O CONCEITO DE PERSONALIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA

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1 O CONCEITO DE PERSONALIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
PSICOLOGICA HISTÓRICO-CULTURAL
Luiza Almeida Xavier – UEM – [email protected] - CNPq
Marilda Gonçalves Dias Facci – UEM – [email protected]
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre o desenvolvimento
da personalidade, a partir da Psicologia Histórico-Cultural. O texto é decorrente de
estudos realizados na Universidade Estadual de Maringá, no projeto de iniciação
científica, que está em andamento, intitulado A formação da personalidade e o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores: contribuições da Psicologia
Histórico-Cultural. O projeto está sendo desenvolvido por meio de pesquisa
bibliográfica em obras de autores como L. S. Vigotski, Lucien Sève e A. N. Leontiev,
dando um maior destaque a coletânea “Marxismo e a Teoria da Personalidade”, escrita
por Lucien Séve. Também foram analisados alguns artigos e livros de autores
brasileiros que tratam do tema em questão.
Nos volumes I, II e III da obra “Marxismo e a Teoria da Personalidade”,
Sève destaca que o homem transforma-se com a mutação das relações sociais, de modo
que a natureza do homem é a história. O desenvolvimento das capacidades dos
indivíduos resulta da apropriação das forças produtivas à qual estes se entregam na base
do trabalho social, conforme veremos no decorrer do texto.
A NECESSIDADE DE UMA COMPREENSÁO MARXISTA DA FORMAÇAO
DA PERSONALIDADE.
Lucien Sève (1979a) constatou que a Psicologia vigente em meados de 1945
possuia rigor científico no que diz respeito ao estudo da personalidade, no entanto o
fazia sem considerar a relação desta com a vida humana real. Baseado na obra de
Politzer “La Crise de La psychologie contemporaine”, orientou suas reflexões no
sentido do marxismo, visando uma Psicologia ao mesmo tempo concreta e científica.
Sève também se fundamentou na obra O Capital de Marx, na tentativa de articular a
Psicologia da personalidade com o materialismo histórico.
2 Segundo o autor, Marx considera que a essência humana é o conjunto das
relações sociais e não uma abstração inerente ao indivíduo isolado. E a partir do
momento em que a Psicologia busca desvendar o psiquismo com base no indivíduo, a
mesma se baseia em humanismo especulativo, ficando à margem da ciência marxista e
da verdade.
Sève (1979 a) afirma que a Teoria da Personalidade tem uma importância
fundamental para o marxismo, no entanto, entende que essa teoria ainda não conseguiu
atingir um estado de adulta, pois o caráter adulto de uma ciência só pode ser alcançado
após a definição de seu objeto de estudo e do método pelo qual o mesmo será
explorado. Além disso, os conceitos de base que exprimam os principais elementos e
contradições de tal objeto e leis fundamentais de desenvolvimento que levem à
dominação na teoria e na prática são necessários para garantir a cientificidade da
Psicologia, afirma o autor.
Em decorrência disso, a Teoria da Personalidade pode ser considerada uma
ciência em plena ascensão, mas muito jovem ainda, segundo Sève. Enquanto a
psicologia da personalidade não atingir a integral maturidade científica, a mesma não
deverá espantar-se se o seu próprio direito de existir estiver posto em causa. Devido ao
fato da psicologia da personalidade possuir algumas incertezas no que diz respeito à sua
própria identidade, é o marxismo que deve determinar sua articulação com a mesma,
afirma Sève (1979a).
Durante a história da Psicologia surgiram divergências a respeito do seu
objeto de estudo, afirmando que seus estudos científicos são feitos sem que se saiba
para onde são dirigidos. Além disso, a Psicologia era considerada uma ciência cujo
domínio ainda era confuso, possuindo métodos incertos. Dessa forma, tal ciência
alcança um domínio cada vez mais vasto, mas não consegue firmar-se ainda, não
consegue atingir a vida adulta. Em referência ao desenvolvimento de tal ciência, Sève
(1979a, p. 75) afirma que “A Psicologia da Personalidade, enquanto ciência da
individualidade humana concreta deve, necessariamente, vir articular-se na concepção
científica geral do homem que o materialismo histórico constitui.”
O autor enfatiza que a Psicologia se debatia com várias teorias que
buscavam compreender o psiquismo humano. Uma das vertentes desta ciência afirmava
que o psiquismo deveria ser compreendido como uma atividade distinta da atividade
nervosa que lhe correspondesse, o que conduziria a concepção metafísica da Psicologia
como sendo a “ciência da alma”. Outra vertente já compreendia o psiquismo como
3 atividade nervosa, o que provocaria a evaporação da Psicologia em proveito das
ciências biológicas.
Vigotski (1996) ao tratar da crise da Psicologia, por volta de 1930, também
fez tal afirmação. Entende que existiam duas psicologias: uma que estudava o
comportamento sem a psique e outra que estudava a psique sem o comportamento. Para
o autor russo a Psicologia da época estava grávida de uma concepção marxista, mas
ainda não tinha dado luz a essa visão da Psicologia. Esta seria a Psicologia Geral que
Sève está chamando de adulta. A partir do materialismo histórico, segundo Sève, é
possível extrair a concepção de conjunto de uma Psicologia da personalidade
cientificamente adulta. O que se explana no trecho a seguir:
As teorizações psicológicas atuais sobre a personalidade efetuam-se, com demasiada
freqüência a partir de práticas em si mesmas bem teóricas e pouco concretas, na
medida em que não prendem a atividade pessoal senão de uma forma fragmentária,
marginal, quando não artificial, porque deixam de lado as condições da vida real, a
começar pelo trabalho social (SÈVE, 1979c, p. 420)
A Psicologia, na realidade, não tem conseguido compreender o desenvolvimento
da personalidade como vinculado a condições sociais que formam o homem. Ela tem
compreendido o homem como abstrato. Saviani (2004) entende que a Psicologia tem
tratado do homem destituído das relações sociais e defende o estudo do homem
concreto, a partir de fundamentos marxistas. O homem concreto é compreendido como
síntese das relações sociais de produção. Trataremos mais especificamente desta
questão no segundo item do texto.
Sève (1979c, p. 431) considera que “o objeto da Psicologia é fornecido pelo
conjunto dos fatos humanos considerados nas suas relações com o indivíduo humano,
isto é, na medida em que constituem a vida de um homem e a vida dos homens”. Ao
separar a personalidade das condições sociais, privamo-nos da sua socialidade,
construindo uma concepção abstrata e não histórica da individualidade, sem ter
consciência da singularidade de cada indivíduo. O autor afirma que não há na
personalidade algo que não seja do domínio social, sendo necessária que sua
singularidade seja compreendida como essencial, e também reconhecendo o caráter
dialético da personalidade.
A ciência da personalidade não pode fundar-se na base de uma psicologização
da essência humana, mas sim basear-se no materialismo histórico e dialético. A partir
desse fundamento, o pensador marxista possui o direito e o poder de criticar as visões
ideológicas que se manifestam numa Psicologia idealista e burguesa. O autor questiona
4 a possibilidade de existir uma ciência marxista, afirma que, existe, com segurança, uma
concepção e um uso marxista da Psicologia. No entanto, a partir do momento em que o
materialismo histórico é considerado como a base de toda a ciência do homem, o seu
objeto coincide com o desenvolvimento do homem nas suas relações sociais. Portanto, a
história social dos homens está contida na história do seu desenvolvimento individual.
Sève (1979c, p. 456) afirma que
Apenas o marxismo fornece ao homem a sua verdadeira dimensão e as suas
perspectivas de desenvolvimento ilimitado ao levar de volta a base biológica da
necessidade a desempenhar o seu papel efetivo de ponto de partida genérico e
de condição de possibilidade e ao revelar, no âmbito da hominização, isto é, do
entrelaçamento da socialização e da personalização.
A partir do exposto até o momento, trazendo as idéias de Sève e Vigotski
tentamos apresentar a necessidade de uma Psicologia que se funde no marxismo para
uma compreensão do homem concreto. A seguir, trataremos mais especificamente sobre
a formação da personalidade.
A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE EM UMA VISÃO MARXISTA
Leontiev (1978) afirma, a partir do marxismo, que o homem nasce humanizado,
com o aparato biológico para se tornar humano, mas o processo de humanização só
ocorre por meio do processo educativo, que leva o indivíduo a se apropriar dos bens
materiais e culturais produzidos pela humanidade.
Sève (1979a, p. 51) expõe que a essência do homem é a de nascer homem, no
sentido biológico do termo, mas no sentido psicossocial ele precisa assimilar o
“patrimônio humano objetivamente acumulado no mundo social [...]” para se tornar
humano.
Martins (2007) afirma, nessa linha de pensamento, que, para que os indivíduos
se objetivem como seres humanos, é preciso que se insiram na história, a qual
possibilita a relação entre apropriação e objetivação. Tal relação é mediada pelas ações
de outros indivíduos. A objetivação é o resultante da atividade humana por suas
relações com os produtos da história. Desse modo, a apropriação da objetivação é ao
mesmo tempo a apropriação sintética da atividade histórica. Nesse sentido Duarte
(1993) também esclarece que para o homem desenvolver a sua individualidade é
necessário que ocorra um processo de apropriação dos bens produzidos pela
humanidade e a objetivação de novos produtos materiais e culturais.
5 Segundo Duarte (1993), as características da espécie são transmitidas por
herança genética, mas, as características do gênero humano não, pois este possui uma
objetividade social e histórica. O fato do indivíduo humano ser singular, único, resulta
de um processo social, histórico e concreto. A apropriação, pelo indivíduo, das
objetivações humanas é sempre um processo ativo e se realiza, através da mediação das
relações sociais concretas.
Para Leontiev (1978) as relações sociais não são fatores externos de
crescimento, mas sim a própria essência da personalidade. Dessa forma, surge espaço
para uma ciência da personalidade humana articulada com a ciência das condutas, na
qual as relações sociais são a base de uma outra espécie de relações, que são
constitutivas das bases da personalidade na sua acepção histórico-social, onde os
homens criam-se a si mesmos.
Ainda segundo o autor, a sociedade pode ser considerada como indivíduo total,
de modo que a cultura é a configuração dos comportamentos aprendidos e dos seus
resultados. O indivíduo psíquico é representado como sendo o elemento constituinte da
sociedade, a sua base real. Além disso, a sociedade é caracterizada como a obra de uma
personalidade que seria criada pela sociedade e criadora dessa mesma, sendo de suma
importância analisar os comportamentos a partir dos fatos históricos.
É necessário considerar a indissolúvel unidade entre o individuo e o gênero
humano, de modo que o homem apenas se individualiza por meio do processo históricosocial. A realização humana se dá por meio da história construída, desenvolve-se a
partir de condições biológicas e sociais. A atividade humana engendra um conjunto de
processos pelos quais o indivíduo adquire existência psicológica, desenvolvendo sua
personalidade à medida que faz, pensa e sente.
Quanto mais se socializa, mais cada ser humano tem possibilidades de formar
sua individualidade. É preciso viver, em interação com outros homem e com o produto
da história desses homens para que aconteça o processo de individualização. A
atividade vital humana – o trabalho - é um processo sustentado por uma cadeia de ações
e relações que articulam o individuo a coletividade. Para Sève (1979 a), assim como
para Saviani (2004), a essência do homem é o trabalho. As objetivações são permeadas
de significação social, que é dada por outros indivíduos, dentro de um contexto social.
Este contexto foi produzido, através das relações que os homens foram estabelecendo,
entre si, no decorrer da história; desta forma ao transformar a natureza, os homens
também foram se transformando.
6 Para Martins (2007), o trabalho é o processo que regula o metabolismo entre
o homem e a natureza, de modo que ao modificá-la, modifica ao mesmo tempo sua
própria natureza. Pelo processo de trabalho, o homem constrói sua genericidade de tal
forma que a vida individual e a vida genérica se encontram dispostas uma a outra. Dessa
forma, o trabalho está no centro da humanização do homem, afirma a autora. O mesmo
engendra a estruturação da consciência, que por sua vez se concretiza pela linguagem,
razão pela qual a consciência é inseparável da linguagem, e ambas, inseparáveis do
trabalho.
Sève (1979a) considerar que as relações materiais humanas constituem a
base de todas as suas relações, a história social dos homens não passa da história do seu
desenvolvimento individual. Desse modo, afirma que “[...] a separação entre os homens
e as relações sociais não só torna incompreensíveis os homens, como também o
desenvolvimento das relações sociais.” (1979b, p.117). A individualização através do
processo histórico faz com que as contradições das relações sociais determinem a base
contraditória do processo de vida dos indivíduos.
Na obra “Marxismo e Teoria da Personalidade” (1979a) Sève pontua a
necessidade de distinguir o conceito abstrato de homem com o de homem concreto.
Todo o conceito científico é abstrato enquanto conceito, mas só é científico, segundo as
exigências marxistas, se conseguir captar a essência concreta do seu objeto. Os homens
são considerados como um conjunto de habilidades físicas e intelectuais reunidas em
sua personalidade, de modo que constituem o fator subjetivo da produção. Seus
instrumentos de trabalho possuem como objetivo o desenvolvimento do trabalhador,
mas também são expoentes das relações sociais oriundas do mesmo.
Ao analisar o conjunto das relações sociais, nota-se que o indivíduo humano
não possui originalmente a sua essência dentro de si mesmo, mas sim no exterior, nas
relações sociais. Tal fato faz surgir a necessidade histórica. O homem nasce dotado de
necessidades elementares, que inicialmente são satisfeitas pelas ações de outras pessoas.
Tais necessidades se transformam por meio dos objetos durante o seu processo de uso,
reafirmando a tese marxista segundo a qual as necessidades se produzem, e possuem
uma natureza histórico-social.
Sève (1979b) afirma que o homem transforma-se com a mutação das
relações sociais, de modo que a natureza do homem é a história. Considerando isso, “é
necessário elaborar uma doutrina em que todas essas relações sociais sejam ativas e se
encontrem um movimento, estabelecendo com a maior clareza que o ponto de apoio
7 desta atividade é a consciência do homem considerado enquanto indivíduo” (Séve,
1979c, p. 433).
Segundo o que Sève (1979b) explora, o homem abstrato consiste em uma
generalidade abstrata, a qual começa por existir nos indivíduos a quem a sociedade
capitalista desliga de todo e qualquer laço específico. O pensamento, em uma visão
marxista, vai do concreto imediato ao abstrato, e então retorna ao concreto, o qual
consiste na síntese de múltiplas determinações. Cada indivíduo natural torna-se humano
por meio do seu processo de vida real no seio das relações sociais. Dessa forma, é
indispensável uma articulação consciente entre a Psicologia e o materialismo histórico.
Portanto, é de suma importância para a Psicologia da Personalidade elaborar a teoria das
relações e processos no seio dos quais se produz uma personalidade concreta.
Séve (1979b) discute a questão da personalidade com base em três pontos.
O primeiro afirma que a personalidade concreta desenvolve-se a partir de um suporte
biológico que determina certas condições no âmbito das quais ela se cria enquanto
formação histórico-social. Além disso, a existência do suporte biológico leva a que surja
um conjunto de determinações e de diferenciações que não possuem correspondente no
terreno das formas sociais de individualidade. Já no segundo ponto Sève afirma que a
personalidade concreta encontra-se claramente marcada pelas limitações que implicam
o fato geral da individualidade. No terceiro ponto o autor considera que a passagem da
individualidade social à personalidade concreta significa que nos encontramos perante
uma formação que funciona como uma totalidade de uma ordem específica. Desse
modo, a personalidade torna-se o ponto de apoio de regulações sociais, já que é
considerada um sistema complexo de atividades possuindo a sua unidade no terreno
psicológico.
O autor considera cada indivíduo como singular, sendo essa singularidade
individual um fato social, o qual consiste na diversidade intrínseca dos indivíduos.
Contudo, sendo a individualidade um fato social, o segredo da individualidade psíquica
humana reside na conexão entre exterioridade social e o desenvolvimento ilimitado da
totalidade do patrimônio humano, da essência humana real.
Sève (1979b) ainda enfatiza que a divisão do trabalho, na sociedade
capitalista, é o modo que o indivíduo encontra para individualizar-se à medida que se
vai socializando. Para Leontiev (1978, p. 275), com a divisão do trabalho, as aquisições
do
desenvolvimento
desenvolvimento.
histórico
podem
separar-se
daqueles
que
criam
este
8 Esta separação toma antes de mais uma forma prática, a alienação econômica dos
meios e produtos do trabalho em face dos produtores diretos. Ela aparece com a
divisão social do trabalho, com as formas da propriedade prvada e da luta de classes.
Ela é, portanto, engendrada pela ação das leis objetivas do desenvolvimento da
sociedade que não dependem da consciência ou da vontade dos homens.
O autor comenta que
A divisão social do trabalho transforma o produto do trabalho num objeto destinado
à troca, o que modifica radicalmente o lucro do produtor no produto que ele fabrica.
Se este último continua a ser, evidentemente, o resultado da atividade do homem,
não é menos verdade que o caráter concreto desta atividade se apaga nele: o produto
tem um caráter totalmente impessoal e começa a sua vida própria, independe do
homem, a sua vida de mercadoria (p. 275).
Retornando às considerações de Sève (1979c), ao considerarmos que o
trabalho enquanto livre manifestação de si constitui a primeira necessidade humana, o
trabalho social alienado constitui, dessa forma, sua radical negação. Ao qualificar o
trabalho como primeira necessidade humana, afirma-se que a essência humana é o
trabalho, o que transforma o trabalho numa essência psicologizada do homem abstrato.
Nota-se ainda que para Martins (2007), a base da alienação reside em
condições econômicas, nas relações sociais de produção, permeando todas as esferas da
vida humana. Tal base possui o objetivo de caracterizar a maneira que a realidade é
percebida nas suas aparências, e revelar os mecanismos que determinam essas
aparências.
Para Marx (apud LEONTIEV, 1978), a realização da humanização dos
homens só é possível pelo trabalho efetivado ontologicamente, o que acontece quando
as relações determinadas pela alienação são superadas. Pelo processo de alienação, o
homem coisifica-se, convertendo-se em escravo daquilo que ele próprio criou. Ainda
segundo Leontiev (1978), nas condições de alienação os indivíduos não são sujeitos do
desenvolvimento de suas capacidades individuais, o que gera o hiato entre motivos e
finalidades, já que a individualidade e a personalidade resultam como mercadoria, ao
serem condicionadas pelo valor de troca.
Para superar a alienação, os indivíduos precisam retomar para si o controle
consciente das transformações das circunstancias e de si mesmos, o que pressupõe que o
individuo aprenda a reconhecer as articulações entre seus atos, colocando-os em relação
com suas conseqüências reais, que se revertem tanto para si quanto para os outros. A
luta contra a alienação inicia quando sua existência é reconhecida e encarada de maneira
crítica. Dessa forma, consideramos que é de suma importância que o psicólogo busque
9 nos pressupostos do materialismo histórico-dialético o seu ponto de apoio para
compreender o desenvolvimento da personalidade, considerando o homem concreto,
síntese das relações sociais, que em uma sociedade capitalista, pelo processo de
alienação, está obliterado no desenvolvimento máximo de suas potencialidades.
TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Apresentamos aqui algumas considerações sobre a formação da
personalidade com base no marxismo, no entanto, consideramos que o tema ainda
carece de muitos estudos, tanto nesta pesquisa que estamos desenvolvendo, como na
literatura que pouco tem contemplado essa temática com base no materialismo histórico
e dialético.
A partir das leituras efetuadas até o momento no Projeto de Iniciação
Científica, consideramos importante destacar que o homem se humaniza por meio da
educação, da apropriação da cultura e que o desenvolvimento da personalidade é
oriundo das relações sociais de produção. O trabalho é o processo que vincula o homem
e a natureza, de modo que ao modificá-la, o homem modifica ao mesmo tempo sua
própria natureza. A atividade consciente é atributo do homem, de modo que a existência
da consciência pressupõe o ser consciente, o que torna possível a consciência da
genericidade e o estabelecimento de uma relação com ela.
No texto buscamos esclarecer a necessidade de compreender a formação da
personalidade como resultante de uma relação dialética entre fatores internos e externos.
No que diz respeito à Teoria da Personalidade, Leontiev (1978) considera que a
personalidade resulta de relações dialéticas entre fatores externos e internos sintetizados
na atividade social do indivíduo, sendo condicionada por condições objetivas, de modo
que a personalidade do individuo não depende da vontade dos indivíduos tomados
separadamente, mas da trama de relações que se estabelecem entre eles.
A personalidade é processo, é desenvolvimento resultante da relação entre
dois aspectos da sociedade, sendo um deles de natureza objetiva e o outro, de natureza
subjetiva. Resulta da unidade e da luta dos contrários, indivíduo e sociedade. Ela
compreende aspectos que dependem de condições naturais e que são comuns a todos os
homens, aspectos que dependem das formações sociais, bem como aspectos da história
individual influenciada pela correlação das condições externas e internas que lhe são
próprias.
10 Sève (1979a) considera que ao separar a personalidade das condições
sociais, privamo-nos da sua socialidade, construindo uma concepção abstrata e não
histórica da individualidade, sem ter consciência da singularidade de cada indivíduo.
Não há na personalidade algo que não seja do domínio social, sendo necessária que sua
singularidade seja compreendida como essencial, e também reconhecendo o caráter
dialético. Se encararmos a Teoria da Personalidade como uma ciência dependente da
ciência do comportamento, renunciamos a compreensão da personalidade pura e
simples.
Sève (1979b) argumenta que ao longo do desenvolvimento da
personalidade, os indivíduos são obrigados a apropriar-se da totalidade das forças
produtivas existentes para assegurarem sua existência. A partir disso, nota-se que os
trabalhadores não têm domínio sobre o crescimento de suas personalidades através do
trabalho assalariado. A sua personalidade viva, expressa pela força de trabalho, não
pode ser uma livre manifestação de si, já que é vendida ao capitalista. Portanto, a
personalidade viva acaba por chegar à alienação, sendo dominada por seu valor de
troca, que nega sua individualidade concreta, sendo habitada de uma ponta à outra pelas
relações sociais de dependência. Discutindo sobre a individualidade, pode-se salientar
que a personalidade é o sistema total da atividade de um indivíduo.
Em toda sociedade existem configurações de respostas que se encontram
ligadas a certos grupos socialmente delimitados no seio dessa sociedade, tais
configurações constituem outros estatutos da personalidade, as quais podem ser
denominadas de personalidades estatutárias. Tais personalidades encontram-se
sobrepostas à personalidade de base e nela se encontram integradas. Cada sociedade
possui o seu próprio tipo de personalidade de base e a sua própria gama de
personalidades de estatuto, as quais definem as atitudes, valores e comportamentos de
tal sociedade. Nesse sentido, é importante recorrer a uma citação de Vigotski (1996, p.
368): “[...] cada pessoa é em maior ou menor grau o modelo da sociedade, ou melhor,
da classe a que pertence, já que nela se reflete a totalidade das relações sociais”.
Apesar disso, há a contradição sobre o motivo pelos quais os membros de
uma dada sociedade apresentam consideráveis variações individuais na sua
personalidade, até porque os membros de uma sociedade nunca possuem as mesmas
capacidades de crescimento e de desenvolvimento. Portanto, mesmo tratando-se de
tipos de meio ambientes idênticos, estes fornecem aos diferentes indivíduos tipos de
experiência diferentes e levam a que nestes se formem personalidades diferentes.
11 Ainda segundo Sève (1979b, p.339) “se existe efetivamente uma
singularidade do indivíduo que é irredutível às coordenadas sociais gerais, a
singularidade mais essencial, a que constitui o âmago do problema é, precisamente, a da
personalidade histórico-social enquanto tal.” De modo que o homem se individualiza
através do processo histórico, e não apesar deste ou à sua margem. Portanto, a ciência
psicológica deve estabelecer a legitimidade da atribuição de uma liberdade ao
indivíduo. As relações sociais entre as condutas, ou seja, todas as estruturas reais da
personalidade desenvolvida advêm do fato de que estas condutas são portadoras de uma
atividade social determinada e determinante para o indivíduo. Portanto, falar em
condutas equivale a reter um segmento delimitado do circuito total dos atos.
Explorando o conceito de capacidades Sève (1979c) afirma que as mesmas
podem ser consideradas como o conjunto das potencialidades atuais, inatas ou
adquiridas, para efetuar seja que ato for. Entre os atos e as capacidades de um indivíduo
vemos que existem inúmeras relações dialéticas, cuja análise constitui um capítulo
essencial da teoria da personalidade. Considerando que a função progressiva mais
importante da sociedade é a acumulação, a função progressiva mais importante da
personalidade é o desenvolvimento das capacidades.
Para Martins (2004), por meio da personalidade os indivíduos constituem
uma maneira particular de funcionamento, exercendo papel de sujeito no processo de
construção da sociedade que o cerca. Dessa forma, personalidade é considerada uma
síntese de processos biológicos e psicológicos que em interação com o meio transforma
o indivíduo de maneira criadora e autocriadora por meio da consciência. A
personalidade realiza-se segundo as condições concretas de sua vida aliadas às suas
possibilidades para uma atividade consciente.
O desenvolvimento máximo de cada personalidade pode ser analisado pelo
reconhecimento da mediação nele exercida pelas relações sociais existentes, implicando
necessariamente em uma transformação radical das relações sociais determinadas pela
alienação.
Nota-se então que é possível compreender o indivíduo em sua totalidade a
partir da análise das relações sociais estabelecidas. Deve-se considerar o período
escolar, o trabalho, bem como os demais círculos sociais na análise sobre a formação da
personalidade. Dessa forma, é fundamental visar à articulação entre os fatores
ambientais e individuais. Tal articulação possibilita o desenvolvimento através do
12 processo do trabalho efetivado ontologicamente, além das relações estabelecidas
durante o mesmo.
Em uma sociedade capitalista na qual os homens vivem um processo de
alienação, no qual não conseguem ter acesso aos produtos do seu trabalho, e o sistema
de relações sociais é determinado pelo desenvolvimento das forças produtivas, de
acordo com Sève (1979a) é muito difícil criar condições nas quais cada indivíduo
consiga assimilar a riqueza do patrimônio social objetivo. A busca por essas condições é
uma tarefa que se impõe ao psicólogo que busca no materialismo-histórico e dialético o
fundamento para o entendimento da personalidade.
REFERÊNCIAS
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histórico-social da formação do indivíduo). Campinas: Autores Associados
LEONTIEV, ALEXEI NIKOLAEVICH. (1978.) O Desenvolvimento do psiquismo.
Lisboa: Livros Horizonte
MARTINS, LÍGIA MÁRCIA. (2007) A formação social da personalidade do
professor: um enfoque vigotskiano. Campinas: Autores associados
MARTINS, LÍGIA MÁRCIA. (2004.) A natureza histórico-social da personalidade.
Cad. CEDES, Campinas, v. 24, n. 62
SAVIANI, D. (2004). Perspectiva marxiana do problema subjetividadeintersubjetividade. In: Duarte, N. (Org.). Crítica ao fetichismo da individualidade.
Campinas, SP: Autores Associados, p. 21-52.
SÈVE, LUCIEN. (1979a.) Marxismo e a teoria da personalidade. Lisboa: Livros
Horizonte, VOL. I.
SÈVE, LUCIEN. (1979b.) Marxismo e a teoria da personalidade. Lisboa: Livros
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SÈVE, LUCIEN. (1979c) Marxismo e a teoria da personalidade. Lisboa: Livros
Horizonte. Vol III.
VIGOTSKI, LIEV SEMIÓNOVITCH. (1996.) Teoria e método em psicologia. São
Paulo: Martins Fontes
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