a relação mãe-bebê em casos de depressão pós-parto

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Documento produzido em 26-11-2007
A RELAÇÃO MÃE-BEBÊ
EM CASOS DE DEPRESSÃO PÓS-PARTO
(2007)
Juliane Callegaro Borsa
Psicóloga. Mestranda em Psicologia Clínica, PUCRS. Pesquisadora Bolsista do CNPq, pesquisadora do grupo de
Formação e Atendimento em Psicoterapia Psicanalítica
coordenado pela Profª. Maria Lúcia Tiellet Nunes.
E-mail: [email protected]
Cristiane Friederich Feil
Acadêmica de Graduação da Faculdade de Psicologia, PUCRS. Bolsista de iniciação científica FAPERGS do grupo
de pesquisa Formação e Atendimento em Psicoterapia Psicanalítica,
coordenado pela Profª. Maria Lúcia Tiellet Nunes.
E-mail: [email protected]
Rafaele Medeiros Paniágua
Acadêmica de Graduação da Faculdade de Psicologia, PUCRS. Bolsista de iniciação científica BPA-PUCRS do
grupo de pesquisa de Formação e Atendimento em Psicoterapia Psicanalítica,
coordenado pela Profª. Maria Lúcia Tiellet Nunes.
E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente artigo consiste em uma revisão teórica acerca da depressão pós-parto,
enfatizando a relação mãe-bebê e o vínculo que se estabelece nestes casos. São importantes
novos estudos que permitam compreender a etiologia da depressão pós-parto e a implicação deste
transtorno para o desenvolvimento da criança e, também, para a saúde mental da mãe.
Palavras-chave: Depressão Pós-Parto; Maternidade; Relação Mãe-bebê; Desenvolvimento
Infantil
INTRODUÇÃO
Os casos de mães com depressão pós-parto são relativamente comuns e ocorrem devido a
inúmeros fatores psicossociais, subjetivos e biológicos. Segundo Barbosa, Maus, Lima,
Zimerman e Lima (2003), apesar de sua considerável incidência, este transtorno é
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freqüentemente ignorado. Para Coutinho e Coutinho (1999), nos últimos anos vem ocorrendo um
renovado interesse no estudo deste transtorno devido a evidências, cada vez mais sólidas, de sua
associação com distúrbios na capacidade cognitiva e no desenvolvimento emocional das crianças
envolvidas.
Para Bowlby (2002) é essencial para a saúde mental e desenvolvimento da personalidade do
bebê a vivência de uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe. O autor denomina de
"privação da mãe" (p.4) a situação na qual a criança não vivencia este tipo de relação. Assim, o
bebê sofre privação quando a mãe é incapaz de proporcionar-lhe os cuidados amorosos
necessários, como acontece nas situações em que a mãe sofre de depressão pós-parto.
De acordo com o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 2002),
os sintomas para diagnóstico de depressão pós-parto são os mesmos utilizados para diagnóstico
da depressão maior divergindo pelo fato de que depressão pós-parto inicia-se no quatro primeiros
dias de puerpério onde, de acordo com Barbosa et. al. (2003), é um período carregado de
emoções intensas e variadas. Os sintomas da depressão pós-parto são caracterizados pela
instabilidade do humor, sentimentos de tristeza, instabilidade emocional, choro, irritabilidade e
cansaço. Nesse contexto, é possível compreender as dificuldades de se estabelecer um vínculo
afetivo favorável ao desenvolvimento do bebê, à medida que a mãe não se encontra disponível
para dedicar-se ao recém nascido, privando-o do seu cuidado e interação.
A escolha por este tema advém do desejo de compreender a relação mãe-bebê e o vínculo
que se estabelece quando a mãe sofre de transtorno depressivo no período pós-parto. Este tema é
relevante à medida que salienta a importância dos primeiros contatos maternos para o
desenvolvimento infantil. Busca-se compreender esta relação quando a mãe sente-se incapaz de
dar atenção e afeto ao seu bebê.
Características da Gestação, Parto e Puerpério
A maternidade, segundo Pozza (2002), é um fenômeno ao qual se acrescenta uma dimensão
psicossocial ligada ao cotidiano feminino, o qual se compõe da gestação, parto, puerpério e
criação.
A gestação é um período no qual acontecem mudanças significativas na vida de uma
mulher. Uma delas é deixar o papel de filha para assumir a maternidade, o que implica uma
revivência da infância, na qual o desejo de ser mãe manifesta-se, por exemplo, nas brincadeiras
de bonecas (Piccinini, Ferrari e Levandowiski, 2003). Marques (2003) considera que na relação
mãe-filho se repete de algum modo a relação infantil com a própria mãe.
Para Brazelton e Cramer (2002), a gestação reflete toda a vida anterior à concepção, as
experiências com os pais, a vivencia edipíca, as forças que levaram a adaptar-se com maior ou
menor sucesso a essa situação e, finalmente, a separação dos pais. Segundo os autores tudo isso
vai influenciar em sua adaptação ao novo papel que assume. A gestação então não é só um
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período de ensaio e expectativas, mas é um período onde relacionamentos são mentalmente
retrabalhados.
A relação da mãe com seu filho tem início no período pré-natal, e se dá, basicamente,
através das expectativas que a mãe tem sobre o bebê e da interação que estabelece com ele ao
longo da gestação (Piccinini, Gomes, Moreira e Lopes 2004). As expectativas se constituem
sobre o bebê imaginário que cada mãe constrói, e envolvem, principalmente, o sexo do bebê, o
nome, a maneira como ele se movimenta no útero, e as características psicológicas que são a ele
atribuídas (Maldonado, 2002; Piccinini, Gomes, Moreira e Lopes, 2004). De acordo com estes
autores, no período pré-natal os pais já constroem a noção de indivíduo do bebê, reconhecendo
comportamentos e características temperamentais o que resulta na existência de uma relação
materno-fetal bastante intensa, com sentimentos e expectativas sobre o bebê.
Quanto ao parto, em um estudo realizado por Borsa e Dias (2004) onde foram entrevistadas
mães em período puerperal, este evento foi relatado de forma ambivalente. Entende-se que esses
sentimentos são normais já que o parto corresponde ao término de uma etapa, dando início a um
novo período repleto de novas vivências. Com o parto quebra-se a imagem idealizada do bebê ao
mesmo tempo em que este passa a se tornar um ser independente da mãe, recebendo todo carinho
e atenção que antes era desprendido a ela. Este momento é, portanto, onde a mãe irá ressignificar
a experiência da maternidade.
Por fim o puerpério, período caracterizado pelos três primeiros meses após o parto, é um
período propenso a crises, devido às mudanças físicas e psicológicas que o acompanham. Neste
período a mulher entra num estado especial, caracterizado pela sensibilidade aumentada, cujo
objetivo é capacitar a mulher a se preocupar com seu bebê (Soifer, 1992; Maldonado 2002).
Segundo Maldonado (2002), o puerpério, assim como a gestação, é um período bastante
vulnerável à ocorrência de crises emocionais, devido às profundas mudanças intra e interpessoais
desencadeadas pelo parto. Os primeiros dias após o nascimento do bebê são carregados de
emoções intensas e variadas. As primeiras vinte e quatro horas constituem um período de
recuperação da fadiga do parto. A sensação de desconforto físico devido às náuseas, as dores e ao
sangramento pós-parto é particularmente intensa, lado a lado com a excitação pelo nascimento do
filho. Assim, compreende-se o quanto é complexo este momento para vida da mulher
possibilitando inúmeros sentimentos ambivalentes. A labilidade emocional é o padrão mais
característico da primeira semana após o parto, já que a euforia e a depressão alternam-se
rapidamente, essa última podendo atingir grande intensidade.
Além das vivências inconscientes em que predominam as fantasias de esvaziamento ou de
castração, há uma grande ansiedade de carência materna – quando a puérpera apresenta forte
dependência infantil em relação à mãe ou ao marido – e as de autodepreciação, quando não se
sente capaz de assumir sozinha a criança, ou até mesmo não compreendendo o significado do
choro do bebê e conseguir satisfazê-lo (Silva, Souza, Moreira e Genestra, 2003). Segundo os
mesmos autores, para poder suportar essas ansiedades inconscientes, mecanismos de defesa são
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colocados em movimento. A mãe pode se apresentar cheia de energia, eufórica e falante; em
contrapartida, pode manifestar transtornos do sono bem como inúmeros outros sintomas
comumente relatados.
A importância do vínculo para o desenvolvimento global do bebê
A relação mãe-bebê e a formação do vínculo e do apego foram muito estudadas por autores
da Psicanálise e da Teoria das Relações Objetais. Dentre eles destacam-se Margareth Mahler,
Renné Spitz, Serge Lebovici, Donald Winnicott e John Bowlby (Borsa, 2007).
A psicanalista Margareth Mahler destacou a importância fornecida às relações de objetos
precoces, ou seja, ao vínculo com a mãe, às angústias de separação e aos processos de lutos nas
etapas evolutivas. A autora ainda destaca o papel da fantasia de simbiose e do processo de
individualização, ilustrando a importância dos movimentos de aproximação e distanciamento
entre a mãe e seu bebê (Mahler, 1993; 1982; Mondardo e Valentina, 1998). Falhas no
desenvolvimento da criança (com ocorre, por exemplo, no autismo) podem ter sido provocadas
por alguns fatores, tais como defeitos inatos, incapacidade do ego para neutralizar as pulsões
agressivas no estabelecimento do vínculo com a mãe; defeitos na relação mãe-filho, traumas,
instabilidade emocional com a mãe ou a auto-imagem do individuo (Lebovici, 1987; Mahler,
1993; 1982).
Do mesmo modo, Spitz (2000) aponta a importância dos sentimentos da mãe em relação ao
seu filho. Para esse autor, na maternidade todas as mulheres se tornam meigas, amorosas e
dedicadas. O amor e afeição pelo filho o tornam um objeto de contínuo interesse para a mãe,
além de oferecer uma gama sempre renovada, rica e variada, todo um mundo de experiências
vitais. O autor ainda afirma que a atitude emocional e afetiva da mãe servirá para orientar os
afetos do bebê e conferir qualidade de vida ao mesmo.
Para Lebovici (1987), a interação da mãe com o seu bebê é compreendida como um
processo de intensa comunicação da díade. Neste processo a mãe emite mensagens enquanto que
o bebê, por sua vez, responde à mãe como a ajuda de seus próprios meios. A interação mãe-bebê
aparece assim como o protótipo de todas as formas ulteriores de troca.
Segundo Donald Winnicott (1998; 2001), é só na presença de uma mãe suficientemente boa
que a criança pode iniciar o processo de desenvolvimento pessoal e real. Essa mãe é flexível o
suficiente para poder acompanhar o filho em suas necessidades, as quais oscilam e evoluem no
percurso para a maturidade e autonomia. Assim, tanto a mãe quanto o ambiente devem ser
suficientemente bons para que haja no bebê uma formação emocional saudável. Winnicott (2000)
salienta que a mãe pode vir a falhar em satisfazer as exigências instintivas, mas pode ser
perfeitamente bem sucedida em jamais deixar que o bebê se sinta desamparado, provendo as suas
necessidades egóicas até o momento em que ele já possua introjetada uma mãe que apóia o ego e
que tenha idade suficiente para manter essa introjeção apesar das falhas do ambiente a esse
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respeito. O bebê bem cuidado rapidamente estabelece-se como pessoa ao passo que o bebê que
recebe apoio egóico inadequado ou patológico tende a apresentar padrões de comportamento
caracterizados por inquietude, estranhamento, apatia, inibição e complacência.
Por fim, de acordo com Bowlby não só a mãe, mas também o pai é importante para
fornecer uma base segura a partir da qual a criança possa explorar o mundo de forma que se sinta
amparada tanto fisicamente como emocionalmente. Estudos realizados pelo autor apontam que
crianças as quais tiveram um apego seguro com suas mães, no futuro, tendem a se tornar
indivíduos cooperativos, sociáveis e autoconfiantes. No entanto, as crianças que não estabelecem
uma boa relação de apego, tendem a tornar-se emocionalmente prejudicadas (Wendland, 2001;
Bowlby, 1989; Mondardo e Valentina, 1998).
A Depressão Pós-Parto: etiologia e características
Uma gestante ou puérpera que sofre de depressão pós-parto, segundo o DSM-IV (2002),
possui atitudes maternas quanto ao bebê altamente variáveis. Sentimentos de desinteresse, medo
de ficar a sós com o bebê ou um excesso de intrusão maternal (que inibe o descanso adequado da
criança), são características deste transtorno. De acordo com o DSM-IV (2002), a depressão pósparto é caracterizada, principalmente, por humor deprimido, acentuada falta de interesse ou
prazer por certas atividades, insônia ou hipersônia, fadiga, agitação ou retardo psicomotor,
sentimento de inutilidade ou culpa excessiva, ideação suicida, etc. Estas características
comumente surgem nas quatro primeiras semanas após o parto. Já, segundo o CID-10 (1993), os
transtornos mentais associados ao puerpério podem ocorrer ao longo das seis semanas após o
parto1.
Quanto à etiologia da depressão pós-parto, verifica-se que os autores que se dedicam a
estudar este transtorno, mantêm opiniões semelhantes. Segundo Barbosa et. al. (2003), a origem
da depressão pós-parto permanece incerta havendo poucas evidências para referendar os
fundamentos biológicos, mas as características pessoais e os fatores psicossociais estressantes
parecem ser relevantes para o desenvolvimento desta patologia. A história psiquiátrica também é
freqüentemente relatada como fator de risco para a depressão pós-parto. Uma vez que este
transtorno se manifesta, o risco de recorrência deste quadro em gestações futuras é elevado.
Em estudo realizado por Moraes, Pinheiro, Silva, Horta, Souza e Faria (2006), não foi
encontrada associação entre a depressão no pós-parto e as variáveis demográficas e obstétricas.
Por outro lado, a preferência pelo sexo da criança e ter pensado em interromper a gravidez
mostraram associação com a doença. Parece que a rejeição à maternidade entendida por cogitar
em não ter o filho é um fator que aumenta a chance para depressão no pós-parto. O estudo
1
É importante distinguir a depressão pós-parto e a tristeza que ocorre comumente após o parto. Esta última afeta até
70% das mulheres nos 10 dias após o parto, é transitória e não prejudica o funcionamento (CID-10, 1993).
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conclui que as precárias condições socioeconômicas da puérpera e a não aceitação da gravidez
são os fatores que mais influenciam o aparecimento de depressão no puerpério.
De acordo com Daher (1999) alguns estudos apontam sobre os fatores que contribuem para
a ocorrência de sintomas depressivos: o grande número de experiências vitais negativas durante
esse período; baixo apoio emocional durante a gravidez; solidão; menoridade; ser solteira; menor
nível educacional; menor nível socioeconômico.
Um outro fator possível para a ocorrência da depressão pós-parto está diretamente
relacionado aos aspectos psicossociais. O ideal da maternidade imposto culturalmente pode ser
prejudicial à medida que impõe o amor incondicional materno como uma condição inerente à
constituição do feminino (Badinter, 1985; Azevedo e Arrais, 2006).
Coutinho e Coutinho (1999) apontam basicamente como fatores de risco a gravidez
indesejada, a primiparidade, as complicações obstétricas, a ausência de aleitamento materno, o
baixo nível sócio-econômico, a ausência de suporte da família e amigos, além de história
patológica pregressa e familiar de transtornos de humor. Os autores, no entanto, salientam que
existem estudos discordantes que enfatizam os aspectos biológicos como principais responsáveis
pela depressão pós-parto.
Barbosa (2003) ressalta que a duração da depressão pós-parto é similar a da depressão
surgida em outros períodos; os episódios apresentam remissão espontânea dentro de dois a seis
meses. Observa-se que os sintomas depressivos residuais podem ser encontrados por mais de um
ano após o parto.
Para Daher (1999), é interessante observar a existência de uma imprecisão sobre a
prevalência da depressão em puérperas, além de uma discordância quanto ao aparecimento da
sintomatologia depressiva. A autora aponta uma dificuldade conceitual em relação à depressão
nos períodos gestacionais e pós-gestacionais; não existe um intervalo exato de tempo que
indique o surgimento da sintomatologia depressiva, podendo variar de duas semanas a três
meses, o que é metodologicamente complicado de se avaliar.
Apesar de possíveis discordâncias, os diversos autores concordam que os sintomas
depressivos freqüentemente se seguem a um estressor psicossocial, como é o caso da gestação e
do próprio parto. Outro aspecto consensual entre os autores que discutem a depressão pós-parto
está relacionado às dificuldades no estabelecimento do vínculo entre a mãe e o bebê.
Para Maldonado (2002), a depressão pós-parto tende a ser mais intensa quando há uma
quebra muito grande de expectativa em relação ao bebê, a si própria como mãe e ao tipo de vida
que se estabelece com a presença do filho. O desaparecimento da imagem idealizada vem muitas
vezes acompanhado de desapontamento, desânimo, a sensação do 'não era isso que eu esperava'
e a impressão de ser incapaz de enfrentar a nova situação. De acordo com a autora, na depressão
que se prolonga pelos primeiros meses após-parto é comum persistir a sensação de decepção
consigo mesma, desilusão e fracasso. A prostração e a incapacidade de assumir a função materna
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apresenta aspectos regressivos, de identificação com o próprio bebê. A mãe também solicita para
si, os cuidados e atenção, mobilizando preocupação nos familiares.
Logo após o parto, a mãe tem um trabalho psíquico a realizar, pois requer, ao mesmo
tempo, a colocação em jogo de uma acentuada dose de libido narcísica e de libido de objeto.
Com isso existe um conflito entre esses dois tipos de investimento: de um lado seu corpo está
dolorido e por outro lado, ela se sente chamada a doar seus cuidados a um bebê que está com
fome, deve ser limpo, e em definitivo lhe faz conhecer sua necessidades vitais. Estes cuidados
requerem uma mãe emocionalmente disponível, o que nem sempre ocorre. É aqui que Winnicott
descreve seu ódio inicial da mãe com seu filho, o que nos levaria a pensar num possível preditor
ao transtorno da depressão pós-parto (Lebovici, 1987).
Sobretudo esses sintomas são confundidos com as reações comuns, apresentadas pelas
puérperas em função do parto. Segundo Daher (1999), a gestação e o puerpério acabam por
favorecer na mulher alguns comportamentos muito semelhantes aos comportamentos
depressivos, relatados pelo DSM-IV (2002), sendo difícil o preciso diagnóstico de
sintomatologia depressiva na gravidez ou puerpério, em virtude da sobreposição dos
comportamentos patológicos aos comportamentos normais do puerpério. Também, foi possível
compreender que o período que engloba o aparecimento dos sintomas depressivos no pós-parto
ainda gera uma série de discussões entre os autores que se dedicam a investigar essa patologia.
Por fim, compreende-se que existe certa dificuldade de se diagnosticar a depressão pósparto já que seus sintomas pouco diferem de outros episódios depressivos. A característica
principal desta é certa rejeição do bebê, sentindo-se aterrorizada e ameaçada por ele (Silva,
Souza, Moreira e Genestra, 2003).
A relação mãe-bebê em casos de depressão pós-parto
Conforme mencionado anteriormente, com o nascimento do bebê, a mãe é colocada
perante a criança real, o que vai provocar uma reorganização desta relação com o bebê
imaginário, cuja representação a mãe deixa de investir progressivamente para investir agora no
bebê real (Marques, 2003).
Segundo Maldonado (2002), se a gravidez pode ser considerada como um período de maior
vulnerabilidade, o parto pode também ser encarado como um momento crítico que marca o
início de uma série de mudanças significativas e envolve diversos níveis de simbolização. A
autora ressalta outro aspecto importante: para a mãe a realidade do feto in utero não é a mesma
realidade do bebê recém-nascido e para muitas mulheres é difícil fazer a transição;
especialmente as que apresentam forte dependência em relação a sua própria mãe. As mulheres
podem facilmente gostar do filho enquanto ainda está dentro delas e amar a imagem idealizada
do bebê, mas não a realidade do recém-nascido. Para Soifer (1992), no momento em que a
criança adquire vida própria, diferente da vida intra-uterina, incorpora-se como nova integrante à
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família já existente, isto é, vai transtornar o equilíbrio familiar, que já havia passado por algumas
oscilações durante a gravidez. "Desse modo, chegamos à incógnita máxima do parto: a criança,
essa conhecida tão desconhecida, que por fim poderá ser vista e tocada." (p.52).
A síndrome depressiva do pós-parto tem uma provável ligação com o contexto afetivo e a
experiência do parto faz parte da construção do vínculo mãe-bebê. Algumas mulheres
mencionam que podem sentir certo prazer no parto, mas todas falam da dor. Toda a experiência
dolorosa confronta com a realidade de seu corpo de uma maneira inevitável e no parto a mulher é
confrontada com uma nova realidade: do seu corpo, do corpo do bebê e da relação dolorosa que
os une. O bebê após o nascimento é um objeto subjetivo aos olhos de sua mãe, mas também um
objeto real, desconhecido e ainda estranho. Para a mãe investir libidinalmente no seu bebê real, a
mãe refaz o trabalho mental do bebê que “cria” e acha o objeto (Lebovici, 1987, p.123).
O pós-parto é marcado pelos primeiros contatos fora do útero, onde a mãe precisa estar
apta a compreender o seu bebê e assim atender suas necessidades básicas. É um período difícil
onde a mãe necessita renunciar a seus próprios interesses em favor dos interesses do bebê.
Apesar disso, a mãe precisa estar saudável o suficiente para se deixar levar por esse estado
devotado dos primeiros tempos, tanto quanto afrouxá-lo, gradualmente, à medida que seu filho
cresce e conquista um espaço maior para o exercício de suas potencialidades (Granato, 2002).
Para Barbosa (2003), os primeiros contatos da mãe com seu bebê podem evocar grandes
ansiedades. Só posteriormente é que esta relação se tornará mais organizada e controlada,
possibilitando uma melhor interação entre ambos. Assim, é no período puerperal que a relação
entre mãe e filho acaba encontrando dificuldades para ser estabelecida.
Segundo Coutinho e Coutinho (1999), vários estudos prospectivos concluíram que um
prognóstico adverso do desenvolvimento infantil ocorre no contexto da depressão pós-parto.
Nesta situação observam-se transtornos na comunicação entre a mãe e seu filho, que se iniciam
já nos primeiros dias ou semanas do puerpério. Para os autores, há sólidas e recentes evidências
da relação de causa e efeito entre a depressão puerperal e o desenvolvimento emocional e
cognitivo adverso da criança. Para Schwengber (2002), a depressão materna pode estar associada
a uma relação mãe-bebê menos adequada e a manifestações mais negativas das mães sobre a
experiência da maternidade.
De acordo com Spitz (2000), estudos realizados com mães depressivas e seus filhos
comprovaram que essas mães apresentavam mudanças de humor acentuadas e intermitentes em
relação aos seus filhos que podem variar da extrema hostilidade, com rejeição, até a extrema
compensação dessa hostilidade, na forma de uma supersolicitude ao bebê.
De acordo com Frizzo e Piccinini (2005) a literatura tem sido consistente em caracterizar
que mães deprimidas tendem a ser menos responsivas a seu bebê do que mães não deprimidas.
Segundo os mesmos autores, a depressão materna afeta não só a mãe, mas também o bebê e até
mesmo o próprio pai, tendo em vista a influência deste quadro no contexto familiar. A extensão
do impacto da depressão materna para o bebê vai depende de vários fatores como a idade da
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criança, o temperamento infantil, a cronicidade do episódio depressivo materno e do próprio
estilo interativo da mãe deprimida, apático ou intrusivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A interação da díade mãe-bebê é fundamental na comunicação entre ambos e no decorrer
do desenvolvimento global da criança. Esta interação se dá, sobretudo, pelo olhar, pela fala, pelo
toque. A partir do momento em que nasce, o bebê irá comunicar-se com o mundo através da mãe.
Esta será uma mediadora na relação de interação que o bebê irá estabelecer com o meio, no
desenvolvimento da sua comunicação com o mundo externo (Lebovici, 1987, p.87).
Para que os bebês se convertam em adultos saudáveis e independentes, é necessário que lhe
seja dado um bom princípio, o qual está assegurado na natureza, pela existência de um vínculo
saudável entre a mãe e o seu bebê. De acordo com Winnicott (1988), o amor é o nome desse
vínculo (p.55). Em casos de depressão pós-parto e outros transtornos emocionais comuns neste
período, este vínculo nem sempre acontece de forma satisfatória e as dificuldades encontradas
pela mãe para atender à demanda do seu bebê podem interferir negativamente no
desenvolvimento do mesmo.
Muitos aspectos relacionados à depressão pós-parto ainda não estão totalmente
esclarecidos. O que se sabe, contudo, é que novos estudos sobre este tema são importantes,
considerando a relevância de conhecer a etiologia e características da depressão pós-parto bem
como suas implicações para o desenvolvimento da criança.
É grande a importância de atenção específica aos casos de transtornos emocionais na
maternidade nas diferentes etapas do desenvolvimento, tanto do ponto de vista das necessidades
infantis como maternas, destacando-se as manifestações de dificuldades no relacionamento entre
mãe e filho. Não significa que todas as situações refletirão dificuldades severas, mas é preciso
reconhecer o esforço psicológico de mulheres que tiveram dificuldades iniciais de vínculo,
permitindo o acesso às vivências depressivas iniciais (Alt e Benetti, no prelo).
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