em ato. No caso dos serviços de saúde, essa mediação é compartilhada, porque o usuário não é apenas consumidor dos efeitos úteis do trabalho e/ou de insumos, medicamentos etc., mas é co-participante do processo de trabalho, na medida em que dele dependem o fornecimento de informações sobre seu estado de saúde e o cumprimento/aplicação das prescrições médicas e indicações terapêuticas (apud Costa, s.d., 6). 43 médico por ocasião do tratamento. O importante é que esses desejos tenham significado para o paciente e que reflitam na sua qualidade de vida. De forma que valorizar a sua autonomia possibilita ao paciente planejar a vida que lhe resta e a este não perder a sua identidade. Mas tudo isso não acontece sem o apoio e colaboração da família. 1.8 A Família como Cuidadora Informal 1. 8.1 A família e a equipe de Cuidados Paliativos A família, independente da sua composição, é a primeira e a mais importante agência socializadora. É entre as pessoas que as constituem que se estabelecem vínculos afetivos profundos, positivos ou negativos. A família é fundamental para o desenvolvimento psíquico do indivíduo e é uma das responsáveis pela transmissão de normas e valores de caráter mais geral. Ela insere e situa o indivíduo na sociedade. Desse modo, quando se cuida de um paciente sem possibilidades de cura torna-se tão importante olhar para o entorno deste paciente e assistir à sua família, porque ela faz parte do mesmo. A maneira como o paciente e seus familiares encaram o tratamento e todos os acontecimentos do processo evolutivo da doença até a morte, depende da maneira como ele viveu e se relacionou com seus familiares. Quando ele recebe o diagnóstico de uma doença em estágio avançado e sem possibilidade de cura, muitas vezes os sentimentos e os comportamentos das pessoas mudam entre si. No entanto, “nossas atitudes são modificadas a partir de novas informações, novos afetos ou novos comportamentos ou situações” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1988, p.112). O primeiro contato dos familiares com a equipe de saúde molda a forma como se dará esse relacionamento. A partir daí todo o relacionamento, até o período de luto será: ótimo, bom, médio ou ruim, podendo até ocorrer, em casos extremos, o abandono total do hospital, ambulatório ou consultório. Para a equipe o “cuidador ideal” é aquele que incorpora o ideário dos Cuidados Paliativos. A assistência aos familiares está associada ao reconhecimento de suas necessidades, pois a doença crônica afeta a família ao provocar: mudanças na 44 rotina diária; compartilhar responsabilidade por cuidados; experiência de fortes emoções (culpa, raiva, tristeza, medo, ansiedade e depressão); manter um senso de vida “normal”, permitindo a integração do paciente na vida familiar sem se sentir culpado por estar doente. Outro ponto fundamental é a comunicação. É preciso observar como os membros da família se integram, comunicam, exteriorizam seus sentimentos tanto entre si como com o doente e a equipe de saúde. Observar gestos, frases soltas, a divisão da responsabilidade no interesse pelo doente e os sinais de estresse. Considerando a premissa dos Cuidados Paliativos sobre a desinstitucionalização da morte, a garantia de que o paciente tenha condições de permanecer em domicílio depende da presença constante daquele que denominamos “cuidador”, tratando-se na maioria das vezes de um familiar. Entre as tarefas do cuidador estão: dar banho (às vezes no leito); ministrar medicação na dose e horários corretos; preparar e dar alimentação adequada; fazer curativos, etc. Essa pessoa precisa ter estrutura emocional e seguir as orientações dadas pela equipe de Cuidados Paliativos. O cotidiano dos familiares é invadido por sentimentos de angústia e pelo cansaço que devem ser minorados a partir dos resultados do trabalho realizado pela equipe. Alguns elementos do trabalho da equipe que dão segurança à família: a forma delicada de tratar o doente; grau de controle dos sintomas; informação e educação para melhorar o cuidado; informações sobre a doença e suas complicações; acessibilidade à equipe de saúde; poder participar de sua assistência; conhecer como agir em caso de urgência; poder consultar outros especialistas; saber como acionar os diversos recursos; reconhecimento de seu trabalho. Os objetivos da ajuda aos familiares são: satisfazer suas necessidades de informação; melhorar a comunicação; oferecer segurança; facilitar sua participação no cuidado; ajudá-los a entender o doente; dar apoio emocional e físico; reduzir seus medos; facilitar a tomada de decisões; ajudá-los a cuidar de si mesmos e acompanhá-los na dor e durante o luto. Entre os pressupostos desse trabalho estão o bom senso, respeito pela família e o resgate dos seus valores para que a mesma se descubra detentora do poder e do direito de mudar. 45 Se a tão pregada neutralidade no entendimento da questão que nos é proposta e no atendimento do paciente é quase utópica em algumas situações, é imprescindível que toda a equipe conheça e reconheça a família com quem manterá contato no trato com o paciente. É imprescindível que a perceba como exatamente é – família real – e não como gostaríamos que fosse – família ideal. Nem sempre os vínculos foram formados de maneira satisfatória, nem sempre aquele que está morrendo “é amado por todos”, nem sempre a família tem condições adequadas de cuidar, (sejam essas condições financeiras, emocionais, organizacionais) e nem sempre o paciente quer ser cuidado da forma como avaliamos como necessária e ideal (ANDRADE, 2008, p.70). A família de um paciente sem possibilidades de cura procura ajuda dos serviços de saúde e de seus profissionais com as mais variadas demandas. Entre as demandas é possível citar o sentimento de culpa, a dificuldade para lidar com conflitos familiares gerados pela situação vivida em decorrência da doença, a falta de perspectiva em relação ao futuro, o isolamento social a que ficam sujeitos e dificuldades de se relacionar e cuidar do seu familiar. Um problema a ser enfrentado pela família está relacionado à interrupção da capacidade laborativa do paciente e, consequentemente, alteração na dinâmica familiar com a possibilidade de mudanças de papéis no âmbito doméstico e do trabalho. Ante esse complexo cotidiano, acredita-se que as ações direcionadas ao paciente e sua família devam estruturar-se de modo a favorecer e potencializar as relações familiares, criando estratégias mais eficientes para administrar dificuldades, superando os sentimentos contraditórios e reduzindo o isolamento social. A família assume um papel de grande responsabilidade quando o paciente adere ao programa de Cuidados Paliativos, a responsabilidade de ser cuidadora. Papel este que exige atenção da equipe de Cuidados Paliativos na medida em que precisa ser construído e desconstruído mesmo quando há afetividade, pois a perda da identidade de cuidador vem com o luto quando chega o momento dele reconstruir sua própria vida. 46 1.8.2 O cuidado: legado familiar? O cuidar não é um legado familiar na sociedade contemporânea ocidental, ou seja, as famílias não se organizam para serem cuidadoras. Portanto, é preciso prestar assistência e equipar seus membros para tal tarefa. Pois se a convivência familiar e comunitária é tão importante durante toda a vida, por que não seria no seu fim? Assim, o que impede o cuidado são as relações que os pacientes estabeleceram com outras pessoas ao longo da vida, ou seja, o que determina o cuidado é a afetividade, a reciprocidade e a preocupação de familiares no contexto atual do paciente. O “cuidar do outro” representa o cerne da cidadania, da solidariedade, do desprendimento, da doação e do amor como diz um dos mandamentos da Bíblia: “Amar ao próximo como a ti mesmo.” No entanto, nem sempre é fácil encontrar essa pessoa, pois são as relações familiares que dão o tom do cuidado e elas nem sempre são harmônicas. Se o paciente teve bons relacionamentos, ele terá mais pessoas mobilizadas em torno do seu cuidado. Enfim, depende em boa medida do legado familiar: você cuida porque viu seus pais cuidarem de seus avós. Quanto maior a afetividade positiva entre os membros da família, maior será a rede de apoio. Deve-se trabalhar o afeto entre os membros da família, sem forçá-los. Trabalhar afeto não é exigir uma alegria ininterrupta. O sentimento é mau quando impede as pessoas de pensar, de afetar e ser afetado por outros corpos, mesmo quando seja um afeto alegre. Stuart Mills (1984) já falou que mais vale um Sócrates triste do que mil suínos alegres. A alegria e o sofrimento são bons quando corrigem o intelecto e não obscurecem a crítica social aos adestramentos, bem como as limitações impostas pela situação de exclusão (SAWAIA, 2007, p.47). O Serviço Social se preocupa com o cuidador e sua rede de suporte. Os cuidadores quando bem orientados passam a fazer parte da equipe. No cotidiano, os cuidadores convivem com expressivo aumento de sobrecarga física (acúmulo de funções), emocional (sentimentos de medo, culpa e frustração), social (isolamento), material, financeira e existencial (enfrentamento da própria finitude humana), notadamente quando a doença do paciente está em estágio avançado apresentando, portanto, necessidades específicas que devem ser enfocadas e 47 encaminhadas de forma correta. O cansaço do cuidador, familiar leigo ou profissional de saúde, é uma ocorrência comum e o rodízio de tarefas pode ser uma estratégia para não sobrecarregar um único membro da família. Por vezes, acontece com o cuidador, assim como com o paciente, o isolamento social. Diante de suas atribuições os cuidadores não podem ou não têm ânimo para frequentar festas, comemorações familiares ou passeios. Assim, o cuidador não pode modificar a sua vida, porque a vida do doente não pode ser modificada, pois se trata de cuidar sem a perspectiva de quando esse cuidado vai terminar. Não pode, muitas vezes: planejar viagens; voltar a estudar; comprar algo novo. Por outro lado, o cuidador não pode cair na armadilha de adotar uma postura super protetora diante do paciente, tendendo inclusive a infantilizá-lo. Algumas orientações podem e devem ser dadas ao cuidador, como: a necessidade de estabelecer um tempo para si; evitar assumir todos os cuidados, dividir atribuições; manter-se saudável física e emocionalmente; e, principalmente, não hesitar em pedir ajuda se algo não estiver bem. Quando o cuidador apresenta um alto nível de estresse, ele pode ter atitudes negativas, como descarregá-lo no paciente, e cuidados precisam ser tomados: reconhecer e não ultrapassar os próprios limites; respeitar a dor do paciente; estabelecer limites com o paciente; manter o paciente integrado ao mundo; sair; ouvir música etc. Essas novas responsabilidades junto com as antigas podem levá-los a pensar que o que estão fazendo não é suficiente para proporcionar o conforto que o paciente merece (pode se culpar), sentimentos de impotência e de perda ao acompanhar o processo de morte de um ente querido, além da reflexão sobre sua própria finitude, levam o cuidador a vivenciar alto grau estresse. A equipe não deve exigir a presença constante de qualquer um dos membros da família, pois é muito desgastante. 1.9 Notas sobre legislação em Cuidados Paliativos No que se refere à legislação na área da saúde, são várias as leis, normatizações e decretos que mesmo não sendo específicas em Cuidados 48 Paliativos, abrangem pacientes sem possibilidades de cura; contudo, sua aplicabilidade ainda é ineficaz. A publicação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo de 2008 traz na Parte 5, sobre aspectos contextuais, um item referente à legislação em Cuidados Paliativos. O texto aponta o temor de sanções legais por parte dos médicos, que se sentem inseguros a respeito do seu amparo legal no caso de uma ação judicial resultante de conflitos surgidos no exercício de seu trabalho, na prestação de Cuidados Paliativos e de uma forma geral com pacientes sem possibilidade de cura. Uma boa comunicação pode prevenir esse tipo de ocorrência. De qualquer maneira, o temor do médico baseia-se nos seguintes aspectos: receio da acusação da prática de eutanásia18 e responsabilidade civil e penal do médico19. O novo Código de Ética Médica de 2009 atualizou algumas questões referentes ao tratamento do paciente com doença em estágio terminal, e pela primeira vez os Cuidados Paliativos foram incluídos como um princípio fundamental. É importante para o profissional de saúde, neste caso mais especificamente para o médico, contar com um respaldo legal para a sua ação profissional. Definições éticas são importantes quando se precisa lidar com o processo da morte e do morrer. Portanto, os médicos brasileiros passaram a ter uma proteção dando a possibilidade de assumir um posicionamento legal no que se refere a uma abordagem humana efetiva e ética quando se trata da terminalidade. Destaca-se o Capítulo I, Princípios Fundamentais, que no Item XXII diz: “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”. Ou seja, esse novo código passa a dizer não também à distanásia20 que é, em poucas palavras, o não prolongamento do processo de morrer. 18 Ver capítulo 2. A responsabilidade médica implica risco de dano físico, patrimonial ou moral, com a possibilidade de configurar-se a presença de culpa. Juridicamente, a culpa se caracteriza por uma ação ou omissão envolvendo negligência, imprudência ou imperícia, a presença de nexo causal e o dano. No contexto de Cuidados Paliativos o risco é que se considere, principalmente, a presença de negligência. Pelo Novo Código Civil, um indivíduo é condenado por ferir os direitos inalienáveis do ser humano: vida, felicidade e liberdade, devendo compensar a vítima por um eventual erro cometido (CARVALHO in CREMESP, 2008, p.617). 20 Ver capítulo 2. 19 49 O Capítulo V define a relação médico/paciente/familiares em seu artigo 41, quando diz ser vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou do seu representante legal, sendo destacado no parágrafo único que nos casos de doença incurável e terminal, o médico deve oferecer todos os Cuidados Paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade do paciente, ou na sua impossibilidade, a de seu representante legal, reforçando ainda a proibição da eutanásia. Tratando-se das portarias que abordam o tema, citam-se as seguintes: • Portaria 19/GM (3.1.2002) - institui o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos; • Portaria 1.318/GM, (23.07.2002) - questão do controle da dor (com a inclusão de medicamentos adequados para a dispensação pelo Sistema Único de Saúde; • Portaria 472 (24.07.2002) - criação dos Centros de Referência em Tratamento da Dor Crônica; • Portaria SAS/MS 741 (19.12.2005) - criação dos Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia – CACON; • Portaria Nº 2.439/GM (08.12.2005) - institui a Política Nacional de Atenção Oncológica: Promoção, Prevenção, Diagnóstico, Tratamento, Reabilitação e Cuidados Paliativos de 2005, em processo de implementação. 50 Capítulo 2 - A Sociedade e o Morrer “A morte pertence à vida, como pertence o nascimento. O caminhar tanto está em levantar o pé como em pousá-lo no chão”. (Tagore) 2. 1 A Representação Social da Morte no Ocidente Apesar de ser tão certa quanto o nascimento, a morte - a finitude humana - é a forma pela qual o homem toma consciência de si mesmo, e por consequência se distingue dos outros animais. “Porém, morrer, é sempre em toda a história da humanidade, uma experiência radical, assim como nascer” (BURLÁ e PY in Bertachini e Pessini, 2004, p.126). A dialética vida-morte tem sido uma preocupação da reflexão humana. Como experiência universal, questões sobre a morte, seu significado e o que acontece depois são inquietações inerentes a todos os povos de todas as culturas. Muitos autores colaboram para o estudo e aprofundamento da filosofia dos Cuidados Paliativos ao escreverem sobre o enfrentamento da morte, como Philip Ariès (1977), que ao trazer a História para a discussão da morte no ocidente, desvela como a sociedade contemporânea evita o pensamento sobre a própria finitude. Segundo ele, a sociedade assim o faz por dois motivos: um, seria por sua presença excessiva na vida cotidiana, e outro, a atitude moderna da civilização tecnicista que recusa a morte (apud Rinaldi, 1996, p.101). Evidencia que a sociedade moderna pode ter avançado no controle da dor nos doentes, mas recuou em relação ao isolamento do doente e a família. Nesse sentido o texto A solidão dos Moribundos (2001), de Nobert Elias21, trata da questão e diz que essa característica do chamado processo civilizador da sociedade capitalista (industrial) é reflexo do crescimento do individualismo em que vigora a atitude de isolar os doentes da vida social, pois a morte é cercada por sentimentos de constrangimento e tabu. De forma que retrata o comportamento dos homens diante do fim eminente, homens que ao nascerem já foram sentenciados 21 Sociólogo alemão. 51 com a morte. Refere que as sociedades ditas mais desenvolvidas, em nome de uma higienização biológica, afastam o doente da família e o alocam em hospitais, e que a partir deste momento o Estado e todos seus empregados serão encarregados dos cuidados necessários para com o doente que logo se tornará um cadáver. A morte deixa de ser pública e é encerrada dentro de instituições, higienizadas nos Centros de Terapia Intensiva (CTIs), mas vazias de sentimentos e isoladas. Elias (2001) ressalta ainda que diante das diferentes formas de lidar com o fim da vida, a crença de que “os outros podem morrer, menos eu” seria uma forma de negação da finitude. Negação da transitoriedade humana. Faz uma crítica a Ariès, pois para ele o historiador entende a história descritivamente e a interpretação dos fatos não é profunda. Refere ainda que muitas fontes literárias são os poemas medievais que possivelmente relatavam uma visão idealizada da vida cortesã e não necessariamente a realidade. Embora não entendesse que na época medieval a morte fosse um momento tranquilo e calmo, todavia não era encarada como um absurdo e era mais discutida entre as pessoas. O modo como a pessoa morre depende em boa medida de que ela tenha sido capaz de formular objetivos e alcançá-los, de imaginar tarefas e realizá-las. Depende do quanto a pessoa sente que sua vida foi realizada e significativa – ou frustrada e sem sentido. As razões desses sentimentos nem sempre são claras – essa também é uma área também aberta à pesquisa. Mas quaisquer que sejam as razões, podemos talvez supor que morrer é mais fácil para aqueles que acredita terem feito a sua parte, mais difícil para os que sentem terem fracassado na busca de seus objetivos, e especialmente difícil para aqueles, por mais que sua vida tenha sido bem sucedida, sentem que sua maneira de morrer é em si mesma sem sentido (ELIAS, 2001, p.72). Assim, através dos tempos, a representação social da morte vem sofrendo alterações. Nas sociedades tradicionais as epidemias eram fatores que determinavam a morte de crianças por doenças infecciosas, de mulheres por parto ou mesmo de homens pelas guerras e doenças, como o tétano. As crianças eram consideradas “anjos”; as mulheres “nobres” por terem lutado pela sobrevivência dos seus filhos, mesmo sacrificando a sua vida; e o “morto de guerra” um “glorioso” (SODRÉ, 2005). 52 Naquela época o significado da morte era o da salvação, e a passagem da vida para a morte deveria ter como autoridade a figura religiosa para abençoar aquele que estava para morrer. As doenças marcavam a pele do “moribundo” como sinal da aproximação de sua morte. Ao reconhecer os sinais de sua própria morte, os amigos e os parentes eram avisados, era o momento de arrependimentos, despedidas e perdão (SODRÉ, 2005). A morte se dava em casa, na maioria das vezes com a família ao lado. A casa ficava aberta para que o corpo fosse velado por todos. O corpo era então velado pela comunidade e as crianças participavam da cena (ELIAS, 2001). Tudo se dava em torno do “moribundo”, protagonista de sua despedida da vida (MENEZES, 2004). A partir do final do século XIX, o desenvolvimento tecnicocientífico propiciado pelo avanço da medicina contribuiu para a melhoria da qualidade de vida e da saúde humanas, mas também para estigmatizar a morte, que deixou de ser encarada como algo natural e passou a ser vista como inimiga a ser vencida a qualquer custo. Com este avanço foi possível diagnosticar mais precocemente, e com maior precisão, as doenças existentes e tratá-las adequadamente, pois estão disponíveis novas e potentes medicações e tecnologias22, aumentando a sobrevida e a expectativa de vida das pessoas. No entanto, todo este aparato e conhecimento não tornaram a morte mais digna e sequer menos sofrida (SILVA e SCHRAMM, 2002). A modernidade transferiu para o hospital o lugar por excelência da espera da morte. Lugar frio e controlado. A morte no CTI ou no leito hospitalar transformou-se no emblema da segurança e do controle da sociedade sobre a vida. A tecnologia médica (a ciência e os aparelhos em geral) é o principal componente do ambiente social que vigia a morte. Vigiada pela medicina, a expectativa da morte acontece fora do ambiente cotidiano do paciente, distante dos símbolos culturais e afetivos com os quais conviveu durante toda sua vida. O cenário do CTI de um hospital, com as características de presença intensa da tecnologia/ciência médica, de frieza das relações sociais – onde as normas são o silêncio, o não incomodar – tornou-se o ‘tipo ideal’ da morte na sociedade moderna (DRUMMOND, 2004, s.p.). 22 Para citar apenas alguns, temos os medicamentos como anestesia, penicilina, antibióticos, insulina, levodopa (doença de Parkinson) e imunossupressores (controle da rejeição de transplantes). Além de aparelhos para exames dos mais simples (raio-x) aos mais sofisticados (respirador artificial, ressonância magnética e radioterapia). 53 Desse momento em diante, a família passa a delegar os cuidados de seu moribundo ao médico, o que leva a transferência do mesmo para o hospital. No entanto, no cotidiano do hospital não são os médicos que lidam com ele, mas os escalões ditos inferiores, enfermeiros e técnicos de enfermagem, que enfrentam a situação concreta da morte. Para os médicos, ela é encarada como um fracasso, que sempre os surpreende. A prática médica é marcada por uma intensa recusa da morte na sua luta pelo prolongamento da vida. A morte na sociedade contemporânea, construída sobre o binômio produção/consumo, passa a significar o fracasso dessa mesma sociedade. Na medida em que a sociedade contemporânea atribui à saúde o status de bem econômico e social, atinge a subjetividade e o imaginário do indivíduo ao exaltar o sucesso de pessoas com corpos esculturais e supostamente saudáveis em outdoors espalhados por todos os lados. Para os pacientes sem possibilidade de cura resta, muitas vezes, a convivência com o preconceito e a discriminação de uma sociedade cujos valores levam ao abandono e ao isolamento do convívio social desses pacientes, principalmente quando a doença acarreta dificuldades na vida diária das pessoas. A morte anuncia o fim do consumo do indivíduo morto, mas ainda no fim derradeiro é transformada em mercadoria de consumo nos diversos serviços funerários e de sepultamento oferecidos. A medicalização da morte vem acompanhada de uma profissionalização e industrialização da prática fúnebre, em que as empresas funerárias, juntamente com os hospitais, transformam a morte em um negócio lucrativo. A indústria da morte cobra caro para fazer um trabalho perfeito, encarregando-se de tudo, desde o fim da agonia até a inumação no cemitério. Os ritos funerários se tornam discretos e reservados, e os cemitérios modernos, concebidos como parque, onde o repouso dos mortos se confunde como retorno à natureza, representam a versão contemporânea da imposição do silêncio a morte (RINALDI, 1996, p.109). Essa mesma sociedade industrial não tem lugar para os mortos: são seres que não produzem, não consomem, não respondem aos seus condicionantes: não competem, não correm, não ligam para o tempo e nem para o dinheiro. Os mortos são marginais do sistema a nos lembrar que, por mais que nos empenhemos no processo competitivo de lutar por ter, possuir, vencer, um dia seremos um marginal, um despojado...Só há que negá-los (SANTOS in Martins, 1983, p.23). O afastamento dos vivos em relação aos moribundos e o silêncio que gradualmente os envolve continuam depois que chega o fim. Isso pode ser visto, por exemplo, no tratamento dos cadáveres e no cuidado com as 54 sepulturas. As duas atividades saíram das mãos da família, parentes e amigos e passaram para especialistas remunerados. A memória da pessoa morta pode continuar acesa, os corpos mortos e as sepulturas perderam significação (ELIAS, 2001, p.37). A discussão do tema no Brasil é mais recente e a coletânea organizada por José de Souza Martins23, A morte e os mortos na sociedade brasileira (1983), surge da urgência de tratar a questão da morte e do morrer. Os textos que compõem o livro foram trabalhos apresentados no Seminário Interdisciplinar (1982) realizado pelo departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Para ele “o tema da morte é um tema interditado, banido, nos centros urbanos e nas regiões “mais cultas” e desenvolvidas da sociedade brasileira” (1983, p.9). Coloca ainda que a incapacidade de lidar com os doentes que podem morrer fazem com que para alívio da própria consciência, estes sejam internados em hospitais onde pelo menos a agonia e a morte serão limpas, higiênicas e técnicas, embora solitárias e desumanas. Todos os avanços conquistados levaram a sociedade a uma espécie de delírio de imortalidade que se quer associar ainda à possibilidade da juventude eterna. Hoje é tabu falar sobre a morte, como era tabu falar sobre sexo há algumas décadas. O pensamento de um mundo onde a organização artificial asseguraria o prolongamento da vida humana evoca a possibilidade de um pesadelo, sem deixar entrever nada além de uma pequena demora. No fim, a morte estará lá, convocada pela multiplicação, pelo excesso da vida (BATAILLE apud Rinaldi, 1996, p.119). Trata-se de um fato irrefutável perante nossos sentidos imediatos: todos os seres vivos, inclusive os humanos, morrem. Morrem porque são vivos, porque como sistemas irreversíveis são “programados” biologicamente para morrer e, talvez, devam morrer para que outros seres da mesma espécie possam vir a ser (SCHRAMM, 2002, p.17). 23 Escritor e sociólogo brasileiro. Professor Emérito (2008) e Professor Titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). 55 Para o oncologista clínico do Hospital Brigadeiro em São Paulo, e atual presidente da ABCP, Ricardo Camponero: O diagnóstico de uma doença grave quebra a idéia de invulnerabilidade que criamos para afastar o medo natural da morte. O que era velado, reprimido, torna-se explícito. A morte certa, mas “interdita”, torna-se revelada, prenunciada. Neste contexto, o diagnóstico de uma só torna explícito, embora antecipado, o que ocorreria normalmente (2008, p.12). Assim, os Cuidados Paliativos tem como proposta provocar uma mudança na forma dos profissionais da saúde e da sociedade em geral lidarem com a morte. Emergem em contraposição à “morte moderna”, caracterizada pela negação, pela irritação e pelo medo. Esse tipo de morte leva, muitas vezes, à chamada “morte social”, que antecede a morte biológica e ocorre quando os profissionais de saúde e/ou familiares tratam o doente como se ele já estivesse morto. Como disse o velho professor a seu aluno: “Todo mundo vai morrer – disse Morrie -, mas ninguém acredita (...). Saber que se vai morrer e preparar-se para receber a morte a qualquer momento. Assim é melhor. Assim podemos ficar mais envolvidos com a vida que vivemos” (ALBOM, 1998, p.83-84). Surge, então, o modelo da “boa morte”, que valoriza a subjetividade, a sensibilidade, a receptividade, a relação interpessoal e a expressão das emoções, valores tradicionalmente associados desaparecendo ao longo dos anos. ao universo feminino, e que vem 56 2.2 A Contribuição da Tanatologia para o Entendimento do Processo da Morte e do Morrer Uma figura humana extraordinária e referência na área foi a psiquiatra suíça radicada nos EUA, Elizabeth Kübler-Ross, que junto com a inglesa Cecily Saunders mudou o curso da medicina ao estabelecerem as bases da humanização do ato médico, ainda nos anos de 1960. O trabalho da psiquiatra nos EUA (SILVA apud Bertachini e Pessini, 2004, p.265) facilitou a comunicação com os pacientes terminais, pois aproximou o entendimento de como as pessoas agem diante de um processo de perda grande; não só as pessoas, mas os seus familiares e a equipe de saúde. Kübler-Ross é considerada fundadora da Tanatologia, ou seja, do estudo da morte. Ao escutar os moribundos aprendeu com eles a conhecer a psicologia e a espiritualidade do processo do morrer. Em 1969, escreveu seu livro mais importante e que causou grande impacto na área dos cuidados de saúde, e ainda hoje tem grande repercussão, “On Death and Dying” (Sobre a Morte e o Morrer), em que fala dos estágios pelos quais as pessoas passam quando estão na fase final de vida. Ela identificou 05 estágios do processo de morte e morrer: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Kübler-Ross, “talvez eu queira dizer o seguinte: podemos ajudá-los a morrer, tentando ajudá-los a viver, em vez de deixar que vegetem de forma desumana” (1987 p.33). Em caso de morte súbita a pessoa, obviamente, não passa pelos estágios, mas os familiares passam por eles, pois o luto será sentido após a morte do paciente. Mas os pacientes que passam por um processo de morte até seus derradeiros momentos finais apresentam, senão todos, alguns desses estágios. Contudo, o comportamento de alguns doentes expressará a forma como a família enfrentou a questão da morte durante a vida. Há os que fazem todo o processo de maneira natural, outros se prendem a determinado estágio e lá ficam até o final, alguns ainda após atravessar um estágio regridem a um estágio anterior e, posteriormente, continuam no processo de evolução psíquica. A duração de cada estágio é variável e eles podem aparecer simultaneamente. Os estágios são mantidos por mecanismos de defesa e de luta que possibilitam ao doente o enfrentamento de situações de extrema dor psíquica. 57 2.2.1 Estágio de Negação e Isolamento A negação é característica da fase de primeiro contato do doente com a doença. É seguida de falas como: “Não, não pode ser comigo” (PIERRE, 1998, p.56). Esta fase demonstra o pouco preparo emocional do doente para a morte. Raramente vemos a morte como um fechamento do ciclo vital, necessário, inclusive à sobrevivência da espécie. A informações passadas ao doente podem ter, então, maior ou menor aceitação, depende muito do modo de abordagem pelo profissional. Para não assumir sua doença os pacientes podem usar como estratégia a possibilidade de ter ocorrido a troca de exames e que estes com resultados tão negativos não pertencem a ele. Assim, “a negação funciona como um pára-choque depois de notícias inesperadas e chocantes, deixando que o paciente se recupere com o tempo, mobilizando outras medidas menos radicais” (KÜBLER-ROSS , 1987, p.50). A negação é usada como um mecanismo de defesa por quase todos os pacientes. Contudo, a própria doença mostrará a realidade fazendo com que o doente possa, lentamente, a seu próprio tempo, perceber a verdade imutável. Tentar convencê-lo racionalmente seria contraproducente neste momento. A negação acontece com a família também, o que pode refletir no direito de escolha do paciente, sem levar em conta que a própria doença já lhe traz vários medos e privações. É nesse estágio que o profissional deve estabelecer uma comunicação clara, real e horizontal com o doente sobre o diagnóstico, de modo sereno e esperançoso sem, contudo, negar a morte. A equipe de saúde precisa estar atenta aos sinais emitidos pelo doente para ajudá-lo no confronto da realidade, o que pode ser conseguido se o profissional tiver a capacidade de inverter seu papel com o doente que está à sua frente. Enquanto o paciente nega a doença, normalmente os profissionais de saúde recorrem ao isolamento à medida que a doença progride. Evitam entrar no quarto do paciente e justificam o afastamento dizendo que o paciente está muito confuso para entender sua real situação, ou que não saberia o que dizer. 58 2.2.2 Estágio da Raiva Surge no momento em que a negação não é mais possível de ser mantida e o paciente admite que não foi engano e está doente. A raiva é caracterizada por expressões como: “Por que eu?” (KÜBLER-ROSS, 1987, p.61). Assim, à medida que a realidade vai se configurando, o doente passa a experimentar novos sentimentos e, inconformado com a realidade, torna-se hostil e agressivo ao meio que o cerca e a Deus. Nada está certo ou bom o suficiente, as críticas se voltam a todos, profissionais e familiares, num processo de transferência. Sente-se impotente diante da produtividade e potencialidade de todos. Tudo que emane vida será por ele atacado e invejado. Surge o ressentimento e a revolta, pois acredita que sua morte é uma sentença de execução por culpas ocorridas durante a vida. 2.2.3 Estágio da Barganha É quando o doente tenta negociar a sua vida, para adiar de alguma maneira o momento final. Estabelece acordos com as figuras que lhe representam onipotência e supremacia, e que em sua imaginação tem o poder do bem sobre o mal, da vida sobre a morte, como o médico, Deus, curandeiros, entre outros. O paciente em fase terminal acredita na possibilidade de ser recompensado por um bom comportamento e receber um prêmio. Por desejar mais tempo de vida e dias sem dor está disposto a fazer o que não conseguiu até então. Faz toda sorte de promessas com todos que puderem resolver seu problema de saúde. Promessas estas que nunca serão cumpridas, pois a doença a cada dia deixará o doente mais debilitado, avisando que a morte está chegando. Por exemplo, um fumante diagnosticado com câncer de pulmão que promete parar com o vício na expectativa de alcançar tais desejos. Trata-se de um mecanismo de luta, esperança de cura e prolongamento da vida. O comportamento do doente muda, ele torna-se aparentemente resignado, esperando o restabelecimento da sua saúde. É preciso trabalhar as culpas do doente e fazê-lo ver que não está sendo punido por estar morrendo, uma vez que a morte faz parte da vida. 59 2.2.4 Estágio da Depressão Neste estágio o agravamento da doença se faz mais presente. É um estágio de percepção da perda iminente, a angústia e a introspecção aumentam, e a dor psíquica é imensa. É o início do fim. Sentimentos de insegurança, tristeza e perda retornam com maior intensidade. Este estágio estabelece-se após o doente perceber que seu corpo está muito mais debilitado. Pode ser observado em duas fases distintas: depressão relativa às perdas reais, onde o doente está sentindo a perda iminente da vida e dos entes queridos, passando a se preocupar com o que virá e isola-se. Nesta fase há necessidade de continuar mostrando a utilidade do doente e que, independente da doença que tem, ele precisa continuar produzindo o que for capaz. Já na fase de depressão preparatória, em que a debilidade do doente é intensa e quase paralisante, são ineficazes o encorajamento e o estímulo, pois ele necessita ser ouvido, só ouvido, no que ainda não conseguiu expressar (KÜBLER-ROSS, 1987). Geralmente neste momento aparecem os maiores encargos financeiros, pois acontece a diminuição da capacidade laborativa e possivelmente a perda do emprego, principalmente se não estiver inserido formalmente no mercado de trabalho. 2.2.5 Estágio da Aceitação O doente, nesse estágio, tem uma necessidade enorme de perdoar e ser perdoado pelos outros e, até mais, por ele mesmo. Deve ter tido a oportunidade de exteriorizar seus sentimentos e vontades, organizar a vida de maneira tal que possa até partir com um certo grau de serenidade. Muitos esperam resolver questões familiares, sociais, econômicas, espirituais. “Um paciente que tiver tido o tempo necessário (isto é, que não tiver tido uma morte súbita e inesperada) e tiver recebido alguma ajuda para superar tudo conforme descrevemos anteriormente, atingirá um estágio em que não mais sentirá depressão nem raiva quanto a seu “destino” terá podido externar seus sentimentos, sua inveja pelos vivos e sadios e sua raiva por aqueles que não são obrigados a enfrentar a morte tão cedo. Terá lamentado a perda iminente de pessoas e lugares queridos e contemplará seu fim próximo com um certo grau de tranquila expectativa. Estará cansado e bastante fraco, na maioria dos casos” (KÜBLER-ROSS, 1987, p.119). 60 Como seu corpo está mais fraco e cansado, sente uma necessidade intensa de dormir. Seu interesse pelas pessoas, objetos e assuntos diminui drasticamente. Além disso, o corpo fragilizado pela doença se torna fonte de incerteza. Contudo, não se pode confundir aceitação com felicidade, pois por mais que haja aceitação não é da natureza humana aceitar a morte sem deixar uma ponta de esperança. Ou seja, a aceitação da morte não significa perder a esperança de vida, nem acomodação diante da morte. Significa, antes sim, não mais temer ou se angustiar. É o aprendizado, o desinvestimento afetivo, aprender que é preciso deixar as pessoas que se ama. O sentido de morrer é modificado e ao profissional cabe fazer o doente sentir que está ao seu lado até o fim, que não será abandonado. A pessoa que morre neste estágio morre sem grandes medos ou desespero, reconhecendo que não podia resistir por mais tempo. Todavia, independente do estágio a única coisa que está presente em todos os momentos é a esperança. 2.2.6 Luto No mundo contemporâneo, o apagamento do luto está relacionado à tentativa de eliminar a dor; o comportamento do enlutado é marcado pela discrição e pelo autocontrole. O luto é entendido como uma experiência de resposta ao rompimento de um vínculo. É um processo individual que começa dias após a partida do familiar ou amigo, pessoas com as quais mantém relações afetivas significativas. No entanto, o luto é necessário como forma de reconhecimento da perda, abrindo a possibilidade de estabelecimento de novos vínculos (RINALDI, 1996). Como o diagnóstico, o luto também não começa de forma abrupta, com a morte. O processo de luto se inicia com a imaginação, ou constatação, de que a morte é uma potencialidade real. Nessas circunstâncias, não só as pessoas próximas desenvolvem reações de enlutamento frente ao doente, mas este também desenvolve uma reação de “luto invertido” composta basicamente pela elaboração das suas próprias perdas, e pela elaboração das mudanças no vínculo com o outro (CAPONERO, 2008, p.12). Quando ocorre rompimento de um vínculo, o luto deve ser considerado um processo natural e esperado. A pessoa que está vivenciando o luto passa por uma 61 fase de entorpecimento, saudade, alguns se desorganizam e se desesperam, mas devem voltar a se reorganizar. O luto envolve tarefas como aceitar a realidade da morte, vivenciar o pesar, ajustar-se a um meio no qual o falecido não mais se encontra e retirar energia emocional e reinvesti-la em outra relação (FRANCO in CREMESP, 2008). 2.3 A Questão da Morte e os Profissionais da Saúde A morte coloca-nos diante do misterioso e ninguém gosta de não saber onde está “pisando”. Para os profissionais da área de saúde, diferente das pessoas em geral, a morte faz parte do trabalho diário. Considerando a representação que lhe é atribuída e já tratada anteriormente, o que levaria um estudante escolher a saúde como área profissional onde estaria em contato com um assunto considerado tabu? Feifel, após realizar pesquisa com médicos, estudantes de medicina, pacientes e indivíduos sadios, verificou que os médicos tem um medo maior da morte e que poderiam estar buscando, na sua futura profissão, uma forma de controle e domínio sobre ela (KOVÁCS, 1992). Ao se deparar com o medo da morte, segundo Kastenbeum, é preciso considerá-lo sobre duas concepções: a morte do outro – o medo do abandono, envolvendo a consciência da ausência e da separação; e a própria morte – a consciência da própria finitude, a fantasia de como será o fim e quando ocorrerá. Pensar sobre sua morte está relacionado com: o medo da morte, o medo do que vem após a morte e o medo da extinção (KOVÁCS, 1992). Trabalhar com pacientes sem possibilidades de cura é um exercício diário de coragem, mas também de autoconhecimento. Para Kübler-Ross atuar junto a esses pacientes é um grande aprendizado: A equipe hospitalar, os médicos, as enfermeiras, os assistentes sociais, os capelães não sabem o que perdem evitando esses pacientes. Se estamos interessados no comportamento humano, nas adaptações e nas defesas de que os seres humanos lançam mão para enfrentar essas dificuldades, não existe melhor lugar para aprender. Ficando lado a lado, ouvindo, retornando mais vezes, mesmo que o paciente não tenha vontade de falar no primeiro ou no segundo encontro, logo se desenvolve um sentimento de confiança pelo fato de se encontrar ali alguém solícito, disponível e assíduo (1987, p.50). 62 E para Montigny, “cuidar de doentes terminais pode ser uma aventura e requerer dos profissionais novas forças, trabalho com o inesperado, com fantasias de imortalidade, com o desejo de sobrevivência e com a sobrevivência dos desejos” (apud Bifulco, 2006, p.165). No Brasil, o grande incentivador e um dos precursores dos Cuidados Paliativos, o Professor Dr. Marco Tullio de Assis Figueiredo, Ex-Chefe do Ambulatório de Cuidados Paliativos da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) – Escola Paulista de Medicina - lutou pela implantação da disciplina de Cuidados Paliativos na graduação dos profissionais de saúde, e junto com outros profissionais ministrou cursos sobre o tema para alunos de diversas áreas. Ele também motivou outros médicos a criarem unidades de Cuidados Paliativos. Sempre eloquente, conclui um de seus artigos com a seguinte frase: “eu não nutro a ilusão que os alunos irão trabalhar em Cuidados Paliativos, mas eu tenho certeza de que eles serão melhores profissionais qualquer que seja a especialidade que venham a abraçar, mas acima de tudo eu acredito que eles serão melhores seres humanos” (s.d., p.35). A visão do professor remete ao fato de que a questão da morte não é assunto que deva ser abordado exclusivamente no meio acadêmico com o objetivo de formar profissionais mais capacitados para enfrentar a finitude, mas que esta é uma questão mais ampla devendo ser levada a toda sociedade, acreditando que a educação para a morte contribuirá para a formação de seres humanos melhores. Santos (in Martins, 1983) realizou uma pesquisa com 42 enfermeiras de um Hospital-Escola para entender como os profissionais de saúde enfrentam/negam a morte. Essa dualidade, segundo ela, é mais visível nos profissionais de saúde. No estudo aponta que os sentimentos mais comuns são: a impotência, quando ocorrem as mortes consideradas antinaturais (crianças e jovens adultos); culpa, por “enganar” o paciente na medida em que não podem contar o que os médicos ainda não contaram e precisam muitas vezes utilizar de saídas evasivas diante dos questionamentos dos pacientes; e raiva em decorrência dos outros dois, pois não podem prescrever medicação, por terem que permanecer com o paciente enquanto o médico foge do local do luto. Os dados também expressaram, sob a ótica das enfermeiras, que entre o comportamento de evasão dos médicos diante da negação da morte estão: o comunicado da morte, delegado ao serviço de controle de leitos, ao funcionário 63 administrativo ou ao Serviço Social; dificuldade de falar sobre quaisquer resultados negativos, como diagnóstico de um câncer inoperável; afastamento do paciente. Quando aborda o significado da morte, esta é vista sob dois aspectos: a morte como ruptura do vínculo, pois para profissionais comprometidos com uma formação humanista a morte de um paciente é o rompimento de um vínculo, e os profissionais não estão preparados para isso, na medida em que o hospital não interna pessoas, interna casos. O segundo aspecto trata a morte como fracasso, pois a formação organicista da enfermeira é mais forte e a equipe de saúde da qual faz parte tem por objetivo lutar contra a morte (SANTOS in Martins, 1983). Já Consorte (in Martins, 1983) na mesma publicação discute a morte na prática médica. A prática médica está voltada para a vida, sendo que esta e não a morte se coloca no centro das preocupações dos médicos. Assim, o contato com o paciente cessa quando cessa a vida. De forma que as únicas circunstâncias em que os médicos admitem a morte são as salas de anatomia e de necropsia, porque ali estão a serviço da vida. Como as enfermeiras, a reação dos médicos diante da morte depende de algumas variáveis como a idade do morto, a circunstância da morte e o grau de envolvimento com o paciente. A respeito da representação social emblemática que possuem, diz que o médico é visto “como profissional capaz de eludir a morte, salvando vidas, restituindo a saúde e aliviando sofrimento que, na opinião dos médicos, a sua imagem se forma na mente dos que os procuram. Nós diremos, na deles próprios também” (CONSORTE in Martins, 1983, p.44). Para o profissional de saúde, o luto também pode ser sentido e vivido da mesma forma como pela família, pois é sabido que por vezes há pacientes especiais, entre os pacientes que acompanha, com os quais se estabelece uma relação diferenciada. É um luto que precisa ser admitido, reconhecido e vivido em sua totalidade, como um luto que tivesse ocorrido em outra situação. Caso contrário, coloca o profissional no mesmo estado de estresse tanto quanto qualquer outra pessoa que tenha sofrido um luto, fora do contexto hospitalar, e que tenha se munido de mecanismos de defesa para se proteger da dor dessa perda. A instituição hospitalar precisa oferecer recursos para o profissional contar com o apoio dos pares e da instituição em situações de luto. 64 2.4 Obstinação Terapêutica: o Cuidado em seu Excesso Talvez a pergunta mais angustiante para o médico seja: o que fazer quando um paciente não tem mais possibilidade de cura? Num primeiro momento vem com ímpeto o comprometimento em curar o doente custe o que custar, mas aí está o problema, porque o “custe o que custar” nem sempre compensa o sofrimento. Entram em questão os limites do poder humano sobre o próprio processo de morte e morrer. O avanço da tecnologia na área da saúde, tanto em relação ao avanço de novos equipamentos hospitalares que contam cada vez mais com instrumentos capazes de realizar diagnósticos mais precisos, quanto ao surgimento de novos medicamentos desenvolvidos pela indústria farmacêutica impacta profundamente na prática médica, principalmente na direção da obstinação terapêutica24, da abordagem de um cuidado em excesso. O médico francês Jean-Robert Debray conceituou a obstinação terapêutica como sendo "o comportamento médico que consiste em utilizar processos terapêuticos cujo efeito é mais nocivo do que os efeitos do mal a curar, ou inútil, porque a cura é impossível e o benefício esperado, é menor que os inconvenientes previsíveis" (apud Pessini, sd, s.p.). Assim, refere à oposição do uso continuado e a qualquer preço da tecnologia para a manutenção da vida com o prolongamento dos sistemas vitais biológicos e o retardo da morte em pacientes sem possibilidade de cura, negando o princípio ético de nãomaleficência. Muitas vezes ações que remetem à obstinação terapêutica partem da própria família que quer seu parente curado; e por mais que se explique que não há mais possibilidade de cura, esta exige que o paciente seja submetido a todos os tratamentos possíveis. Assim, a família acaba agindo como potencializadora de tratamentos fúteis. Revelando também que no cotidiano das instituições de saúde o entendimento de que o paciente deve ter autonomia sobre seu tratamento ainda não é um consenso, pois ainda há pressão de médicos, familiares e da própria 24 Foram encontrados os termos distanásia e futilidade terapêutica como termos equivalentes à obstinação terapêutica. Existe uma discussão com relação ao uso do termo obstinação terapêutica, mas como este não é o foco deste estudo entende-se ser desnecessário entrar no mérito da questão. De qualquer forma o uso do termo é relativamente recente e circunscrito ao meio acadêmico científico e à área da saúde. 65 sociedade para que o paciente não tome a decisão de parar o tratamento, mesmo que seu quadro clínico não apresente melhora. A princípio talvez nunca se pensaria que o excesso de cuidado pudesse ser um problema, tendo portanto um aspecto negativo. Ao longo dos anos, muitos profissionais de saúde passaram a se questionar sobre a validade, ou melhor, a efetividade do ato de submeter pacientes sem possibilidade de cura a todo tipo de terapia disponível. A lógica é bem simples: nenhum tratamento pode ser mais desconfortável para o doente do que a própria doença. Em consequência, cada vez se amplia a discussão sobre a ortotanásia vista como uma possibilidade entre a eutanásia e a obstinação terapêutica: Palavra vinda do grego “orto” – correta – e “thanatos” – morte, que significa a morte no tempo certo, sem abreviação nem prolongamentos precários e penosos da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais, ordinários aos doentes. Neste sentido a ortotanásia parece estimular a humanização da morte e o alívio das dores, sem obrigar o uso de medidas abusivas que levem a um aumento de sofrimentos adicionais e inúteis (SCHRAMM e SILVA, 2002, p.23). Enquanto a eutanásia se constitui em “um ato médico que tem como finalidade eliminar a dor e a indignidade na doença crônica e no morrer eliminando o portador da dor” (PESSINI apud Machado et alii., 2007, p.34), a ortotanásia não abrevia a vida do paciente, mas o ajuda a vivê-la até o fim com a melhor qualidade de vida possível. Ou seja, Podemos inferir que os cuidados paliativos pretendem se constituir num campo onde seja possível a conciliação entre os princípios da sacralidade da vida e da qualidade da vida, ou seja, "os cuidados paliativos talvez delineiam uma espécie de justo meio constituído pela preocupação de responder ao chamamento do outro e ao mesmo tempo sem expropriá-lo da experiência fundamental de seu morrer (SCHRAMM apud Floriani e Schramm, 2008, p.2130). Borges (2005, s.p) trata da questão ao abordar o biodireito brasileiro: 66 [...] o fundamento jurídico e ético do direito à morte digna é a dignidade da pessoa humana. O prolongamento artificial do processo de morte é alienante, retira a subjetividade da pessoa e atenta contra sua dignidade enquanto sujeito de direito (...) O direito de morrer dignamente não deve ser confundido com direito à morte. O direito de morrer dignamente é a reivindicação por vários direitos e situações jurídicas, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência, os direitos de personalidade. Refere-se ao desejo de se ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. Entre as primeiras discussões nessa direção estão as sucessivas alterações do conceito de morte (clínica) que foram desvelando o limite da intervenção médica nos pacientes, pois nem todos os pacientes se beneficiarão de qualquer tratamento. Tradicionalmente, nos anos 1980 considerava-se morte clínica como ausência das funções cardiorrespiratórias e, a partir do final da década de 1990, passou-se a adotar o critério de morte cerebral, resultante da parada das funções cerebrais; mais especificamente o de morte encefálica (cortical ou neocortical) por cessação permanente da atividade do tronco cerebral (SILVA e SCHRAMM, 2007). O questionamento acerca de até onde a vida deve ser prolongada artificialmente tem provocado nos médicos novas reflexões sobre o valor ético da sua prática, particularmente aquela sobre uma terapia que possa conduzir à questionável obstinação terapêutica (SILVA e SCHRAMM, 2007). Contudo, há que se questionar como é determinada a futilidade de uma terapia médica. Silva e Schramm referem-se à existência de dois critérios aceitos: o primeiro diz respeito ao tratamento que não altera as variáveis fisiológicas do paciente; o segundo refere-se à aplicação de critérios estatísticos e considera que um tratamento é fútil ao alcançar menos de 1% de chance de sucesso curativo (2007). 2.5 Educação para a Morte A questão da educação para a morte ainda é um tabu na sociedade; em geral as pessoas relutam em discutir o tema. Para Maria Júlia Kovács, psicóloga autora de vários livros sobre o assunto e coordenadora do Instituto de Psicologia da USP, que mantém o Laboratório de Estudos Sobre a Morte: “A morte está 67 escancarada em nossa sociedade, é uma realidade presente na vida de todos. Nos telejornais, nas revistas, nas ruas. E, estranhamente, pouco se discute o assunto, as pessoas têm dificuldade de falar disso (...). As pessoas querem ler sobre as mortes quando elas estão bem longe, quando acontecem com o outro” (KOVÁCS apud Klein, 2007, p.22). Se as pessoas conversassem em casa, na escola e buscassem mais informações sobre a morte, estariam mais preparadas para acompanhar um ente querido no seu processo de morte e vivenciariam o luto plenamente para superar o sofrimento. Apesar da postura dos pais de tentar afastar os filhos de qualquer tipo de sofrimento mesmo quando esta vivência é necessária para o próprio desenvolvimento humano. Não é saudável pular etapas no processo de luto porque cedo ou tarde todos passarão pela experiência da morte de uma pessoa próxima e terá que lidar com a situação. A morte não é terrível. Passa-se ao sono e o mundo desaparece – se tudo correr bem. Terrível pode ser a dor dos moribundos, terrível também a perda sofrida pelos vivos quando morre uma pessoa amada. Não há cura conhecida. Somos partes uns dos outros. Fantasias individuais e coletivas em torno da morte são freqüentemente assustadoras. Como resultados, muitas pessoas, especialmente ao envelhecerem, vivem secreta ou abertamente em constante terror da morte. O sofrimento causado dessas fantasias e pelo medo da morte que engendram pode ser tão intenso quanto a dor física de um corpo em deterioração. Aplacar esses terrores, opor-lhes a simples realidade de uma vida finita, é uma tarefa que ainda temos pela frente (...) E o constrangimento social, o véu de desconforto que freqüentemente cerca a esfera da morte em nossos dias é de pouca ajuda. Talvez devêssemos falar mais aberta e claramente sobre a morte, mesmo que seja deixando de apresentá-la como um mistério. A morte não tem segredos. Não abre portas (ELIAS, 2001, p.76 – 77). É preciso coragem por parte dos pais para enfrentar o medo que surge da reflexão da própria finitude e falarem com naturalidade sobre a morte com seus filhos, até para que a mesma seja vista como algo inerente ao ser humano porque “não há nada de errado em morrer quando as causas amadurecem” (CÉSAR in Figueiredo, s.d., p.7). A educação para a morte começaria na escola, com crianças a partir dos 6 anos (idade em que se inicia a compreensão de que a morte é irreversível) e seria discutida de forma interdisciplinar. Explicar que a pessoa não está mais entre nós, 68 que fará falta, que se pode sentir saudade e lembrar dela na memória, nas fotos. Os pais podem ter como facilitadores para essa difícil e necessária tarefa estórias e filmes infantis, assim como, estórias em quadrinhos que por vezes em seus enredos abordam o tema (KOVÁCS apud Klein, 2007, p.22). As escolas ocupam um papel importantíssimo sendo necessária, portanto, a instrumentalização do seu corpo técnico-pedagógico e funcionários. Estes devem estar preparados para falar sobre o tema e para facilitar a expressão e elaboração no caso de vivência de uma perda e luto por um aluno. O papel neste caso é de não contribuir para a negação e formação de indivíduos que não sabem lidar com perdas e crises. Na civilização ocidental moderna as crianças não participam das cerimônias de despedida (velórios) e a morte de um familiar é ocultada, sendo normalmente utilizados para justificar o “desaparecimento” da pessoa termos como “foi viajar para longe” ou “virou uma estrelinha no céu”. Porém, cedo ou tarde elas perceberão que a ausência será permanente. Moritz (2005) em seu artigo “Os profissionais de saúde diante da morte e do morrer” escreve que os adultos, ao não falarem sobre a finitude humana com suas crianças, perdem grande oportunidade, pois deixar que a morte penetre no mundo infantil é uma preparação gradual, um incentivo para que a encarem como parte da vida, ou seja, da condição humana - uma experiência que pode ajudá-las a crescer e amadurecer. Essa formação deve se estender aos educadores e aos profissionais da área da saúde, na medida em que o hospital é o espaço “moderno” da doença e, consequentemente, da morte. Nas últimas décadas, em vários países do mundo, vem se expandindo os Cuidados Paliativos onde a equipe paliativista lida primordialmente com pacientes que estão num processo eminente do morrer, uma filosofia humanista do mais alto grau, que, para se tornar uma realidade no Brasil, precisa que tanto a Tanatologia como os Cuidados Paliativos façam parte da formação acadêmica desses profissionais. Além de Kovács, Leo Pessini, Doutor em Teologia Moral, tem investido na discussão e divulgação dos Cuidados Paliativos e outros temas ligados ao assunto, como a Bioética. Na Revista Brasileira de Cuidados Paliativos ele conclui o artigo “Cuidados Paliativos - Perspectivas Contemporâneas” afirmando que: 69 Os cuidados paliativos se constituem hoje numa importante questão de saúde pública. Lida com o sofrimento, a dignidade da pessoa, o cuidado das necessidades humanas e a qualidade de vida das pessoas portadoras de uma doença crônico – degenerativa, ou que estão na fase final de vida. Preocupa – se também com o apoio às famílias e amigos como uma unidade de cuidados, frente ao sofrimento potencial ou iminente de perda de entes queridos, bem como no período do luto. Nosso sistema de saúde é negligente em relação a essas necessidades humanas. O próximo estágio será a introdução dos cuidados paliativos no curso principal da medicina e em programas de educação na área da saúde, quer para os profissionais, bem como para o público em geral (2008, p.28). A comunicação é um dos processos básicos de todo o processo educativo e um dos principais objetivos do trabalho do educador para a morte é a facilitação do processo de comunicação, da expressão dos sentimentos e necessidades do indivíduo, família e outros envolvidos. 70 Capítulo 3 – A pesquisa e o desafio do conhecimento no processo de investigação “Seja quando for que a vossa vida se acabe, fica inteira. A utilidade da vida não está no prazo, mas no uso. Tal houve que durou muito e viveu pouco.” (Montaigne) 3.1 Metodologia: Caminhos Percorridos A proposta teórico-metodológica deste estudo reflete diretamente os procedimentos metodológicos para a coleta de dados utilizados na investigação do objeto do estudo. A metodologia aplicada em qualquer investigação é o resultado de uma reflexão sobre possíveis caminhos a serem seguidos nos diferentes momentos, tanto de sua elaboração como de sua realização, sustentado não por normas, mas pela ação do pesquisador sobre a realidade (QUEIROZ, 1991). O estudo aqui desenvolvido foi do tipo exploratório, cujo objetivo foi levantar opiniões sobre assuntos pouco explorados e aprimorar ideias, sugerindo uma investigação de natureza qualitativa que considera a relação dinâmica entre a realidade social e o sujeito. A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2001, p.22). Nas pesquisas de natureza qualitativa parte-se do reconhecimento da singularidade do sujeito e, por consequência, da importância de se conhecer sua experiência social e não apenas as suas circunstâncias de vida. É, pois, em direção da captura da experiência social que as pesquisas qualitativas se valem da fonte 71 oral, na busca dos significados de vivências para os sujeitos que os esforços do pesquisador devem se concentrar, buscando apreender a forma como eles são atribuídos (MARTINELLI, 1999). Assim, não é mais importante o número de sujeitos que vai oferecer informações, mas o aprofundamento do conhecimento em relação àqueles sujeitos com os quais se está dialogando. Na pesquisa exploratória a intenção é esclarecer conceitos e ideias na tentativa de obter uma visão de tipo aproximativo acerca da atuação dos profissionais de saúde. Nas palavras de Gil (1996, p.45): Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícitos ou a construir hipóteses. Pode – se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições [...]. Na maioria dos casos essas pesquisas envolvem: a) levantamento bibliográfico; b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e c) análise de exemplos que “estimulem a compreensão”. (Selltiz et al., 1967, p.63). A coleta de dados nesse tipo de investigação consiste na busca sistemática de informações consideradas importantes para a compreensão e explicação do fenômeno estudado. Dentre os inúmeros instrumentos conhecidos para a coleta de dados, optouse, diante dos diferentes modelos de entrevista, pela entrevista com roteiro, por meio da qual, conforme propõe Queiroz (1991), a captação dos dados é feita em uma conversa entre o informante e o pesquisador, dirigida e sistematizada previamente pelo segundo, na qual pesquisador e informante se relacionam segundo determinadas condições. Queiroz (1991) descreve assim a entrevista com roteiro, ou semi-orientada: Na entrevista com roteiro, o conhecimento anterior sobre os problemas a serem resolvidos pode ser menor, ou então o pesquisador deseja ao mesmo tempo ter certo conhecimento de como o informante conduz seu discurso. Deixa-lhe por isso certo grau de liberdade, trazendo-o novamente aos problemas todas as vezes que percebe uma divagação por rumos totalmente diversos; trata-se, pois, de dosar as intervenções. Por outro lado, também nesse caso o pesquisador segue um caminho prédeterminado, e suas intervenções são no sentido de impor este caminho ao informante (p.58). 72 Nesse tipo de entrevista, semi–estruturada, evitam-se perguntas que possam dirigir respostas para o que se tem em mente, e tem por finalidade obter o máximo de informações que o indivíduo entrevistado possa oferecer, utilizando um roteiro contendo apenas tópicos. Diante da definição do objeto que pretende compreender como se dá o cuidado a pacientes terminais e/ ou sem possibilidades de cura na visão dos profissionais de equipes de saúde, estabeleceu-se como objetivo geral entender o significado que os profissionais de equipes de saúde atribuem aos Cuidados Paliativos e a seus respectivos papeis nesse tipo de conduta. Para cumpri-lo, temse como objetivos específicos: • desvelar o significado atribuído à morte pelos profissionais de equipes de saúde; • compreender como esses profissionais trabalham a questão da morte nos Cuidados Paliativos; • investigar as dificuldades enfrentadas por eles em relação à questão da morte e pacientes terminais e/ ou sem possibilidades de cura no seu cotidiano de trabalho; • evidenciar o entendimento que tem sobre os Cuidados Paliativos. Considerando-se que a proposta dos Cuidados Paliativos supõe um trabalho interdisciplinar, entendeu-se a necessidade de realizar a pesquisa de campo com profissionais de diferentes categorias que atuam na área da saúde. 3.2 Sobre a Coleta de Dados 3.2.1 Aspectos éticos O projeto de pesquisa foi apresentado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COMET) da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), sob o nº de protocolo 1420.8.2011. Foram seguidas as orientações constantes na Resolução n.196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tanto no que diz respeito aos aspectos éticos com os serviços que autorizaram a realização da pesquisa, quanto com os sujeitos que cederam as entrevistas, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TECLE) (Apêndice I). O TECLE foi assinado em duas vias, 73 após informações e esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa. As instituições nas quais os sujeitos da pesquisa atuam concederam Termo de Autorização por escrito. 3.2.2 Dificuldades e limitações Entre as maiores limitações encontradas durante a pesquisa de campo destacam-se: a complexidade do tema que visivelmente afastou alguns profissionais; a incompreensão sobre o que vem a ser uma pesquisa científica, e seu significado, o que impediu a entrada em alguns serviços de saúde, e o baixo grau de mobilização dos sujeitos envolvidos. Os profissionais de saúde muitas vezes apresentam vários tipos simultâneos de vínculo de trabalho, envolvendo mais de uma instituição/ serviço, o que deixa pouco tempo para participarem de outras atividades. A maior dificuldade enfrentada foi a entrada no campo, principalmente em relação ao hospital. Foram feitas tentativas em várias instituições que por possuírem convênios com outras instituições de ensino não receberam sequer o projeto para submissão do comitê de ética. Quando um serviço autorizou a entrada para a realização das entrevistas outros fatores interferiram na realização das mesmas como a troca de toda a superintendência e diretoria do hospital, que levou a um novo pedido de apresentação do projeto e a pouca disponibilidade de tempo dos profissionais para o agendamento das entrevistas. 3.2.3 Pesquisa de campo Dadas as características da pesquisa, o número de indivíduos participantes foi de 09 (nove) sujeitos, que abarcam 03 (três) diferentes categorias profissionais. Foram buscados para entrevista e definidos como critérios de inclusão: enfermeiro (a); médico (a); assistente social; que atuam em hospital, Instituição de Longa Permanência para Idosos e que trabalham sob o sistema de Home Care (Assistência Domiciliar); atuam ou tenham atuado com pacientes sem possibilidades de cura e ou terminais. A escolha dos sujeitos dentro das instituições 74 se deu com a colaboração dos respectivos responsáveis para identificar os profissionais que atendiam aos critérios do estudo. O instrumental utilizado consistiu em entrevistas semi – estruturadas, não dirigidas, evitando-se perguntas que pudessem dirigir respostas para o que se tem em mente (inferir). Dialogou–se com o entrevistado dentro de um campo descontraído, propiciando que tivesse a possibilidade do máximo de liberdade de expressão. No roteiro utilizado (Apêndice II), os tópicos de interesse foram ordenados e guardam certa relação entre si. Não foram feitas perguntas diretas deixando o entrevistado falar livremente. As entrevistas para a coleta de dados foram previamente agendadas e realizadas em locais reservados, nas unidades de atuação dos profissionais. Para orientar a entrevista, o roteiro final continha uma primeira parte com dados de identificação dos sujeitos (nome, idade, sexo, religião/ crença, local de nascimento, ocupação, local de trabalho, formação) e uma segunda parte com os tópicos abordados (significado da morte, abordagem da questão da morte e sobre as decisões diante do morrer no ambiente familiar, a morte no cotidiano de trabalho, preparação para lidar com estas questões, organização do trabalho em relação aos pacientes sem possibilidade de cura e/ ou pacientes terminais, lidar com a dor do outro (usuários e familiares), relação profissional de saúde/paciente sem possibilidade de cura/ terminais, pacientes sem possibilidades de cura e/ pacientes terminais e qualidade de vida, trabalho em equipe, perfil de profissionais para atuar com esta demanda, entendimento dos Cuidados Paliativos, relato de um caso ou situação que marcou a trajetória profissional). As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas na íntegra, utilizando-se de pseudônimos na análise para manter o sigilo. Todo material obtido foi material de análise. 3.3 Os Cenários da Pesquisa Como supracitado, a pesquisa foi realizada com profissionais de saúde de três serviços distintos: Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI); Home Care (Assistência Domiciliar) e Hospital que estão localizadas em diferentes municípios do Estado de São Paulo. 75 A escolha desses serviços de saúde deu-se pelo fato de o hospital ter se tornado um espaço privilegiado para a morte na sociedade contemporânea; a Instituição de Longa Permanência para Idosos cada vez mais ser uma opção para os cuidados dos idosos que perderam sua independência; e o sistema de Home Care (Assistência Domiciliar) por estar ganhando espaço no mercado dos serviços de saúde privados e ter como característica o envolvimento da família no cuidado do paciente. 3.3.1. Instituição de Longa Permanência para Idosos A Instituição de Longa Permanência para Idosos25 diagnosticados com doenças crônico-degenerativas está localizada no Município de Barueri na Região Metropolitana de São Paulo. Trata-se de uma entidade civil sem fins lucrativos, com atendimento gratuito, que tem como missão “promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania do idoso, valorizando o envelhecimento e a qualidade de vida”. A ILPI é um serviço inserido na proteção social especial de alta complexidade, visa garantir proteção integral a indivíduos ou famílias em situação de risco pessoal e social por meio de acolhimento institucional. Fundada em 1997, presta serviços gratuitos às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos e possui duas unidades no município: Sede e Residência. O programa de acolhimento na residência atende 40 idosos moradores desde 2003. No local oferece atendimento global e multiprofissional nas áreas de Geriatria, Enfermagem, Psicologia, Fonoaudiologia, Nutrição, Terapia Ocupacional, Fisioterapia, Odontologia, Serviço Social, Educação Física, Integração Comunitária, Alfabetização e Artesanato. O quadro de funcionários fixos da instituição conta com mais de 40 pessoas entre equipe técnica, de limpeza e administrativa. A instituição tem como objetivo desmistificar junto à comunidade os preconceitos relacionados ao envelhecimento, além de possibilitar aos idosos avanços quanto à percepção dos seus próprios direitos e deveres, elementos fundamentais para o exercício da cidadania. Os projetos desenvolvidos tem como foco a saúde física e mental, assistência social, lazer recreativo, cultural e 25 Informações retiradas do endereço eletrônico da instituição. 76 esportivo, e ações socioeducativas. Além da residência existem outros projetos destinados a familiares e cuidadores de idosos dependentes para as Atividades da Vida Diária (AVDs) que visam tanto instrumentalizá-los quanto evitar a busca por abrigamento asilar. Outros projetos ainda contribuem para um processo de envelhecimento saudável e autônomo, fortalecendo os vínculos familiares e o convívio comunitário, fomentando a causa do envelhecimento junto à sociedade. 3.3.2. Home Care (Assistência Domiciliar) O Home Care26 é uma empresa privada, de capital nacional, e primordialmente constituída para internação e atendimento domiciliar. Com a aquisição de novas tecnologias, especializado no diagnóstico, planejamento, desenvolvimento e consultoria de ações preventivas em saúde. Situado em Santos, Região Metropolitana da Baixada Santista, a empresa possui outra unidade na capital paulista. Em março de 2002, iniciou suas atividades através da união de profissionais qualificados e treinados. Os pacientes assistidos por este sistema vão desde os casos simples (como curativos e aplicação de medicamentos) até os mais complexos (como ventilação mecânica e internação domiciliar). A missão é atender e satisfazer plenamente o usuário do sistema Home Care restabelecendo, sempre quando possível, as atividades da vida diária ou apenas aliviando o estresse pessoal e familiar da doença descompensada. De acordo com a empresa as vantagens no sistema de assistência domiciliar são: possibilidade de interferir na terapêutica após visita domiciliar para melhor entendimento das condições de vida/moradia do seu paciente; humanização do tratamento; a melhoria da qualidade de vida do paciente e da família, evitando a perda do vínculo familiar; permitir a redução do risco de infecções hospitalares resistentes; melhor evolução clínica; auxílio na recuperação psicossocial do paciente; vínculo afetivo imposto com toda a equipe. O atendimento da assistência domiciliar é indicado quando: paciente tem estabilidade clínica, mas com necessidades especiais (materiais, equipamentos e medicamentos) e/ou atenção frequente de equipe especializada; anuência do 26 Informações retiradas do endereço eletrônico da instituição. 77 médico titular do caso; aceitação e colaboração da família; a família designa um cuidador para o acompanhamento do paciente; estrutura física adequada no domicilio para receber equipamentos e a equipe da assistência domiciliar. Entende-se que nesta modalidade de atendimento encontra-se uma opção segura e eficiente para pacientes portadores de doenças agudas ou crônicas que outrora deveriam ser tratados em hospitais. Com o apoio da assistência domiciliar, as internações hospitalares prolongadas podem ser reduzidas e novas reinternações evitadas. Os profissionais envolvidos nos atendimentos são: médicos, cirurgiõesdentistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêutico, psicólogos, fonoaudiólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e administradores. O serviço possui uma Central de Atendimento 24 horas por dia, todos os dias da semana, pois atendem as intercorrências clínicas dispondo de equipes compostas por plantonistas para este fim. No domicílio, os programas para o atendimento são individualizados a cada paciente, bem como todos os equipamentos necessários para gerar o bem estar. O serviço é destinado à pacientes particulares ou com plano de saúde conveniado à empresa. 3.3.3. Hospital O Hospital de Clínicas27, localizado em Mauá, é referência regional e atende a usuários dos municípios de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra no ABC paulista. Foi construído no final da década de 1970 para ser um hospital privado, mas permaneceu fechado. Em 1985 foi encampado pelo governo estadual, passou por reformas, e em 1986 iniciou o funcionamento. No ano de 1987 começou a funcionar como unidade de internação hospitalar, e em 1990 é municipalizado pela Prefeitura de Mauá. As instalações físicas pertencem ao governo estadual e são cedidas ao Município de Mauá. A administração é de uma Organização Social de Saúde (OSS), mas na prática, o poder público é responsável pelas obras, compra de 27 Informações retiradas do endereço eletrônico da instituição. 78 equipamentos e a gerência cabe a OSS que deve cumprir metas de produção e qualidade, além de gerir os recursos. É um hospital de referência na realização de partos de alto risco. As especialidades oferecidas no equipamento abrangem clínica médica e cirúrgica, ginecologia e obstetrícia, pediatria, psiquiatria e ortopedia. Conta com 161 leitos cadastrados no Ministério da Saúde. São 1.090 funcionários atendendo à população, dos quais 165 médicos, 48 enfermeiros, 326 auxiliares de enfermagem e 05 assistentes sociais. O hospital é mantido com recursos municipais e repasses do Ministério da Saúde para cobertura de custeios relacionados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Tem como missão constituir-se em referência para a atenção de média complexidade, assegurando o atendimento hospitalar, ambulatorial e de urgência a todos os cidadãos encaminhados pela rede pública de saúde. Assim, pretende ser um equipamento de saúde integrante da rede hierarquizada e regionalizada de saúde, com vistas à garantia de resolutividade e qualidade da atenção do Sistema Único de Saúde, mantendo-se atualizado tecnologicamente e adotando estratégias para um atendimento humanizado, um ambiente acolhedor e um modelo de gestão participativa, além de estabilização duradoura do financiamento que o sustente plenamente. 3.4 Reflexões a partir das entrevistas e observações: resultados e discussões Em todo material obtido nas entrevistas foram observadas as associações produzidas, a sequência dos assuntos abordados, a importância atribuída e o tempo que demorou em cada item, a relação que estabeleceu com os entrevistadores e o comportamento não verbal. De forma que não se buscou regularidades, mas os significados que os sujeitos da pesquisa deram a esse momento da vida (CHIZZOTTI, 1998). Assim, não se procurou consenso nas falas, mas o significado diante de cada contexto. Para a análise dos dados as informações foram agrupadas em eixos de análise e dadas às características dessa investigação a construção dos eixos se deram a partir do material empírico. Os eixos deram maior visibilidade à fala dos 79 sujeitos de tal modo que fragmentos dos seus relatos foram utilizados para ilustrar, apresentar e subsidiar as discussões e análises dos eixos desenvolvidos, pois “a fala é reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos, e ao mesmo tempo, tem a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, sócioeconômicas, e culturais específicas” (MINAYO, 2006, p. 109 – 110). Os dados coletados foram organizados para proceder-se à sua análise e interpretação articulando as reflexões teóricas e as categorias empíricas que emergiram da realidade investigada para chegar-se à compreensão e explicação do objeto deste estudo. Após leitura minuciosa e exaustiva das entrevistas, foram encontrados eixos que expressam sentidos e descrevem o fenômeno que está sendo estudado. 3.4.1 Eixos de análise O quadro abaixo sintetiza algumas informações sobre os sujeitos do estudo. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS SUJEITOS SEXO IDADE LOCAL DE RELIGIÃO PROFISSÃO NASCIMENTO LOCAL DE TRABALHO AS1 Feminino 25 anos Barueri - SP Católica Assistente Social ILPI AS2 Feminino 39 anos Santos - SP Católica Assistente Social Home Care AS3 Feminino 32 anos Mauá - SP Católica Assistente Social Hospital EF1 Feminino 36 anos Osasco - SP Espiritualizada Enfermeira ILPI EF2 Feminino 33 anos Santos - SP Católica Enfermeira Home Care EF3 Feminino 28 anos SBC - SP Espítita Enfermeira Hospital MD1 Feminino 38 anos Lins - SP Católica Médica ILPI MD2 Masculino 39 anos Santos - SP Católica Médico Home Care MD3 Masculino 67 anos _____ Mulçumano Médico Hospital SBC = São Bernardo do Campo/ ILPI = Instituição de Longa Permanência para Idosos / Home Care = Assistência Domiciliar 4 – Quadro 1 – Dados de identificação dos sujeitos. 80 A partir da compreensão dos depoimentos dos sujeitos e da densificação dos dados encontrados foram identificados 04 eixos de análise. Esses são identificados como: sobre o significado da morte e do morrer; prática profissional e sua relação com a morte; dificuldades em relação à questão da morte e pacientes terminais e/ ou sem possibilidades de cura e identificação e compreensão dos Cuidados Paliativos. 3.4.1.1 Sobre o significado da morte e do morrer O significado atribuído à morte pelos profissionais de saúde tem relação com a abordagem sobre a morte e as questões diante do morrer pela família no processo de formação de cada um. A família como a primeira agência socializadora é responsável por transmitir os valores e normas da sociedade da qual faz parte, incluindo a cultura e a religião. Foi consenso entre eles o entendimento de que a morte é um processo natural e inerente à própria vida: Entendo como um processo inerente à vida. (AS1) A gente não tem como fugir disso. (EF1) Os que se declararam católicos, mesmo não sendo mais praticantes da religião, nas suas falas revelam sua influência ao relatarem a crença na existência de uma “outra vida” num plano espiritual e como tal crença pode ajudar no enfrentamento da morte: A morte ela é uma fase da vida. Tem a gestação, o nascimento, adolescência, infância, enfim, tem todo um processo do viver e a morte é a parte final da vida. E aí a gente discute se isso continua depois ou não, mas isso a gente não tem como saber, mas isso é um ponto importante pra gente poder saber como lidar com a própria morte, saber que pode não terminar por aí. É uma fase. A morte pra mim é uma fase como qualquer outra fase da vida. (MD1) 81 Bom, objetivamente pra gente é a falência dos órgãos. Fisicamente é a parada de funcionalidade desses órgãos. E o outro lado...é essa transição do plano físico pro plano espiritual. (MD2) É o fim de uma vida aqui e começo de uma outra. (AS2) O significado só pode ser expressado de forma pessoal. Pra mim é o desligamento do corpo físico mantendo após o corpo espiritual. (EF3) Do ponto de vista religioso, é que chegou a hora. Tá escrito isso. Cientificamente cansaço, morte dos órgãos. (MD3) A AS1 expôs também, a partir de sua experiência de trabalho na ILPI, a importância que os idosos atribuem ao funeral como ritual de passagem no processo de morte ao solicitarem a realização do velório no quarto de um idoso que faleceu na instituição, mas em contrapartida a família desse idoso fez questão de enterrá-lo o mais rápido possível. Para AS1 o significado que cada pessoa dá a morte também depende da forma como a morte foi apresentada para ela pela família e pela sociedade. Dependendo da sua vivência, da sua cultura e da sua religião você vai lidar com ela de uma forma, né. Dependendo pode ser uma coisa dolorosa ou pode ser festa, um ritual de passagem. (AS1) Os profissionais do Home Care compartilham de uma mesma visão. Eles separam o significado atribuído à morte em dois aspectos: um, relacionado ao trabalho profissional e técnico que realizam, portanto à visão biológica da vida; outro, ligado à religião que compartilham. Enquanto na ILPI apenas MD1 faz referência à dimensão espiritual. Para MD3 a morte, de acordo com sua religião (islâmica) é uma passagem do estágio natural para a próxima existência. Ao serem questionados sobre a abordagem das decisões diante da morte e o morrer na família as respostas foram variadas. Para AS1 como acontece em datas comemorativas, o momento da morte na sua família é um evento social capaz de reunir toda a família mais do que qualquer outro, fato que a incomoda. Já para MD1 a abordagem do tema na família é feita por ela. EF1 coloca que mesmo tendo o entendimento da morte como processo natural, não sabe qual seria sua 82 reação diante da morte de um familiar próximo, experiência que não viveu. Ela faz, assim, uma relação com os vínculos estabelecidos entre as pessoas. Porém, fica claro que o tema da morte não era abordado em casa com o objetivo de expressar idéias ou desejos/ refletir, mas porque era cotidiano de trabalho da mãe, técnica de enfermagem. AS3 afirma ter muito medo da morte que segundo Kastenbeum (apud Kovács, 1992), pensar sobre sua morte está relacionado com: o medo da morte, o medo do que vem após a morte e o medo da extinção. Evidencia-se portanto que aqueles cuja religião faz parte da vida da família e aqueles que parentes já eram profissionais de saúde tiveram mais contato com a questão durante a vida. Uma coisa na minha família que eu acho muito complicado é que tem uma certa “mania” de só se reunir quando falece, né. Fica 20 anos sem ver aquele familiar e quando morre chora e fica desesperado. Aí é que você vai ver seus parentes reunidos novamente, porque alguém morreu e todo mundo foi no velório. Então em vida não te um contato e não tem um convívio e na hora da morte fica aquela lamentação. Isso faz com que eu sinta falta um pouco de que fosse discutido, né...Isso a gente aprende mais no trabalho do que em casa. (AS1) É um tema que, na minha família inclusive sou eu até quem levo mais a discussão, mas na infância isso não era tocado. (MD1) Minha mãe é técnica de enfermagem também, né? Eu nunca tive um familiar muito próximo que já faleceu. Mas eu nunca tive essa coisa de que não acontece... por isso que eu acho que vai acontecer e não tem como fugir disso. Eu não sei se quando chegar uma mãe ou um pai eu vou encarar de uma forma natural, porque eu acho que a coisa pega, né? (EF1) Na minha casa sempre foi tocado no assunto. Inclusive meu pai já pagou (risos), quer ser cremado e já está tudo certo. Ele mesmo já escolheu as músicas que ele quer. E não vai dar trabalho nenhum. Sempre foi abordado em casa, e a gente já passou por vários processos de morte também. Então, não tem problemas não. (EF2) Na minha casa nunca foi abordado. Na minha casa foi morrer meu avô e eu já tinha 16 anos. Foi um choque pra mim, porque até então eu nunca tinha passado por essa experiência. Mas 83 também não é nenhum tema proibido. Nem nada assim não, né. Mas não se fala, deixa acontecer pra se falar ou tomar as providências. (AS2) No meu caso foi tocado sempre no assunto sim. A minha família é bastante religiosa e sempre foi bastante abordado. (MD2) É difícil, às vezes a gente está conversando, eu, meu pai e meu filho e surge o assunto. Ah, você tem medo de morrer? Assim, nunca perdemos ninguém tão próximo a não ser minha a avó e meu avô. Mas ninguém termina o assunto porque é como te falei, eu tenho medo de necrotério, de caixão...dessas coisas. (AS3) Na minha família a questão era abordada, mas de acordo com a religião católica. Com um entendimento da morte diferente do meu, mas sempre foi abordado. (EF3) A morte era discutida sim, pela religião. (MD3) Na colocação desse eixo dois pontos se destacaram: a religião e a experiência profissional de cada um na medida em que o cotidiano de trabalho foi desvelando a morte como algo inevitável. Os profissionais reconhecem a religião como um elemento importante para o enfrentamento da morte. A religião cristã para os praticantes torna-se um fator positivo uma vez que realça o aspecto da humanidade para com os que sofrem, sendo um fator positivo no cuidar. Todas as religiões atribuem um significado à morte. Talvez o entendimento da morte como um processo natural ajude a aceitá-la na medida em que é inevitável. 3.4.1.2 Prática profissional e sua relação com a morte A prática profissional e sua relação com a morte se apresenta no entendimento: da morte no cotidiano de trabalho; da abordagem e o trato destas questões; da relação profissional de saúde – paciente sem possibilidade de cura e/ ou pacientes terminais; da qualidade de vida; da preparação para lidar com a morte, e do trabalho em equipe. 84 A morte é encarada como parte do cotidiano de trabalho desses profissionais, o que não elimina ou diminui a repercussão desse evento tanto na prática profissional como no aspecto pessoal de cada um. No Home Care a questão da morte é trabalhada predominantemente do ponto de vista técnico, visando o aspecto biológico. Existe um suporte na resolução das questões burocráticas que envolvem o óbito, realizado pela assistente social. De fato o controle dos sintomas e o alívio das dores físicas fazem parte da filosofia dos Cuidados Paliativos como preconiza a OMS (2002); no entanto, é apenas uma dimensão do trabalho sendo essencial a abordagem das demais dimensões. Neste tipo de serviço existe um distanciamento na relação do profissional de saúde com o paciente, por se tratar de um trabalho pontual que visa a resolução de uma intercorrência. Para os profissionais da ILPI, do Home Care e do Hospital a morte passa a fazer parte do cotidiano de trabalho. Várias situações surgem desse contato constante com a morte, entre as quais AS1 coloca o desafio de lidar com os seus sentimentos e dos demais idosos que residem na instituição. Enquanto MD2 sente falta do respaldo legal em determinados momentos e que pela natureza do serviço de saúde onde atua entende ser necessário se apoiar na dimensão técnica do trabalho. AS3 coloca que a morte no cotidiano de trabalho deixa o profissional de saúde mais endurecido, passando a tratá-la como um evento banal. Todos os profissionais se referem à necessidade de respeitar a vontade da família. Já lidei com muitas mortes. Desde que eu estou aqui já faleceram 09 idosos. Estou aqui há um ano e meio, foram 09 idosos e inclusive quando eu cheguei tinha um idoso em CP e um em estágio terminal. Teve uma situação que pra mim foi muito marcante que faleceram 3 idosos ao mesmo tempo. No mesmo mês (espaço de 15 dias)... Então foi muito em cima um do outro. (AS1) O próprio médico não sabe alguns ainda e a gente não sabia como lidar com a morte, como passar, como contar isso pra família, enfim, então, e isso começa a entrar na nossa rotina, né, a morte pro geriatra acaba sendo uma rotina, e a gente tem que tentar o contrário agora, e não ficar frio durante a situação. A gente também não pode se envolver muito, sofrer do mesmo jeito que a família sofre, mas a gente também não pode se tornar frio diante dessa situação porque acaba sendo que tudo na vida é uma rotina 85 a gente se habitua com aquela situação. É assim, é de uma forma tranqüila, conversando, mas não é algo assim, porque senão é algo que acontece quase todos os dias, porque sempre quase todos os dias têm um ou dois que acaba falecendo. (MD1) A maioria dos nossos pacientes eram pacientes paliativos. Então muitos que passavam pela gente iam a óbito. Só que assim, a gente não tinha um contato tão direto, a gente não presenciava. A gente ficava sabendo que o paciente foi a óbito, mas não presenciava o momento. É aquela coisa: eu sei o que acontece, mas nunca tive tanta intimidade com o momento da morte. (EF1) Nós sempre passamos por processo de falecimento dos pacientes e nunca teve um falecimento que não fosse esperado. Idosos, câncer, outras doenças terminais. Nunca teve esse processo de um jovem, né, que muitas vezes é mais complicado e a morte é inesperada. (MD2) E a gente tem que aceitar o que a família quer, não adianta ir contra a vontade deles. (AS2) Até porque a questão legal jurídica do processo de morrer ainda é meio complicada, né. Se fala em ortotanásia, distanásia e eutanásia ainda é juridicamente muito complicada pra gente. (MD2) No serviço é diferente, a gente fala que a vai ficando mais fria e a gente vai se adaptando. (AS3) Infelizmente, assim, eu acho que a morte no meu ambiente de trabalho, talvez pela frequência e pela relação que a gente tem com aquele que morre, ela é um pouco ...vamos dizer assim, se torna comum. Eu acho que tem um valor sentimental muito pequeno. A gente tem pouca relação emocional, toda a equipe eu percebo, pelo fato de acontecer frequentemente.(EF3) Eu sou profissional e tenho que encarar com naturalidade. (MD3) De forma geral, os profissionais entrevistados no Home Care não lidam com as dimensões espiritual, social e psíquica no processo de morte, focando a atuação na manutenção do conforto físico. O trabalho visa a eliminação da dor física, 86 entendida como item fundamental para a manutenção da qualidade de vida dos pacientes e para a qual existe um protocolo a ser seguido. Com relação à qualidade de vida para os pacientes sem possibilidades de cura e/ ou pacientes terminais, a visão predominante é o alívio do sofrimento por meio do controle dos sintomas físicos. Assim, a maioria dos profissionais compreende que a qualidade de vida para pacientes sem possibilidades de cura e/ ou pacientes terminais está relacionada basicamente ao alívio da dor física. Em nenhum momento apontam a possibilidade do paciente e ou sua família terem uma concepção diferente, bem como a leitura do termo considerando o aspecto subjetivo e a relação do mesmo com objetivos, expectativas, padrões e preocupações de cada indivíduo conforme a conceituação da OMS discutida por Minayo (2000). É uma qualidade tanto de vida como uma qualidade de morte, né? Que a gente fala, né? (MD1) É, tirar todo o sofrimento, secreção, assim, a gente tem todo um protocolo pra como dar medicação. Medicamentos, usar só o que é necessário naquele momento. Adotar medidas, é... tipo, vamos continuar tratando o colesterol de um paciente... é um remédio a mais, que não vai ter benefício, que não é o momento. Então a gente tenta otimizar as medicações dele de uma forma de só aliviar o sofrimento. E não é só cuidados paliativos, não vamos fazer mais nada. Pelo contrário, nós vamos fazer tudo. Mas medidas que não serão medidas que não vai ter mais a cura, mas medidas de conforto mesmo. (MD1) Porque nós somos chamados para tratar numa fase final. Porque nós não trabalhos o... os cuidados paliativos envolvem uma série de permeios aí, né? Tem a fase curativo e paliativo... Nós pegamos na fase final. Na fase de paliação mesmo, né? De entrar com medicação pra sedar, pra não sentir dor. A gente não consegue trabalhar essa fase antes. Nós não temos essa experiência, esse knowhow de se trabalhar antes. Essa fase foi trabalhada préinternação, internou, olha, agora é só cuidados terminais, aí passa pra gente, entendeu? A parte da qualidade de vida no Home Care, hoje, na nossa experiência de empresa a gente não trabalha nisso. (MD2) 87 Por ter esses cuidados mais específicos, às vezes é um pouco mais difícil, né? Tem que ter um cuidado um pouquinho maior. Às vezes está acamado, tem que mudar várias vezes de decúbito. Começa a formar uma feridinha, fica vermelhinho, quando você vê já tá uma ferida enorme. Então tem alguns cuidados e tem algumas coisas que a gente tenta fazer, só que não consegue, acaba acontecendo. (EF1) Eu acho que o paciente e a família não têm compreensão muito de qualidade de vida. A gente sabe que dá suporte para um paciente terminal pra melhorar a qualidade de vida. A família e o paciente acha que é pra cura. A gente faz com que o paciente viva com menos dor e mais conforto. (EF3) A qualidade de vida aparece nas falas visando proporcionar o conforto tirando a dor; trata- se contudo de conforto físico e seu aspecto técnico como a mudança de decúbito, massagem para evitar feridas pelo corpo e o preparo e administração da medicação. Para AS3 a qualidade de vida só é possível para pacientes com quadro clínico menos grave. Um ponto abordado foi a relação estabelecida entre o profissional de saúde e o paciente sem possibilidade de cura e/ou paciente terminal. O nível de consciência e lucidez do paciente sem possibilidade de cura e/ ou paciente terminal determina o tipo de relação entre este e o profissional de saúde. Apesar de relatarem não ter diferença no tratamento entre os pacientes, na medida em que a doença avança praticamente não existe relação direta entre este e o profissional de saúde a não ser para a realização de procedimentos técnicos na maioria das vezes feitos pela equipe de enfermagem. Desse momento em diante a família passa a ser responsável por essa mediação. Essa situação é mais explícita no serviço oferecido pelo Home Care, pois quando a família recorre à assistência domiciliar geralmente o paciente já perdeu a cognição. A relação é a mesma de que com qualquer outro paciente. Na verdade a relação vai depender da situação de saúde de cada um, como a gente vai lidar com o que está chegando agora. (AS1) Nesse momento o principal é aliviar o sofrimento....E aí dar todo o conforto para que ele evolua tranquilamente pra 88 morte, sem dor, sem abrir feridas. Tentar alimentar sem... é... Em geral a gente procura conversar com a família e evitar de usar dietas alternativas por sonda, tentar deixar o mais normal possível até o morrer do paciente. (MD1) Eu não faço diferença não. Eu pessoalmente não faço diferença. Você sabe que tem cuidados mais específicos, mas eu não faço diferença. (EF1) O nosso contato é mais com os parentes, com os familiares próximos que estão chegados aquele paciente. (EF2) Não muda nada pra mim a assistência a um paciente que é terminal que já tem o prognóstico fechado e o paciente que na convalescência mesmo trata pra melhora e alta. Pra mim não faz diferença nenhuma. (EF3) A relação é a mesma, não tem distinção. Pra nós enquanto o paciente tiver um fio de vida é a mesma coisa e não importa a doença dele. (MD3) Visto que não diferenciam o atendimento dos pacientes, foram questionados sobre a preparação para lidar com essas questões. Com exceção de EF1 que teve os Cuidados Paliativos abordado no curso de enfermagem, os demais sujeitos não tiveram nenhum preparo para lidar com estas questões durante o curso de graduação. Alguns tiveram poucas abordagens com relação ao tema morte. Ao contrário disso, os médicos confirmam o que já é de conhecimento geral: de que os cursos de medicina ensinam a curar. Por outro lado, as falas dos profissionais deixam evidente que o conteúdo fornecido na graduação desses profissionais não integra de forma significativa os conhecimentos necessários para os cuidados de pacientes sem possibilidades de cura e/ou pacientes terminais. O que revela que os currículos dos cursos da área de saúde não dão uma base expressiva para uma formação que além de ser voltada para a cura também proporcione conhecimentos voltados para o cuidado diante das situações de morte e morrer. Assim, os profissionais adquiriram alguma bagagem para lidar com os pacientes sem possibilidades de cura e pacientes terminais no cotidiano do trabalho, por conta própria, em cursos de especialização e em cursos e palestras promovidas pelos serviços onde trabalham. Ou seja, as ações que realizam são principalmente resultados das experiências adquiridas na prática profissional seja nos serviços onde atuam no momento ou em empregos anteriores. 89 Em medicina você aprende a salvar o doente e não ajudálo a morrer. De forma alguma eu tive esse treinamento. (MD2) Geralmente a gente participa de cursos e é incentivado para que a gente vá pra congressos. Que a gente participe de curso que atinja a temática do idoso. Que a gente se instrumentalize para entender a demência, as doenças, a finitude, o cuidado paliativo. Eu fui a algumas palestras e alguns cursos que eles dão falando disso. Então aqui a gente tem esse incentivo e aqui a gente procura trazer profissionais pra falar com os funcionários, com os idosos e desenvolver palestras, desenvolver curso, né, de várias temáticas e inclusive essa. (AS1) Na minha época de faculdade a gente ainda não abordava esse tema de cuidados paliativos. Era falado muito pouco. Hoje em dia eu sei que nas faculdades tá sendo colocado. Nas residências a gente tem feito, tem colocado, discutido muito esse tema, e agora isso vai virar um comum já, os cuidados paliativos. (MD1) Eu tive um pouco na faculdade porque eu estudei numa faculdade católica, que foi na PUC. Então a gente tinha aula de teologia e a gente discutia sobre morte, a gente tinha livros pra ler pra gente sobre morte da Kübler-Ross que é bem legal os livros dela são muito bons. Então a gente teve um pouquinho, mas é muito pouco. Deveria ser muito mais discutivo, mas... E aí a gente acaba, eu acabei me preparando, assim, aprendendo, sozinha, né? No dia a dia, indo atrás. E mesmo assim não é algo que a gente vai estar totalmente preparado pra lidar. Porque cada morte, cada família vai reagir de uma forma. (MD1) A questão da morte é abordada na formação de enfermagem, com certeza. E cuidados paliativos e tudo é abordado. (EF1) E eu fiz oncologia, então também abordado na especialização. E eles visam bastante os cuidados paliativos até chegar no momento da morte, né? (EF1) Tive uma abordagem assim muito....muito superficial. Eu tinha psicologia na faculdade e um dos temas era o processo de morte, mas nada comparado a nossa 90 realidade hoje. Hoje em dia eu vejo que é totalmente diferente. (EF2) Mas eu aprendi muito mais no dia a dia e vivendo do que teoricamente. (AS2) Não fui preparada. Foi vindo e a gente foi aprendendo na marra, né. Na hora a gente acaba dando um jeito. (AS3) Muito pouco, eu acho que é realmente a vivência na unidade...na faculdade a gente tem pouco preparo, eu acho. Na prática eu acho que depende do setor que você trabalha.(EF3) O foco no curso de medicina é na cura e tem pouca preparação. (MD3) A gente tenta preparar, a gente começa, dependendo da fase, né, porque não é só porque tem Alzheimer que a gente já fecha, como paciente de cuidados paliativos. Ele vai entrar numa fase de cuidados paliativos, o idoso com Alzheimer, com demência em geral. E aí a gente chama a família, marca uma reunião com a família e começa a entrar já no tema, né? Como eles desejam... Porque o próprio idoso não tem como se manifestar como ele quer a morte dele. Mas hoje em dia a gente sabe também que quando a gente atende um paciente, um idoso, com quadro inicial de Alzheimer, a gente já pode começar a discutir com esse idoso como ele quer a morte dele, né? Isso pode ser uma escolha dele. Então a gente marca uma reunião com a família, com enfermeiro, com assistente social e conversa sobre o tema. (MD1) A fala de MD1 traz duas importantes colocações acerca dos Cuidados Paliativos; uma diz respeito à introdução dos Cuidados Paliativos a partir do momento em que é feito o diagnóstico de uma doença incurável e progressiva, conforme preconiza a OMS (2002). Os Cuidados Paliativos são compatíveis com as terapias que prolongam a vida quando a doença ainda está em estágio inicial podendo estar lado a lado. Outra se refere ao respeito à autonomia do paciente, ao enxergá-lo como sujeito detentor da sua própria vida e capaz de fazer suas próprias escolhas. A partir do momento que se considera a complexidade do processo de morte e morrer e as possibilidades de trabalho, surge a preocupação do trabalho dos profissionais de saúde, em equipe. 91 Aqui é um trabalho bem integrado, né. A equipe toma as decisões juntas e a gente percebe que realmente é um trabalho em equipe. A gente percebe que um depende do trabalho do outro, não acontece ações isoladas. Então a coesão da equipe é fundamental. Para que o nosso trabalho flua, a gente também precisa dos outros fluírem. (AS1) Mas aqui a gente toma as decisões juntos e faz o procedimento juntos. (AS1) Na geriatria, na gerontologia, os cuidados paliativos é essencial. É uma dependência... um depende muito do outro. Então a equipe tem sempre que estar bem unida, coesa, discutir os casos. E todo mundo vai ter a sua contribuição, né? (...) Enfim, todo mundo tem o seu papel, todos os profissionais tem o seu papel, do mesmo jeito que o médico, no mesmo nível, todo mundo tem o seu papel. Então fazer os cuidados paliativos sem uma equipe não consegue fazer. É impossível não ter equipe. (MD1) Bem, os pacientes podem estar em internação ou assistência. Em internação, ele normalmente tem todas as visitas, ou seja, vai enfermeiro, vai médico, vai fisioterapeuta, nutricionista. Assistente social trabalha nos 2, tanto na assistência como na internação. E a assistência não. Na assistência ele tem só a visita do enfermeiro, ou só a visita médica, ou ambos. Vai depender da necessidade do paciente. Então é na internação que normalmente é onde está esse paciente de cuidados paliativos, ele tem a visita de todos os profissionais. (MD2) A equipe de auxiliares (de enfermagem) são bem orientados. A gente orienta bastante principalmente essa parte psicológica, faz eles realizarem as funções técnicas deles mesmos, mas eles são orientados a questão de relacionamento principalmente com esses pacientes que estão terminais. Eles têm essa orientação de que essas famílias e os pacientes não têm essa consciência que a equipe tem. (EF3) No Home Care a equipe não é entrosada para um trabalho interdisciplinar, mas para atender as necessidades objetivas dos pacientes. O serviço tem a facilidade de acionar diferentes profissionais para atender o paciente, numa perspectiva multiprofissional onde cada um realiza o seu trabalho isoladamente. 92 Quando a equipe é multiprofissional há uma fragmentação do atendimento nas instituições de saúde porque nem sempre é composta por uma gama ampla de profissionais, como a ação realizada não é interdisciplinar pode levar a práticas reificadas de acordo com Lewgoy, Mendes e Silveira (2008). Na ILPI os discursos de AS1 e MD1 evidenciaram que o trabalho na instituição se aproxima da interdisciplinaridade. Os conhecimentos de cada profissional são igualmente respeitados, e mesmo existindo duas equipes atendendo os idosos (diurna e noturna) eles criaram um dispositivo de comunicação interna bastante simples, pois se trata de um caderno onde o profissional pode deixar recados para os colegas de trabalho do turno seguinte. Outro meio de comunicação utilizado pela equipe é o e-mail28 institucional. Além disso, existem reuniões gerais com toda a equipe e sempre que houver necessidade outros encontros podem ser marcados para a discussão de casos específicos. Observa-se que MD1 entende a importância de o trabalho em equipe estar em sintonia com a interdisciplinaridade visto que como Goulart (apud Lima, s.d., s.p.) compreende que “tudo repercute em tudo” e portanto, é necessário englobar as diferentes áreas do saber. Por estar há pouco tempo trabalhando na instituição EF1 não incorporou a metodologia de trabalho utilizada e seu referencial de trabalho em equipe está ancorado em experiências profissionais anteriores em unidade básica de saúde e hospital, onde a atuação de diferentes profissionais com um mesmo paciente era fragmentada e se refere ainda à “colaboração” de outros profissionais para a realização mais rápida de suas próprias tarefas e não num grupo de profissionais focado no melhor atendimento ao paciente. De acordo com AS3 o trabalho em equipe no hospital é quase impossível em virtude do tempo e pela necessidade de manter a rotina do serviço. O trabalho é muito corrido e quando solicitados vão até o local e nas suas palavras “o serviço é passado corrido”. Relata que com a equipe do Serviço Social existe um entrosamento maior, pois aumentou o número de profissionais e conseguem se reunir para discutir casos, e quando necessário se apoiarem mutuamente e desabafar quando alguém fica abalado com determinado caso. Esse apontamento revela a falta que faz nos serviços de saúde em geral de um atendimento para os próprios profissionais que durante o dia de trabalho estão expostos a inúmeras 28 Endereço eletrônico. 93 situações limites que causam angustia. Mas também pode revelar a dificuldade que as profissionais de saúde tem de sair de sua zona de conforto e confrontarem os demais profissionais. 3.4.1.3 Dificuldades em relação à questão da morte e pacientes terminais e/ ou sem possibilidades de cura. De acordo com as falas emergiram quatro pontos referentes às dificuldades em relação à morte e aos pacientes sem possibilidades de cura e/ ou pacientes terminais: família do paciente; ideologização do hospital como lugar de cura; lidar com a dor do outro (pacientes e familiares); perfil profissional para atuar com a demanda. Desses pontos, os dois primeiros se destacam e aparecem quase como consenso entre os profissionais entrevistados. Na visão deles, a maior dificuldade no trabalho é lidar com a família. Especificamente no Home Care, onde na maioria das vezes a abordagem ao paciente é mínima e o foco é direcionado à família e/ou cuidador. Os profissionais do Home Care entendem que fazem orientação e preparação da família para a morte do paciente. Contudo, a abordagem não prepara de fato o familiar para o desapego e no geral são orientações, embora necessárias, meramente burocráticas sobre as técnicas de cuidado e orientações relacionadas aos trâmites do velório e do sepultamento. No Hospital, os profissionais entrevistados se referem à dificuldade de lidar com as mortes consideradas antinaturais, de crianças e jovens adultos, o que está em consonância com os resultados dos estudos de Santos (in Martins, 1983). Ou seja, há uma associação da morte à velhice avançada, quando é mais fácil a aceitação na medida em que se acredita que essa pessoa cumpriu sua jornada. Na ILPI a carga para o cuidador familiar informal é significativamente reduzida na medida em que os pacientes possuem o respaldo de técnicos especializados e os idosos recebem cuidados integrais da equipe na própria instituição. Para os familiares de pacientes em Home Care a carga é maior, embora também haja suporte de diversos profissionais, a não ser que o paciente tenha a equipe de enfermagem 24 horas por dia no domicílio, muitas vezes o cuidador informal (familiar) é responsável pelo cuidado diário. 94 Uma das situações mais difíceis é você lidar com as pessoas, pois por mais que você oriente e explique porque está sendo feio aquele procedimento, às vezes até os funcionários mesmo falam “nossa porque que não entubam essa pessoa?” A maior dificuldade é fazer as pessoas entenderem porque nós estamos fazendo isso. Eles acham que ao invés da gente ta cuidando, nós estamos judiando. (AS1) AS3 e MD3 relatam que por vezes sentem a necessidade de se esconder atrás da técnica para não lidarem com a dor do outro, e para enfrentar as dificuldades no cotidiano de trabalho no Hospital. AS3 fala ainda que uma dificuldade pessoal é enfrentar o próprio medo da morte, pois o tema a paralisa. Aponta ainda a dificuldade de lidar com a situação de uma morte inesperada, pois todos ficam abalados tanto familiares quanto a equipe. Além disso, AS3 revela que por vezes o médico informa o óbito para um único membro da família e à medida que os demais familiares chegam ao hospital são encaminhados para o Serviço Social dar a notícia. EF1 vê a dificuldade quando não conseguem obter a participação do acompanhante familiar nos cuidados com o paciente. Relatam que mesmo estando cientes do diagnóstico, há uma negação da proximidade da morte por parte dos familiares que acabam exigindo, por exemplo no caso do Home Care e da ILPI, quando o familiar está quase morrendo a tomada de medidas extraordinárias para “salvar o paciente” como a transferência e internação no hospital. Por outro lado na ILPI enfrentam também o problema da falta de entendimento da filosofia dos Cuidados Paliativos pela equipe de limpeza da instituição, que estabelece vínculos com os idosos e por vezes questionam as ações da equipe técnica. O que leva ao ponto abordado por AS1 trata da idealização do hospital como lugar de cura. Logo, para a AS1 a dificuldade de lidar com a morte dentro da ILPI também é reflexo dos vínculos estabelecidos entre as pessoas durante o tempo em que conviveram. MD1 aponta que um fator que reflete essa dificuldade é que nem sempre existe uma relação por tempo suficiente para que se estabeleça vínculo entre paciente, família e equipe, dificultando a total adesão ao modelo preconizado pelos Cuidados Paliativos. Entre os idosos tem muito isso, né, de que se não for pro hospital não vai melhorar, que não pode deixar morrer 95 assim. Então quando eles vêm um idoso debilitado , eles não entendem o que é o CP e a gente tenta explicar numa linguagem mais simples pra que eles entendam, mas eles não entendem o que é o paliativo. (AS1) Porque as pessoas têm esse mito de que o hospital vai curar. Que internou e o médico vai olhar., vai tratar e depois ela vai ficar boa, né. Isso é uma construção social. Então eles também têm essa visão, visão cotidiana de que o hospital é pra curar. (AS1) A gente sempre tinha aquela dificuldade que nenhum familiar queria cuidar. (EF1) Na nossa formação técnica é extremamente objetivo. A gente sabe o prognostico, sabe mais ou menos a hora que vai acontecer o óbito. Pra nós aqui não é complicado enxergar isso. Muitas vezes a barreira realmente é a cultura daquela casa daquela família de não aceitar. Pra gente esse processo de morrer no dia a dia de trabalho, ele é muito objetivo. Ele é claro. Resta – nos tentar convencer, talvez esse não seja o melhor verbo convencimento, mas explicar esse processo de morrer. Sente que ainda falta cultura nesse sentido. (MD2) Não existe barreira de material, de medicamento, na hora de entrar com essas condutas, não existe. A barreira é o familiar. (MD2) Em partes porque no hospital, esse treinamento não é feito com a família. E onde a família vai aprender a trocar uma fralda, trocar uma dieta, ou faz um curativo? Ela chega em casa e vai ter que fazer todos os cuidados que estavam sendo feitos até então pelo hospital. E sem recurso nenhum. (EF2) A dificuldade maior é com a família. A consciência que a gente tem do estágio terminal e a família quase nunca tem. Então assim, é como se a gente tratasse de duas pessoas diferentes. A família vê uma coisa, ela sempre acha que dá. Ela sempre nega o óbito ou sempre vê uma esperança e a gente sabe o curso, que não tem mais volta. Por exemplo, quando ta passando mal a família quer que a gente vá imediatamente porque acha que a gente vai salvar. (EF3) A maior dificuldade é falar com a família...A gente muito também quando é um paciente jovem. (MD3) 96 A falta de conhecimento dos Cuidados Paliativos aliada a falta de suporte faz com que os familiares num primeiro momento os familiares aceitem a adoção de medidas que visam apenas o cuidado e não mais a cura, porém a aproximação da morte tem um impacto tão grande que recorrem ao hospital como estância máxima de cura. No caso do paciente que permanece no domicílio e não possui um cuidador profissional, os cuidados diários como o curativo, mudar e mover o paciente de posição para não criar feridas e a administração da medicação, tornam – se responsabilidade da família que passa a executar tarefas e procedimentos técnicos para os quais não está preparada seja emocionalmente ou tecnicamente, reconhecida por EF2. Entretanto, EF1 expressa a vontade de ser cuidada no seu próprio domicílio por um cuidador (a) profissional por reconhecer o desgaste de tais cuidados para a família, mas se contradiz num outro momento ao colocar a falta de colaboração da família nos cuidados com o paciente como um dificuldade para o seu trabalho. Andrade (2008) aponta a necessidade da equipe de saúde perceber como a família realmente é, não um modelo idealizado de família, pois nem sempre ela tem condições adequadas de cuidar do paciente. O enfrentamento da dor vivida tanto pelo paciente quanto pela família gera angústia na equipe de saúde. De tal modo que para lidar com a dor do outro, manter a postura profissional é a principal estratégia utilizada por todos os profissionais entrevistados. Eu acho que também de uma certa maneira tentando entender, tentando se basear no que está sendo feito é o melhor pra ele. Ter isso em mente ajuda bastante a gente fixar nessa idéia. Ajuda a gente a entender o que é possível e que tem coisa que não está ao nosso alcance. (AS1) Você tem que compartilhar, mas você também tem que colocar um pouco de barreira dentro de você pra você ser um profissional também, senão você não consegue, você começa a se envolver de tal forma que você perde a linha da parte profissional. (MD1) É aquele momento que a gente vê se consegue separar o profissional do pessoal. É difícil porque você trabalhando aqui um tempo, você cria vínculos também com os idosos. Você tem que continuar na sua postura profissional e não 97 perder seu lado humano porque a pessoa ta precisando de um consolo, uma força, né. (AS1) Eu acho que está incluído na assistência da enfermagem esse apoio emocional. Independente do quadro e do prognóstico, tanto ao paciente quanto à família. (EF3) Com relação à necessidade do profissional ter um perfil para atuar com estes pacientes, três concordam que o profissional precisa ter perfil. Ou seja, o profissional precisa se identificar com a demanda, entender a sua complexidade e ter estrutura emocional para lidar com a morte. No entanto, EF3 pensa que só é possível identificar a afinidade ou não com determinado segmento (população idosa, deficientes, saúde mental etc.) na prática profissional, onde cada profissional descobre seus limites, em conformidade com a fala de EF1, e entende que os cursos de graduação em enfermagem deveriam oferecer o mínimo de preparo a respeito dos Cuidados Paliativos e da morte. Aqueles que não souberem lidar com essa questão não conseguirão trabalhar com pacientes sem possibilidade de cura e ou terminais, restando-lhes desistir do trabalho ou a realização de um trabalho incompleto em virtude de não aguentarem as circunstâncias. É importante, mesmo que brevemente, destacar as condições de trabalho dos profissionais nos serviços onde atuam. Tanto o Home Care quanto a ILPI, por diferentes razões, possibilitam à equipe boas condições de trabalho, ao oferecer espaço para discussão de equipe, ambiente com privacidade para atendimento, disponibilidade de equipamentos com maior facilidade. Enquanto no hospital a enorme demanda, falta de espaço, de profissionais e recursos financeiros reduzidos, dificultam e limitam a intervenção do profissional de saúde. O profissional tem que ter perfil, é indispensável ter o perfil. Se você é uma pessoa, que você não tem organização, você não tem uma paciência, você não sabe lidar com situações de não ter o amanhã. (AS1) Tem que ter o perfil de aceitar que a gente não vai conseguir resolver tudo, porque a gente é formado pra curar, né? A formação do médico é curar, e a gente tem que ter mais sensibilidade, tem mais paciência, saber conversar, saber lidar com a equipe. Tratar no mesmo nível a equipe. O médico sai achando que é o deus e o resto tem que obedecer a ele. (...) Quem não tem esse perfil, não 98 consegue trabalhar em equipe, em cuidados paliativos, em geriatria. (MD1) Claro, tem que ter. Com certeza absoluta. Tem que gostar de cuidar de idoso. Eu, me coloca pra cuidar de criança que eu não gosto de criança. Você tem que gostar de idoso, você tem que ter paciência pra cuidar de idoso, senão... Ele sofre na verdade, né? (EF1) Perfil, não sei. Talvez um curso, com algumas orientações e alguma preparação. Mas a gente vai aprendendo com o dia a dia. (AS3) Eu acho que essa orientação tem que vir da faculdade porque o profissional tem que sair formado sabendo. Até porque no geral a gente não escolhe o setor de trabalho inicialmente. Então, ele tem que vir preparado e já esperando que ele tenha que lidar com essas situações. Aí se ele se desenvolve mais ou menos depende de cada um, mas às vezes você não tem escolha. É como todos os outros procedimentos mesmo os técnicos, você tem que saber com o que você vai lidar pra saber se você tem condição ou não, né. (EF3) Tem que ter perfil senão ele não agüenta e não faz o serviço adequado. (MD3) A negação da morte pela família expressa somente a ideia passada pelo capitalismo através do aparato tecnológico desenvolvido de que há sempre uma intervenção hospitalar que pode evitar ou adiar a morte. Outras dificuldades foram relatadas pelos profissionais do Home Care e que tocam numa questão fundamental na atualidade e reflete os valores da sociedade contemporânea. De acordo com as falas é possível identificar a concepção de saúde como bem econômico e como tal evidencia as diferenças entre classes sociais refletidas tanto no atendimento técnico como na relação profissional de saúde e paciente. Parece possível fazer uma relação com a transformação da saúde em bem econômico, ou seja, a saúde assume nos dias atuais características de mercadoria. Mas aí isso nunca é muito explícito. Você percebe que o profissional dá um jeitinho, fala que foi outra coisa e sai. Ao mesmo tempo que ele lida com famílias de alta renda, ele lida com famílias de baixa renda, e a conversa tem que ser completamente diferente. Lida com quem é emergente, lida 99 com quem já tá na decadência. A gente vê isso muito mais na equipe de São Paulo. Um perfil muito diferente, socioeconômico, de paciente. (MD2) Nessa hora cabe-nos a orientação. Então, a assistente social faz isso, né. A enfermeira acerta toda essa logística de material, medicamento... porque o familiar está morrendo ou morreu a gente tem que tratar da nossa parte, né. Muitas vezes o lado de lá ta em luta e o lado de cá ta querendo retirar material e medicamento. Parece nós não pensamos, não nos interamos do luto. Não é isso. Realmente é meio complicado essa situação próximo do óbito e depois do óbito. (MD2) To com 99,9% dos atendimentos é custeado pela operadora de saúde e tal, porque particular ainda é um custo alto. Tanto que os pacientes particulares não tem queixa. Porque eles recebem tudo o que eles pedem, porque eles pagam. No caso da fonte pagadora, não vai gaze, não vai luva, não vai dieta, aquela dieta por sonda, então isso gera um descontentamento. Então a gente tem até isso, não de forma estatística, mas já tem isso com certeza que, se eles recebessem tudo, a gente teria insatisfação 0%. Porque aí dependeria do nosso auxiliar faltar na visita, ou o nosso profissional não ser o adequado de vista técnica. Isso aí a gente não tem problema. E quando tem, aí tem a empatia, e a gente se acerta. Porque nessa fase terminal, usa-se fralda, usa-se gaze. A equipe usa dieta, dieta industrializada. Material de seringa, curativo, isso há um custo alto, né? Isso gera um descontentamento... (MD2) Aí encara o custo todo, não só da gaze, até a pomada, até a dieta, que é caro, que é um custo bem... (AS2) O poder público ajuda bastante, porque hoje a gente consegue fralda, dieta, curativo. Principalmente se for idoso, né? Porque se for idoso o Estado é obrigado a dar qualquer coisa, qualquer medicamento, cuidado integral. Então se a gente faz um relatório, as famílias conseguem com certa facilidade. Consegue fácil. Qualquer prefeitura. Oxigênio também eles conseguem fácil. (MD2) A despeito do que foi colocado, é preciso desmistificar a ideia equivocada de que os Cuidados Paliativos demanda “baixa tecnologia” por valorizarem o contato humano, não precisando de investimentos. Os Cuidados Paliativos não confrontam 100 os conhecimentos terapêuticos e a tecnologia existente que colabora sobremaneira com o alívio dos sintomas, mas procura abranger todas as necessidades do paciente (MARCUCCI, 2009). De fato todas as dificuldades apontadas tem consequência direta na forma como os profissionais de saúde realizam sua prática profissional. 3.4.1.4 Identificação e compreensão dos Cuidados Paliativos Solicitados a definirem o que são Cuidados Paliativos, MD1 respondeu que são cuidados dados a pacientes sem possibilidades de cura ou na fase terminal, visando à melhor qualidade de vida ao aliviar o sofrimento. AS1 vê os Cuidados Paliativos como uma importante estratégia para o trabalho com o idoso portador de doença crônica, oferecendo mais dignidade e individualidade no atendimento ao paciente. Apesar de MD2 realizar algumas reflexões importantes, sua prática e seu olhar estão focados na conduta médica sob o ponto de vista biológico. Já EF1 entende o sentido geral, mas não a abrangência dos cuidados paliativos na medida em que toda sua fala permeia os cuidados objetivos com os pacientes. AS2 é muito objetiva e não mostrou profundidade no conhecimento do tema e restringiu-se à qualidade de vida. Enquanto EF2 demonstra uma compreensão um pouco mais completa dos Cuidados Paliativos ao considerar além da qualidade de vida a importância da família estar incluída no atendimento. No Hospital, EF3 dominam o conceito e a filosofia dos Cuidados Paliativos e dentro dos limites da instituição tenta possibilitar a realização de alguns desejos dos pacientes e familiares como visitas mais frequentes e em horários diferenciados, além de incentivar a presença da figura religiosa. Já MD3 e AS3 revelam não possuir nenhum conhecimento, nem mesmo superficial sobre os Cuidados Paliativos. É assim que eu vejo, que você vai dar um conforto pra pessoa no processo dela de finitude. Quando a gente sabe que não tem o que fazer por essa pessoa e que nenhuma intervenção vai dar pra ela uma sobrevida uma possibilidade de cura ou uma melhora significativa. (AS1) 101 São cuidados específicos que não é aquele cuidado de cura. É um cuidado que você tem que tentar dar o maior conforto possível, amenizar a dor do paciente, e conforto e alimentação. Isso que eu entendo por cuidados paliativos. A pessoa tem que ter uma boa hidratação, uma boa alimentação, muitas vezes por sonda, a pessoa quer por tempero na comida. O paciente tem que estar nutrido, hidratado, sem dor e limpo. Pra mim isso é cuidado paliativo (EF2). O que a gente já entendeu os últimos 3, 4 anos é que se pensava que era só paciente com câncer terminal, e não, são paciente com doenças, e as doenças são terminais. Doença cardíaca, doença pulmonar, a própria neoplasia, o câncer. Então a situação é terminal. Saiu da perspectiva terapêutica, passa aos cuidados paliativos. Como eu tinha falado antes, mesmo durante os cuidados paliativos, eu posso ter um emprego curativo, ou seja, eu posso tratar uma pneumonia, que tem um câncer terminal, e não tem mais perspectiva praquele câncer. Ele merece tratar pneumonia, ele merece tratar infecção urinária. Ou, o que a gente entende. Não fiz curso. Só de ler. Uma mescla, de cuidados curativos e paliativos num paciente que não tem perspectiva de sobrevida longa. (MD2) Que aí você vai tentar melhorar a qualidade de vida. Se quase a totalidade deles evoluem com dor no final, trata a dor, tratar infecção, tratar aquela dispnéia, aquela falta de ar... (MD2) Então lá no domicilio, como é que a gente vai tratar. A gente também pra esses pacientes também tem o atendimento psicológico, então também faz o acompanhamento, também entra no acompanhamento desse processo de morte, né? Esses cuidados paliativos, né? O seu conhecimento técnico, os cuidados técnicos, mas também sempre visando à qualidade de vida do paciente, englobando os familiares próximos, participando desse processo. A gente se baseia nisso. (EF2) Não conheço, não. Quer dizer já ouvi dizer algumas coisas, mas muito vago. (AS3) Então aqui geralmente o que a gente proporciona são os cuidados mais físicos. O lado psicológico e emocional a gente percebe que fica mais a cargo da família. Por exemplo, a família traz um representante da religião da qual a pessoa pertencia pra acompanhar... a gente, quando é 102 um caso bem terminal mesmo abre exceções pra visitantes, pra acompanhantes pra que tenha esse espaço. A gente costuma colocar o paciente num quarto sozinha pra dar essa abertura pra visitação diferenciada e que não incomode os outros pacientes. (EF3) A fala abaixo de AS1 evidencia a contradição entre o modelo biomédico que na maioria das vezes segue o caminho da obstinação terapêutica e os Cuidados Paliativos. Reconhece que quando um tratamento não traz mais benefícios e só torna a vida do paciente mais dolorosa, não faz sentido. O entendimento está em conformidade com DEBRAY (apud Pessini, sd, s.p.). Então para evitar que se entube, passe sonda ou algum outro procedimento invasivo que vai trazer mais sofrimento para essa pessoa e vá fazer que ela tenha uma morte mais dolorosa. Então usar os Cuidados Paliativos nesse sentido de dar um conforto melhor para que ele tenha um processo mais tranquilo. (AS1) O fim é inevitável. Então se a gente já tá fechado o prognóstico dele que é caminhar para a finitude tem dois caminhos, fazer com que esse processo seja mais tranqüilo, mais digno, menos doloroso e que a pessoa possa correr o processo de uma forma natural, né, entre aspas ou a gente pode usar de métodos invasivos que pode dar uma sobrevida momentânea que pode acabar trazendo mais sofrimento ou que de repente pode até acelerar o processo, né. (AS1) Foi perceptível que a compreensão da filosofia dos Cuidados Paliativos não se dá de forma homogênea pelos profissionais sujeitos deste estudo. Alguns demonstram entendimento mais profundo, outros apenas um entendimento superficial, e outros ainda não tomaram conhecimento desse novo modelo de cuidar. Os discursos mostram que os sujeitos não realizam os cuidados paliativos integralmente conforme conceituado pela OMS (2002) objetivando também o apoio psicológico, social e espiritual, ou seja, além do modelo assistencial curativo onde predomina a dimensão técnica, pensando num modelo que atenda o paciente nas suas necessidades globais. 103 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Todo o interesse na doença e na morte é, em verdade, apenas uma outra expressão do nosso interesse na vida.” (Thomas Mann) Este estudo pretendeu compreender como se dá o cuidado a pacientes terminais e/ ou sem possibilidades de cura na visão dos profissionais de equipes de saúde, tendo como objetivo geral entender o significado que os profissionais de equipes de saúde atribuem aos Cuidados Paliativos e a seus respectivos papeis nesse tipo de conduta. Considerando os fenômenos do envelhecimento populacional e do aumento das doenças crônicas, entendeu-se a necessidade de discutir as questões da morte e do morrer com os profissionais de equipes de saúde. Por ser um tema desconfortável e cuja abordagem causa estranhamento nos profissionais de saúde que trabalham em instituições de saúde e serviços de abrigamento institucional de idosos aonde inevitavelmente em algum momento irão se deparar com morte, revelam toda a complexidade do enfrentamento da questão no cotidiano de trabalho. Os dados revelaram que o significado que os profissionais de equipes de saúde atribuem à morte tem relação com a abordagem sobre a morte e as questões diante do morrer pela família no processo de formação de cada um. No que compete à família destaca-se a religião que entende a morte como uma passagem do estágio natural para a próxima existência, para o plano espiritual. A religião conforta na medida em que há esperança numa “outra vida”, ou seja, na crença de que a morte não é o fim de tudo. Para eles a religiosidade ou espiritualidade também dá suporte e apoio aos pacientes e familiares, podendo ajudar no desapego e inclusive facilitar os cuidados com o paciente e posteriormente a família na fase do luto. A experiência profissional explicita, quase que diariamente, a finitude humana. O trabalho profissional e técnico que realizam enfatiza a visão biológica da vida para a qual a morte é a falência dos órgãos. Assim, seja pelos valores 104 passados pela religião ou pelo trabalho que tratam da morte, ela é encarada como processo natural e inerente à vida. Contudo, tal entendimento não elimina o medo da morte e o pensamento sobre sua própria morte, relacionado com o medo do que vem após a morte e o medo da extinção, conforme KASTENBEUM (apud Kovàcs, 1992) e declarado abertamente apenas por AS3. A relação da prática profissional na área da saúde com a morte se apresenta no entendimento da morte como parte do cotidiano de trabalho, na abordagem e no trato destas questões, na relação entre profissional de saúde – paciente sem possibilidades de cura e/ ou pacientes terminais, na qualidade de vida, na preparação para lidar com a morte e no trabalho em equipe. Para esses profissionais, a morte é encarada como parte do cotidiano de trabalho embora a sua abordagem seja difícil de lidar. Os Cuidados Paliativos é um modelo de atenção que pressupõe o estabelecimento de um vínculo profissional – paciente; no entanto, a natureza e as condições de trabalho principalmente nos serviços de saúde só levam a desvinculação em contraposição ao discurso da humanização que se tem escutado nos últimos anos. Assim, o sentimento da perda e o luto que estão diretamente relacionados ao tipo de vínculo estabelecido entre profissional de saúde e paciente, pouco atingem os profissionais do Home Care e do Hospital. Dentre os profissionais de saúde entrevistados, os que estabelecem maior vínculo com os pacientes atuam na ILPI, o que só é possível diante da natureza do serviço. O discurso dos médicos entrevistados corrobora os resultados encontrados por Consorte (in Martins, 1983) segundo os quais a discussão da morte na prática médica revela estar voltada para a vida, sendo que esta e não a morte se coloca no centro das preocupações dos médicos. No caso das enfermeiras, e aqui se acrescentam as assistentes sociais, a reação diante da morte depende de algumas variáveis: circunstância da morte, o grau de envolvimento com o paciente e a idade do morto. A morte de uma criança ou uma pessoa jovem é considerada antinatural. O nível de consciência e lucidez do paciente sem possibilidade de cura e/ ou paciente terminal determina o tipo de relação entre este e o profissional de saúde. Apesar de relatarem não ter diferença no tratamento entre os pacientes, na medida em que a doença avança praticamente não existe relação direta entre este e o profissional de saúde que acaba direcionando sua atenção para o familiar/ 105 cuidador, a não ser quando realiza os procedimentos técnicos, na maioria das vezes desempenhados pela equipe de enfermagem. Desse momento em diante a família passa a ser responsável por essa mediação. Para os enfermeiros a atenção ao cuidado é mais próxima porque são os profissionais que mantém contato direto com os pacientes. Pelas falas desses profissionais durante as entrevistas também foi possível identificá-los como os profissionais mais atarefados. Com relação à preparação para lidar com a morte, os profissionais referem que a formação no curso de graduação não fornece os conhecimentos necessários para os cuidados de pacientes sem possibilidades de cura e/ou pacientes terminais de forma significativa. Aqueles que possuem algum conhecimento, adquiriram-no por meio de em cursos de especialização e em cursos e palestras promovidas pelos serviços onde trabalham. Com relação à qualidade de vida para os pacientes sem possibilidades de cura e/ou pacientes terminais a visão predominante é o alívio do sofrimento por meio do controle dos sintomas físicos. E mesmo no aspecto físico, na maioria das vezes manter um familiar com conforto e possibilitar a melhor qualidade de vida possível está além das possibilidades de intervenção dos profissionais de saúde. As condições objetivas de vida sob o capital são incompatíveis com os custos necessários para proporcionar qualidade de vida para o paciente como, por exemplo, atendimento domiciliar, medicamentos produzidos com alta tecnologia, equipamentos, cuidadores profissionais e alimentação especial. A complexidade dos problemas de saúde de pacientes sem possibilidades de cura e/ ou pacientes terminais requer para o seu enfrentamento a utilização de múltiplos saberes e práticas. Outro assunto bastante discutido e abordado foi o trabalho em equipe. Contar com o respaldo de uma equipe acompanhando o paciente dá mais tranquilidade tanto para a família quanto para os próprios profissionais lidarem com a situação da morte, pois quando esta acontecer saberão que fizeram tudo o que podia ser feito e que o paciente não foi abandonado. Porém, o fato de reunir diferentes categorias profissionais para a realização de um mesmo trabalho não significa que os profissionais estarão “livres” de suas instituições. Num trabalho em equipe, eles trarão consigo a bagagem e a representação de cada profissão. Todavia, compor uma equipe multiprofissonal não precisa ser uma atividade onerosa, se as habilidades dos profissionais forem 106 operacionalmente utilizadas. . A chave está em fazer convergir as habilidades para o atendimento de um mesmo objetivo. A relação estabelecida entre os profissionais de diferentes áreas é determinante para o alcance de resultados frente às questões que exigem sua intervenção em distintos níveis. O trabalho multiprofissional e interdisciplinar é um desafio, mas quando realizado multiplica os resultados. A multidisciplinaridade como relação harmônica de diferentes profissionais, num mesmo ambiente de trabalho, já é prática comum. A interdisciplinaridade, no entanto, implica relação entre sujeitos, reciprocidade de trocas, discussão, complementações, respeito pela visão de mundo do outro, intensidade de trocas entre especialistas, disciplinas, profissões. A ampliação da consciência crítica do conjunto ainda está aquém da discussão do tema no campo da teoria, onde em princípio a interdisciplinaridade é perfeitamente possível. De forma que na realidade da prática por meio da relação entre sujeitos concretos, enfrentando problemas também concretos com diferentes perspectivas de análise da realidade e de ação sobre ela, torna – se um enorme desafio para os profissionais e as instituições. Para os profissionais da ILPI, quando o trabalho é realizado em equipe, tornam-se possíveis a divisão de responsabilidade e a possibilidade de compartilhar com todos os profissionais e a família o cuidado do doente. As maiores dificuldades apontadas pelos profissionais em relação à questão da morte e pacientes terminais e/ou sem possibilidades de cura no cotidiano de trabalho são a ideologização do hospital como lugar de cura, a relação com a família do paciente, lidar com a dor do outro (pacientes e familiares) e a falta de perfil profissional para atuar com a demanda. Nem todos os profissionais terão “facilidade” em lidar com a terminalidade. Dificuldade para lidar com o sentimento de impotência, porque independente do seu trabalho, o paciente vai morrer. Os limites de cada um vão aparecer diante do preparo e a experiência profissional. Entretanto, o perfil para atuar com a demanda como qualquer outra é uma descoberta do profissional a partir da sua experiência e vivência. Desses pontos, os dois primeiros se destacam e aparecem quase como consenso entre os profissionais entrevistados. Na visão deles, a maior dificuldade no trabalho é lidar com a família. Especificamente no Home Care, onde na maioria das vezes a abordagem ao paciente é mínima e o foco é direcionado à família e/ou 107 o cuidador. Os profissionais do Home Care entendem que fazem orientação e preparação da família para a morte do paciente. Contudo, a abordagem não prepara de fato o familiar para o desapego e no geral são orientações, embora necessárias, meramente burocráticas sobre as técnicas de cuidado e orientações relacionadas aos trâmites do velório e do sepultamento. Já a ideologização do hospital como lugar de cura é tão forte que nos momentos finais a família sempre exige que o paciente seja removido para o hospital e medidas extraordinárias sejam tomadas. No geral o entendimento dos profissionais entrevistados sobre os Cuidados Paliativos é bastante superficial e em alguns casos não há entendimento algum. Os Cuidados Paliativos não são entendidos por todos os profissionais como uma nova forma de cuidados na saúde. Os discursos mostram que os sujeitos não realizam os Cuidados Paliativos integralmente conforme conceituado pela OMS (2002) objetivando também o apoio psicológico, social e espiritual, ou seja, num modelo que atenda o paciente nas suas necessidades globalmente, indo além do modelo assistencial curativo onde predomina a dimensão técnica. Os três serviços, com características diferentes, atendem a mesma demanda; e a natureza distinta de cada um acaba refletindo na forma de atendimento aos pacientes. A ILPI é uma instituição diferenciada, sem dúvida, ao primar por um atendimento global onde os profissionais de diferentes especializações se dedicam ao atendimento dos idosos. Além de discutirem entre a equipe e com a família o caminho a ser seguido no atendimento do paciente. Esse tem sido o caminho percorrido pelos profissionais do serviço que buscam ampliar o olhar para essa nova realidade que vem se desenhando. Embora na ILPI seja visto como uma importante estratégia para o trabalho com o idoso portador de doença crônica, oferecendo mais dignidade e individualidade no atendimento do paciente. No Home Care trata-se de um trabalho técnico e altamente especializado no tratamento da dor física e controle dos sintomas, cujo processo de trabalho acaba por permitir certo distanciamento entre o profissional e o paciente. As desigualdades sociais e a dificuldade de lidar com as mesmas são sentidas pelos profissionais no Home Care, pois beneficia desigualmente os usuários dos seus serviços dependendo da cobertura do plano de saúde que possuem. A assistente social do serviço (AS2) recorre quando necessário aos órgãos públicos, na tentativa 108 de sanar algumas necessidades que a família não tem recursos para arcar, sendo mais comum com os idosos (Estatuto do Idoso). No hospital, apesar de ser o espaço delegado para a morte na sociedade contemporânea, a prática profissional “engole” os profissionais, cada dia mais atarefados, e consequentemente sem tempo para refletirem as ações no cotidiano de trabalho, entre as quais a morte de um paciente. Nada que escape à rotina e a disciplina cabe na instituição. Os Cuidados Paliativos de uma forma geral é uma ideia ainda subversiva na área de saúde no Brasil. Na medida em que perturba o cotidiano das práticas dentro das instituições ao contrapor o que se aprendeu nos cursos de formação, bem como o referencial técnico-científico hegemônico ao considerar o componente mais subjetivo dos pacientes. Embora localizadas próximas ao maior capital do país, a cidade de São Paulo, os profissionais não dispõem da mesma quantidade e qualidade de informações sobre os Cuidados Paliativos. Talvez seja explicado pelo fato de o Sistema Único de Saúde no Brasil ainda buscar a concretização de uma atenção básica de qualidade. A própria ideologização do hospital como espaço de cura dificulta a disseminação e a incorporação dos Cuidados Paliativos. Ainda é difícil para as equipes médicas aceitarem que um paciente sem possibilidades de cura e/ou sua família não queira que sejam utilizadas medidas invasivas porque aceitaram o processo natural da morte. A obstinação terapêutica está presente no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde, principalmente do médico, que às vezes são abordados por familiares solicitando intervenção. Portanto, a ideologização do hospital tem relação direta com a obstinação terapêutica. Talvez neste momento os CP não se configurem como uma necessidade de saúde da população, mas na medida em que as necessidades são dinâmicas, além de social e historicamente construídas, é preciso estar preparado para incluí-los nos serviços de saúde como um modelo de cuidado como qualquer outro. Sem dúvida os serviços existentes ousaram na implantação de unidades especializadas em CP e ainda enfrentam inúmeras dificuldades. A aceitação dos CP como um modelo de assistência à saúde requer, entre outras coisas, o amadurecimento na formação de recursos humanos na área. Cada profissional deve procurar um ponto de equilíbrio no envolvimento e no trato da dor do outro, sendo o principal objetivo o acolhimento e não banalização da 109 morte. Na medida em que não é possível oferecer aos pacientes tratamentos que propiciem a cura de sua doença, é possível ajudá-lo nesse momento tão difícil. A questão é de que forma ele morreu. Precisa ficar claro que o cuidado não se opõe ao trabalho, mas lhe confere uma tonalidade diferente, o que não se quer dizer que cuidar seja uma tarefa fácil em nenhum momento, mas definitivamente é necessária. Para atuar com pacientes sem possibilidades de cura e/ou pacientes terminais é preciso sair de sua zona de conforto. Cuidado e cura não são incompatíveis como se quer convencer. O cuidado precisa fazer parte do cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde seja com pacientes que tenham perspectiva de cura ou não. Porém, requer o estabelecimento maior de vínculos e mais tempo dedicado aos pacientes. Morrer acompanhado pela família assegura que uma determinada sociedade cultiva esse valor como primordial. Todavia, a sociedade contemporânea incentiva a busca individual pelo bem estar absoluto, pela juventude eterna e tenta exorcizar a morte da vida das pessoas. Deste modo, a sociedade como um todo não consegue lidar com a concretude do sofrimento. Há um despreparo para lidar com os que estão morrendo e com a morte. É evidente que as pessoas não refletem sobre a finitude humana. É como se as pessoas não morressem, mas simplesmente desaparecessem. Assim, a implantação dos CP, na forma prevista na sua filosofia, pressupõe uma mudança nos valores que são adotados por esta sociedade que ao exaltar a forma física, enaltece o hedonismo, o consumismo, a competitividade e o utilitarismo das coisas e das pessoas. É possível deduzir que os pacientes com doenças incuráveis não tem recebido um tratamento humanizado, ou seja, um tratamento que alivie a sua dor e seu sofrimento em todas as suas dimensões. Ainda falta à equipe de saúde preparo e um olhar mais abrangente que dê suporte ao paciente e à família dando conta de suas necessidades em diferentes dimensões. Por fim, a busca de respostas para este estudo evidenciou a necessidade de superação do modelo biomédico de atenção à saúde, meramente curativo; esperase que este trabalho venha a contribuir com informações que possibilitem novos olhares para o enfrentamento das necessidades dos pacientes sem possibilidades de cura e/ ou terminais. 110 Os discursos, no entanto, revelam que para esses profissionais de saúde os papeis que vem desempenhando na assistência aos pacientes sem possibilidades de cura e/ou terminais está direcionado basicamente à dimensão física do cuidado. O mais importante, no entanto, não é a ampliação de unidades ou serviços de Cuidados Paliativos, mas a expansão do entendimento da sua filosofia visto que pacientes terminais ou sem possibilidades de cura buscam os mais variados serviços de saúde. Se os profissionais de saúde entenderem a morte como um processo natural, o paciente será melhor cuidado sem a necessidade de sofrer com tratamentos fúteis. Os Cuidados Paliativos vem contribuir para a abrangência e aprofundamento dos cuidados de saúde na tentativa de adequar o sistema de saúde ao atendimento das necessidades desses pacientes estejam onde estiverem. Nas palavras de KÜBLER-ROSS (1987, p.33), “a nossa meta não deveria ser dispor de especialistas para pacientes moribundos, mas treinar pessoal hospitalar para enfrentar serenamente tais dificuldades e procurar soluções”, e acrescente-se, não se afastar do paciente. Em tempos de lutas pelo direito de viver e envelhecer com dignidade, nada mais natural e concreto de estender essa luta ao direito de morrer com dignidade. Quando o paciente se depara no limite entre a vida e a morte, não deixa de ser humano e detém os mesmos direitos que qualquer outra pessoa. Deve ser visto em sua totalidade respeitando-se suas vontades, suas angústias e seu direito ao acesso à saúde pública. Mesmo que o seu tempo de vida seja breve, deve ser ouvido, atendido e respeitado. 111 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBOM, Mitch. A Última Grande Lição – O Sentido da Vida. Rio de Janeiro: Sextante,1998. ANDRADE, Letícia. Serviço Social. In:Cuidado Paliativo / Coordenação Institucional de Reinaldo Ayer de Oliveira. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2008, 69-73. ANDRADE, Letícia. Desvelos: trajetórias no limiar da vida e da morte. Cuidados Paliativos na Assistência Domiciliar. 2007. 199p. Tese (Doutorado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. ARAUJO, Monica Martins Trovo de; SILVA, Maria Júlia Paes da. A comunicação com o paciente em cuidados paliativos: valorizando a alegria e o otimismo. Rev. esc. enferm. USP, São Paulo, v.41, n.4, Dez. 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S008062342007000400018&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 14.jul.2009. ÀRIES, Philip. 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O objetivo deste estudo é entender o significado que os profissionais das equipes de saúde atribuem ao cuidado paliativo e a seus respectivos papéis nesse tipo de conduta. Trata-se de uma pesquisa realizada para dissertação como exigência para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva, sob orientação da Profª Drª Amélia Cohn do Programa de Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos. O estudo consta de uma entrevista semi–estruturada onde não serão feitas perguntas diretas, sendo solicitado ao entrevistado que fale abertamente sobre os tópicos. A entrevista será gravada e transcrita. • • • • • • Concordando em participar desta pesquisa, irei colaborar como entrevistado(a) em entrevista realizada no meu local de trabalho ou em local que eu melhor escolher (se eu concordar). Mesmo sabendo que não há risco neste estudo, estará livre para não responder alguma questão que me trouxer desconforto e sei que posso, a qualquer momento, interromper meu depoimento. O acesso às respostas será reservado à Paula Fernanda Xavier Medeiros e à Profª. Drª Amélia Cohn. Em nenhum relatório, artigo ou apresentação dos resultados da pesquisa será usada a sua identificação, nem sua voz gravada. A vantagem em participar deste estudo é a contribuição para uma melhor compreensão dos aspectos que envolvem o cotidiano de trabalho das equipes de saúde diante de pacientes sem possibilidades de cura e/ ou pacientes terminais. Tem o direito de receber informações atualizadas durante qualquer fase desta pesquisa. No caso de haver dúvidas quanto à sua participação neste estudo, poderá entrar em contato com as responsáveis na Universidade Católica de Santos, Rua Drº Carvalho de Mendonça, n°144, Vila M athias – Santos, telefone (13) 9174-2007 e pelo email [email protected]. Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) - Prédio Administrativo. Avenida Conselheiro Nébias, 300 – Sala 202, (13) 3205-5555, ramal 1419 – E-mail: [email protected]. Não terá nenhum gasto ou ganho financeiro por participar da pesquisa. Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o Sr.(a)_________________________________________________________, portador(a) da cédula de identidade__________________________, declara que, após leitura minuciosa do TECLE, teve oportunidade de fazer perguntas, esclarecer dúvidas que foram devidamente explicadas pelos pesquisadores, ciente dos serviços e procedimentos aos quais será submetido e, não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO em participar voluntariamente desta pesquisa estudo e poderei retirar meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou prejuízos. . E, por estar de acordo, assina o presente termo. Assinatura do (a) entrevistado (a) Data: _______/_______/________. Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido desta pessoa para a participação neste estudo. Assinatura do responsável pelo estudo Data: ________/_______/_________. APÊNDICE II – Roteiro de entrevistas Roteiro de entrevistas 1) Identificação - Nome: - Idade: - Sexo: - Religião/ Espiritualizado: - Local de nascimento: - Ocupação: - Local de trabalho: - Formação: 2) Pontos • • • • • • • • • • • • Significado da morte. No ambiente familiar – abordagem da questão da morte e sobre as decisões diante do morrer A morte no cotidiano de trabalho. Preparação para lidar com estas questões. Organização do trabalho em relação aos pacientes sem possibilidade de cura e/ ou pacientes terminais. Lidar com a dor do outro (usuários e familiares). Trabalho em equipe. Relação profissional de saúde – paciente sem possibilidades de cura e/ pacientes terminais. Pacientes sem possibilidades de cura e/ pacientes terminais e qualidade de vida. Perfil de profissionais para atuar com esta demanda. Entendimento dos Cuidados Paliativos. Relacionado ao tema, relate um caso, uma situação que marcou sua trajetória profissional. OBSERVAÇÃO: outras questões poderão ser formuladas pelo pesquisador para completar a coleta dos dados, tendo em vista os objetivos da pesquisa, respeitando-se o ritmo, a disponibilidade e clima de cada entrevista.