NUTRIÇÂO O desafio de tratar a obesidade infantil Por Ellen Simone Paiva (*) “- Como é seu café da manhã? – pergunto. Meu pequeno paciente olha para o teto pela primeira vez. Parece que não estou falando com ele ou sobre ele e que o assunto é muito chato. - Não dá tempo de tomar e não tenho fome nesse horário. Levanto e vou para escola - me responde, já mal-humorado.” Nossas crianças estão ficando, a cada dia, mais obesas e seus pais muito preocupados. Não se lembram quando tudo começou. Sabem apenas que não (*)endocrinologista e nutróloga 24 conseguem mais controlar os hábitos alimentares inapropriados dos filhos. Informam que, por mais que tentem, não conseguem convencê-los a tomar café da manhã. Pergunto se eles, os pais, fazem essa refeição e a resposta eu já esperava: o pai toma apenas café e a mãe prefere fazer o desjejum mais tarde, pois diz que só sente fome às 9 horas. Mas faz uma concessão e responde: - Ninguém leva lanche, é o maior ‘mico’. Compro meu lanche na cantina - responde. - Muito bem. E o que você costuma comprar na cantina da escola? - Refrigerante e misto quente. Às vezes, um pedaço de pizza ou uma esfiha.responde, mais animado.” “-Você leva alguma coisa para comer na escola ou compra o lanche na cantina? – pergunto. Novamente, a criança parece se distanciar da conversa e não gostar do assunto. Há algum tempo, levar lanche para a escola tem sido encarado como uma ‘caretice’, principalmente, porque a maioria das cantinas oferece opções muito mais interessantes e saborosas. Lá, as crianças BRASIL ALIMENTOS - nº 31 - Janeiro/Fevereiro de 2006 encontram alimentos muito calóricos, repletos de gordura saturada, mas muito agradáveis ao paladar. O pior de tudo é que o consumo deste tipo de alimento é diário e a prática vai gerando um hábito quase impossível de ser revertido: o gosto pelo alimento de sabor mais forte, mais salgado ou mais doce, geralmente, mais rico em gordura e muito, muito saboroso. Alternativas Um Decreto publicado pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, no dia 24 de março de 2005, tenta reverter este quadro e melhorar a qualidade dos alimentos servidos nas cantinas das escolas estaduais do Estado. As principais recomendações feitas pela Secretaria são a moderação no consumo de açúcares, gordura e sal; a substituição de refrigerantes por sucos, bebidas lácteas ou à base de extratos ou fermentados (soja, leite etc.); a substituição de frituras por salgados e doces assados; evitar a venda de balas, gomas de mascar e salgadinhos industrializados em pacotes; a opção pela venda de barras de chocolate menores de 30g. Além de mudar o cardápio, a portaria determina a implantação de um programa educativo interdisciplinar nas escolas onde professores de ciências e educação física vão abordar a importância da boa alimentação, em suas aulas. “- Você gosta de frutas? – pergunto, com curiosidade. BRASIL ALIMENTOS - nº 31 - Janeiro/Fevereiro de 2006 Meu paciente boceja, mas mesmo assim responde: - Gosto, mais não muito. - De que frutas você gosta? - insisto. A criança passa a mão na cabeça e começa a movimentar o cabelo em movimentos circulares. O tempo passa, enquanto ele pensa nas frutas possíveis de serem apreciadas. Com pena, eu interrompo a dificuldade dele e passo a citar as frutas mais consu- 25 NUTRIÇÂO midas. Não consigo empolgação por nenhuma. Talvez o suco de laranja e o morango, mas somente no sorvete... É a resposta que obtenho”. Uma das grandes dificuldades em se implementar o consumo de frutas entre as crianças e criar um hábito saudável entre elas é a natural comparação que elas fazem com o sabor forte dos salgadinhos, dos chocolates e dos sanduíches. As frutas perderão sempre esta guerra. A criança precisa de um tempo para incorporar o sabor suave das frutas, para criar o hábito de comê-las, antes que seu paladar seja totalmente envolvido pelo forte apelo saboroso das gorduras e das frituras. Como protegê-las desse contato até que os laços definitivos com o sabor suave dos alimentos se concretizem? Essa é uma tarefa de todos nós. “- Você almoça em casa todos os dias? - pergunto. - Duas vezes por semana eu faço educação física na escola e como lá mesmo. Todas as sextas feiras, como com meus amigos no shopping. - Na cantina, eu já sei o que você come; e nas sextas-feiras, como é seu almoço? - Comemos sanduíche e tomamos sorvete – responde, satisfeito”. As diversas atividades extra-curriculares das nossas crianças também têm impedido que elas se alimentem corretamente. Tudo muito parecido com a vida dos pais, só que muito mais precoce e com efeitos deletérios muito previsíveis, a começar pela própria obesidade. Muitas vezes, os pais se sentem muito felizes e orgulhosos ao ver os filhos engajados em diversas atividades, pois se eles voltam para casa, geralmente, comem sozinhos. Nós nunca podemos estar à mesa com eles... Sentimos alívio quando a escola assume nosso papel ou quando amigos ou avós o fazem. 26 no tratamento da obesidade. O envolvimento familiar no tratamento da obesidade infantil é fundamental para o sucesso do mesmo. É preciso entender que quando uma criança se torna obesa, muito provavelmente ela está sendo exposta a alimentos com alta densidade calórica e os hábitos de toda a família devem ser mudados. Este, geralmente, é o ponto mais difícil. Dados do problema “- E no jantar? Você costuma comer ‘comida’? Janta com seus pais? - Os meus pais chegam muito tarde. Meu pai gosta de comer no sofá, assistindo ao jornal. Eu como outras coisas enquanto espero por eles. Nesse momento, a mãe parece mais incomodada e responde à minha pergunta, como se desculpando. Diz que o paciente come salgadinhos e chocolates durante a tarde e que nunca quer jantar. Pergunto se ela compra salgadinhos e chocolates no supermercado do mês e ela diz que sim... Meu paciente percebe a tensão que as perguntas vão gerando e começa a brincar com um joguinho eletrônico que trouxe na mochila. Não queria estar ali.” Diante deste quadro, podemos entender a dificuldade do tratamento da obesidade infantil. O principal interessado, muitas vezes, nem entende o motivo de tanta preocupação, não entende o que é ser obeso e muito menos o que é ser doente. Mesmo assim, não podemos pedir que os pais voltem ao consultório mais tarde, quando a criança começar a se interessar pelo problema. Precisamos utilizar autoridade e criatividade para tratar a obesidade infantil. Precisamos do auxílio da família, sem culpas ou ressentimentos, precisamos da ajuda de uma equipe multiprofissional composta por pediatras, nutrólogos, endocrinologistas, psicólogos e nutricionistas. Precisamos, fundamentalmente, motivar a criança, para que ela possa se envolver Um levantamento feito pela Organização Panamericana de Saúde, revelou que a obesidade infanto-juvenil no Brasil avançou 240% nos últimos 20 anos. Estima-se que entre 20% e 25% das crianças e dos adolescentes brasileiros sofram de obesidade ou sobrepeso. No Brasil, o excesso de peso infantil triplicou nos últimos anos, ao considerar a prevalência de 4,1% no Censo do IBGE 1974/75, em comparação aos 13,9% encontrados no Censo de 1997. Complicações relacionadas à obesidade, tais como hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes não insulino-dependente, antes diagnosticadas somente nos adultos, hoje estão, cada vez mais, freqüentes tanto nas crianças como nos adolescentes. A dieta das crianças deve ser individualizada. Por estarem em fase de crescimento, nossas crianças precisam se alimentar bem. Não podemos impingir muitos sacrifícios: elas não devem ser obrigadas a comer o que não gostam e também não devem ser privadas dos alimentos que gostam, desde que entendam que todos temos limitações ao ingeri-los. As crianças devem ser estimuladas a praticar atividades físicas, independente de estarem obesas ou não. A prioridade se dá para esportes coletivos, que socializam e divertem. A ociosidade é a oportunidade para o consumo desordenado de alimentos, sob a forma de guloseimas, com conseqüente ganho de peso. BRASIL ALIMENTOS - nº 31 - Janeiro/Fevereiro de 2006