1 PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA APÓS BLOQUEIO SUBARACNÓIDEO: RELATO DE CASO PETTERSEN, Vera Lúcia Adas. Docente do Curso de Medicina Unifeso. Souza, Rafael Pascoal. Acadêmico do Curso de Medicina. UNIFESO. Palavra chave: Bloqueio Subaracnóideo, Bradicardia, Hipotensão, Parada Cardiorrespiratória. INTRODUÇÃO O bloqueio subaracnóideo (BSA) é uma técnica bastante utilizada e de fundamental importância na prática de Anestesiologia. Pode-se concluir isso porque esse procedimento é considerado seguro, pois possui um baixo histórico de complicações, elevado índice de sucesso, bom controle do bloqueio e a técnica utilizada atinge grande parte dos pacientes de forma satisfatória. Embora essa técnica seja bastante eficaz, ela não está isenta de riscos e efeitos adversos. Uma das possíveis complicações do BSA é a hipotensão arterial. Esta não é incomum. Isso ocorre devido ao bloqueio do sistema nervoso simpático que reduzirá a resistência vascular periférica ou o retorno venoso para o coração. Dentre todas as possíveis complicações do BSA, a parada cardiorrespiratória (PCR) é uma das mais temidas e complicadas. Sendo definida como ocorrência súbita de bradicardia ou assistolia na vigência do bloqueio, necessitando de manobras de reanimação em pacientes previamente estáveis hemodinamicamente. O bloqueio das fibras eferentes simpáticas é o principal mecanismo pelo qual ocorre danos cardiovasculares. O BSA provoca redução na pressão arterial sistêmica e na pressão venosa central. Caso o bloqueio sensitivo atinja o nível de T4, todas as fibras cardioaceleradoras (T1-T4) serão bloqueadas, levando a diminuição da frequência cardíaca. O aumento do tônus vagal ocorre devido o bloqueio simpático. A perda do tônus simpático causa uma grande vasodilatação periférica, gerando mudança do fluxo sanguíneo para os leitos esplâncnicos e extremidades inferiores, ocasionando uma redução do retorno venoso e queda da pré-carga. A redução da pré-carga consequentemente leva ao aparecimento de três possíveis reflexos que podem até causar assistolia. O primeiro, seria o estiramento das células do marca passo do nódulo SA, a velocidade de despolarização espontânea das células do marca passo desse nódulo dependem do grau de estiramento, e como o 2 retorno venoso está diminuído, o estiramento será reduzido e consequentemente ocorrerá redução na frequência cardíaca. O segundo, seria o reflexo atribuído a mecanorreceptores localizados no átrio direito e ventrículo direito e os barorreceptores do átrio direito e veia cava. Com a redução do retorno venoso, ocorrerá uma diminuição eferente das fibras cardioaceleradoras e consequente queda da frequência cardíaca. O terceiro reflexo é o de Bezold-Jarisch, esse é desencadeado pelos mecanorreceptores localizados na parede ínfero-posterior do ventrículo esquerdo, a estimulação desses receptores causa uma inibição do sistema nervoso simpático e também uma estimulação do sistema nervoso parassimpático, com isso, ocorrerá bradicardia, hipotensão e vasodilatação sistêmica. Todos os três reflexos causam aumento do tônus vagal. O mecanismo em que ocorre a bradicardia ou a assistolia não está totalmente elucidado, mas sabe-se que tem relação com o sistema nervoso parassimpático. É muito difícil o médico prever se o paciente apresentará ou não uma PCR, porém a presença dos fatores de risco podem atentar para uma vigilância diferenciada entre os diferentes pacientes e uma abordagem especial para cada caso. Pode-se citar alguns fatores de risco para o surgimento da hipotensão, como o bloqueio ≥T5, idade >45 anos, PAS <120 mmHg, anestesia combinada (BSA e geral), punção em ou acima L2-L3, alcoolismo crônico, cirurgia de emergência, HAS prévia e IMC elevado. Para a ocorrência de bradicardia deve-se atentar para o bloqueio igual ou acima de T5, FC < 60 bat/min, pacientes ASA I, intervalo PR aumentado e uso de β bloqueadores. Já os fatores de risco para a PCR seriam a própria anestesia subaracnóidea, o surgimento de bradicardia, pacientes idosos e artroscopia de quadril. A ocorrência de bradicardia e assistolia durante o BSA pode ser prevenido. Deve-se atentar para o nível do bloqueio sensitivo e da manutenção da pré-carga. Quando essa redução de pré-carga for prevista, deve-se infundir rapidamente volume e colocar o paciente em cefalodeclive. Algumas vezes será necessária a adição de atropina ou vasopressores para reverter o quadro. A primeira opção de tratamento para elevar a pressão de perfusão coronariana é o uso de agentes simpaticomiméticos. Os α-adrenérgicos promovem vasoconstrição, elevando a pressão arterial diastólica, pressão sanguínea sistêmica e aumento do fluxo cerebral. Já os β-adrenérgicos, opõe-se aos efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos do estímulo vagal. Portanto, fármacos com ação mista são mais efetivos. Estudos demonstram que o BSA causa uma supressão da glândula adrenal, reduzindo assim os níveis de noradrenalina e adrenalina. Entre os agentes 3 simpaticomiméticos a efedrina é indicada. Quando ocorre bradicardia severa durante BSA, a administração de adrenalina, um α-agonista potente é recomendada, no intuito de manter a pressão de perfusão coronariana e reduzir o grau de lesão neurológica. A adrenalina parece ser mais eficiente que a efedrina impedindo a evolução do quadro para assistolia. O uso dessa droga não exclui a utilização de outros fármacos, até porque a adrenalina não é um agente vagolítico. O objetivo desse trabalho foi relatar uma PCR após bloqueio subaracnóideo de paciente submetida à correção de fratura de fêmur à direita do Serviço de Ortopedia do Hospital das Clínicas de Teresópolis, identificar os fatores de risco para o desenvolvimento dessa complicação e rever a literatura relacionada ao tema. RELATO DE CASO Paciente sexo feminino, 69 anos, ASA II, submetido de forma eletiva para a correção de fratura de colo de fêmur à direita. Portadora de hipertensão arterial controlada com atenolol (50 mg/dia), e MET aproximadamente em 4 prejudicado pela doença atual. Ao exame físico, corada, hidratada, anictérica, P=67 kg, altura=1,65 m, PA=120 X 70 mmHg e FC=58 bpm. Exames laboratoriais dentro da normalidade. Ao exame das vias aéreas os parâmetros preditores de avaliação para a intubação demonstravam facilidade ao acesso da via aérea . Na sala de operação (SO), após a monitorização da PA, FC, cardioscopia e saturação da hemoglobina arterial (SpO2) foi instalada venóclise com cateter 18 e iniciada a infusão de cristaloides (1000 ml/hora). A seguir 3 mg de midazolam foram injetados por via intravenosa (i.v.) e posteriormente o paciente foi colocado em decúbito lateral esquerdo para a realização do bloqueio subaracnóideo. Realizada assepsia e antissepsia com clorhexidina alcoólica, colocação de campo fenestrado, infiltração de pele, subcutâneo, e ligamentos com lidocaina 2% (100 mg). No nível de L2-L3, foi realizada a punção da dura mater com agulha calibre 26 G e após o gotejamento do liquor cefalorraquidiano (LCR) confirmando o local correto do espaço subaracnóideo, foram injetados bupivacaína 0,5% isobárica (20 mg) associada à mofina (60 mg) O paciente cuidadosamente retornou a posição de decúbito dorsal, determinado o nível do bloqueio sensitivo em T6, foi liberado para o procedimento cirúrgico. A PA se manteve em 100 X 70 mmHg e a FC em 56 bpm, entretanto 1 hora e 20 minutos após a injeção do anestésico local, a paciente desenvolveu bradicardia severa que foi tratada com atropina (0,75 mg), com resposta refratária ao fármaco. Simultaneamente demonstrou sinais de hipoxemia seguida de colapso vascular, sendo 4 constatada a parada cardiorrespiratória em assistolia. As manobras de ressuscitação foram iniciadas imediatamente com massagem cardíaca externa e intubação orotraqueal. Após 120 min de manobras de ressuscitação protocoladas pelo ACLS, o desfecho do caso foi desfavorável. DISCUSSÃO O relato de caso abordado nesse trabalho, serve como alerta para as possíveis complicações do BSA. É muito complicado prever se o paciente vai cursar ou não com PCR, porém uma boa avaliação pré-anestésica facilita a estratificação de risco. Após realizar revisão bibliográfica nota-se que a paciente possuía alguns fatores de risco. Primeiramente, ela estava com FC=58 bpm, fato esse preocupante, porque estudos demonstram que indivíduos com frequência cardíaca basal <60 bpm apresentam cinco vezes mais chances de desenvolver bradicardia e possível PCR. Outro fator importante é a utilização de atenolol para controlar a hipertensão. Os betabloqueadores, elevam o risco da paciente desenvolver bradicardia. O tratamento com esse fármaco deve prosseguir até o dia da cirurgia. Porém, toda hipovolemia deve ser reconhecida e tratada. Os efeitos cardiovasculares do betabloqueador podem somar-se aos do bloqueio simpático e do anestésico local. Existem também outros três fatores de risco que atuam concomitantemente, sendo eles, o nível do bloqueio sensitivo, o tipo de anestésico utilizado e a idade da paciente (idosa). Pôde-se concluir isso porque existem estudos demonstrando que pacientes idosos atingem níveis mais elevados de bloqueio sensitivo quando comparados com pacientes mais jovens. Esses estudos demonstram que a utilização de Bupivacaína, mesmo em doses baixas, por exemplo 5 mg, pode causar um bloqueio sensitivo a nível de T2 - T4. Sendo assim, pode-se deduzir que esses são fatores de risco para uma parada cardiorrespiratória, fato esse que ocorreu no relato. De acordo com a revisão bibliográfica realizada, entende-se que metade dos casos relatados de PCR após BSA tinham pelo menos dois fatores de risco para bradicardia. Esse fato geralmente ocorre devido aos três reflexos supracitados. Os estudos demonstram que a presença de um fator de risco não significa que o paciente vai cursar com bradicardia. Porém, se o paciente tiver dois ou mais desses fatores, ele deve ser considerado de alto risco. No caso em questão, a paciente tinha alguns fatores de risco para desenvolver PCR, sendo eles, FC < 60 bpm, uso de betabloqueador e a idade (idosa). Sendo classificada então como de alto risco. 5 No caso que ocorreu no Hospital das Clinicas de Teresópolis, a paciente cursou com PCR após 1 hora e 20 minutos da injeção do anestésico local. O diagnóstico foi realizado rapidamente, foi administrado atropina, porém a bradicardia foi refratária ao tratamento. O tratamento escalonado com atropina, efedrina e adrenalina seria eficaz para combater a vasodilatação causado pelo bloqueio simpático. Após 120 min de manobras de ressuscitação foi constatado o óbito. Portanto, espera-se que o anestesiologista esteja apto para identificar os fatores de risco, compreender a fisiopatologia dessas adversidades, diagnosticar precocemente tal fato e saber tratar cada paciente da melhor maneira possível. CONCLUSÃO 1- A paciente apresentava fatores de risco para as complicações cardiovasculares tais como idade superior à 60 anos, uso de betabloqueador, história prévia hipertensão arterial e frequência cardíaca inferior à 60 bpm. 2- O nível do bloqueio sensitivo não representou fator de risco. 3- A hidratação com cristalóides não impediu a hipotensão e a bradicardia. 4- A hipotensão assim que detectada foi imediatamente tratada com vasopressor, a etilefrina e a bradicardia com atropina com resposta refratária, levando à parada cardiorrespiratória não responsiva às manobras de ressuscitação do ACLS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Carpenter RL, Caplan RA, Brown DL et al. – Incidence and risk factors for side effects of spinal anesthesia. Anesthesiology, 1992;76:906- 916. 2. Pollard JB – Cardiac arrest during spinal anesthesia: common mechanisms and strategies for prevention. Anesth Analg, 2001;92:252-256 3. 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