Ofício 01/11- Hotel Rifoles Natal, 10 de maio de 2011

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IV Simpósio Nacional de Gerenciamento de Cidades
Araçatuba/SP, 2016
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
ISBN 978-85-68242-27-8
EIXO TEMÁTICO:
( ) Desastres, Riscos Ambientais e a Resiliência Urbana
( ) Drenagem Urbana Sustentável
( ) Engenharia de Tráfego, Acessibilidade e Mobilidade Urbana
( ) Habitação e a Gestão Territórios Informais
(X ) Infraestrutura, Espaços Públicos e Ambiência Urbana
( ) Intervenções e Requalificações da Cidade Contemporânea
( ) Patrimônio Histórico: Temporalidade e Intervenções
( ) Políticas Públicas, Justiça Social e o Direito a Cidade
( ) Saneamento Ambiental
( ) Tecnologia e Sustentabilidade na Construção Civil
O espaço público na cidade contemporânea: notas sobre um conceito em
(re)construção
Public space in contemporary city: notes on a concepto of (re)construction
Espacio público em la ciudad contemporánea: notas sobre um concepto de
(re)construcción
Douglas Gallo
Professor Mestre, IFSP, Brasil
Doutorando em Urbanismo, PROURB/UFRJ, Brasil
[email protected]
Eliane Bessa
Professora Doutora, PROURB/UFRJ, Brasil.
[email protected]
Maria Cristina Cabral
Professora Doutora, PROURB/UFRJ, Brasil.
[email protected]
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RESUMO
Os espaços públicos são onde a vida urbana acontece, assumindo um papel histórico importante no cotidiano das
pessoas. O objetivo deste artigo é discutir o conceito de espaço público na cidade contemporânea, entendendo
como se deu sua evolução histórica, seus usos e atribuições. Partiu-se de um referencial teórico fundamentado em
Hannah Arendt e Jürgen Habermas. O uso linguístico de “público” e “esfera pública” revela uma diversidade de
significados que provém de diferentes fases históricas, tendo origem na Antiguidade Grega, embora tenham sido
transmitidas com uma marca romana. Já a eclosão da esfera social, que estritamente não era nem privada nem
pública, é um fenômeno relativamente novo, cuja origem coincidiu com a eclosão da era moderna. A acessibilidade
aos espaços públicos não é somente física, mas também simbólica, e a apropriação social dos espaços públicos
urbanos tem implicações que ultrapassam o design físico. Mesmo questionando o conceito de espaço público e seu
potencial na produção de mais valia na cidade capitalista, ele é local próprio para a criação de vida urbana.
PALAVRAS-CHAVE: Espaços públicos. Esfera pública. Contemporaneidade.
ABSTRACT
Public spaces where urban life happens, assuming an important historical role in people's daily lives. The purpose of
this article is to discuss the concept of public space in the contemporary city, understanding how was its historical
evolution, its uses and functions. Left is a theoretical framework based on Hannah Arendt and Jürgen Habermas.
The linguistic use of "public" and "public sphere" reveals a diversity of meanings that come from different historical
phases, having originated in Greek antiquity, although they were sent with a Roman mark. Since the outbreak of the
social sphere, which strictly was neither private nor public, is a relatively new phenomenon, whose origin coincided
with the outbreak of the modern era. Accessibility to public spaces is not only physical but also symbolic, and social
appropriation of public urban areas has implications that go beyond the physical design. Even questioning the
concept of public space and its potential in the production of surplus value in the capitalist city, it is an appropriate
place for the creation of urban life.
KEYWORDS: Public spaces. Public sphere. Contemporary.
RESUMEN
Los espacios públicos donde la vida urbana sucede, asumiendo un papel histórico importante en la vida diaria de las
personas. El propósito de este artículo es discutir el concepto de espacio público en la ciudad contemporánea, la
comprensión de cómo fue su evolución histórica, sus usos y funciones. Izquierda es un marco teórico basado en
Hannah Arendt y Jürgen Habermas. El uso lingüístico de y "esfera pública" "público" revela una diversidad de
significados que provienen de diferentes etapas históricas, al proceder de la antigüedad griega, a pesar de que se
enviaron con una marca romana. Desde el estallido de la esfera social, que era estrictamente ni privado ni público,
es un fenómeno relativamente nuevo, cuyo inicio coincidió con el comienzo de la era moderna. La accesibilidad a
los espacios públicos no es sólo física, sino también simbólica, y la apropiación social de las zonas urbanas públicas
tiene implicaciones que van más allá del diseño físico. Incluso cuestionar el concepto de espacio público y su
potencial en la producción de plusvalía en la ciudad capitalista, es un lugar apropiado para la creación de la vida
urbana.
PALABRAS CLAVE: Espacios públicos. Esfera pública. Contemporáneo.
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1. INTRODUÇÃO
Cada vez mais as identidades coletivas encontram na cidade seu palco constitutivo. A esfera
pública é ocupada por agentes que calculam tecnicamente suas decisões e organizam o
atendimento às demandas segundo critérios de rentabilidade e eficiência. O mercado
reorganiza o mundo público como palco do consumo, as ruas saturam-se de carros, pessoas
apressadas para cumprir compromissos profissionais ou consumir alguma diversão
programada.
Os espaços públicos são onde a vida urbana acontece, assumindo um papel histórico
importante no cotidiano das pessoas. Por excelência é o local onde as relações formais e
informais, visíveis e invisíveis, mediadas pela legalidade ou pela ilegalidade, pelo dinheiro ou
pela miséria acontecem. São os lugares da cidade onde pode ser despertado o interesse dos
citadinos, quando vivos e efervescentes, ou, no caso oposto, podem estar fadados ao descaso,
ao silencie ao vazio, tornando-se espaços tristes e mórbidos.
Reflete o modo de viver, de pensar e de sentir das pessoas, produzindo ideias, valores,
costumes, conhecimentos e uma imagem impregnada de memórias e significações. É de
importância fundamental compreender a construção histórica e social do conceito de espaço
público e sua correlação com seu oposto privado.
O objetivo deste artigo é discutir o conceito de espaço público na cidade contemporânea,
entendendo como se deu sua evolução histórica, seus usos e atribuições.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Partiu-se da análise dos principais filósofos da esfera pública, e por assim dizer do espaço
público, Hannah Arendt e Jürgen Habermas, buscando construir uma discussão teórica que
possibilitasse entender como o espaço público foi compreendido nos diferentes períodos da
história.
Para compreender a relação das práticas sociais, entendidas como fundamentais na
reprodução e apreensão do espaço, foi fundamental analisar também a relação entre público e
privado, de modo particular a discussão proposta por Richard Sennet em seu texto “O declínio
do homem público”.
2.1 CONCEITO DE PÚBLICO: construção histórica
O termo “público” denota que tudo o que aparece em público pode ser visto e ouvido por
todos e tem a maior divulgação possível. A presença de outros que veem o que vemos e
ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos. O termo público
significa o próprio mundo na medida em que é comum a todos e diferente do lugar que
privadamente possuímos nele. Enquanto mundo comum, reúne-nos na companhia uns dos
outros (Arendt, 2016).
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São denominados “públicos” aqueles eventos que são acessíveis a todos, assim como espaços,
como praças públicas, casas públicas. Já ao falarmos de edifícios públicos não nos referimos
necessariamente a estarem abertos à visitação pública, eles podem simplesmente abrigar
instalações do Estado, que é o “poder público”. São significados associados ao público, à
publicidade e ao tornar público, uma vez que o sujeito dessa esfera pública é o público como
portador de opinião pública (Habermas, 2014).
O uso linguístico de “público” e “esfera pública” revela uma diversidade de significados que
provém de diferentes fases históricas e assumem uma vinculação turva quando aplicados às
condições das sociedades burguesas industrialmente avançadas e constituídas pelo Estado de
bem-estar social.
De acordo com Habermas (2014), a discussão sobre as categorias do que é o “público” e o
“privado” tem origem na Antiguidade Grega, embora tenham sido transmitidas com uma
marca romana. Na cidade grega plenamente formada, a esfera da pólis, comum aos cidadãos
livres, era estritamente separada da esfera própria de cada indivíduo.
O domínio da pólis era a esfera da liberdade, que se situava no domínio do social. Enquanto no
interior do lar existe a mais severa desigualdade, é na pólis grega que os “iguais” podiam se
encontrar. Ser livre significava ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem
ao comando de outro e também não comandar. Assim, ser livre significa ser isento da
desigualdade presente no ato de governar e mover-se em uma esfera na qual não existiam
governar nem ser governado. Para Hannah Arendt, a condição humana, e por consequência
sua publicidades, nas relações sociais, estão sempre ligadas a um caráter político.
Ainda para os gregos, a esfera pública se constitui no diálogo entre uma forma de conselho ou
tribunal e o agir comum. Na compreensão dos gregos a esfera pública contrasta com a privada,
por ser o reino da liberdade e da permanência, uma vez que apenas à luz da esfera pública
manifesta-se o que é, tudo que se faz visível a todos.
Ao longo da Idade Média, as categorias do público e do privado foram transmitidas segundo
definições do direito romano, e a esfera pública foi traduzida como res publica (do latim, coisa
pública, do povo). A oposição entre publicus e privatus era usual, porém sem um caráter
vinculante. Nas relações feudais o domínio comunal era público, o poço, a praça do mercado
são acessíveis para o uso comum, porém essa esfera pública não se constituía como um
domínio social, mas muito mais como um atributo de status, tendo o senhor feudal um status
neutro em relação ao que era público e privado (Habermas, 2014).
No Barroco o torneio, a dança e o teatro se retiram das praças públicas e das ruas para os
pátios e salões do castelo, possibilitando uma vida cortesã protegida do mundo exterior. O
espaço exterior deixa de ter importância, a vida social se transfere para os espaços internos.
Exemplo disso é como o castelo barroco é construído, sempre em torno do salão de festas,
centro da vida cortesã. Também aqui o povo está completamente excluído, permanecendo nas
ruas, enquanto a esfera pública permanece apenas representativa, era representada pela
nobreza.
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A sociedade aristocrática que surge com o Renascimento não tem mais um domínio feudal
para representar, embora ainda esteja à serviço do monarca. Somente com o surgimento de
uma economia mercantil, no início do capitalismo, e com o surgimento dos Estados como
potências territoriais e nacionais que possibilitou a formação de uma sociabilidade. O
surgimento de uma sociedade que aos poucos vai se apartando do Estado e das cortes dos
monarcas vai aprofundando a separação entre as esferas pública e privada. No entanto estas
categorias só puderam ter uma aplicação efetiva no Estado moderno, com a separação da
sociedade civil.
Os elementos das corporações de ofício na medida que vão se envolvendo em corporações
urbanas vão produzindo diferenciações nos estamentos rurais e formando uma esfera da
“sociedade civil”, como espaço genuíno da autonomia privada em oposição ao Estado.
2.2 PÚBLICO E PRIVADO: a ascensão do social
De acordo com Arendt (2016), a palavra “social” é de origem romana e não tem nenhum
equivalente na língua e pensamentos gregos. A companhia natural, meramente social, da
espécie humana era vista como uma limitação imposta aos homens pelas necessidades da vida
biológica. Segundo o pensamento grego, a capacidade humana de organização política não
apenas diferia dessa associação natural cujo centro é o lar e a família, mas encontrava-se em
oposição a ela.
A eclosão da esfera social, que estritamente não era nem privada nem pública, é um
fenômeno relativamente novo, cuja origem coincidiu com a eclosão da era moderna. A divisão
decisiva entre os domínios público e privado, entre a esfera da pólis e a esfera do lar, da
família, e entre as atividades relativas ao mundo comum e aquelas relativas à manutenção da
vida surge com o que chamamos de “sociedade”, ou seja, o conjunto de famílias
economicamente organizadas de modo a constituírem algo similar a uma única família sobrehumana em sua forma de organização política em uma “nação”.
O aparecimento da sociedade, do sombrio interior do lar para a luz da esfera pública não
apenas turvou a antiga fronteira entre o privado e o político, mas também alterou o significado
dos dois termos e a sua importância para a vida do indivíduo e do cidadão.
O que chamamos de privado é uma esfera de intimidade cujos primórdios podemos remeter
aos últimos períodos da civilização romana, significava literalmente um estado de encontrar-se
privado de alguma coisa. Atualmente não se pensa em privação quando se emprega a palavra
privacidade, isso parte do enorme enriquecimento da esfera privada por meio do moderno
individualismo. O fato histórico decisivo é que a privacidade moderna, tem como função mais
relevante, a de abrigar o que é íntimo, opondo-se não à esfera política, mas à esfera social.
A sociedade espera de seus membros um certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e
variadas regras, tendendo à normalização de seus membros, fazendo-os comportarem-se a
excluir a ação espontânea ou a faça extraordinária. O surgimento da sociedade de massa
indica que os vários grupos sociais foram absorvidos por uma sociedade única. A vitória da
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igualdade no mundo moderno é apenas o reconhecimento político e jurídico do fato de que a
sociedade conquistou o domínio público. Entende-se que quanto maior é a população de
qualquer corpo político, maior é a probabilidade de que o social constitua o domínio público,
mais que o político.
Na evolução do conceito de público e privado ocorreu um encontro entre movimentos
diferentes: um a favor da liberdade individual, de uma certa capacidade de mostrar
publicamente aquilo que se é e o movimento democrático, que favorecia também a ideia de
publicidade, contra o segredo. Foi valorizado, de ambos os lados, o que era público.
Viver uma vida inteiramente privada significa estar privado de coisas essenciais a uma vida
verdadeiramente humana, estar privada realidade que advém do fato de ser visto e ouvido por
outros, privado de uma relação objetiva com eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se
deles mediante um mundo comum de coisas e possibilidade de realizar algo.
A contradição entre o privado e o público, típica dos estágios iniciais da era moderna, foi um
fenômeno temporário que trouxe a completa extinção da diferença entre os domínios provado
e público e a submersão de ambos na esfera do social, a esfera pública, porque se tornou uma
função da esfera privada, e a esfera privada, porque se tornou a única preocupação comum
que restou. Esta distinção equivale à distinção entre o que deve ser exibido e o que deve ser
ocultado.
Já para Narciso (2008), numa perspectiva territorial o espaço público é um espaço físico, e a
partir dos séculos XVI e XVII este espaço físico tornou-se também simbólico, com a separação
entre o sagrado e o temporal e o estabelecimento do estatuto da pessoa. A palavra público
aparece no século XIV, do latim publicus, que diz respeito a todos.
A ideia de que as cidades possuem uma esfera pública, pertencente e usada pela coletividade,
e uma esfera privada, cuja posse e manutenção responde aos interesses de um ou mais
indivíduos específicos, vem deste a Antiguidade Clássica, na Grécia. Para os gregos, a agora era
o espaço, inserido na polis, que representava o espírito público, desejado pela coletividade e
onde se exercia a cidadania.
A separação clara do limite entre espaços públicos e privados perdeu-se em vários momentos
históricos. As cidades medievais europeias construíram-se por meio de uma constante
apropriação da terra pública e da definição desordenada de ruas, normalmente estreitas e
insalubres. Tal situação repetiu-se até o aparecimento do urbanismo sanitarista no século XIX,
quando Hausmann em Paris e Cerdá em Barcelona, intervém no desenho urbano.
O movimento moderno no início do século XX representou uma releitura da ideia de público,
onde para alguns de seus representantes todo o solo dentro do perímetro urbano deveria ser
de propriedade pública, sendo pertencente à esfera privada apenas frações ideais destes
terrenos, correspondendo aos apartamentos particulares. Diversas críticas ao movimento
moderno, especialmente as feitas por Jane Jacobs, geraram uma grande valorização da rua
como espaço público essencial às cidades.
Mais tarde, o Novo Urbanismo veio modificar as linhas orientadoras de intervenção do espaço
público, focado em processos formais e cognitivos. Este novo urbanismos permitiu o aumento
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da densidade e a multiplicidade de usos como formas de diminuir a degradação ambiental e
promover maior interação social entre a vizinhança, diminuindo a dependência do automóvel.
O aumento da densidade aumentou o número de condomínios fechados, gentrificação e
homogeneização, fortalecendo uma imagem geral de intolerância, que não ofereceu soluções
para os problemas existentes, mas apenas para as classes médias/altas.
2.3 O ADVENTO DE UM ESPAÇO PÚBLICO
O termo espaço público cada vez mais tem adquirido diversos significados e dimensões, seja
na abordagem de sua estrutura, função, projeto, quanto do seu caráter semântico e social,
suscitando novas perspectivas de análise (Narciso, 2008).
De acordo com Ascher (1995 apud Narciso, 2008) o termo espaço público aparece pela
primeira vez num documentário administrativo de 1977, sendo agrupado na mesma categoria
dos espaços verdes, calçadões, praças, mobiliário urbano e valorização da paisagem urbana.
O espaço público é considerado como aquele espaço que, dentro do território urbano
tradicional da cidade capitalista, vem sendo usado de forma comum e tem sua posse coletiva,
ou seja, pertencente ao poder público. Para Serpa (2004) o conceito de espaço público está
ligado à ação política, ou pelo menos da possibilidade de ação política na contemporaneidade.
O espaço público é o espaço por excelência da/na cidade, podemos conhecer a cidade por
meio dele. É onde aprendemos a caminhar e a ver a cidade. O espaço público constitui um
fator importante de identificação, com conotação de lugares, carregados de simbologia.
Também é o lugar da palavra, da socialização, do encontro e também da manifestação de
grupos sociais, culturais e políticos.
Para Narciso (2008), os espaços públicos tem diferentes significados em diferentes sociedades,
lugares e tempos.
Devido a sua complexidade e generalidade, uma definição específica pode ser muito redutora.
Se por um lado os espaços públicos podem ser retomados como elementos centrais de
projetos urbanos, por outro, o esquecimento da sua dimensão pública pode estar na origem
da crise do laço social e da crise de cidadania atual. É inegável que os grandes projetos de
renovação urbana adquirem importância na acumulação de capital e reprodução do modo de
produção capitalista. A problemática dos espaços públicos resultam da transformação das
práticas urbanas e dos usos e status dos diversos espaços urbanos. As noções de público e
privado se transformam, as partilhas espaciais e jurídicas se redefinem. Novas distinções são
estabelecidas pelo desenvolvimento de novas centralidades e pela desagregação social e
funcional
dos
bairros:
público/privado,
exterior/interior,
coletivo/individual,
comunitário/urbano.
Para a autora, na atualidade se questiona muito a posição do público versus privado no
entendimento de espaço público. Para Arendt (2016) o espaço público é o lugar da ação
política e de expressão de modos de subjetivação não identitários, já para Habermas (2014), o
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espaço público é o lugar por excelência da comunicação e encontro multisociais, da
democracia e do uso livre.
Por se tratar de um espaço simbólico o espaço público deveria constituir uma fonte de forte
representação pessoal cultural e social. O espaço público é repleto de significados, que
representam, em muitos casos, o passado, mas que conta no presente a sua história.
Juridicamente o espaço público relaciona-se com o que é público, sendo todos os espaços que
pertencem a alguns dos diversos níveis da Administração Estatal, comunidades autónomas ou
administração local. Segundo este princípio seriam abertos a todos os cidadãos. Ao distingui-lo
do espaço privado reconhece-se que a cidade, como artefato construído e artificial, é um
espaço denso e fechado, no qual predomina a propriedade privada e a regulamentação
pública, que limita o uso público de espaços como praças e ruas.
A acessibilidade aos espaços públicos não é somente física, mas também simbólica, e a
apropriação social dos espaços públicos urbanos tem implicações que ultrapassam o design
físico de ruas, praças, parques, largos, centros comerciais e prédios públicos.
Do ponto de vista de sua função, os espaços podem ser especializados ou polivalentes,
dedicados a diversos usos, mesmo que um uso predomine sobre outros. Desta forma as ruas,
praças, passeios, avenidas, parques e jardins podem servir para circular e comunicar, para
passear e encontrar-se, para trabalhar e passar o tempo, para contemplar e ser contemplado.
O espaço público é um conceito próprio do urbanismo, muitas vezes confundido com espaços
verdes, equipamentos e sistema viário, mas que também pode ser utilizado como lugar de
representação e de expressão coletiva da sociedade. Os princípios modernistas viam os
espaços públicos como locais para a burguesia passear e ser vista, como espaços de decoração
para as elites, que ao mesmo tempo geravam espaços de exclusão, guetos urbanos que
reproduziam a segregação socioespacial e produziam incertezas na vivência dos espaços.
A ascensão do espaço público como mote dos grandes projetos de renovação urbana, prendese a estratégias de promoção da cidade baseadas no marketing, dotado de formalizações
pontuais e específicas que lhe conferem o estatuto da diferença. Assim, o capitalismo
encontrou no urbanismo uma nova forma de reprodução do capital, a espacialidade dos
lugares ganha nova dimensão, os espaços ganham uma nova configuração e o planejamento
urbano, a partir da década de 1990, vê o espaço como dimensão independente e autónoma, a
ser moldada segundo princípios estéticos. Estes mesmos princípios buscam moldar as cidades
numa competitividade global afirmando a qualquer custo sua territorialidade. As cidades, no
marco da concorrência global e das cidades inteligentes, imposta pelo chamado pósmodernismo, buscam o status de cidades modelos, em algum aspecto, incentivando a criação
de projetos icônicos em escala global, baseados em políticas urbanas e princípios do
urbanismo neoliberal.
Face a estes novos processos de urbanização a cidade perde seu significado historicista,
ganhando novas identidades, alterando inclusive a identidade de lugar, passando de espaços
de lugares para espaços de fluxos, com alteração de sua forma, função e significado. A
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administração pública local tem uma influência muito forte na estruturação física urbana, uma
vez que por meio dos instrumentos de gestão urbanística atua diretamente no espaço urbano.
2.4 O SIMBÓLICO: o espaço para além do lugar
O espaço público é o lugar, acessível a todos os cidadãos, onde um público se reúne para
formular uma opinião pública. Está no coração do funcionamento democrático. É o espaço da
sociedade, neste sentido é necessariamente simbólico e requer tempo para se formar um
vocabulário e valores comuns, um reconhecimento mútuo das legitimidades. Sua existência
não se decreta, se constata-se. Pressupõe a existência de indivíduos mais ou menos
autônomos, capazes de formar a sua própria opinião, não alienados aos discursos dominantes.
O conceito de espaço público é a autenticidade das palavras que se impõe sobre a dos muros,
das vanguardas e dos sujeitos históricos (Narciso, 2008).
A história do espaço público é a história do espaço dos sentidos. Tanto na acepção grega
quanto na romana, o espaço público é o lugar onde o cidadão livre o os senhores feudais
exercitam o poder.
A ágora grega era o espaço onde a esfera pública urbana estava claramente decidida, onde o
debate e a discussão das ideias ocorriam. Normalmente era delimitada por um mercado, um
edifício governamental e outros. Já o fórum romano representava por si só a
monumentalidade do Estado, subordinando o indivíduo aos edifícios públicos. A diferença
entre os dois era que neste o espaço de discussão não ocorria mais na praça aberta, mas sim
no espaço fechado dos edifícios. A divisão entre público e privado surgiu com os romanos.
Na Idade Média o espaço público era regido pelo privado, uma vez que o senhor feudal
defendia os interesses da coletividade. Com a consolidação da burguesia nos séculos XV-XVI, o
Estado passa a gerir os interesses da sociedade, configurando aos poucos a esfera pública. No
século XVII os grupos sociais começam a ter uma demarcação territorial mais forte, e os “bempensantes” da sociedade veem no espaço público o espaço de debate das opiniões e de
contestação ao Estado, era o lugar de encontro das elites. Já na modernidade, as intervenções
dão prioridade ao fluxo e aos movimentos contínuos. Apesar de ainda hoje os espaços serem
vistos como estruturantes da malha urbana e mobilidade, a discussão do espaço público na
pós-modernidade destaca o resgate das funções de sociabilidade e estímulo à noção de
vizinhança.
Na contemporaneidade o espaço também se fragmenta se integra, fruto da nova concepção
urbanística voltada ao espaço público como acumulação do capital. Tanto a administração
público como a iniciativa privada têm aumentado os edifícios e espaços designados aos usos
públicos. Porém o espaço público contemporâneo tem uma concepção muito mais formal,
vinculada à questão da identidade pessoal dos projetistas, mais que as questões sociais
envolvidas.
Na análise dos espaços públicos urbanos forma e conteúdo são ao mesmo tempo processo e
produto, portanto indissociáveis. Serpa (2004), considera a questão da acessibilidade aos
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espaços públicos não somente física, mas também simbólica, e que a apropriação social destes
tem implicações que ultrapassam o design físico de ruas, praças, parques, largos, shoppings e
prédios públicos.
Segundo Lefebvre (2001), os espaços urbanos têm se transformado em produtos homogêneos,
que podem ser vendidos ou comprados, reinando a repetição e a quantificação. Este espaço
concebido se contrapõe ao espaço vivido/percebido das representações e das práticas sociais
cotidianas. O espaço serve, assim, ao poder institucional instrumentalizando a
homogeneização, já o espaço vivido não é concebido, é espaço de representação. Se o espaço
público é, sobretudo, social, ele contém antes de tudo as representações das relações de
produção e de poder.
2.5 A CRISE DA MODERNIDADE: por novos espaços públicos
Na cidade contemporânea, o parque público é um meio de controle social, sobretudo das
novas classes médias, que procuram multiplicar o consumo e valorizar o solo urbano nos locais
onde são aplicadas. Nas grandes cidades do Brasil e do mundo ocidental a palavra de ordem é
investir em espaços públicos visíveis, sobretudo os espaços centrais e turísticos, graças à
parceria público-privada. Estes projetos sugerem uma ligação clara entre visibilidade e espaço
público, demonstrando o gosto pelo espetáculo, tornam-se importantes instrumentos de
valorização fundiária. Os parques para classe média demonstram como as diferenças culturais
tem sido homogeneizadas (Serpa, 2004).
A privatização dos espaços livres de uso coletivo é um problema que atinge as cidades. A
privatização de ruas e acessos restringe o movimento de passantes, canaliza percursos e
provoca a desertificação de muitas áreas públicas nas periferias urbanas.
A crise da modernidade é uma crise nos domínios público e privado. A erosão do equilíbrio
entre a vida pública e a vida privada destrói o pilar que sustentava a sociedade no início do
capitalismo. Tem-se caminhado para a consagração do individualismo como modo de vida
ideal, em detrimento de um coletivo cada vez mais decadente.
A esfera pública não se restringe aos espaços concretos de circulação e repartição de fluxos,
nem aos espaços materiais de consumo, lazer e diversão, é ela que nos reúne na companhia
uns dos outros, mas é ela também que evita que nos colidamos uns com os outros. Em um
contexto de declínio do engajamento cívico no espaço público contemporâneo, a regra é a
indiferença civil e o conformismo. Os usuários do espaços públicos o privatizam por meio de
uma territorialização feita pela ereção de barreiras simbólicas, transformando-o em uma
justaposição de espaços privatizados, não partilhado, mas sim dividido. Falta interação entre
esses territórios percebidos e utilizados, contribuindo para a ampliação da esfera privada no
espaço público.
A soma de processos de apropriação de um coletivo de indivíduos não é suficiente para
legitimar a noção de espaço público. Desde sua concepção deve-se pensar na continuidade de
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práticas sociais que lhe tragam algum conteúdo e significado. A apropriação inclui o afetivo, o
imaginário, o sonho, o corpo e o prazer.
Sennet (2014) faz um paralelo entre a crise da sociedade romana após a morte de Augusto e
os dias atuais. À medida que findava a época de Augusto, os romanos passaram a tratar a vida
pública como uma questão de obrigação formal, buscando privadamente um novo foco para
suas energias emocionais. O Cristianismo deixa então de ser um compromisso espiritual
praticado em segredo para irromper no mundo como um novo princípio de ordem pública.
Assim hoje, a vida pública também se tornou em obrigação formal. Uma res pública representa
aquele vínculo de associação e de compromisso mútuo que existe entre pessoas que não estão
unidas por laços íntimos, mas sim com o vínculo da multidão, de um povo, de uma sociedade
organizada. Assim como na época romana, a participação atualmente é uma questão de estar
de acordo, e os fóruns para essa vida pública estão em decadência.
Multidões de pessoas estão agora preocupadas, mais do que nunca, apenas com as histórias
de suas próprias vidas e com suas emoções particulares. Essa visão intimista é impulsionada na
proporção em que o domínio público é abandonado, esvaziado. No mais físico dos meios, o
ambiente incita a pensar no domínio público como desprovido de sentido.
A supressão do espaço vivo contém uma ideia ainda mais perversa: transformar o espaço
público em passagem e não em permanência, isso significa que o espaço público se tornou
uma derivação do movimento. Esta ideia corresponde exatamente às relações entre espaço e
movimento produzidos pelo automóvel particular, o carro dá liberdade de movimento. As ruas
da cidade adquirem uma função peculiar, permitir a movimentação e o automóvel particular é
o instrumento lógico para o exercício desse direito. O efeito direto no espaço público é que
este se torna sem sentido, até mesmo endoidecedor, a não ser que possa ser subordinado ao
movimento livre. O espaço perde todo sentido próprio de experimentação, os habitantes ou
trabalhadores de uma estrutura urbana de alta densidade são inibidos de sentirem qualquer
relacionamento com o meio. Ao isolar-se em um automóvel particular para ter liberdade de
movimento, também deixa de acreditar que o que o circunda tenha qualquer significado que
não o de um meio para chegar à sua finalidade de locomoção.
O espaço público morto é uma das razões pelas quais as pessoas procurarão um terreno
íntimo que lhes é negado no território alheio. Quando todos são vigiados mutuamente,
diminui a sociabilidade e o silêncio é a única forma de proteção. As pessoas são mais sociáveis
quanto mais tiverem barreiras tangíveis entre elas, assim como necessitam de locais
específicos em público com propósito de reuni-la. Os seres humanos precisam de uma certa
distância da observação íntima por parte do outro para poderem se sentir sociáveis.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As características da esfera pública variaram no decorrer da história, ora tendo papel
fundamental para a sociabilidade, ora se transferindo para o domínio mais privado. Mesmo
questionando o conceito de espaço público e seu potencial na produção de mais valia na
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ISBN 978-85-68242-27-8
cidade capitalista, ele é local próprio para a criação de vida urbana e tem papel fundamental
como suporte físico e simbólico para a criação de sentido social e político.
AGRADECIMENTO
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo
apoio financeiro mediante bolsa de doutoramento.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações sobre uma categoria da sociedade
burguesa. 1.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
NARCISO, Carla Alexandra Felipe. Espaço público: desenho, organização e poder: o caso de Barcelona. Dissertação
(Mestrado em Estudos Urbanos), Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2008.
SENNET, Richard. O declínio do homem público. Rio de Janeiro: Record, 2014.
SERPA, Angelo. Espaço público e acessibilidade: notas para uma abordagem geográfica. GEOUSP – Espaço e Tempo,
n. 15, São Paulo, pp. 21-37, 2004.
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