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OS FANTASMAS NA PSICOTERAPIA PSICODRAMÁTICA BIPESSOAL
Vera Rolim
Autonomia implica no enfrentamento do novo, em separações do antigo, na constante
aventura de viver a própria singularidade, de preferência no seu aspecto luminoso criativo, isto
é, com espontaneidade. Aponta para a questão, Quem sou eu, tema recorrente em muitas
abordagens, que no psicodrama é ampliado, situando-o no vínculo, Quem sou eu com... Temos
aí o jogo de papeis e contra-papeis. Dependendo do vínculo, posso ser mais isso ou aquilo ou
aquilo lá. E partimos aí para a multiplicidade de personagens, que nos habitam expressos
claramente, parcial ou latentemente ou dos quais nem sabemos, mas temos uma inquietude,
que talvez remeta a algum deles potencialmente. Alguns poetas geniais, como Fernando
Pessoa, deu expressão literária a seus numerosos personagens internos, seus cento e tanto
heterônimos, com nomes e estilos singulares.
VÍNCULO – TELE E TRANSFERÊNCIA
O contato é uma pulsão básica da existência, participa de um saber inerente à espécie
humana, na fala de Fédida. Moreno, nas suas formulações prático-teorícas não perdia de vista
este foco. O vínculo para ele era fundamental, sempre buscando o seu fluir espontâneo
criativo. Cria o conceito de tele nos vínculos e durante 36 anos, intuiu, observou, estudou e até
procurou medir e fazer formulações gráficas deste fenômeno relacional, procurando uma
respeitabilidade científica, de acordo com os cânones positivistas da época (1)p36 ( Perazzo se
referindo ao estudo de Aguiar). Moreno desejava também que um dia este conceito do tele,
fosse reconhecido e integrado por outras abordagens, inclusive a psicanalítica. O que me
parece pertinente. Entre as várias definições de tele, escolho, tele como o contato entre 2
estados de espontaneidade, centrados cada um numa pessoa diferente. Possibilita a cada um
se colocar no lugar do outro, sem se perder de si próprio. Implica em percepção, sentimento,
mutualidade e vinculação à categoria do momento. Abrange transferência? Sim, sem ser
tomado por ela, o que discutiremos mais adiante.
Para Pichon-Rivière, (2)p14 o vínculo é como uma estrutura dinâmica em contínuo movimento
que engloba o sujeito e o outro, com características consideradas normais e alterações
consideradas patológicas. E ainda acompanhados desse autor, vamos percebendo que o
vínculo é estabelecido pela totalidade da pessoa, totalidade interpretada como uma Gestalt,
em constante processo de evolução. É muito interessante a convergência de abordagens deste
pensador da psiquiatria psicanalítica social na Argentina em torno da metade do século XX e
de Moreno. Apesar de não se conhecerem, Pichon Riviere se sentia atraído pelas propostas
morenianas. Penso que as formulações deste grande pensador argentino podem ampliar e dar
maior consistência ao nosso entendimento psicodramático.
Bustos(3)p61 já se referia com deferência a Pichon-Rivière, em 1975, sobretudo quanto aos
seus estudos práticos-conceituais de vínculo.
1
Podemos ver nas publicações de Rojas Bermudez (4)p7, na década de setenta do século
anterior, influências de Pichon-Rivière nas suas formulações esquemáticas do psicodrama.
Pichon-Rivière pensa a relação paciente e terapeuta como se formassem uma unidade
dialética, na qual atuam um sobre o outro.
Quanto ele se refere aos vínculos mais ou menos saudáveis, o critério é o entendimento das
relações de dependência e independência. Numa relação adulta considerada saudável, esperase que ambos os participantes mais autônomos, tenham feito uma livre escolha do outro e que
continuem atualizando esta eleição.
Num extremo, parte-se das relações com a máxima não-diferenciação, situação simbiótica,
tipo mãe-filho, em que o filho depende totalmente da mãe e coloca partes internas nela e a
mãe coloca também no filho partes internas dela, mãe. Há uma dificuldade para reconhecer o
que é de cada um.
Por outro lado uma relação conjugal de pessoas totalmente diferenciadas, mais maduras, é
menos provável de existir, na concepção de Pichon-Rivière. O que questionamos hoje.
Abordando os tipos de vínculos patológicos que as pessoas estabelecem na relação com o
mundo, traz que os vínculos são mistos, não existindo um só tipo de vínculo, mas que são
usadas simultaneamente estruturas vinculares diversas.
VÍNCULO E PAPEL
O vínculo é sempre um vínculo social e relaciona-se à noção de papel. Vínculo e papel são
conceitos que se misturam muito. Importante na psicoterapia, estudar a estrutura do vínculo e
os diversos papeis que o terapeuta e paciente se atribuem e assumem nesta situação, como
repetição de uma situação passada. Na situação do vínculo, sempre se inclui o papel. A
compreensão do outro em termos de papel, nos permite entrar na situação e compreendê-la.
A assunção de papéis pode ter 2 tipos de processos, assumi-los consciente e voluntariamente
ou quando o ambiente ou os outros nos atribuem determinado papel, podemos assumi-lo de
forma inconsciente. Nas relações sociais acontece um movimento permanente de assumir e
atribuir um determinado papel. Todas as nossas relações com os outros estão fundamentadas
no interjogo de assumir e atribuir papeis. Acontece o mesmo na situação psicoterápica.
Pichon-Riviére assinala que o mais grave vício que o terapeuta pode incorrer, é de não poder
assumir o papel que o paciente lhe atribui. Pois se assumi este papel conscientemente pode
buscar entender que tipo de vínculo, o paciente está querendo estruturar e trabalhar este
aspecto com o paciente. É essencial neste trabalho, o esclarecimento dos papeis.
Há muitos anos, já considerava muito elucidativa a figura gráfica da espiral, que este autor
utiliza para representar a relação terapeuta-paciente,” uma espiral dialética em ação
permanente”. Aquilo que um sente, o outro traduz, para que o outro volte a senti-lo e o
primeiro sinta-o novamente e o retraduza sob a forma de interpretação, que se concretiza em
função dos emergentes que aparecem no terapeuta e que este aproveita para investigar. O
paciente atua sobre o terapeuta e o terapeuta sobre o paciente, tendo em vista a
diferenciação de papeis e a qualificação das tarefas de cada um. O” pensamento dialético
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inclui um salto e uma transformação de um emergente em outro, através de sucessivas
passagens de um círculo fechado a outro.”(2)p99 Diferente do pensamento formal
representado por um círculo fechado. Não é contraditória a questão do ser aberto ou
fechado, são dois momentos diferentes e necessários, um permitindo a assimilação e o outro,
a inclusão de novas experiências e assim vão acontecendo, sucessivamente, numa espiral
dinâmica. Processos considerados como a base da aprendizagem. (2)p121
No psicodrama, estes processos podem ir acontecendo durante uma dramatização e serem
posteriormente pensados e entendidos pela dupla terapêutica ou conjuntamente com o
paciente ou com o grupo. A nossa bússola no trabalho é a relação tele, com as suas
implicações transferenciais.
TRANSFERÊNCIA
Quando falamos de transferência, fenômeno humano universal, evocamos Freud, como o fez
Moreno ao escrever sobre este tema, nos meados do século XX. Transferência como
reprodução vivida das relações afetivas provenientes dos primeiros investimentos de objeto
reprimidas na infância..., esclarece o psicanalista Fédida. A transferência, considerada a arma
mais poderosa de resistência anteriormente, passa a ser o melhor instrumento da cura
analítica. Seu manejo é a parte mais difícil, assinala este autor. Freud escreve um texto
primoroso sobre o tema: “Amor de transferência”, mas no mesmo ano, 1915, o próprio Freud
constata que depois de 25 anos de manejo técnico da transferência como processo continua
sendo uma dificuldade.
Quando abordamos a transferência, somos remetidos à psicopatologia, buscando um
entendimento maior do tema. Fédida, psicanalista- fenomenólogo, de formação filosófica,
compreende o termo psicopatologia, como idéias que nos capturam. Vamos a elas: Na
tradição do poeta Ésquilo emprega-se a expressão “Patei-matos” para designar o que é pático,
o que é paixão, o que é vivido. O que se pode tornar experiência. “”Psicopatologia”
literalmente quer dizer: um sofrimento que porta em si mesmo a possibilidade de um
ensinamento interno. Como paixão, torna-se uma prova e como tal, sob a condição que seja
ouvida por alguém, traz em si mesma o poder de cura.”(5)p29 “Uma paixão não pode ensinar
nada, pelo contrário, conduz à morte se não for ouvida por aquele que é estrangeiro e que
pode cuidar dela”. Fédida conclui que parece que foi assim que Freud descobriu o sentido do
termo Psicopatologia. Uma boa psicoterapia leva à esta experiência interna e ao que é
patológico, ensinando aquele que a vive.
Fédida acrescenta ainda uma segunda observação, que o terapeuta, aquele que tem a
responsabilidade da terapéia, terapéia, em grego, é o cuidado exercido sobre o Eros doente,
escute Eros doente na palavra e no sonho do paciente. Os sonhos, graças ao terapeuta, têm o
ofício e a tradição de serem terapêuticos. Terapéia significa para este autor, algo peculiar,
desde que nos ocupemos do ser humano, tudo o que se passa entre ele e nós, nos mínimos de
talhes, reveste uma significação de fragilidade. Em terapéia há uma conotação de respeito
pela divindade. A atenção delicada dada ao homem como se fosse um instrumento musical.
Compor ou tocar juntos ou ainda, estimular estes processos criativos e singulares do outro, é a
nossa tarefa. O paciente também pode estimular nossa inventividade e criatividade e perceber
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o amor que suscita no terapeuta, quando esta interação com humor acontece. Há um gozo de
espírito, que equivale à capacidade do paciente sentir prazer em ter uma vida psíquica.
Uma vez, uma jovenzinha chegou ao meu consultório devido a um fim de namoro de mais
tempo em que se sentia”um lixo”. Trazia isto com um certo humor dissonante da situação.
Parecia desconectada do sentido das palavras, do seu próprio sentir, o que persistiu durante
muito tempo. Dois anos depois de um trabalho conjunto, vai surgindo uma moça forte e
sensível, bem humorada, às vezes sarcástica com os homens, com uma fina e profunda
satisfação de se dar conta do seu pensar, do seu jeito de ser e estar no mundo, este prazer da
descoberta de ter uma vida psíquica.
Agora vamos pontuar que no amor de transferência há uma repetição do infantil. Aquelas
vivências acontecidas nos primeiros anos de vida, referidas à matriz de identidade moreniana,
deixam marcas nas superfícies dos corpos, espécie de memória corporal, que codifica os
fluxos, imprimindo-lhes valores e direções. Acompanhados pela visão psicodramática
nietzscheniana de Naffah, trazemos a fala do próprio Nietzsche; “ Para que algo permaneça
na memória, gravam-no a fogo; só o que não cessa de doer permanece na memória.”(6)p96
Importante desta afirmação é mostrar que qualquer forma de registro permanente, só se
pode fazer, deixando alguma marca na superfície dos corpos. E é sobre essa memória corporal
e as vivências nelas inscritas, que o papel vai se assentar. Destacamos neste processo, a
intensidade e a extensão da gravação das marcas e também o seu caráter mais ou menos
absoluto na sua ação codificadora. Algumas marcas tendem a dominar outras na formação de
um papel. Ou também algumas tendem a se impor sobre as outras, monopolizando o papel,
excluindo outras marcas e gerando conflito, é o caso do papel cristalizado. Diferentes fluxos
ligados a outras marcas entrarão em luta em busca de espaço e possibilidade de expressão.
Começam a invadir outros papeis, que têm a mesma dinâmica pela lógica do cacho de papeis.
A tendência das forças é sempre de se expandir e se intensificar. Temos aqui a transferência.
A transferência é sempre acompanhada de ansiedade, que nos permite detectar a sua
presença. É interessante pensar que para Lacan(7)p88, angústia é o único sentir que não
mente, apesar dele mesmo dizer que a angústia pode estar ausente. Aí ficamos de novo sem
norte.
Num processo psicoterápico, uma paciente que não conseguia fazer o luto da morte acidental
de uma prima e, na verdade, nem fazer outros lutos cotidianos, nas dramatizações “se
congelava” no último papel que jogava no final da sessão, ficando presa a este papel, apesar
de corporalmente sair da cena, com a instrução da diretora.Terminada a sessão, se despedia e
começava a sessão seguinte, falando do papel último que tinha jogado e que permanecia nela
inalterado e congelado no intervalos das sessões. Como se ela quisesse deter o tempo. No
dramático, logo o papel tomava vida e era jogado. Este sintoma, inserido numa problemática
mais ampla e determinada, levou um longo tempo para ser elaborado, num processo de
desvelamento dos fantasmas e o trabalho com eles. Fantasmas traduzidos, sobretudo, em
personagens imaginárias, materna, seca, fria, rejeitadora e paterna, afetiva, rígida, estilo
militar, atraente. Integrando o cluster materno, aparece a figura de uma avó acolhedora e
sensível, que traz a positividade maior para a vida desta mulher de meia idade, assustada com
a passagem do tempo.
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Bustos faz uma abordagem teórica- prática, eficiente e criativa da transferência, com eixos
claros e esquemáticos.(3)
Bustos assinala a possibilidade de se reconhecer uma projeção transferencial num vínculo,
observando a proporcionalidade estímulo-resposta. Numa transferência, a resposta é sempre
maior que o estímulo, com exceção de situações psicóticas, frisa ele, em que o estímulo pode
ser distorcido. Estas observações podem ser úteis também, para se entender situações
vinculares outras, não só psicoterapêuticas. Como também para mostrar que as distorções
perceptuais, muito comuns nas relações interpessoais, dependem de estados de espírito
circunstanciais. Uma contrariedade ocasional, algum cansaço maior podem deformar
mensagens. Distorções comuns nas relações. A transferência pode aumentar de intensidade e
amplitude, indo de tensões circunstanciais às figuras arcaicas, fantasmas de relações passadas,
que deixaram marcas dolorosas. Os fantasmas internos passam a se instalar no vínculo,
dificultando ou impedindo a comunicação.
Como se constituem estes fantasmas?
Considerando junto com Laing(3)p105, que no começo da vida houve condições de segurança
ontológica básica, penso que o crescimento implica em ganhos e perdas, ter e perder a
unidade narcísica com a mãe, vivenciar os embates da situação edipiana, ou seja da estrutura
triangular básica, lidar com os limites, psicodramaticamente falando desenvolver o papel de
filho e outros papeis, percorrendo as etapas da matriz de identidade moreniana, acrescidas da
entrada do terceiro, antes da 5ª etapa. Ter no interjogo de papeis, complementares primários
suficientemente bons e contando com este terceiro generalizado, que inserimos na matriz de
identidade, é o que permitirá ao sujeito transitar das relações primárias para as secundárias e
se inserir plenamente nas relações sociais. (8) (9)p80
Complementar interno patológico
Quando estas condições, acima citadas, não acontecem, há uma dificuldade de se desprender
dos complementares primários, não tendo o apoio necessário para lidar com a angústia de
separação, fazer o luto e retomar a espontaneidade. A criança tenta reter o que é garantido ou
pelo menos conhecido, se prendendo ao complementar primário parcial ou totalmente,
configurando o complementar interno patológico, na denominação de Bustos.(3)p106 Este
complementar interno patológico bloqueia e prejudica as relações com outros adultos, cujos
papeis pertençam a este cluster ou seja papéis com a mesma dinâmica vincular. Como os
clusters tem três dinâmicas básicas, materna, paterna e fraterna, o complementar interno
patológico estará vinculado às figuras de autoridade (cluster materno e ou paterno) e estas
serão vividas como se fossem os complementares primários, originando respostas
proporcionais a estes e desproporcionais ao outro real.
Podemos dizer mais amplamente que os fantasmas que habitam a pessoa, são personagens
imaginárias, que a submetem e a fazem padecer. Dificultam, alteram ou mesmo transformam
a relação da pessoa com ela mesma, impedindo que ela se sinta por inteiro, que se assuma
globalmente, prejudicam o vínculo com os outros e a impedem de ver o mundo com os seus
próprios olhos.
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TRABALHO COM A TRANSFERÊNCIA
Uma tarefa fundamental nossa é a identificação e o trabalho com os fantasmas do paciente,
que papéis o paciente representa, que não pertencem a ele, que personagens encarna e com
que finalidade.
A transferência pode ser elaborada de forma verbal ou dramática. A escolha do caminho a
seguir será o que permitirá compreender melhor o conflito e depende da qualidade e
quantidade de depositação. Depositação como a projeção de conteúdos internos sobre outras
pessoas e a suposição de que estes aspectos, agora percebidos no outro, são “objetivos”, não
vendo sua origem subjetiva. (10)p53 Quando esta depositação é mais maciça e ocorre no
início da sessão, privilegia-se a forma dramática de trabalho, o que possibilita abordar o
conflito, rastreá-lo nas suas origens e compreendê-lo mais inteiramente. Se essa depositação
envolve uma distorção menos significativa no vínculo, vamos pelo trabalho no nível verbal,
mais analítico, atingindo níveis e matizes que a ação não chega no entendimento do conflito. O
efeito da ação dramática, geralmente, é mais liberador e sintetizador, mas às vezes necessitase de várias dramatizações para se aproximar destes efeitos. O trabalho que acompanha a
dramatização é o processamento lento e gradual, que possibilita a integração do vivido. Pois a
análise do dramático pode presentificar também as contradições, tipo amor mais o ódio, amor
mais a morte, amor mais o negativo, numa abrangência mais próxima da verdade. Verdade
implicando em co-existência de opostos.
TRANSFERÊNCIA DO TERAPEUTA COM O PACIENTE
O terapeuta, na sua complementaridade com o paciente, como se situa nas questões
transferenciais deste? Como se sente? O que este tema suscita nele, terapeuta? Como é a sua
transferência para com o paciente? Como lida com esta questão? Aqui temos o fenômeno que
se nomeia, tradicionalmente na psicanálise de contra transferência e que chamaremos, como
Moreno e muitos outros autores, de transferência do terapeuta com o paciente, que se
amalgama à tele. É importante o terapeuta poder se dar conta da sua transferência com o
paciente, pois aquilo que o paciente desperta ou promove nele, tem a ver com ambos. Do
ponto de vista do terapeuta, este saber amplia o conhecimento de si neste campo relacional
ou consigo mesmo e vai permiti-lo lidar mais apropriadamente com estas questões. Aqui
podem aparecer dificuldades, que necessitem de supervisão ou de processo psicoterápico.
Além disto, quando se pensa sobre este vínculo, percebe-se que as maneiras do paciente se
relacionar, dizem muito dele, de sua dinâmica fundamental. O nosso corpo é um captador
muito sensível, nele se inscrevem tensões vinculares, que nos alertam para pontos, que
passariam despercebidos só com a palavra.
O “APAIXONAMENTO” DO PACIENTE PELO TERAPEUTA
Fico pensando na transferência na psicanálise, em que ela é revivida no vínculo, como o amor
pelo terapeuta, o apaixonamento do paciente pelo terapeuta e como nesta totalização do
amor há um medo do esfacelamento do ego. Acontece quando o processo terapêutico começa
a se abrir e há um terror do encontro com angústias de morte, arcaicas, terror da
fragmentação, do despedaçamento. Nestas condições o paciente agarra-se ao terapeuta
esperando fazer uma unidade com ele, como uma forma de se proteger destas ameaças
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interiores. Aproveitando estas reflexôes de Fédida,(5), que são importantes também para o
nosso trabalho psicodramático, assinalamos com ele, a necessidade de se admitir esta
situação do amor do paciente pelo terapeuta , na sua complexidade, acolhê-la no interior do
tratamento, para entender este afeto e para que o afeto passe a integrar a vida do paciente.
ALGUMAS QUESTÕES E O QUE NÃO SE PODE PERDER DE VISTA
No psicodrama, a possibilidade do trabalho dramático permite um certo distanciamento para
tratar do tema transferencial. Levantam-se questões:
-Na abordagem bi-pessoal, que é o nosso foco, o terapeuta pode entrar nas dramatizações
quando o paciente está numa relação predominantemente transferencial com ele?
-Quando o paciente se recusa a dramatizar, o trabalho é no verbal, o psicodramatista se sente
instrumentalizado para lidar com esta delicada questão?
São questões para nós, psicodramatistas, pensarmos juntos e me parece que não há respostas
definitivas. Mas é importante não perdermos de vista o lúdico no nosso trabalho, nos
deixarmos surpreender pelo que acontece, que a teoria nos penetre sem nos darmos conta e
que a gente possa antever com a nossa própria imaginação. E como diz o Pavlovski:“ Por acaso
a transferência não é também poesia?”(11)p165 Uma sessão psicoterápica, que traz uma
realidade povoada de fantasmas é menos real? Ou é uma realidade do imaginário? Dizia Laing
que “para a maioria das pessoas, a fantasia não faz parte do que a pessoa considera sua
experiência madura, harmoniosa, racional e adulta.”(11)p167 Pavlovski acrescenta que não
encaramos a fantasia em sua verdadeira função, mas que a experimentamos como uma
intrusão infantil. A fantasia é uma forma de se relacionar com o mundo. Sua articulação com a
realidade se faz por meio da espontaneidade.
Claro que o problema central é transformar a fantasia, pré reflexiva, onde somos padecidos
por nossos fantasmas-neuroses, em consciência imaginativa, reflexiva, imaginação criadora
libertadora. É o nosso ofício!
Bibliografia:
1.
Perazzo S. Ainda e Sempre Psicodrama. 1 ed. São Paulo: Ágora; 1994. 141 p.
2.
Pichon-Rivière E. Teoria do vínculo. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes; 1988. 143 p.
3.
Bustos DM. Perigo ...Amor a Vista! Drama e Psicodrama de Casais. 2 ed. São Paulo:
Editora Aleph; 1990. 237 p.
4.
Rojas Bermudez JG. El núcleo del yo. Cuadernos de Psicoterapia. 1971;6(1):7-41.
5.
Fedida P. Clínica Psicanalítica. São Paulo: Escuta; 1988. 124 p.
6.
Naffah Neto A, Aratangy LR. Paixões e Questões de um Terapeuta. 1 ed. São Paulo:
Ágora; 1989. 128 p.
7.
Lacan J. O Seminário A angústia. Rio de Janeiro: Zahar; 2005. 367 p.
8.
Rolim V. Profanações psicodramáticas: abordagem de estruturas diagnósticas básicas,
com enfoque lacaneando. IX Congresso Iberoamericano de Psicodrama; Buenos Aires2013.
9.
Rolim V. Onde estava o espelho, a criatividade há de vir. Lacaneando idéias, sensações
e sentidos nos seminários de Lacan. Rio de Janeiro: Wak Editora; 2010. p. 69-86.
10.
Rolim V. Defesas: entraves à espontaneidade [Credenciamento como psicodramatista].
São Paulo1991.
7
11.
Pavlovsky E. Os fantasmas nos grupos A poesia em psicoterapia. In: Langer M, editor.
Questionamos 2 Psicanálisse Institucional e Psicanálise Sem Instituição. Belo Horizonte:
Interlivros; 1977. p. 155 - 79.
8
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