05 - A distribuição do sanhaço-de-coleira.cdr

Propaganda
A distribuição do sanhaço-de-coleira,
Schistochlamys melanopis, (Latham, 1790)
(Passeriformes: Thraupidae) e a influência de atividades
humanas na ampliação de sua área de ocorrência
Felipe Bittioli R. Gomes1,2,3, Marcelo
H. M. Barreiros 1,2 e Rafael Fortes2
Key words: Tremembé, Igapó-açu, Passeriformes distribution,
Central Amazonia
Introdução
O sanhaço-de-coleira ou tiê-cinza, Schistochlamys melanopis, é
membro da família Thraupidae, seus indivíduos machos apresentam
corpo cinza homogêneo, com região gular e cabeça negra, enquanto
jovens e fêmeas são verde-oliváceos, possuindo 18 cm de comprimento. A voz é um forte “tzic” (chamada), de canto gorjeado, com a
estrofe subindo e descendo várias vezes (Sick, 1997)
Alimenta-se de pequenos frutos de árvores, arbustos e cipós, além
da polpa de frutos maiores, folhas, botões e néctar (Vasconcelos et
al., 2005). Habita áreas de cerrado, mata baixa e ribeirinha, pântanos
(por exemplo: os buritizais), restingas e campos sujos (Sick, 1997),
campinas isoladas (Pacheco et al., 1994), além das campinaranas
amazônicas (Dr. M. Conhaft, com. pess.), distribuindo-se do norte
do Brasil ao leste de São Paulo (Figura 1).
As informações sobre a distribuição geográfica da espécie na
região norte do Brasil e ao longo da América do Sul são bastante difusas e incongruentes, sendo difícil definir seu território com exatidão.
Nosso objetivo neste trabalho é propor um mapa de ocorrência
para S. melanopis, inicialmente, no Brasil, compilando os dados e
informações já existentes na literatura acrescidos de dois novos
registros realizados por nós. Posteriormente, reuniremos as informações da distribuição da espécie para toda América do Sul, construindo um único mapa de distribuição.
Resultados e Discussão
No dia 09 de Julho de 2008, por volta das 7 h, foi observado um
indivíduo macho adulto de S. melanopis no bairro do Maracaibo,
município de Tremembé, leste de São Paulo. Apesar da distribuição
conhecida da espécie abranger esta região do Brasil, a ocorrência da
espécie é conhecida em áreas de cerrado e campos abertos. A localidade em que o espécime foi fotografado localiza-se em área montanhosa, sob o domínio da Mata Atlântica. A região foi ocupada e altamente explorada para o cultivo de eucaliptos a mais de 30 anos,
sofrendo extenso desmatamento. Além desta monocultura, a ocupação pela população de forma desordenada, acrescida da pecuária de
subsistência, também facilitaram o desmatamento e a expansão de
áreas abertas na região.
No Vale do Paraíba, leste do estado de São Paulo, são reconhecidas primitivas manchas de Cerrado (Ferreira e Fisch, 2007), onde
possivelmente a espécie já ocorra, entretanto sem registro até o
momento. Apesar da observação de apenas um indivíduo, que poderia se tratar de um “macho solitário errante” podemos inferir que a
ligação dos campos abertos e cerrados, propiciada pela ocupação
habitacional, pecuária e derrubada das matas nas áreas serranas, tem
facilitado a entrada da espécie em ambientes anteriormente inacessíveis.
Em Pacheco et al., (1994) é apresentado um primeiro resumo da
distribuição conhecida da espécie, e com exceção de Humaitá, localizado no extremo sul do Amazonas, na divisa com Rondônia, os
registros localizam-se acima do rio Amazonas. Neste município a
vegetação predominante é o cerrado, com a ocorrência de campinaranas e áreas abertas. Aleixo e Poletto (2007) registraram a espécie
na região de Manicoré, também estado do Amazonas, no bioma cerrado e em ambientes com modificações antrópicas. No caso de Manicoré (ao lado direito do rio Madeira), o registro ocorreu na província
biogeográfica de Rondônia. Assim, o presente registro é considerado em outra província biogeográfica, a Inambari, apesar de localizada no mesmo estado.
Figura 1. Espécimes de S. melanopis, registrados: 1-A, na “Mata da Prefeitura”, Tremembé, SP;
1-B, no quilometro 260 da BR-319, AM. Fotos Rafael Fortes e Felipe B. R. Gomes, respectivamente.
4
Atualidades Ornitológicas Nº 156 - Julho/Agosto 2010 - www.ao.com.br
Figura 2. Mapas de ocorrência da espécie S. melanopis no Brasil e países fronteiriços segundo: Pacheco et al. (1994) e
Borges et al. (2001) 2-A ; Sick (1997) 2-B; Sigrist (2008) 2-C; Ridley & Tudor (2009) 2-D; Presente estudo e compilação 2-E.
No dia 04 de Janeiro de 2010, por volta das 16 h, durante estudo
desenvolvido ao longo da rodovia BR-319, que liga Manaus (AM) a
Porto-Velho (RO), próximo ao município de Igapó-açu, no quilômetro 260, foram avistados dois indivíduos machos e um jovem (ou
fêmea) de S. melanopis, porém, apenas um dos machos foi fotografado (Figura 3). As aves estavam se alimentando de frutos de um
pequeno arbusto às margens da rodovia. Após aproximação, os espécimes voaram no sentido da mata, não sendo mais observados nos
dias subsequentes. É importante citar que a espécie não consta nos
levantamentos de fauna referentes ao Estudo de Impacto Ambiental
– (em preparo) para a repavimentação e revitalização da rodovia
BR-319.
No estado Amazonas, os grandes rios da região são conhecidos
por funcionarem como barreiras biogeográficas para aves, formando as conhecidas “áreas de endemismo”, desde os trabalhos pioneiros de Haffer (1974; 1978), Cracraft (1985). O município de Humaitá localiza-se na província biogeográfica de Inambari, a mesma do
presente estudo. Entretanto, mesmo sendo delimitada (rios Solimões/Amazonas e Madeira), Inambari compreende dois tipos de
vegetação, o cerrado e floresta ombrófila densa. Assim, para S. melanopis, uma espécie de ambientes abertos, sua ocorrência na área central da província (dominada por floresta) não seria esperada.
Possivelmente, o desmatamento causado durante a construção da
BR-319, na década de 70, (Fearnside & Graça 2006), possibilitou a
ligação entre o cerrado da região central do Brasil, com as campinaranas Amazônicas, facilitando a expansão da área de ocorrência desta espécie e, possivelmente, de outras espécies ainda não observadas, devido ao difícil acesso atual da rodovia para o desenvolvimento de novos estudos.
A distribuição da espécie segundo a literatura - Ao norte do Brasil, Pacheco et al. (1994) e posteriormente Borges et al. (2001) (Figura 2-A), registraram S. melanopis no Parque Nacional do Jaú.
Sick (1997) (Figura 2 - B) informa a ocorrência da espécie no “baixo-amazonas”, de Santarém a Belém (Pará), além do Brasil central,
indo até o leste de São Paulo. Em Sigrist (2008) (Figura 2 – C), a
espécie está distribuída no nordeste brasileiro, Guianas, Suriname,
Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia, além do nordeste e centro do
Brasil, sem registro algum no estado do Amazonas. Já segundo Ridley e Tudor (2009) (Figura 2 - D), a espécie ocorre na Colômbia,
Venezuela e ao longo das ilhas no encontro-das-águas (rios Negro e
Solimões), mas é ausente na maior parte da Amazônia. No banco de
dados do site WIKIAVES (2010), a espécie foi fotografada nos estados de Roraima, Tocantins, Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do
Sul, Bahia, Minas Gerais e São Paulo.
Com os atuais registros e a presente compilação da literatura, a distribuição de S. melanopis, amplia-se para a Amazônia central, preenchendo uma lacuna de distribuição anteriormente conhecida.
Somado a isto, provemos um novo mapa de distribuição da espécie,
como pode ser observado na Figura 2 - E, apontando sua distribuição
desde o leste de São Paulo, passando pelas regiões centro-oeste e nordeste brasileiras, no Pará e Amazonas, em áreas de campinaranas e
Atualidades Ornitológicas Nº 156 - Julho/Agosto 2010 - www.ao.com.br
campos abertos amazônicos (savanas), e nos países fronteiriços
como Colômbia, Venezuela, Peru, Bolívia, Guianas até o Suriname.
Agradecimentos
FBRG e MHMB recebem auxílio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq-Doutorado/PG e
CNPq-PCI). Os autores são gratos ao PPBio/INPA pelo financiamento de parte do estudo. FBRG é grato também a bióloga Renata C.
S. de Lima pelo auxílio no levantamento bibliográfico e organização
do manuscrito, além de seu apoio e carinho incondicional.
Referências Bibliográficas
Aleixo, A. & Poletto, F. (2007) Birds of a open area vegetation enclaves in southern brazilian amazon. The Wilson journal of Ornithology, 119 (4): 610-630.
Borges, S. H., Cohn-Haft, M., Carvalhaes, A. M. P., Henriques, L. M., Pacheco, J.
F. & Whittaker, A. (2001) Birds of Jaú National Park, Brazilian Amazon: Species Check-List, Biogeography and Conservation. Ornitologia Neotropical
12: 109–140.
Cracraft, J. (1985). Historical Biogeography and Patterns of Differentiation Within the South American Avifauna: Areas of Endemism. Ornithological
Monographs, n.36, p. 49-84.
Fearnside, P. M. & Graça, P. M. L. A. (2006). BR-319: Brazil's Manaus- Porto
Velho Highway and the potential impact of linking the arc of deforestation to
central Amazonia. Environmental Management 38(5): 705-716.
Federação Ornitológica de Minas Gerais, Sanhaço-de-coleira (2009). Disponível
em: http://www.feomg.com.br/san_cole.html. Acesso em 10 fevereiro de
2009.
Ferreira, P. C. e Fisch, S. T. V. (2007) Vegetação: formações vegetais. In: Ferreira, P.
C. (Coord.). (Org.). A Biologia e a Geografia do Vale do Paraíba: Trecho Paulista. São José dos Campos: IEPA, p. 37-54.
Haffer, J. (1969) Speciation in Amazonian Forest birds. Science 165: 131-137.
Haffer, J. (1974) Avian speciation in tropical South America. Publications of the
Nuttal Ornithological Club 14: 1-390.
Haffer, J. (1978) Distribution of Amazon forest birds. Bonner Zoologische Beitrage 29: 38-78.
Pacheco, J. F, Whittaker, A. & Carvalhaes, A. M. P. (1994). Extensão da distribuição
de Passeriformes Oscines no Parque Nacional do Jaú, Amazonas. Livro de
Resumos IV Congresso Brasileiro de Ornitologia, Universidade Federal Rural
de Pernambuco, Recife, p. 55-55
Ridgely, R. S. & Tudor, G, (2009). Field guide to the Songbirds of South America:
The passerines. Texas press, 1st edition.
Sick, H. (1997) Ornitologia Brasileira. Edição revisada e atualizada por José Fernando Pacheco. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro.
Sigrist, T. (2008) Guia de Campo – Aves da Amazônia Brasileira. São Paulo: Avis
Brasilis, 472p.
Vasconcelos, M. F., Santos D'Angelo Neto & Ouriques, E. V. (2005). Consumo de
folhas e flores por Schistochlamys melanopis (Latham, 1790) e por Schistochlamys ruficapillus (Vieillot, 1817) (Passeriformes: Thraupidae). Atualidades Ornitológicas, N. 125, Maio/Junho.
WIKIAVES - A enciclopédia das aves brasileiras (2010). Disponível em:
http://www.wikiaves.com.br/sanhacu-de-coleira. Acesso em 29 de Agosto
de 2010.
1-Coordenação de Pesquisas em Ecologia, Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia, Av. André Araujo 2936, 69011-970,
Manaus, Amazonas, Brasil. 2-Clube de Observadores de
Aves do Vale do Paraíba, SP (COAVAP). 3- Autor para
correspondência: [email protected]
5
Download