1565 - ESPM

Propaganda
Área Temática
Marketing Internacional
# ID 1565
MUDANÇA NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E
EVOLUÇÃO DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DE COSMÉTICOS
EM REVISTAS NO BRASIL: 1900 – 2014
Maria Carolina de Azevedo Ferreira de Souza
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Silvia Prata Paulino de Alvarenga
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Área 1 – Marketing Internacional
MUDANÇA NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E
EVOLUÇÃO DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DE COSMÉTICOS
EM REVISTAS NO BRASIL: 1900 – 2014
RESUMO
Influenciado por uma série de transformações de ordem social, cultural, econômica e
tecnológica, especialmente o avanço das tecnologias da informação e comunicação (TIC), o
comportamento do consumidor vem se modificando visivelmente. Para as mulheres, essas
mudanças são mais perceptíveis, tendo em vista os novos papeis sociais que desempenham,
especialmente com a ampliação (em número e funções) de sua participação no mercado de
trabalho. Essa mudança requer novo posicionamento estratégico das empresas, incluindo as
estratégias de comunicação. Considerando o papel da mulher no contexto atual, suas
expectativas e o peso dos cosméticos em sua cesta de consumo, o estudo analisa anúncios de
cosméticos, veiculados em revistas no período 1900-2014, no Brasil. No meio de
comunicação pesquisado, as revistas, observa-se que tem havido mudanças na linguagem,
conteúdo e estética, mas o esquema unidirecional emissor/receptor da comunicação de massa
não se alterou significativamente. Isto é, há ainda uma clara distância entre as propostas dos
autores destacados no referencial teórico, principalmente no que tange à convergência dos
meios de comunicação e à interatividade que a mídia digital propicia, e as ações de
comunicação das empresas com as consumidoras, via anúncios publicitários impressos.
Palavras-chave: Comportamento do consumidor. Anúncios publicitários. Cultura da
convergência. Cosméticos.
1 INTRODUÇÃO
Analisar e aprofundar o conhecimento sobre o comportamento do consumidor sempre
foi importante para as empresas, como base para delinear as estratégias de marketing,
particularmente as de comunicação. A importância vem aumentando, na medida em que o
cliente de hoje já não se contenta com a tradicional lógica de comercialização. O processo de
mudança vem caminhando há algum tempo, pois o comportamento do consumidor é dinâmico
e não segue um padrão único, principalmente em um ambiente instável. No entanto, os
avanços das tecnologias da informação e comunicação (TIC) contribuíram para intensificar e
tornar mais evidentes as transformações no comportamento do consumidor, nas relações entre
consumidores e entre estes e as empresas (seus produtos, marcas, imagem, etc.). Essas
mudanças requerem respostas das empresas quanto ao posicionamento e às estratégias de
comunicação. As abordagens publicitárias convencionais parecem não mais suficientes para
conquistar o consumidor atual. Conforme apontam Romeu e White (2001): “Há uma
irresistível tendência do marketing de massa de perder sua posição para um marketing mais
individualizado, personalizado, com impactos sobre todos os aspectos mercadológicos.”
(ROMEU; WHITE, 2001, p. 50-51).
O interesse neste trabalho é investigar se tem havido mudanças nos anúncios
publicitários, sinalizando que as empresas estão buscando se adaptar às significativas
modificações no comportamento do consumidor. Modificações essas decorrentes, entre outros
fatores sociais, culturais e tecnológicos, da digitalização, do avanço das TIC e da tendência à
convergência dos meios de comunicação. Todos esses processos, aliados, contribuem para
delinear comportamentos de consumo mais complexos e menos fidedignos aos propostos por
modelos rígidos e pelas teorias tradicionais. A identificação e a análise de propagandas de
cosméticos em revistas no Brasil, no período 1900 a 2014, são particularmente valiosas, uma
vez que o público feminino, principal foco desse setor, passou por significativas
transformações nesse período.
Dado o imenso volume de informações cada vez mais acessíveis principalmente
através da web, a tendência é que o consumidor deixe de ser um mero receptor passivo das
abordagens publicitárias para se tornar um agente informatizado, informado, mais crítico e
exigente. Compreender esse “novo consumidor” é um processo complexo. Igualmente
complexo, embora estejam disponíveis vários novos meios de comunicação, é obter a atenção
desse consumidor, mais bem informado, e (supõe-se) menos influenciável por argumentos das
campanhas de propaganda no padrão unidirecional emissor/receptor.
A difusão do acesso a diversos meios de informação e de comunicação possibilita que
consumidores interajam compartilhando experiências e opiniões acerca de marcas e produtos,
além de permitir que se comuniquem diretamente com as empresas por meio de redes sociais.
De acordo com Canclini (2008), a convergência digital oferece aos usuários uma integração
multimidiática que permite que eles tenham acesso instantâneo a imagens, textos escritos e
transmissão de dados, além de tirar fotos, gravar vídeos e comunicar-se com outras pessoas.
Ressaltando as possibilidades de interconexões, Jenkins (2008) insere a convergência
dos meios de comunicação, processo viabilizado, sobretudo pelos avanços da tecnologia
digital, como um adicional agente desencadeador da transformação do comportamento do
consumidor. “A convergência representa uma transformação cultural, na medida em que
consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a
conteúdos de mídia dispersos.” (JENKINS, 2008, p. 29).
Diante do novo contexto, parece coerente conjeturar que, se há transformação no
comportamento do consumidor, a forma e o conteúdo das campanhas de propaganda devem
evoluir de maneira que as mensagens sensibilizem esse “novo consumidor” e o levem a optar
pelos produtos/serviços da empresa. Cabe então a questão, particularmente quanto às formas
de comunicação: que transformações estão sendo realizadas visando acompanhar a mudança
no comportamento do consumidor?
Um aspecto importante quando se trata de mudanças no comportamento de consumo é
o avanço da mulher no mercado de trabalho. A ascensão social feminina mediante o trabalho
faz com que a mulher busque se integrar à sociedade de forma mais ampla, tornando-se mais
independente em termos financeiros e emocionais. Para esse público, o cuidar-se, visando
uma aparência jovem, saudável e vivaz é essencial, mas a praticidade é igualmente essencial,
dada a dupla, ou tripla, jornada ao longo do dia. A figura feminina, atualmente munida de
poder de compra próprio, transforma-se em parcela importante do mercado para muitos
setores. Consequentemente, é público-alvo de diversas campanhas, incluindo, de maneira
expressiva, as de cosméticos, uma vez que a aparência (para os outros e para si) é um item
cada vez mais importante em todos os âmbitos, particularmente no ambiente de trabalho.
Considerando o lugar importante da figura feminina no processo de transformação do
consumo, e o peso dos cosméticos em sua cesta de consumo, o estudo centra-se na análise de
campanhas publicitárias de cosméticos, veiculadas em revistas de ampla circulação, ao longo
do período 1900-2014, no Brasil. O propósito é identificar elementos que permitam verificar
se houve mudanças significativas na forma, no conteúdo e, mais especificamente, no discurso
dos anúncios, acompanhando as mudanças no perfil da consumidora. É também propósito
deste trabalho avaliar se de fato está ocorrendo a transição de uma publicidade informativa e
racional para uma publicidade mais inventiva e interativa, em consonância com as
possibilidades abertas pelos avanços das TIC, tanto para as empresas quanto para os
consumidores.
Justifica-se o estudo sobre a evolução dos anúncios publicitários a partir do exame de
peças publicitárias veiculadas em revistas no Brasil, pois além da maior facilidade de acesso a
dados nesse meio de comunicação, o Brasil não fica ao largo das tendências que contribuem
para configurar o “novo consumidor”. Além disso, deve-se considerar a recente ascensão das
chamadas classes C e D, que constitui importante aspecto socioeconômico adicional e que
implica novos valores, princípios e hábitos na sociedade, novas demandas e mudanças
quantitativas e qualitativas nos hábitos de consumo. Cabe considerar ainda que, nessa
ascensão, a mulher tem papel relevante, pois parte significativa da renda é gerada pela sua
inserção mais decisiva no mercado de trabalho e porque é a principal receptora dos recursos
de programas sociais de distribuição de renda e de financiamento a pequenos
empreendimentos familiares.
Tendo em vista o objetivo, o trabalho está organizado em 3 seções, além desta
introdução e das conclusões. A próxima seção é dedicada a uma breve exposição sobre
concepções e propostas de autores da área relativas às mudanças no comportamento do
consumidor e seus impactos em relação às estratégias de comunicação, nas quais a
publicidade ocupa lugar fundamental. A seguir são expostos os procedimentos de pesquisa,
quanto ao levantamento e análise de anúncios de cosméticos veiculados em revistas no Brasil,
ao longo do século passado e início deste século. Na seção seguinte, são apresentados e
analisados os resultados da pesquisa, ressaltando-se alguns marcos importantes na evolução
da propaganda impressa quanto à forma, composição e linguagem utilizadas nos anúncios. Na
conclusão, destaca-se que houve claras mudanças na forma e no conteúdo das propagandas
impressas veiculadas nas revistas selecionadas, ao longo do período considerado. Entretanto,
foram verificadas poucas alterações no esquema “emissor/receptor”, indicando que o espaço
para a interação e participação mais ativa do receptor (consumidor) ainda é limitado.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Na sociedade atual, o consumo ocupa posição de centralidade. Em “A Sociedade do
Consumo”, Baudrillard (2008) analisa o fenômeno do consumo nas sociedades
contemporâneas ocidentais, apontando a multiplicação de objetos, serviços e bens materiais
como evidência clara do crescimento do consumo. Para o autor, “começamos a viver menos
na proximidade dos outros homens, seja na sua presença e no seu discurso, e mais sob o olhar
mudo dos objetos.” (BAUDRILLARD, 2008, p. 13), o que configuraria o chamado “tempo
dos objetos”. Esse “tempo” se enraíza na promessa da felicidade possível por meio da
aquisição de mercadorias. Estas operam como paliativos para expectativas não concretizadas
ou como forma de adesão a modelos pré-estabelecidos, adquirindo uma importância
emocional e subjetiva que muitas vezes as deslocam de sua real utilidade e funcionamento.
Nesse processo, as mercadorias são tidas como signos e os consumidores são levados a crer
na satisfação de desejos e necessidades conscientes ou não mediante o processo de consumo.
No campo da comunicação, observa-se hiperestimulação visual e sobrecarga de
informações às quais os sujeitos estão submetidos, facilitadas pelos meios digitais. É comum
na publicidade a inserção de elementos que operam muitas vezes no inconsciente individual e
coletivo, associando produtos e serviços a símbolos e valores. De acordo com Kellner (2001):
“Tais imagens simbólicas na propaganda tentam criar uma associação entre os produtos
oferecidos e certas características socialmente desejáveis e significativas, a fim de produzir a
impressão de que é possível vir a ser certo tipo de pessoa." (KELLNER, 2001, p. 319).
Lipovetsky (2000), por sua vez, considera equivocada a designação da mídia como vilã da
história contemporânea. Para ele, “o consumidor seduzido pela publicidade não é um
enganado, mas um encantado." (LIPOVETSKY, 2000, p. 9).
Os consumidores do século XXI são, em grande parte, internautas, o que os torna mais
capazes de interagir e disseminar conteúdos. Canclini (2008) considera equivocada a
concepção de que internautas são passivos, defendendo o resultado positivo da transformação
de leitores e espectadores, antes desempenhando funções separadas, em internautas, que ao
mesmo tempo leem e assistem, e, em alguns casos, produzem conteúdo. Conforme o autor, ao
falar em internauta, “[...] fazemos alusão a um agente multimídia que lê, ouve e combina
materiais diversos, precedentes da leitura e dos espetáculos.” (CANCLINI, 2008, p. 22). A
quantidade de informações às quais o usuário tem acesso, além de torná-lo mais bem
informado, faz com que ele concentre capacidades de leitura preservando características de
espectador. A fusão de leitor e espectador na figura do internauta, para Canclini (2008),
resulta em um indivíduo muito mais ativo, uma vez que a Internet oferece possibilidades de
interação e intervenção que outros meios de comunicação não apresentavam.
Jenkins (2008), ao tratar do que denomina “cultura da convergência”, menciona três
conceitos básicos: convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e
inteligência coletiva. Sob os ares dessa “cultura”, os consumidores assumem uma atitude mais
ativa, principalmente porque são “incentivados a procurar novas informações e fazer
conexões em meio a conteúdos de mídia dispersos.” (JENKINS, 2008, p. 29). Além do grande
número de informações veiculadas por diversas plataformas midiáticas, a cultura da
convergência oferece ao público a possibilidade de constituir um espaço de “inteligência
coletiva” (JENKINS, 2008, p. 30). Compartilhando conhecimentos e experiências, utilizando
as tecnologias e ferramentas disponíveis (redes sociais, fóruns de discussão, comunidades
virtuais, etc.), os consumidores tornam-se capazes de discutir, mesmo à distância, sobre os
produtos e as abordagens publicitárias utilizadas pelas empresas para promovê-los. Porém,
adverte o autor, a convergência não ocorre dentro de aparelhos, por mais sofisticados que
venham a ser, mas “dentro dos cérebros dos consumidores individuais e em suas interações
sociais com outros.” (JENKINS, 2008, p. 29-30). Esse é um ponto é fundamental quando se
trata de pensar meios e conteúdo visando a comunicação com esses consumidores.
Considerada a interação, abre-se espaço para a “cultura participativa”, distante de
concepções tradicionais sobre o posicionamento passivo dos espectadores dos meios de
comunicação. Afirma o autor: “Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia
como ocupantes de papeis separados, podemos agora considerá-los como participantes
interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por
completo.” (JENKINS, 2008, p. 30). É importante ressaltar que a emergência de novas mídias
não substitui as anteriores. Na emergente “cultura da convergência”, as tradicionais mídias e
as novas “irão interagir de formas cada vez mais complexas.” (JENKINS, 2008, p. 32-33).
No âmbito da “cultura da convergência”, aspectos emocionais, sociais e intelectuais do
consumidor tornam-se mais relevantes e devem ser considerados nas decisões que dizem
respeito às formas de comunicação. Insere-se nesse âmbito o conceito de “economia afetiva”,
que “busca entender os fundamentos emocionais da tomada de decisão do consumidor como
uma força motriz por trás das decisões de audiência e de compra” (JENKINS, 2008, p. 94). A
economia afetiva enfatiza, como um dos elementos nucleares do comportamento do “novo
consumidor”, a troca de experiências entre consumidores e a interação com as empresas,
especialmente via Internet.
Na mesma direção, incluem-se os argumentos de Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010)
quanto ao surgimento do que chamam de “Marketing 3.0 ou a era voltada para valores”
(KOTLER, KARTAJAYA e SETIAWAN, 2010, p.4). Esse é, de acordo com os autores, um
avanço necessário do marketing, relativamente ao marketing 1.0, mais tradicional,
caracterizado pelo foco no produto. Avanço igualmente comparativamente ao marketing 2.0,
com foco no cliente, que já representa a adaptação das empresas a um novo ambiente
concorrencial. Os autores ressaltam que os clientes têm dado cada vez mais importância à
imagem e aos valores da empresa. Reconhecer a importância de incorporar ao produto não só
a funcionalidade, mas também a emoção representa um avanço significativo. Afirmam,
porém, que esse avanço não é mais suficiente. À emoção deve ser somado o apelo ao espírito
humano. (KOTLER, KARTAJAYA e SETIAWAN, 2010).
As transformações mencionadas indicam que o posicionamento das empresas e as
formas de comunicação devem ser adaptados, de maneira a que estejam mais próximas,
receptivas, e abertas ao cliente e às suas manifestações. No entanto, alguns autores sublinham
o caráter conservador das empresas ainda regidas por uma lógica comercial herdada da era
das “massas” do começo do século XX. Zuboff e Maxmin (2002) são enfáticos sobre esse
aspecto, afirmando que: “Os últimos cinquenta anos testemunharam o surgimento da nova
geração de indivíduos, embora as empresas continuem a operar de acordo com uma lógica
inventada na época de sua origem, há um século.” (ZUBOFF; MAXMIN, 2003, p. 3).
Um espaço importante no conjunto das mudanças é ocupado pela mulher. Zuboff e
Maxmin (2003) argumentam que as mudanças na experiência, na renda, na necessidade e nos
sonhos femininos verificadas com a inserção da mulher no mercado de trabalho deram
grandes impulsos à economia. Os autores referem-se a um processo por eles denominado
“produção em massa de sonhos”, no qual “a comercialização das necessidades e desejos das
mulheres estabeleceu uma importante ligação entre o consumo de massa e esses esforços do
século XIX rumo à produção em massa, preparando o palco para a explosão industrial do
início do século XX.” (ZUBOFF; MAXMIN, 2002, p. 43). No século XX, o aumento da
participação feminina na força de trabalho e a posterior inserção da mulher em ambientes
acadêmicos tornaram necessários novos produtos e contribuíram para elevar as vendas de
produtos de consumo antes inexistentes ou pouco vendidos. Entre esses produtos, além
daqueles de utilidade doméstica, ganharam destaque os cosméticos. As mulheres são
obrigadas a cuidar de si próprias à medida que vão explorando uma gama de experiências
humanas, e tentam conciliar compromissos familiares com os profissionais, em “um mundo
ocupacional construído por homens e para homens”. (ZUBOFF; MAXMIN, 2002, p. 88).
A forte presença dos cosméticos no cotidiano feminino se insere por essa fresta aberta
pela necessidade de cuidar de si para se tornar apta a cumprir seus papeis domésticos e
profissionais. Desse modo, algumas marcas ganham grande destaque no cenário da indústria
de cosméticos brasileira, em plena ascensão nos últimos anos. E quanto à evolução das
campanhas de propaganda nesse setor? Estará caminhando na direção das mudanças no perfil
do consumidor e das mulheres consumidoras, em particular?
Lipovetsky (2000) afirma que, livre da necessidade de apenas expor as qualidades,
propriedades e funcionamento dos produtos de maneira lógica e racional, a publicidade tem se
valido cada vez mais de vários recursos visando construir relações afetivas com o
consumidor, instigar seus desejos por meio da exploração do emocional, do imaginário
coletivo, do lúdico. Constrói assim um novo fio condutor de seu discurso, outrora centrado na
funcionalidade e na composição dos produtos. Com a identificação de anúncios publicitários,
apresentação e análise dos resultados, busca-se investigar até que ponto a publicidade de
cosméticos evoluiu nessa direção. Em outros termos, em que medida os anúncios publicitários
em revistas caminham ao encontro do “novo consumidor”, a despeito das limitações do
próprio suporte, se comparado às ferramentas oferecidas pelas mídias digitais.
3 METODOLOGIA
O desenvolvimento do estudo, de caráter descritivo, abrangeu uma etapa de revisão
bibliográfica visando construir o referencial analítico e a pesquisa de anúncios publicitários de
cosméticos veiculados em revistas ao longo do período mencionado. A coleta de dados foi
feita por meio de análise documental, apropriada para pesquisas descritivas e que abranjam
um período longo. Entende-se o termo documento em sentido amplo, incluindo materiais
escritos, como jornais e revistas, que, conforme apontado por Godoy (1995), podem
representar uma valiosa fonte de dados. Tais documentos podem ser considerados “uma fonte
natural de informações, na medida em que, por terem origem num determinado contexto
histórico, econômico e social, retratam e fornecem dados sobre esse contexto”. (GODOY,
1995, p. 22). Optou-se por um meio de comunicação e por um setor específico.
A escolha pela mídia impressa, mais especificamente as revistas, está relacionada,
sobretudo, à presença de jornais e revistas de grande circulação no Brasil em todo o período a
que se refere a análise (1900-2014), ao contrário de meios de comunicação audiovisuais,
surgidos apenas em décadas posteriores ao início do século XX. Além disso, analisando essa
mídia impressa é possível estabelecer um paralelo com as mídias digitais, tão mencionadas
pelos autores de marketing da atualidade por sua capacidade de oferecer ao público
interatividade. Nessa perspectiva, a análise de revistas permite verificar se, e de que modo, as
relações entre emissor e receptor têm sido repensadas nos meios de comunicação, dadas as
transformações no perfil dos consumidores e os avanços dos meios de comunicação digitais.
A escolha pelo setor de cosméticos se justifica tendo em vista sua dinâmica,
significativamente atrelada ao lançamento de novos produtos, que exige veiculação constante
de campanhas de propaganda, e seu principal público-alvo, o público feminino. Esse público
representa um perfil de consumidor relevante para este estudo, dadas as significativas
mudanças, ainda em curso, tanto em termos sociais, quanto em termos econômicos. Para
avaliar se essas mudanças se refletem de alguma forma na comunicação com esse público, via
anúncios publicitários, foram selecionadas e analisadas propagandas do setor de cosméticos
veiculadas ao longo do período focado. Utilizou-se a análise de conteúdo, “instrumental
metodológico que se pode aplicar a discursos diversos e a todas as formas de comunicação,
seja qual for a natureza de seu suporte”. (GODOY, 1995, p.23). A identificação das
características dos anúncios permitiu uma reflexão sobre a evolução ao longo do tempo.
Foram coletados duzentos anúncios impressos publicados em revistas nacionais de
grande circulação, em cada época, como O Mercúrio (1898); “O Malho” (1902-1954); “A
Cigarra” (1914-1975); “O Cruzeiro” (1928-1975); “Veja” (1968-), “Isto é” (1976 -), ambas
de informação geral; “Claudia” (1961-), “Nova” Cosmopolitan (1973-), ambas com foco no
público feminino adulto, a primeira com conteúdo mais diversificado; “Atrevida” (1995 -),
com foco nas adolescentes e “Capricho” (1952-). Esta última, em 1970, deixou de ser uma
revista exclusivamente de fotonovelas e se tornou uma revista de conteúdo diversificado, e a
partir de 1989 passou a ter como público-alvo as adolescentes. As revistas “O Malho” e “A
Cigarra”, que deixaram de circular há muitos anos, foram consultadas em documentos
publicados na internet (principalmente focando a participação de importantes ilustradores no
jornal/revista), e em versões digitalizadas disponíveis em acervo virtual do estado de São
Paulo. Os anúncios de “O Cruzeiro” foram encontrados digitalizados no portal da web
“Memória Viva”. As demais revistas foram obtidas em acervos públicos e particulares. Além
da disponibilidade para consulta, a seleção dessas revistas levou em conta sua
representatividade como meio de comunicação impresso, algumas mais segmentadas, outras
com maior amplitude de público.
Cabe observar que houve o cuidado de selecionar anúncios de produtos das
mesmas categorias de cosméticos, para evitar que possíveis mudanças observadas fossem
devidas à forma de mensagem destinada a produtos diferentes. A ênfase recaiu nas
categorias de produtos para cuidados com a pele (incluindo os produtos
“rejuvenescedores”) e cuidados com os cabelos, presentes, nos anúncios de todas as
décadas, e produtos de maquiagem, bastante divulgados nas propagandas, sobretudo a
partir de 1970. Por meio desses procedimentos, foi possível reunir dados que permitem
delinear a evolução dos anúncios publicitários de cosméticos, destinados principalmente ao
público feminino, no Brasil, no período.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Os anúncios foram separados por década de veiculação. Por simplificação, observado
que não houve mudanças significativas em determinadas décadas quanto às características
dos anúncios de cosméticos, elas foram agrupadas. Após exame preliminar dos anúncios,
foram selecionados os dez considerados mais representativos para cada década, para uma
análise mais detalhada. Foram observados aspectos relativos ao anúncio em si, tais como,
formato, composição, tamanho do anúncio, etc., às especificidades da mensagem, entre
outras, título (foco no produto/empresa/ou na consumidora); número de palavras; linguagem;
construção em termos de verbos, adjetivos, substantivos, etc. (ações do produto, benefícios
prometidos para a consumidora, ações da consumidora utilizando o produto, etc.), e às
características competitivas ressaltadas (preço, marca, outros atributos diferenciadores).
No que diz respeito às características do formato e da posição do anúncio, as
mudanças identificadas são relacionadas principalmente a avanços técnicos e na tecnologia.
De início, os anúncios se inseriam normalmente dentro de tabelas localizadas em páginas
dedicadas exclusivamente a propagandas, em um formato de classificados; cada anúncio
costumava ocupar no máximo 1/3 da página. Com o passar do tempo, a diagramação das
revistas se modificou, com anúncios dividindo o espaço da página com o próprio conteúdo
das revistas e começaram a aparecer com mais frequência anúncios de página inteira.
Entre 1900 e 1910, a maior parte dos anúncios se resumia à linguagem verbal,
apresentando poucos recursos visuais. A partir de 1910, textos com ilustrações tornaram-se
comuns nos anúncios em geral, e um aspecto marcante também nos anúncios de cosméticos.
De início predominantemente em preto e branco, os anúncios foram ganhando ilustrações
maiores e com mais cores, notadamente a partir de 1930, com o aumento do número de
anúncios de reconhecidas marcas nacionais, que então surgiam no mercado, por exemplo:
Leite de Rosas (“limpa, alveja e amacia”); Creme Rugol (“a beleza da mulher desabrocha”);
Creme de Alface Brilhante (“para o encanto da mulher”). Marcas de multinacionais, entrando
no mercado nacional naquele importante momento do processo de industrialização, também
eram fortemente divulgadas. Entre elas, Nivea (Beiersdorf), que garante “sua pele de novo
lisa e macia” e Pond’s (atualmente da Unilever) “o tratamento de beleza da mulher”.
Outro aspecto importante refere-se à inserção de fotografias nos anúncios. O papel
desempenhado pela fotografia no anúncio vai ganhando importância ao longo das décadas. De
início, apenas ilustrava o texto, longo e com explicações detalhadas. Porém, à medida que a
mensagem da propaganda foi se tornando menos comprometida com o foco no produto, suas
funções e modo de usar, e valorizando o campo da percepção e das emoções da consumidora,
a fotografia ganhou mais destaque. Nos anos 1970, praticamente todos os anúncios eram
compostos por fotografias coloridas, muitas de modelos profissionais, femininos e
masculinos. O Quadro 1 sintetiza as características observadas por década.
Período
1900-1929
1930-1939
1940-1949
1950-1969
1970-1979
1980-1989
1990-2014
Características estéticas e de conteúdo do anúncio
Predominantemente em branco e preto (alguns com duas cores), em vários formatos,
principalmente no formato de classificados, dividindo o espaço da página com vários outros
anúncios; ilustrações, uma característica da publicidade na época; alguns anúncios de página
inteira, de grandes empresas da época, como a Antarctica Paulista, primeira fábrica de
cerveja em grandes lotes, e a maior no Brasil, durante muitos anos.
Ilustrações maiores; fotografias passam a ser utilizadas; aumento do número de propagandas
de grandes empresas/marcas, nacionais e multinacionais, chegando ao Brasil na época.
Tendência a formato mais padronizado; anúncio dividindo espaço com matérias da revista;
imagens coloridas; inserção frequente de fotografias nos anúncios.
Anúncios maiores; fotografias com objetivo de ilustrar; objeto da imagem é o produto ou a
consumidora usando o produto; homem surge compondo o anúncio, aprovando e admirando
o resultado do uso do produto pela mulher; anúncios divulgando promoções.
Intensificação do uso de fotografias, com modelos profissionais, masculinos e femininos;
homem aparece mais como motivador para o uso de amplo leque de cosméticos.
Grande espaço na página; fotografias substituem, em grande medida, o texto na transmissão
da mensagem; fotografias com cenas mais carregadas de sentido, com cores fortes, quentes,
combinadas com as sensações que produto está prometendo; modelo aparece praticamente
nua em muitos anúncios e em poses provocadoras, muitas vezes para produtos "triviais",
como desodorantes; fotografias mostram as diversas "imagens" da mulher (namorada,
esposa, mãe, filha) e em diversos estados de espírito.
Mudança mais perceptível na linguagem; novos formatos, para além das páginas normais
(dobraduras; capas duplas; amostras coladas no anúncio, etc.); estilo diferenciado em função
do público-alvo, no qual é crescente o segmento de mulheres na faixa de idade acima de 40
anos, que consomem grande quantidade de cremes hidratantes e cremes “rejuvenescedores”.
Quadro 1- Principais características estéticas e de conteúdo dos anúncios de cosméticos no período 1900-2014
Fonte: elaboração própria a partir dos anúncios pesquisados
Quanto ao tamanho do texto, nos primeiros anos do século XX, a publicidade utilizava
mensagens longas, normalmente com mais de 150 palavras. No período mais recente, os
anúncios impressos tornaram-se mais concisos, ganhando importância slogans e frases de
efeito, reforçados por imagens (fotografias). A inserção de ilustrações e de fotografias, que
permitem transmitir a mensagem com menos palavras, pode explicar, em parte, essa redução.
Além disso, pode-se conjeturar, apesar de não haver dados suficientes para uma validação
estatística, que em períodos de retração econômica os anúncios tendem a ser mais “frugais”,
como indicam os números para os períodos 1910 a 1920 e 1930 a 1950. Nos anos dourados da
economia mundial e no período do chamado milagre econômico no Brasil (de início a meados
dos anos 1970), os anúncios voltaram a ser mais “generosos” quanto ao número de palavras.
A partir de então, sobressai a tendência à redução, embora haja alguns casos de textos
publicitários explicativos longos, que se aproximam de uma matéria, especialmente quando se
trata de comunicar inovações incorporados nos produtos, resultados de testes “científicos”, e
apresentar novos produtos. O Gráfico 1 mostra o número médio de palavras dos anúncios de
cosméticos por década, com tendência de redução ao longo do período.
Gráfico 1- Número médio de palavras empregadas nos anúncios por década
Fonte: Elaboração própria a partir dos anúncios pesquisados
Quanto ao conteúdo dos anúncios publicitários, é visível a evolução ao longo das
décadas. No início, tinham como traço fundamental o caráter informativo e argumentativo
salientando as qualidades, funções e efeitos do produto. O texto do anúncio do produto “Agua
da Belleza”, publicado na revista “O Mercurio”, em 1906, é representativo a esse respeito.
AGUA DA BELLEZA- A PEROLA DE BARCELONA
(PRIVILEGIADA POR S.S.M.R.R. DE HESPANHA)
Esta excelente AGUA é conhecida em São Paulo desde o ano de 1883 e afamada pelos seus
maravilhosos effeitos, sendo a única que tem a acceitação em todas as cortes da Europa e nas
Repúblicas da América.
A verdadeira ÁGUA DE BARCELONA conserva a pelle com a frescura da mocidade, evita as
rugas precoces, tira as sardas, pannos e todas as manchas da pelle, communicando á cútis da face,
assim como de todo o corpo, um tom suave e delicado. Com o seu uso a pelle crestada pelo calor ou
picadas pelos insectos torna-se em pouco tempo macia e prefeita. Ella promove a cicatrisação rápida
das ulceras indolentes, cura a irritação dos darthros, faz desapparecer o prurido ou comichões e toda
irritação produzida por uma causa qualquer.
Os bons effeitos d’esta preciosa AGUA não se limitam simplesmente às DAMAS; ella convém
egualmente aos CAVALHEIROS porque applicada no rosto depois de fazer a barba, amacia a
epiderme, cura as escoriações e evita as moléstias cutaneas que poderiam ser transmittidas pelas
navalhas.
Modo de usar: Agita-se bem o frasco, antes de servir-se, e embeba-se uma pequena esponja ou um
panno bem limpo e passa-se brandamente na pelle, até se obter a alvura e a belleza desejadas. Nos
casos de escoriações, darthros e ulceras, deve-se fazer duas applicações por dia com algodão
hydrophilo. Para evitar as molestias transmittidas nas casas de barbeiros, deve-se applicar a
PEROLA DE BARCELONA com uma esponja logo depois de feita a barba.
Esta água encontra-se á venda em todas as Drogarias, Pharmacias, Barbearias e Perfumarias do
Brazil. São nossos únicos depositários para toda a Republica dos Estados Unidos do Brazil os Snrs.:
L. QUEIROZ & CIA – Drogaria Americana
Rua Direita, N.10-B – S. PAULO - Preços: 1 frasco 3$000, 1 duzia30$000.
Como no caso da “Agua da Belleza”, os anúncios traziam instruções detalhadas para a
aplicação de forma adequada do produto e descreviam seu funcionamento, vantagens, os
resultados obtidos com a aplicação, etc., sempre adotando linguagem denotativa, técnica,
valendo-se do pressuposto da racionalidade centrada na utilidade da mercadoria como
principal motivo para sua aquisição.
A fim de conferir maior credibilidade ao produto e ao fabricante, frequentemente
havia menção ao ano de início da fabricação ou de início da venda do produto, ou do ano de
surgimento da marca ou empresa anunciante. Valorizava-se também a tradição e a origem
(país), com destaque para produtos e tendências europeias. Os endereços dos estabelecimentos
nos quais o produto era vendido constavam nos anúncios, evidenciando o caráter local dos
anunciantes nas duas primeiras décadas do século passado. A partir da década de 1930, a
menção aos endereços dos estabelecimentos comerciais tornou-se mais escassa, à medida que
foram avançando os anúncios de grandes empresas nacionais e multinacionais, que estavam se
instalando no Brasil nessa época, ganhando espaço junto aos anúncios de comércios locais.
Complementando as informações, o preço constava no anúncio, indicando valorização
do “p” preço no composto de marketing. Com o tempo, esse tipo de informação foi perdendo
a relevância no conjunto da comunicação, deixando de ser mencionado nas propagandas
relativas às décadas pós 1940. A omissão do preço pode ser vista como um dos primeiros
sinais de ruptura do compromisso da publicidade com a racionalidade argumentativa. Com o
passar do tempo, os anúncios passaram a explorar o campo das simbologias, das sensações e
das emoções ao invés de enfatizar questões de ordem lógica. Características que podem ser
verificadas desde o título do anúncio, como mostra o Quadro 2.
Período
1900-1929
Conteúdo do título do anúncio publicitário
Ênfase no produto: “Agua da Belleza, a pérola de Barcelona”; “Crême de Belleza Oriental”.
1930-1939
Realça a percepção da consumidora; ênfase na confirmação dos resultados: “Maravilhoso!
Minha cútis está perfeita”; “Agora compreendo a fama destes cremes”.
1940-1949
Caráter orientativo: “O primeiro passo para rejuvenescer cútis que aparenta meia-idade”.
1950-1969
Foco nas sensações que o produto pode propiciar: “mais prazer no seu banho”; ressalta a
multifuncionalidade: “Perfeito make up: em menos tempo e por mais tempo”; Recomenda,
com verbos no imperativo: “Perfume e embeleze seus cabelos”.
1970-1979
Ênfase na aceitação, valorização e exploração das sensações, do prazer: “Deixe-se levar por
instinto”; “Você nunca sabe quem você realmente é, até usar (o produto X)”.
1980-1989
Realce à função do produto, mas, muitas vezes com “duplo sentido” (percebido quando em
conjunto com a foto): “Finalmente uniram o útil ao agradável”; realce aos componentes
naturais, que começam a constituir a base de um segmento específico: “Sofist - a sofisticação
da natureza”; “O movimento Verde”.
Expressão da diversidade de figuras femininas, muitas delas profissionais objetivas: “É pelas
partes que se cuida do todo”; “Várias maneiras de ficar bonita. A única maneira de continuar
bonita”; "A sedução sem vestígios"; “Homens aparecem voando quando as mulheres usam
(produto X
1990-1999
2000-2014
Caráter mais pessoal; valorização do “real”; mensagem claramente voltada para a “nova”
mulher, seus sentimentos e sua realidade: “sinta-se bem...”; “Solte a cabeleira”; “A Cristina vai
contar sua idade”.
Quadro 2- Características do título dos anúncios de cosméticos no período 1900-2014
Fonte: elaboração própria a partir dos anúncios pesquisados
Com o surgimento da televisão e popularização das propagandas audiovisuais, a
propaganda em revistas foi se libertando ainda mais do compromisso com a racionalidade
argumentativa, ganhando contornos mais afetivos. Ainda mais adiante, com a Internet e com
as novas demandas do consumidor, essas transformações se consolidaram de modo mais
perceptível.
Ao longo do período, além de mais “econômicos” quanto ao número de palavras, os
textos foram ganhando uma linguagem mais sofisticada, com o toque de profissionais de
agências de propaganda, que estavam se instalando no país. Nos anos 1930, o discurso ainda
era assertivo sobre a utilidade do produto, mas já havia espaço para a consumidora e sua
manifestação quanto aos resultados obtidos usando o produto, chancelando a utilidade do
produto comunicada no anúncio. Por exemplo: “Minha cútis está mais bella do que nunca”.
Na década 1940, a mensagem passou a ressaltar a composição do produto, suas
aplicações, e seus benefícios para problemas específicos, por exemplo, para reduzir os sinais
da meia-idade, com recomendação mais explícita e construção linguística no imperativo: use
o produto (da marca X). A linguagem buscava uma proximidade maior com a consumidora,
substituindo os termos damas, senhoras, senhoritas, V. Ex., típicos nos anúncios do início do
século, por um tratamento mais “pessoal”, com utilização de “você”. Nas características
diferenciadoras, o realce era para a marca, a diferenciação, as vantagens específicas do
produto (embrião da segmentação). Geralmente, o discurso era voltado para a valorização do
corpo, que passava então a ser mais exibido. A mulher e suas próprias demandas, e não mais a
dona de casa, centrada em cuidar da família e fazê-la feliz, passavam a ser ressaltadas. Por
exemplo: “com o produto ‘X’ você pode ter a cútis mais bela em apenas poucos dias”.
A partir dos anos 1950, os textos voltaram a ganhar mais palavras. Com informações
detalhadas sobre a composição e outros atributos, esperava-se que a consumidora pudesse
"visualizar" o produto. Nas características diferenciadoras, era dado destaque à "garantia"
quanto às propriedades do produto para fins específicos (segmentação mais marcada). Com a
mensagem almejava-se que a marca “conversasse” mais diretamente com a consumidora. Por
exemplo: “a marca X só pede seis semanas para dar saúde e beleza a seus cabelos (com o
produto X)”. Nota-se o foco crescente na consumidora, levando em conta principalmente o
fato de a mulher estar ampliando os anos de estudo, aumentando a participação no ensino
superior e entrando mais decisivamente no mercado de trabalho. Na comunicação do produto,
o realce era para multifuncionalidade e praticidade (produtos 2 em 1). O “ser bonita” passava
então a ser uma obrigação e estava ao alcance da mulher (utilizando os cremes, maquiagem,
etc.). Simultaneamente, eram destacadas as sensações despertadas pelo uso do produto. Ao
“ser bonita” associava-se também o “ser sedutora”, e os produtos anunciados podiam
contribuir decisivamente para alcançar esse objetivo.
Nos anos 1970, os textos eram construídos com frases curtas, mas que almejavam
grande impacto, explorando os campos simbólico e afetivo, em alguns casos com conotação
sexual. As fotos desempenharam e continuam a desempenhar contribuição relevante nesse
sentido. Coube à fotografia o papel de, pela força da imagem, transmitir emoções e sensações
que, associadas à marca, contribuem para sua escolha no processo de decisão de compra.
Merecem destaque as fotos de celebridades, das quais se espera que, por si sós, digam tudo no
que diz respeito à mensagem pretendida. Atualmente, a fotografia ocupa mais espaço que o
texto em muitas propagandas, não só do setor de cosméticos. Aspecto relevante em termos de
comunicação, a partir desse período a marca ganha destaque acompanhada de slogans e frases
de efeito, de maneira a que seja associada a “emoções”.
Em algumas das propagandas pesquisadas, aspectos sexuais antes tidos como um tabu
pela publicidade passaram a integrar de forma orgânica o conteúdo da mensagem. A esse
respeito, vale observar que a tendência não era restrita à propaganda no Brasil. Em estudo
sobre a linguagem utilizada em propagandas de cosméticos, Dalton et al (1994) ressaltam que
no período 1970 a 1990 talvez se tenha consolidado uma tendência que vinha desde a década
1930-1940, a inserção de forma mais aberta da sexualidade em propagandas. Nas
características competitivas, o destaque na comunicação voltava-se para as novas relações
estabelecidas entre o produto e a consumidora, e entre o anúncio e o público-alvo. Tais
relações são marcadas por proximidade e afetividade, posicionando o produto para além de
sua funcionalidade lógica, e tornando a propaganda um meio de transmissão de sensações,
valores e simbologias.
Nos anos 1980, os textos continuaram curtos. A presença marcante de fotografia
reduzia a necessidade de texto na transmissão da mensagem, que visava reforçar as relações
pessoais e profissionais, que transformam o modo com que a mulher se relaciona com seu
corpo e com sua imagem. Nos diferenciais dos produtos eram ressaltadas as propriedades
cosméticas capazes de, comprovadamente a partir de testes, resolver problemas específicos.
Em várias mensagens o sentido era implícito e os benefícios subentendidos, como: “O
perfume X deixa os homens mais leves que o ar”. No caso dos produtos "verdes", que então
começavam a se firmar como “categoria”, o realce era para a origem dos componentes, as
propriedades naturais produto e suas vantagens para a consumidora e para o ambiente.
Nas mensagens das propagandas dos anos 1990, os textos geralmente eram curtos
associados à fotografia para expressar as novas representações da figura feminina. A
argumentação quanto ao produto era muitas vezes substituída pela argumentação "direta" com
a consumidora. Exemplificando: “Você desconfia que já cresceu quando começa a achar os
meninos de sua idade mais crianças que você. E tem certeza disso quando usa o novo
delineador X, e aqueles que já não são tão meninos assim passam a enxergar você com outros
olhos”. São valorizadas as características diferenciadoras associadas ao "novo", ao
"moderno", à "vanguarda", sem abandonar os ganhos de ter tradição. Destaca-se ademais a
contribuição "referendada" por estudos e pesquisas para a aparência ideal, variada em função
da heterogeneidade que se abriga sob o segmento “público feminino”, suas
demandas/percepção de necessidades. Por exemplo: “A Vanguarda da pesquisa anti-tempo” e
“Uma textura inédita”.
No período mais recente (2000 a 2014), observa-se que a mensagem é formatada
levando em conta os diversificados segmentos de público feminino. A receptora da
mensagem, muitas vezes, é a mulher independente, que se cuida para si e não mais para criar
uma imagem para o olhar masculino. Exemplificando: “O melhor elogio é o que vem do
espelho”; “Para aqueles momentos em que você só tem de agradar a você mesma”. Valorizase a mulher real, ainda que usando modelos profissionais, que, em geral, representam padrões
de beleza idealizados e pouco acessíveis às mulheres comuns. Quanto a fatores competitivos,
são enfatizados as características tecnológicas e de inovação do produto, os resultados
“comprovados em testes”, a facilidade de compra (inclusive online) e a rapidez na entrega.
As mudanças destacadas na análise podem ser percebidas nos verbos, substantivos e
adjetivos mais comumente utilizados ao longo das décadas, como mostra o Quadro 3. Embora
o substantivo juventude seja um dos mais comuns, a ele vão sendo associados outros
substantivos, verbos e adjetivos, como inteligência e sedução; rejuvenescer, proteger;
encantadora, brilhante, sadia, ousada, moderna, vivaz, e real, entre outros.
Décadas
Verbos/ função/ contribuição do produto
1900-1929
Focam as funções objetivas do produto:
conserva, amacia a pelle; evita as rugas
precoces; promove a cicatrização, etc.
Focam as funções objetivas do produto, mas
já há referência a resultados: “Effectivamente
limpa; alveja; e amacia a pelle”
Detalham o funcionamento do produto,
enfatizando a função: penetra suavemente na
pele; remove impurezas; combate a aparente
meia-idade; rejuvenesce, perfuma.
Enfatizam as funções técnicas “testadas” dos
produtos: elimina; facilita uma limpeza
perfeita e dá brilho; ativa a circulação.
1930-1939
1940-1949
1950-1969
1970-1979
Substantivos mais
comuns
Cútis; pelle; face; belleza,
juventude.
Adjetivos mais
comuns
Bella, macia, limpa.
Cútis, pelle.
Maravilhoso; bella;
perfeita.
Cútis, pele.
Bela, jovem,
aveludada.
Pele; cútis; viço; beleza;
brilho; brancura; encanto;
juventude, sedução.
Brilhante; branca;
pura; natural; sadia;
linda; sedutora;
encantadora.
Intenso; profundo;
agradável, macia.
Enfatizam a transmissão de sensações,
Beleza; sedução; instinto;
valores e simbologias: “deixe-se levar ...”;
prazer; sensações.
“você nunca sabe quem você é, até ...”(usar o
produto).
1980-1989 Enfatizam a contribuição para o dinamismo, Mulher; homem; pele;
Moderno, natural,
a modernidade, o atual: protege; oferece
corpo; tratamento; beleza; protegido; hidratado,
segurança; mantém; hidrata; amacia; realça, inteligência; tendência;
macia, aveludada.
distingue.
dermatologista; fórmulas.
1990-1999 Realçam a contribuição que o produto pode
Mulher; homem; idade;
Confiante; bela;
oferecer como “aliado” no alcance de
aparência; juventude;
saudável; vaidosa;
objetivos: mantém; protege; hidrata; atenua; linhas de expressão;
dinâmica;
ilumina, rejuvenesce.
brilho, natureza.
independente.
2000-2014 Ressaltam as características tecnológicas e
Idade; rosto; tempo; rugas; Comprovados,
olhos; tecnologia,
ousada, brilhante,
“cientificamente” comprovadas dos
inovação, resultados;
moderna, real.
produtos: melhora; elimina, protege
elasticidade,
firmeza.
conserva; rejuvenesce.
Quadro 3- Verbos, substantivos e adjetivos mais utilizados por década, nas mensagens dos anúncios
Fonte: elaboração própria a partir dos anúncios pesquisados
5 CONCLUSÃO
A análise evidenciou que para além de alterações técnicas na forma, no tamanho e na
estética, houve mudanças significativas no conteúdo e na linguagem dos anúncios, em
consonância com as transformações no ambiente social e cultural ao longo do período. Uma
transformação importante foi a introdução das ilustrações no início do século XX,
substituídas, posteriormente pela fotografia. O papel da fotografia no anúncio evoluiu de
“ilustração” do texto para o componente principal na transmissão do conteúdo (com mais foco
nas emoções), notadamente a partir dos anos 1980. Outro aspecto importante foi o aumento da
utilização de modelos profissionais e de “celebridades” de várias áreas para transmitir a
mensagem, o que caminha ao encontro da necessidade de maior ênfase nas emoções.
Quanto ao texto das mensagens, inicialmente eram extensos, impessoais e “técnicos”.
De caráter informativo e argumentativo, referiam-se primordialmente ao produto, detalhando
suas propriedades, funções, e os resultados esperados com o uso. Como fator de
competitividade, denotando a seriedade do ofertante, o preço do produto era explicitado nos
anúncios. Atualmente, apesar de muitas empresas continuarem a utilizar o preço como
atrativo, a concorrência não ocorre predominantemente em preço, mas em várias formas de
diferenciação, destacadas nos anúncios publicitários.
No período mais recente, a ênfase tem sido em aspectos emocionais, afetivos, sem
abandonar o propósito de sugerir e estimular comportamentos de compra que privilegiem os
produtos objeto da comunicação. Associado aos aspectos afetivos, há forte apelo aos anseios
da mulher “real”, com múltiplas atividades e desafios, muito bem informada e com renda
própria. Coerentemente, como fatores de diferenciação são realçadas as características
tecnológicas e de inovação do produto, como indicador de maior eficácia. Igualmente
coerente é a ênfase que vem sendo atribuída ao público feminino na maturidade, segmento
com importância crescente para o setor de cosméticos, e, portanto, no conjunto do composto
de comunicação e nos anúncios publicitários. Porém, embora o foco se desloque do produto
para o cliente, que afinal é quem decide a compra, nos anúncios nota-se que as consumidoras
ainda são consideradas alvo passivo; o espaço para interação, quando existe, é mínimo.
No meio de comunicação pesquisado, as revistas, o esquema unidirecional
emissor/receptor dos meios de comunicação de massa ainda não se alterou significativamente,
possivelmente pelas limitações do próprio suporte. Entretanto, apesar de as inovações ainda
não serem tão perceptíveis na mídia impressa, e de ainda haver uma distância significativa
relativamente às propostas dos autores destacados no referencial teórico, não há como negar
avanços. Houve evidentes mudanças na forma e no discurso dos anúncios publicitários, assim
como houve mudanças no objetivo que se busca com o “ser bela” (sentir-se bem, encantar,
seduzir, liderar). Todas essas mudanças constituem passos no caminho da transição de uma
publicidade informativa e racional para uma publicidade mais inventiva e interativa. Os
recursos das mídias digitais contribuem nesse sentido, uma vez que as revistas estão cada vez
mais disponíveis em vários ambientes via diversos aplicativos.
CHANGE IN CONSUMER BEHAVIOUR AND DEVELOPMENTS ON
COSMETICS ADVERTISEMENTS IN MAGAZINES IN BRAZIL:
1900-2014
ABSTRACT
Nowadays, consumer behavior is changing visibly, due to a set of social, cultural, economic
and technological changes, especially the progress of information and communication
technologies (ICT). These changes are most noticeable to women because of the new social
roles they play, mainly their growing participation in the labor market. In this scenario,
companies need to adjust their strategies in order to improve the communication with this
"new consumer". Considering the role of women in the current consumption environment,
their increasing expectations and the share of cosmetics on their monthly basic buy, this study
focuses on the analysis of cosmetics advertisements published in magazines between 1900
and 2014 in Brazil. The purpose is to determine whether there have been changes in
advertisements over that period, following the changes in consumer behavior. From the media
considered, there have been noticeable changes in language, content and aesthetics. However,
the traditional transmitter/receiver model hasn’t changed significantly. It suggests a gap from
the approach of the authors considered in the theoretical framework, especially with regard to
the convergence of media and interactivity offered by digital media, to the actions regarding
communication with consumers by means of advertisements in magazines.
Keywords: Consumer behavior. Advertisements . Convergence culture. Cosmetics.
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