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Revista de Educação
Vol. 13, Nº. 16, Ano 2010
Adriana de Andrade Espíndola
Faculdade Anhangeura de Valinhos
[email protected]
GESTÃO ASSOCIADA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
E A FLEXIBILIZAÇÃO DO PACTO FEDERATIVO
RESUMO
O presente artigo tem por tema o instituto da gestão associada para
prestação dos serviços públicos sociais, previsto no artigo 241 da
Constituição Federal de 1988 e regulado pela lei federal 11.10/05. O
foco central é a discussão sobre a formação deste novo sistema
associativo para a prestação dos serviços públicos, com recorte no setor
da educação. Através de um estudo comparativo entre as constituições
brasileiras é possível observar que o instituto remota no tempo,
contudo, com Constituição de 1988 e, principalmente, com advento das
reformas administrativas introduzidas e intensificadas a partir da
década de 90, o instituto dos consórcios públicos e convênios de
cooperação têm se ploriferado e demandado grande inovação no
ordenamento jurídico brasileiro, além de fomentar, paradoxalmente,
disputas e cooperação interfederativa. O cenário ainda aponta que
outras diretrizes políticas pretendem, através da gestão associada e da
flexibilização do pacto federativo, concentrar no governo federal o
controle das políticas para educação, descentralizando para os entes
subnacionais tão somente a responsabilidade pela execução da
prestação dos serviços públicos educacionais.
Palavras-Chave: gestão associada; consórcios públicos; pacto federativo;
educação.
ABSTRACT
Anhanguera Educacional Ltda.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 4266
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
[email protected]
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
This article has management associated for the provision of public
social services as theme, which is under article 241 of Brazilian federal
constitution of 1988 and regulated by Brazilian federal law 11.10/2005.
The central focus is the discussion of the formation of this new
associated system to provide public services provision, emphasizing
education area. Through a comparative study of Brazilians
constitutions is possible verify that the institute is very old, however,
after 1988 Brazilian constitution and, mainly, after the administrative
reform, introduced and intensified after 90’s, the institute of public
consortia and covenants of cooperation have spread what cause
demand of innovation in Brazilian’s law, besides that it stimulates,
paradoxically, disputes and cooperation inter federative. The scenario
points to the other policy guidelines which intends, through the
associated management and relaxation of the federative pact,
concentrate in the federal government the control of education policies
for education, decentralizing to the sub national entities solely the
responsibility for providing public services in education.
Keywords: associated management; consortia; federative pact; education.
Informe Técnico
Recebido em: 19/09/2011
Avaliado em: 07/10/2011
Publicação: 2 de março de 2012
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
1.
INTRODUÇÃO
Desde o advento do último pacto federativo, instituído na Constituição Federal de 1988, o
Brasil vem redesenhando diferentes contornos interfederativos no campo gerencial. Em
2005 aperfeiçoou-se o sistema de cooperação administrativa associativo: a gestão
associada de serviços públicos, através dos convênios de cooperação e dos consórcios
administrativos1, já prevista, constitucionalmente, desde 1998. Estudos têm demonstrado
que há uma evolução do instituto com vistas a tornar-se uma mudança de paradigma2 na
gestão dos serviços sociais. Tem-se verificado que o formato de gestão da prestação dos
serviços públicos, em especial, da educação, tem caminhado na direção das diretrizes de
modelo neoliberal aplicado à Administração Pública desde as reformas iniciadas na
década de 90. O instituto demandou e ainda desponta demandar grande inovação
política, técnica e legislativa, podendo inclusive impulsionar uma “flexibilização” do atual
modelo federativo do Estado brasileiro. Por certo que, a sedimentação destas novas
formas de descentralização dos serviços públicos parece ser decisiva para definir o
planejamento e o papel dos entes públicos e privados envolvidos no setor.
2.
PACTO FEDERATIVO REPUBLICANO – MECANISMOS DE CENTRALIZAÇÃO E
DESCENTRALIZAÇÃO
Existe um processo histórico permeado de peculiaridades intrínsecas ao contexto político
brasileiro que precede à discussão sobre as novas formas de gestão dos serviços públicos.
Estas novas formas de gestão são resultado produzido pelas as sucessivas tendências e
mudanças sofridas pela organização político-administrativa brasileira. No desenrolar
deste novelo, observa-se que os modelos de Estado e suas formas de interação com a
sociedade assumiram lógicas políticas, econômicas e ideológicas diversas, o que se denota
por um breve estudo comparativo entre as constituições brasileiras.
1 A gestão associada de serviços públicos é o modelo gerencial associativo que a Administração Pública tem se utilizado
para a consecução da prestação dos serviços públicos sociais. Os consórcios administrativos são parcerias formadas por dois
ou mais entes federativos para a realização de objetivos de interesse comum. São instrumentos de gestão que permitem a
cooperação horizontal (Município - Município) ou vertical (União, Estado e Município), entre as diferentes esferas de
governo. A natureza jurídica dos consórcios é contratual (as partes envolvidas assumem obrigações recíprocas e constituem
um ente com personalidade jurídica própria que atuará em nome das partes perante terceiros). Podem ter personalidade de
direito público (possuem status de autarquia) ou de direito privado (associação).
Os convênios de cooperação diferem dos consórcios quanto às pessoas que os firmam, são “acordos firmados por entidades
públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum
dos partícipes” (MEIRELLES, 1977, p.481), mas não possuem natureza jurídica contratual, portanto, podem ser denunciados
a qualquer tempo, não havendo penalidade pela inadimplência.
2 Literalmente significa modelo, representação de um padrão a ser seguido. No meio científico foi definida pelo físico norteamericano, Thomas Kuhn, na obra “A estrutura das Revoluções Científicas”. Em linhas gerais, define paradigma como
realizações científicas que geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito,
orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas, exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas
suscitados. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Paradigma>.
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Na 1ª República, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1891,
muda-se a forma do Estado brasileiro, oportunidade em que passa a aderir à forma
federativa3 inspirada no modelo norte-americano, que transformou as antigas províncias
brasileiras em estados-membros. Naquele momento, a política nacional rompeu com o
modelo extremamente centralizador do Estado monárquico anterior, passando a adotar
uma política eminentemente descentralizadora, em virtude da fragilidade fiscal e política
da União, recém instituída.
Como observa Silva (2001), o governo federal não era capaz de se sustentar sem
se escorar nos poderes estaduais. A força do Estado vinha do poder das oligarquias
estaduais e o vetor era no sentido da transferência do poder estadual para o poder central
(União). Este modelo se deu ao longo das décadas seguintes. Na constituição de 1891, já se
previa a gestão associada, precisamente pela figura dos consórcios públicos, ela era
praticada entre os governos municipais e estaduais. Em sua gênese, os consórcios
administrativos tinham a natureza jurídica de contratos que, se celebrados entre
municípios, precisavam da aprovação do estado e, se celebrados entre estados,
precisavam da aprovação da União.
Este modelo político descentralizador se modificou após a Revolução de 1930.
Quanto ao pacto federativo, a situação se manteve intacta na 2ª. Constituição Federal
brasileira, a de 1934, que reiterou o princípio federalista no seu artigo 1º, declarando como
entes federativos dos Estados Unidos do Brasil a União, os Estados-Membros e os
Territórios, nos mesmos moldes da carta constitucional anterior, contudo, ampliou os
poderes da União e discriminou com mais severidade as rendas tributárias entre a União,
os Estados e os Municípios. Em decorrência do momento histórico, esta carta recebeu
grande influência da Constituição Mexicana e da Constituição Alemã de Weimar, que
incorporaram aos direitos e garantias fundamentais os direitos sociais (COMPARATO,
2007). Essas inovações foram efetivadas com o intuito de conciliar o modelo liberal de
Estado (que comportava apenas os direitos civis), com um modelo mais intervencionista
de Estado (previsão dos direitos sociais e a intervenção na economia) através da previsão
constitucional de diversos direitos sociais e econômicos. Quanto ao regime jurídico dos
consórcios públicos, não houve alteração neste período.
A partir de 1937, no Governo Vargas aumentou significativamente o poder da
União, que vigorou centralizado por todo o período do Estado Novo (1937-1945). No jogo
3 O Estado pode ser constituído de forma unitária ou federativa. Se federativa, dá-se o nome de Federação ou Estado
Federal, neste caso o Estado é composto por diversas entidades territoriais autônomas dotadas de governo próprio,
geralmente conhecidos como províncias ou estados-menbros. A regra geral é pelos estados federados que se unem para
constituir a federação, um Estado federal.
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
de forças políticas, o governo de Vargas realizou uma pactuação política que enfraqueceu
as bases de poder da República Velha. Com o fortalecimento do poder central, a
Constituição de 1937 manteve o federalismo nos mesmos moldes, em seu artigo 3º,
reafirmou os entes como federativos dos Estados Unidos do Brasil a União, os EstadosMembros e os Territórios. Quanto à evolução do instituto da gestão pública associada, em
1937, a Constituição Federal brasileira inovou, fazendo previsão expressa dos consórcios
intermunicipais como pessoas jurídicas de direito público. Contudo, apesar da evolução
do instituto, como a Constituição de 1937 vigorou durante um governo de política
altamente centralizadora, o seu reconhecimento foi apenas formal. A Carta de 1937,
quanto à correspondência com a realidade, em diversos aspectos, foi uma constituição
semântica, não teve uma aplicação regular, efetiva. Muitos de seus dispositivos
permaneceram como letra morta (SILVA, 2001).
Entre os anos 1946 e 1964, ocorreu uma abertura política com uma tentativa de
federalização semelhante à que ocorreria posteriormente, em 1988. A Constituição de 1946
inovou como o modelo de federalismo, embora mantivesse inalterado o pacto federativo,
ampliou as relações entre as três esferas de governo. Estabeleceu-se um fortalecimento das
finanças municipais e a descentralização fiscal pela distribuição das receitas públicas,
possibilitando que os municípios prestassem melhores serviços à comunidade, com mais
autonomia e menos sujeitos às forças oligárquicas e eleitoreiras. A Constituição de 1946
também contemplou direitos sociais ao cidadão e instituiu a previsão de repasse de
verbas. Contudo, o Brasil crescia, urbanizava-se e a população aumenta substancialmente,
exigindo mais serviços públicos municipais e, nem tudo eram “flores”. Mesmo com o
repasse, instaurou-se uma disputa pelas receitas públicas. Reiteradamente, os Estados não
só não cumpriam integralmente os devidos repasses sobre a receita dos impostos aos
municípios, como insistiam em invadir a esfera municipal, ambicionando e questionando
os tributos municipais. Apesar dos jogos políticos e das disputas fiscais, com o resgate das
liberdades democráticas e das autonomias federativas dos entes locais, em 1960 iniciou-se
novas tentativas de cooperação interfederativa, na busca pelo desenvolvimento e, em
1961, foi criado o BRDE – Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, uma
autarquia interfederativa formada pelos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul.
Não obstante, em 1964, com o Golpe Militar, novamente o Brasil sofre processo
de centralização. As relações intergovernamentais se tornaram muito mais próximas
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daquelas que caracterizam um Estado unitário4, do que as de uma federação. Os chefes de
governo estaduais e municipais foram destituídos de suas bases de autonomia política, e
os que se seguiram detinham escassa autonomia política e fiscal, pela centralização
financeira instituída pela reforma fiscal, que destinou os principais tributos à União.
O Estado burocrático-autoritário estabelecido no período militar (1964-1985) centralizou
novamente as decisões de política fiscal e tributária, ativando um sistema de
transferências intergovernamentais para Estados e municípios, mediante fundos
específicos, condicionados ao exercício de determinadas funções (OLIVEIRA apud DIAS,
2006).
Tanto a Constituição de 1967, quanto a Emenda Constitucional de 1969
mantiveram como entes federativos a União, os Estados-Membros e os Territórios, nos
exatos termos da Constituição de 1946. Já em relação aos modelos de gestão associada, a
carta de 1967 permitiu o associativismo intermunicipal pelas Câmaras Municipais, mas os
consórcios públicos perderam sua força e passaram a ser considerados meros pactos de
colaboração, sem estímulo por parte do governo central, deixando de ser reconhecida a
personalidade jurídica destes institutos. Na Emenda Constitucional de 1969 foi abolida
previsão da Carta de 1967 que se referia aos consórcios, prevendo apenas a existência de
convênios entre diferentes esferas de governo, ou seja, nenhuma manifestação de
autonomia regional ou local seria permitida. Ainda assim, foi um período de estruturação
dos serviços sociais na política nacional.
Foi um Estado 60 e 70, altamente centralizado, dotado destas características que
consolidou o Sistema Brasileiro de Proteção Social, até então um conjunto disperso,
fragmentado, com reduzidos índices de cobertura e fragilmente financiado de iniciativas
governamentais na área social. Esta forma de Estado moldou uma das principais
características institucionais do Sistema brasileiro: sua centralização financeira e
administrativa (ARRETCHE, 1999).
Apesar de no período do governo militar ter-se estruturado o sistema brasileiro
de proteção social, foi ainda durante este regime, já ao final da década de 70,
concomitante a crise global do petróleo no oriente médio, que se iniciou a inversão do
papel do Estado provedor, modelo este que passa a ser considerado ultrapassado, um
obstáculo ao desenvolvimento econômico de um país. A mudança do papel do Estado
passou a ser a questão central do movimento mundial de reformas do Estado capitalista.
Iniciou-se uma redefinição deste papel, que, para a área social, se expressava
fundamentalmente pela retração da prestação dos serviços sociais.
4 Darcy Azambuja disserta com clareza sobre o assunto: O tipo puro do Estado Simples é aquele em que somente existe um
Poder Legislativo, um Poder Executivo e um Poder Judiciário, todos centrais, com sede na Capital. Todas as autoridades
executivas ou judiciárias que existem no território são delegações do Poder Central, tiram dele sua força; é ele que as nomeia
e lhes fixa as atribuições. O Poder Legislativo de um Estado Simples é único, nenhum outro órgão existindo com atribuições
de
fazer
leis
nesta
ou
naquela
parte
do
território.
Disponível
em:
<http://www.fortium.com.br/blog/material/ESTADO.UNITARIO.E.ESTADO.FEDERATIVO.doc>. Acesso em: 12 ago.
2009.
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
Com o fim da ditadura militar, além do movimento de redemocratização do país,
emergiram também, nos idos dos anos 80, modelos de organização estatal de contorno
econômico neoliberal, que pregavam um Estado mínimo e a construção de um
federalismo mais equilibrado, com descentralização de receitas e afirmação das
autonomias
administrativas
e
financeiras
das
entidades
subnacionais.
Havia
entendimento de que era necessário um modelo federativo que desse reconhecimento a
uma igualdade formal entre os entes federados buscando-se uma isonomia material entre
eles, e a busca da redução das desigualdades regionais através de um plano de
federalismo fiscal, ou seja, determinando que certas regiões fossem favorecidas por
políticas fiscais, para a promoção do desenvolvimento nacional, juntamente com uma
descentralização dos serviços públicos.
3.
NOVO PACTO FEDERATIVO – CONSTITUIÇÃO DE 1988
Todos esses anseios eclodiram na Constituição Federal de 1988, que dentre várias outras
vertentes, resgatou a política municipalista da Constituição de 1946 e alterou
significativamente o pacto federativo, adotando um novo formato. A Constituição de
1988, apesar de em seu artigo 1° incluir na redação os Municípios e de, em seu artigo 18,
dispor também sobre a autonomia destes, em verdade, o texto não eleva o Município à
condição de ente federativo. O texto fala em organização político-administrativa e é
exatamente o que o município é: entidade político-administrativa, contudo, o
entendimento do artigo suscita diversas interpretações. De qualquer forma, existe uma
interpretação maciça de que a Constituição de 1988 conferiu um modelo de federalismo
absolutamente inovador e díspar5, não só das cartas anteriores, mas de qualquer outra
federação existente. Em seus artigos 1º e 18, ela excluiu da categoria de entes federativos
os Territórios, agora integrantes da União, e, embora, o texto não seja claro neste sentido,
para os municipalistas, elevou os Municípios à condição de ente federativo, mesmo sem
condição técnica de o sê-lo. Os municipalistas defendem esta ideia fundamentalmente
porque a entendem como uma forma de resguardar a autonomia dos municípios contra
eventuais governos ditatoriais. Mas para, para os adeptos das reformas neoliberais, seria
uma forma de legitimar e descentralizar as responsabilidades pelos serviços sociais.
[...] não conhecemos uma única forma de união federativa contemporânea onde o
princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e
jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do
novo modelo implantado no País com a Carta de 1988 (BONAVIDES, 2004).
5 Modelo capenga e único no mundo. Uma regra que é “bi”, excepcionalmente transformada em “tri”. Para maiores
esclarecimentos remetemos à leitura o constitucionalista José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. São
Paulo:Malheiros.
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A Assembleia Nacional Constituinte de 1988 também transcorreu sob pressão
dos Estados mais desenvolvidos, que pregavam a necessidade de descentralização
tributária, o que lhes possibilitaria auferir maior receita. Não obtiveram êxito, já que as
referidas estruturas desequilibradas de representação política, presentes no momento
constituinte, trataram de aprovar uma descentralização que teve por base a ampliação das
transferências fiscais já existentes. O objetivo principal foi, então, a correção de distorções
oriundas da concentração de recursos nos estados mais ricos da Federação. A constituição
cidadã também modificou o sistema brasileiro de proteção social, tornando-o inteiramente
diverso daquele que foi consolidado durante o regime militar. A retomada da democracia
pelas eleições diretas, assim como a descentralização fiscal e a pseudo-definição dos
municípios como entes federativos autônomos na Constituição de 1988 modificaram a
natureza das relações intergovernamentais, que impactaram sobre o processo de
redefinição de competências na área social. Em seu artigo 23, inciso II, a Constituição de
1988 estabeleceu um sistema de competências exclusivas, privativas, comuns e
concorrentes para as três esferas políticas. Além dos artigos 18 e 23, temos as previsões
constitucionais de que tratam os artigos 29 e 34, inciso VII, e alínea “c”, da Constituição de
1988, dispondo sobre a tríplice competência dos entes e da autonomia dos municípios.
Contudo, no campo da efetivação dos comandos constitucionais, as redefinições
das competências e das atribuições da gestão das políticas sociais têm sido realizadas sob
as bases institucionais das conformações deste novo modelo de Estado federativo,
definidas pelo modo como os governos locais efetivamente podem assumir suas funções
de gestão das políticas públicas. Distintamente do que ocorria no período do regime
militar, a responsabilidade pública pela gestão de políticas sociais passou a ser neste
período um dos elementos de barganha federativa. Definiu-se a transferência, paulatina,
das responsabilidades sociais. A partir desta nova ordem, os entes subnacionais,
especialmente os municípios começaram a conviver com a responsabilidade de assumir o
contexto social, antes vinculada à esfera central de governo. Passavam-se gradativamente
as atribuições dos organismos federais para órgãos de gestão e execução em nível local ou
municipal. Este novo modelo propiciou aos Estados e municípios não só um aumento de
suas receitas, mas também de grandes despesas, o que ocasionou a expansão de gastos de
maneira desordenada, além de promover a “guerra fiscal6“ e desestimular a cooperação
entre os entes.
Observa-se entre o período pré-constituinte e a ascensão de Fernando Henrique Cardoso
ao poder (1985 – 1995) uma conjuntura de crise do estado nacional, com aumento do
poder dos governadores e instituição de uma ordem constitucional favorável aos
Estados. Apresentou-se, no período a emergência de uma ordem federativa dita
6
Disputa entre os entes federativos para atrair receitas através de atrativos fiscais.
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
“estadualista”, com o estabelecimento de padrões não cooperativos, predatórios, de
relacionamentos dos Estados com a União e deles entre si (DIAS, 2007).
O novo modelo federativo possibilitou, na medida em que disciplinou
competências normativas, administrativas e fiscais, uma maior autonomia aos municípios,
contudo, a abstração e fictícia elevação a esta condição, por si só, não resolveu os
desequilíbrios federativos. Não é porque a carta constitucional confere atribuição e
autonomia administrativa, política e fiscal, que ela iguala o município aos entes
federativos, afinal, o Poder Constituinte derivado7, da Constituição de 1988, não concedeu
ao município assento no Congresso Nacional, poder judiciário ou a uma constituição,
dentre outras prerrogativas inerentes aos entes federados8.
A forma como o federalismo fiscal foi definido na Constituição de 1988, de
acordo com os termos mais gerais do pacto federativo, dos princípios tradicionais de
finanças públicas e dos objetivos a serem alcançados pela sociedade brasileira, definiu sua
estrutura tributária, que permaneceu tripartida, divida em impostos, de natureza nãovinculada, e taxas e contribuições de melhoria, de caráter vinculado. A novidade foi o
estabelecimento de um sistema misto de transferências intergovernamentais, combinando
transferências horizontais e verticais, que podem ser definidas em função da arrecadação
dos impostos, da população, da área do ente federativo, ou pela renda gerada.
Constituição também outorgou competência exclusiva à União para a instituição das
contribuições sociais (AMARO, 2003). Por outro lado, os municípios, na área da educação
foram contemplados com mais recursos (a parcela do Imposto de Renda e do IPI no FPM
cresceu de 18% para 22,5% e o percentual do ICMS estadual transferido para os
municípios subiu de 20% para 25%), além da autonomia normativa, pela possibilidade de
instituírem sistemas próprios de ensino, e não somente redes de escolas municipais.
Essas medidas tinham por objetivo resguardar um mínimo de receita a todas as
esferas federativas para o exercício de suas atribuições. Descentralizou-se os recursos e
houve aumento da participação de Estados e Municípios na receita total, o que
7 Diferentemento do poder originário, que cria um novo ordenamento constitucional, o poder derivado é apenas
reformador, o que que abrange apenas as prerrogativas de modificar, implementar ou retirar dispositivos da Constituição.
Saulo Ramos brilhantemente esclarece porque o poder constituinte da Constituição é derivado e não originário. Remetemos
à leitura: Saulo Ramos, Código da Vida. São Paulo: Ed. Planta do Brasil.
8 Importa pontuar que a doutrina jurídica ainda discute se o município tem natureza de ente federativo. Para José Afonso da
Silva, árduo defensor de que o município não se enquadra na Federação, município é componente da federação, mas não
entidade federativa. Não existe federação de municípios, existe apenas Federação de Estados. “Foi um equívoco do
constituinte incluir os Municípios como componente da federação. Município é divisão política do Estado-membro. [...] o
Município é um componente da federação, mas não entidade federativa” (SILVA, 2001, p.105). Independentemente da
essencial natureza jurídica dos municípios, é fato que se tem uma federação com três esferas governamentais, e isto é
diferente de transformar municípios, que são divisão político-administrativa, em entes federativos. Municípios não possuem
representação no Senado Federal, Poder Judiciário Próprio, ou território (uma vez que integram os Estados), portanto, em
essência, não se caracterizam como entes federativos. Também, quanto a auto-organização política municipal, estas esferas
terão que se organizar através da edição de sua Lei Orgânica, chamando-se atenção de que não se trata de Constituição, mas
tão somente de uma Lei.
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teoricamente fortaleceu a idéia federativa. Entretanto, apesar de se conceder alto grau de
autonomia tributária e política aos entes estaduais e locais, a medida não tinha o condão
de eliminar os contrastes e desequilíbrios reais, como a dependência política e econômica,
que refletia na incapacidade dos governos subnacionais em definir e implementar sua
agenda política. Observou-se então que, dentro deste modelo descentralizado, a
consecução das políticas públicas, seja de ordem econômica ou social, para se atingir as
diretrizes dispostas pela Constituição dirigente9, exigiriam a busca de alternativas, como,
por exemplo, a cooperação interfederativa e a construção, de fato, de autonomias política,
administrativa e financeira por parte dos diversos entes, e não só formalmente, por força
dos ditames constitucionais
4.
CRISE INTERFEDERATIVA E REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO
Importante observar em que contexto global e histórico estava inserido o constituinte de
1988 e os anos que se seguiram. O novo arranjo federativo desde a promulgação da
Constituição de 1988 foi orientado por uma agenda de conteúdo neoliberal. Entretanto,
concomitante à crise interfederativa, às reformas neoliberais implementadas, se insurgiam
severas críticas, em especial, às proposições liberais introduzidas na década de 1980, como
os ajustes fiscais de primeira geração e as diretrizes propagadas pelos organismos
internacionais multilaterais (SOARES, 2000). Esse embate resultou na reivindicação por
uma agenda de discussões sobre as novas configurações econômicas geopolíticas e suas
repercussões nos países periféricos. Uma das questões mais criticadas foi a fixação das
diretrizes expressas nas condicionalidades vinculadas às operações de crédito externo,
dentre elas, as dos ajustes fiscais que reduziam os recursos para os programas sociais as
políticas públicas mais voltadas aos programas sociais eminentemente compensatórios.
Na segunda metade dos anos 90 ocorreu um movimento de enfraquecimento do
pacto federativo e conseqüente reforço do poder central, motivado diretamente pelo
impacto do Plano Real10 e das reformas promovidas pelo governo federal. Iniciou-se um
movimento (re)centralizador, com o governo federal recuperando poder e valendo-se
novamente das estratégias de ajustes, para aumentar sua receita exclusiva e repartir o
ônus na consecução dos serviços sociais.
9 A Constituição dirigente é aquela que dispõem orientações para a atuação futura dos órgãos do Estado, para que estes
estabeleçam programas de atuação futura para os órgãos estatais. É característica de uma Constituição dirigente apresentar
em seu corpo normas de conteúdo programático, ou seja, normas que não se dirigem ao indivíduo, mas aos órgãos estatais,
exigindo destes um dever de agir em prol do desenvolvimento do Estado.
10
Programa brasileiro de estabilização econômica, iniciado em 1994.
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
Após a edição do Plano Real e por todo o período FHC, viu-se, contrariamente, o
fortalecimento do governo federal, motivado pela crise das finanças públicas estaduais
geradas por altos níveis de endividamento que se tornaram insustentáveis em vista da
política econômica do Plano real. A crise financeira dos Estados os obrigou a renegociar
suas dívidas com a União, em troca de ajuda para resolver seus problemas mais
imediatos, como o pagamento dos servidores ou de suas dívidas junto ao mercado.
Fruto dessa negociação das dívidas estaduais, viu-se a fragilização do pacto federativo,
com o decréscimo da autonomia dos Estados, que se viram reduzidos, de fato, à
condição de meras instâncias administrativas, despidas de poder político e capacidade
de intervenção financeira (DIAS, 2007, grifo nosso).
O governo federal passou a adotar uma política de centralização do controle das
políticas públicas e de aumento na vinculação das receitas, num jogo, inclusive, de
restrições à autonomia dos entes regionais e locais, por meio de mudança na legislação e
nas negociações nos acordos das dívidas dos Estados e Municípios. O resultado deste
processo foi que mesmo com o aumento da receita fiscal, governo federal concentrou
receitas, não realizando uma repartição equânime com os Estados e Municípios,
fragilizando suas finanças, acarretando um maior endividamento destes.
[...] as medidas recentralizadoras executadas após 1995 não foram suficientes para
romper com a lógica predatória do federalismo brasileiro, eis que permanece em um
canto o governo federal e suas burocracias, lutando para manter o controle político e
financeiro sobre o setor público e seus serviços, transferindo apenas responsabilidades
para Estados e Municípios, e noutro canto, governadores e prefeitos procurando extrair
da União mais recursos tributários, desvinculados de qualquer responsabilidade de
gastos em áreas sociais pré-determinadas (DIAS, 2007, grifo nosso).
No contexto de todas essas disputas foi amadurecendo o modelo de gestão
associada para execução dos serviços públicos sociais, um novo modelo gerencial para a
administração pública, inspirado na administração das empresas privadas e que se
contrapunha à forma administrativa vinculada ao estrito regime jurídico de direito
público (mais burocrática), além de também mudar os contornos de Estado provedor de
“Bem Estar Social” (CORAGGIO, 2000), para um Estado mínimo e “eficiente”. Inicia-se a
reforma administrativa do Estado, tendo como pressupostos e fundamentos o ajuste fiscal
pela redução dos custos sociais e o aumento na arrecadação, intensificação da fiscalização,
formulação de novas políticas públicas, parcerias com setores e serviços da sociedade
civil, cooperação interfederativa, entre outros institutos, todos de cunho neoliberal.
A partir de 1994, a abertura econômica ocorre de forma mais sistemática.
Instaurava-se o ideário de que o atraso e as profundas desigualdades, assim como a falta
de investimentos no país decorriam de um modelo ultrapassado de Estado. Dessa forma,
tornava-se imperativo desmontar o antigo modelo de Estado para que as forças
estruturais da globalização pudessem atuar no Brasil e, consequentemente, trazer os
novos padrões de desenvolvimento. Em 1995, no Governo de Fernando Henrique
Cardoso, tendo como Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz
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Carlos Bresser Pereira, é definido o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado11. As
diretrizes se pautavam pela reformas gerenciais que vinham sendo implementadas na
Inglaterra, desde a década anterior, e que tinham grande influência de organismos e
bancos internacionais (FONSECA, 1998)12. As reformas foram paulatinamente sendo
inseridas no contexto da administração do Estado brasileiro. Dentre as medidas adotadas
destaca-se: “a descentralização dos serviços sociais para Estados e Municípios e para a
sociedade civil.” (BRESSER PEREIRA, 1999).
Neste cenário de descentralização dos serviços públicos, a reforma das políticas
para a educação seguiu o mesmo entendimento. Neste o setor, em 1996, foi editada a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (LDB), definindo que o Município ficaria
incumbido de oferecer a educação infantil e com prioridade o ensino fundamental; os
Estados ficariam responsáveis pelo o ensino fundamental, oferecendo com prioridade o
ensino médio, sendo ainda incumbidos de definir, com os municípios, formas de
colaboração na oferta do ensino fundamental, garantindo a distribuição proporcional das
responsabilidades. Caberia à União, a rede de ensino superior e a presença em outros
níveis e modalidades de ensino (art. 9º, inciso II), cabendo exercer a função técnica de
apoio e financiamento e de articuladora da organização da educação nacional.
Outra importante estratégia financeira utilizada no período foi a vinculação de
receitas a objetivos e setores pré-determinados. No caso do setor educação havia no texto
constitucional original a previsão de um mínimo de recursos destinados ao setor, e na
década de 90 foi aprovada vinculação de recursos para a educação fundamental13. De
acordo com Oliveira apud Dias (2007), o FUNDEF e o SUS foram importantes
instrumentos para a efetivação da descentralização de políticas públicas, por forçarem sua
ampliação e fixarem recursos para o financiamento de áreas sociais vitais, além de
favorecem a cooperação interfederativa.
Neste período, o movimento do governo federal era no sentido de centralizar o
poder pela concentração das receitas, pelas reformas e pela titularidade sobre as diretrizes
das políticas públicas e de buscar descentralizar os serviços sociais sob a concepção de
uma reforma neoliberal. Contudo, é visível a contradição das medidas. O Estado
brasileiro é estruturalmente um país caracterizado pelo desequilíbrio regional, além de ter
a grande maioria de municípios fracos, com pequeno porte populacional, pouca
11
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI.HTM>.
12
Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento entre outros.
13 A criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), em 1996, foi
pioneira no sentido de se criar um mecanismo de vinculação de recursos.
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
capacidade econômica, dependentes de transferências fiscais. É obvio, e ululante que, com
o aumento da transferência das responsabilidades para entes regionais e locais, sem que
estes tivessem reais condições de exercê-las, tornou imperativa a busca por mecanismos
alternativos que pudessem solucionar a questão. Já prevendo essas dificuldades, “o pai da
criança” tinha algumas opções, como por exemplo, transferir parte dos encargos à
sociedade civil (BRESSER-PEREIRA, 1999) através de convênios, ou através da cooperação
interfederativa, pela gestão associação através dos consórcios administrativos e dos
convênio de cooperação.
5.
GESTÃO ASSOCIADA DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO ESTADO BRASILEIRO
O sistema de cooperação administrativa e seus atuais modelos (os consórcios públicos e
convênios de cooperação) como meio gerencial associativo, pelo qual o Estado lança mão
para consecução da prestação dos serviços públicos sociais, respeita a autonomia dos
entes federados e apresenta-se como um formato inovador e promissor para a execução
de projetos, pelo barateamento dos custos, pela maior facilidade de se atender mais direta
e adequadamente às demandas locais e regionais, uma vez que, o mecanismo, pela
cooperação entre as esferas governamentais, admite a junção entre os entes sob diversas
combinações e nas duas modalidades, podendo ser firmado entre entidades apenas do
poder público ou em parceria com a iniciativa privada, ou seja, um instituto
absolutamente versátil e útil. Assim, verificou-se um crescimento quantitativo das gestões
associadas, em especial, dos consórcios em várias áreas. Pela sua viabilidade para a
resolução de demandas sociais, este modelo começou a tomar volume e a receber recursos
diretos dos órgãos de gestão intermunicipal, o que exigiu um efetivo tratamento jurídico
aos instrumentos de cooperação federativa, e propiciou a manutenção das reformas
administrativas de descentralização dos serviços sociais. Em 1990, a legislação do SUS
estabeleceu expressamente a existência dos consórcios públicos, conforme a redação da
Lei 8.080/1990:
Art. 10. Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as
ações e os serviços de saúde que lhes correspondam.
§ 1º Aplica-se aos consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção
única, e os respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância.
§ 2º No nível municipal, o Sistema Único de Saúde (SUS), poderá organizar-se em
distritos de forma a integrar e articular recursos, técnicas e práticas voltadas para a
cobertura total das ações de saúde.
Em 1998 foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional no. 19,
inspirada nas diretrizes traçadas pelo Plano Diretor de 1995, inovou, acentuando as
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políticas de reforma e de descentralização político-administrativa do Estado brasileiro.
Também, foi por força deste instrumento que foi alterada a redação do art. 241 da
Constituição Federal, passando a prever expressamente os consórcios públicos e os
convênios de cooperação. Os consórcios, desta forma, apresentar-se-iam como
instrumento de cooperação intergovernamental, um arranjo cooperativo da federação
para superar dilemas decorrentes de assimetrias locais e regionais brasileiras. Sem
dúvida, este foi o marco histórico e institucional da gestão associada na política brasileira:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio
de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados,
autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou
parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos.
A concepção de gestão de Estado que se configurou, apresentou uma lógica e
mecanismos administrativos fortemente influenciados pela esfera gerencial privada, pelos
mecanismos de mercado (competitividade, o controle de custos, a flexibilidade na gestão
administrativa em relação à contratação e demissão de recursos humanos, apuração de
eficiência e resultados). Neste contexto, as novas figuras administrativas, consórcios
públicos e convênios de cooperação se apresentam como um ótimo formato. Pois, era
possível descentralizar os serviços públicos para os entes subnacionais, ou se poderia
delegá-los, através de convênios, à Sociedade Civil. Ambas as formas serviam para
desonerar a máquina estatal federal. A lei 11.107/05, também conhecida como lei do
consórcio público, surgiu para atender ao disposto no Art. 241 da Constituição da
República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Esta foi a “[...]
primeira lei brasileira dedicada exclusivamente à disciplina de instrumentos de
cooperação federativas. Constitui-se, por isso, em um marco, do início do processo de
institucionalização das relações federativas” (RIBEIRO, 2007, p.11). Antes da lei, os
consórcios públicos funcionavam apenas como pactos administrativos, agora ganhariam
maior autonomia.
Em 2007 foi instituído o Decreto 6.017 regulamentando a Lei dos Consórcios
Públicos, permitindo a cooperação entre a União, estados, municípios e o Distrito Federal
na prestação de diversos serviços públicos. Com a regulamentação, o governo federal
almejava estimular as associações, principalmente, entre os pequenos municípios. Os
municípios também passavam a poder se consorciar, com ou sem a participação dos seus
respectivos Estados.
Não obstante, apesar do marco regulatório já instituído por emenda
constitucional, lei federal regulando a matéria e decreto legislativo regulamentando os
institutos, o governo federal de Luís Inácio Lula da Silva ainda pretende promover novos
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
desdobramentos legais, com o intuito de propagar a disseminação das formas de gestão
associada entre os entes da federação. De acordo com as diretrizes formuladas pela
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, há propostas para
reformular a gestão pública da Educação no Brasil, através da “Reconciliação de gestão
local das escolas pelos estados e municípios com padrões nacionais de investimento
qualidade”. Em síntese, as diretrizes pretendem através da gestão associada e da
flexibilização do pacto federativo, concentrar no governo federal o controle pelas políticas
para educação, descentralizando para os entes subnacionais apenas a execução da
prestação dos serviços educacionais.
6.
GESTÃO DA EDUCAÇÃO – PROPOSTA PARA UMA RECONCILIAÇÃO
INTERFEDERATIVA ATRAVÉS DE GESTÃO ASSOCIADA
No ano de 2007, o ministro-chefe da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, Roberto
Mangabeira Unger14 discursou sobre a reconciliação da gestão local das escolas através da
flexibilização do federalismo e pela implementação das políticas pelo modelo de gestão
associada. Eis o problema apresentado por Unger:
Como reconciliar a gestão local das escolas pelos Estados e Municípios com padrões
nacionais de investimento e de qualidade? O princípio é muito simples: a qualidade da
educação que uma criança brasileira recebe não deve depender do acaso e do lugar em
que ela nasce. (UNGER, 2007)15
E, para tanto, o Ministro apontou a seguinte solução:
Para isso, imaginamos ser preciso associar os três níveis da federação: municípios,
estados e governo federal em órgãos conjuntos que possam vir em ajuda de um
Município ou até de um Estado que não tenha conseguido, repetidamente, alcançar esses
padrões nacionais. (UNGER, 2007)
Ou seja, os entes subnacionais deveriam implementar as atribuições que lhes são
conferidas constitucionalmente, conduto, caso não consigam efetivá-las, poderão se valer
da cooperação associativa e, claro, implementar os programas de acordo com os padrões
nacionais de investimento e qualidade. No entanto, a União chamará para si o controle
das diretrizes políticas e, de certa forma o poder de gestão, sem, contudo, (re)centralizar a
responsabilidade pela execução dos serviços. Mas, ainda assim surge o questionamento:
Tal medida não poderia parecer usurpação de poder, ingerência interfederativa? O
governo federal argumenta que não:
14 Roberto Mangabeira Unger é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Harvard e, atualmente, ministro
extraordinário de Assuntos Estratégicos.
15 Discurso do ministro Roberto Mangabeira Unger na cerimônia de assinatura de portarias interministeriais sobre
federalismo e ensino médio, no Ministério da Educação, em 4 de dezembro de 2007.
Disponível em: <http://www.sae.gov.br/site/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=66>.
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Fique claro, portanto, que não se trata de uma usurpação pelo Governo Federal das
responsabilidades dos Estados e dos Municípios. Trata-se de caminhar na flexibilização
do federalismo, como começa ocorrer em todas as grandes democracias federativas no
mundo, para aproveitar ao máximo o potencial do federalismo, que é servir como um
conjunto de laboratórios de experimentação em todas as políticas sociais (UNGER, 2007).
E, as diretrizes são endossadas pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad:
Não se trata de fazer com que um governo usurpe poderes de outro. Mas de seguir o
caminho de flexibilização do federalismo que caracteriza as democracias federativas
contemporâneas mais desenvolvidas (HADDAD & UNGER, 2009).
De acordo com o inciso V, do artigo 23, da Constituição Federal de 1988,
proporcionar meios de acesso à educação já é de competência “comum” entre os entes
federados, sendo também de competência comum a organização dos sistemas de ensino,
conforme artigo 211, desta mesma Carta. Neste sentido, o texto constitucional:
Artigo 211:
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as
instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função
redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades
educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e
financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente16 no ensino fundamental e na educação
infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e
médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão
formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.
(Grifo nosso).
Entretanto, o governo federal parece querer mais poder neste setor. O
entendimento e posicionamento do governo federal tem sido de que “O Brasil tem
caminhado em busca da reconciliação entre gestão local do ensino público e padrões
nacionais de investimento e de qualidade da educação” 17. Neste sentido, é o documento
para discussão, (de junho de 2009, em sua versão preliminar) intitulado – Educação e
federalismo – Proposta para reconciliação entre gestão local e padrões nacionais de
investimento e qualidade, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República18 (SAE), que propõem soluções para melhoria da educação nacional pela
16
As competências são “prioritárias” e não “exclusivas”, o que permite a colaboração entre os entes federativos.
17Este documento foi localizado na página virtual da Universidade de Direito de Harvard. Observado que, o atual Chefe da
Secretaria de Assuntos Estratégicos (interino), Daniel Barcelos Vargas é doutorando e mestre em direito pela Universidade
de Harvard.
18 BRASIL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Duas Iniciativas para Mudar a Educação no
Brasil: 1-Reconciliação da gestão local das escolas pelos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e
de qualidade. 2-A nova escola média. Brasília: 2009.
Disponível em: <http://www.law.harvard.edu/faculty/unger/portuguese/pdfs/06_Educacao1.pdf>. Acesso em: 02 ago.
2009.
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
reconciliação da gestão local das escolas pelos Estados e Municípios, tendo por
alternativas, por exemplo, “diálogo nacional”, com escopo reconstrutivo para
reconciliação das esferas interfederativas na gestão educacional. De acordo com esta
cartilha, “o foco é avançar no sentido de um sistema transfederativo apto a socorrer
sistemas educacionais”, e apresenta três etapas para o enfrentamento da questão:
1) a ampliação dos mecanismos consensuais já existentes a partir de instrumentos
jurídico-administrativos (consórcios públicos e convênios de cooperação) de
gestão associada dos serviços educacionais;
2) criação
legislativa
(legislação
infraconstitucional)
de
instrumentos
regulamentadores do regime de colaboração federativa na educação;
3) alteração do regime constitucional de repartição de competências e de interação
entre os entes federados do Brasil.19 (Grifo nosso).
Não restam dúvidas que, de acordo com o documento de estratégias do governo
federal, o poder executivo pretende estimular a cooperação associativa e dar iniciativa aos
projetos de leis e efetivar os respectivos desdobramentos legais. In verbs declara o
documento de estratégias:
Por isso, a ideia básica desta Emenda Constitucional é a de explicitar o caráter
cooperativo e complementar de um novo modelo de federalismo. Não se trata, portanto,
de reforçar o sistema “hidráulico”, mas sim de estabelecer novos mecanismos de atuação
conjunta e compartilhamento de competências. Essa é uma mensagem geral, não restrita
apenas à educação, que pode encontrar nessa importante política social a cunha
necessária para uma transformação mais profunda do nosso sistema federal (BRASIL,
2009).
Quanto à segunda etapa (criação legislativa de instrumentos regulamentadores
do regime de colaboração federativa na educação), o documento tenta demonstrar a
disposição do poder executivo federal em “flexibilizar” o modelo federativo atual na
órbita da educação, e o pretende fazer através pela busca de mecanismos jurídicos que
possam possibilitar uma colaboração mais efetiva. Esta proposta, no mínimo, necessita de
grandes esclarecimentos. Abaixo a proposta de emenda para intervenção federal e os
argumentos:
Art 34. (...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
(...); f) garantia de padrão de qualidade no ensino básico, nos termos estabelecidos em
lei.
19 Proposta de nova redação para o artigo 211, parágrafos 1º e 2º (em itálico), inserida na cartilha da SAE:
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais
e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades
educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios, bem como pelo estabelecimento de órgãos transfederais de apoio e fomento à qualidade da educação;
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração,
incluindo o estabelecimento de órgãos transfederais de apoio e fomento à qualidade da educação e de mecanismos de gestão compartilhada
de recursos, de modo a assegurar a universalização e a qualidade do ensino obrigatório.
BRASIL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Duas Iniciativas para Mudar a Educação no
Brasil: 1-Reconciliação da gestão local das escolas pelos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e
de qualidade. 2-A nova escola média. Brasília: 2009, p.41.
Disponível em: <http://www.law.harvard.edu/faculty/unger/portuguese/pdfs/06_Educacao1.pdf>. Acesso em: 02 ago.
2009.
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231
A proposta aqui defendida visa à superação dessa ideia reticente de federalismo. É
necessário flexibilizar o federalismo. Essa é a orientação de fundo desta proposição de
alteração constitucional. Porém, ao contrário do que possa parecer, não se trata de uma
ruptura. A ideia subjacente, pelo contrário, é a de explicitar um sentido ainda oculto do
regime federativo da educação brasileira. (BRASIL, 2009)
E, com relação à terceira etapa, a que prevê reforma constitucional para uma
nova repartição de competências e de interação entre os entes federados, esta induz ao
pensamento de que o governo federal parece querer ir bem longe com a flexibilização
federativa e com a centralização do poder gerencial das políticas educacionais, através da
previsão constitucional dos órgãos transfederais de apoio e fomento à qualidade da
educação. Além das reformas constitucionais o documento de estratégias também prevê
uma proposta de revisão do Decreto 6.094/2007 e outra proposta de projeto de Lei
Complementar sobre regime de colaboração na educação, incluindo previsão de ação de
responsabilidade educacional para o gestor. Todas essas propostas merecem maiores
esclarecimento.
7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cooperação federativa defendida pelo governo federal, com vistas à modificação do
exercício da competência comum em matéria de educação, pode não ser apenas o início
de um novo modelo de gestão dos serviços públicos educacionais, mas uma verdadeira
mudança de paradigma no campo da gestão dos serviços públicos sociais. Evidente que
este não é um modelo idealizado pela elite do governo federal brasileiro. Essas reformas
institucionais estão ocorrendo em diversos países no mundo, todas visando atender as
transformações que ocorrem no cenário mundial globalizante.
Não é sem razão que a estratégia de flexibilização do pacto federativo se inicie
pela educação. Além de a educação estar diretamente relacionada às questões de
desenvolvimento de Estado, é um segmento de alto custo para o setor público à prestação
dos serviços educacionais, o que leva a maioria dos municípios e alguns Estados da
Federação a buscar apoio junto ao governo federal e, neste contexto, ceder uma parcela de
sua autonomia (enquanto ente federativo) na definição das políticas públicas para a
Educação. Entretanto, nada garante que a flexibilização do pacto federativo, aumentando
o poder político da União na definição das políticas públicas para a educação nacional,
modifique a situação de se concentrar no governo federal o controle das políticas para
educação, descentralizando para os entes subnacionais, tão somente, a responsabilidade
pela execução da prestação dos serviços públicos educacionais.
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Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo
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Adriana de Andrade Espíndola
Advogada, Professora Universitária, Mestre em
Políticas Públicas para Educação pela Unicamp
e Presidente da Comissão de Cooperação
Internacional e Relações Exteriores da AOB/SP
Subsecção Campinas.
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