FORMAÇÃO CONTINUADA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES SOBRE A DIFERENÇA MOURA, aria da Glória Carvalho – UFPI E-mail: [email protected] MOURA, Elaine Cristina Carvalho - UFPI E-mail: [email protected] Área Temática: Formação de Professores Eixo temático: Educação: Profissionalização Docente e Formação Resumo O núcleo deste estudo centra-se na formação continuada do professor de pessoas jovens e adultas, visando despertar o compromisso com a construção de uma prática educativa transformadora desses profissionais que atuam nessa modalidade de ensino da educação básica. Teve como objetivo analisar a concepção de diferença incorporada pelo professor da Educação de Jovens e Adultos - EJA, do sistema público municipal de ensino da cidade de Teresina, capital do Estado do Piauí e sua influência no desenvolvimento da prática educativa desenvolvida no seu contexto educativo de atuação. Para efeito desse trabalho, o foco foi dado as apropriações referentes aos sentidos genéricos do instituído social a cerca da diferença, concebido pelos professores, advindos da crise de paradigma que envolve a EJA, no que se refere principalmente a imagem social e cultural do seu público alvo: as pessoas jovens e adultas. No estudo de cunho qualitativo, ancorado nos princípios da pesquisa colaborativa, nos utilizamos da análise do discurso para interpretar os depoimentos dos colaboradores, recolhidos através de entrevista semi-estruturada. A fundamentação teórica teve como base às idéias dos autores: Carrano, Moura, Ferreira, Sacristán, Gill, Maingueneau, Orlandi, dentre outros estudiosos da temática em foco. Os resultados evidenciam que a compreensão do que vem a ser a diferença, em se tratando do aluno jovem e adulto, bem como, as reflexões interativas realizadas em um espaço de reflexão e colaboração, sobre o tema, podem se tornar um referencial para a transformação da ação docente, contribuindo de forma significativa para a reconstrução da prática educativa buscando a superação das várias formas de violência, as quais o aluno jovem e adulto está exposto: preconceitos, subordinações perversas e todo o tipo de desigualdades econômico-sociais que provocam exclusões. Palavras-chaves: Diferença; Prática educativa; Formação contínua. Considerações preliminares A pesquisa que originou a este trabalho teve como motivação às discussões sobre o aluno jovem e o aluno adulto, ocorridas durante a formação continuada por meio de Ciclos Reflexivos de Estudo, sobre a prática pedagógica do professor do Ensino Fundamental na 3510 modalidade Educação de Jovens e Adultos - EJA, do Sistema público municipal de ensino da cidade de Teresina, capital do Estado do Piauí. No decorrer da referida pesquisa a palavra diferente ou diferença era mencionada sempre que os professores se referiam ao público alvo da EJA, originando um debate sobre em que se constituía essa diferença, o que permitiu um diagnóstico a respeito dos pontos de vistas dos partícipes. Para efeito deste trabalho, foram escolhidos três depoimentos para análise, apresentados neste texto, pois, pareceu-nos que se prestava bem para iniciar uma reflexão em torno da problemática anunciada, bem como, abrir espaço para futuras reflexões. Antes de tudo, o que pretendemos, é marcar o início de uma série de debates sobre o tema. Destaque-se que, o que aqui está posto, não é uma visão definitiva, visto que os discursos analisados podem ser classificados, como apropriações repetitivas do instituído social, produzidos em determinada circunstância históricos sociais. Em se tratando das pessoas jovens e adultas, público potencial da EJA, considerandose a hierarquização constituída, concebida no meio educacional como uma modalidade da educação básica de menor relevância social, produz a necessidade de se refletir os sentidos genéricos a ela atribuídos, dando início a uma transformação do que esse mesmo sentido produziu historicamente. Segundo Voese, (2004, p. 65), “[...] o sentido é, em parte, genérico e, por sua vez, viabiliza o processo de manutenção de um instituído e sua superação possível”. Esses aspectos foram determinantes para a realização do presente estudo. Contribuições teóricas para o estudo: desafios e possibilidades O debate sobre a compreensão da diferença ativa as discussões e a preocupação com o problema central da EJA envolvendo uma dimensão maior da existência humana: as diferentes configurações que vão assumindo, ao longo do trajeto histórico, as relações entre os povos, culturas, civilizações, raça, religião, grupos sociais e indivíduos, constituindo-se no desafio central não só das práticas pedagógicas desenvolvidas com crianças, jovens e adultos, seja no âmbito escolar ou não, mas principalmente nas possíveis maneiras de convivência que o ser humano é capaz de construir, para se humanizar e/ou desumanizar, no plano do saber, da economia, da política, enfim nos diferentes caminhos tortuosos da história em diferentes contextos geográficos e culturais. 3511 Essa discussão passa pela reflexão da própria existência do ser humano e de seu processo de educabilidade na essência histórica da humanidade. Pois, o que se coloca em evidência são as possibilidades de convivência dos diferentes com suas próprias diferenças em um contexto que busque a superação das várias formas de violência, as quais o ser humano está exposto: preconceitos, subordinações perversas e todo o tipo de desigualdades econômico-sociais que provocam exclusões. Nessa direção, nos parece necessária tecer algumas considerações sobre a configuração em que se instala a EJA e suas implicações no contexto educativo. Nessas considerações podemos enumerar várias razões nas quais estão explicitadas as urgências de uma discussão mais aprofundada sob o sentido da Educação de Jovens e Adultos – EJA, resultando na sua construção identitária, de modo a ser transparente para o seu público alvo e a sociedade, visto que, em sua maioria ainda nem se deu conta de sua necessidade, lhe conferindo a devida importância (MOURA, 2006). Primeiramente, a educação institucionalizada de pessoas jovens e adultas já é uma realidade para os professores e professoras, hoje, no sistema público de ensino. Sendo assim, devia ser reconhecida, também, pelo próprio sistema o que aparentemente não ocorre, tendo em vista a forma como é tratada principalmente pelas políticas públicas. Em segundo lugar, com a expansão da obrigatoriedade da Educação Básica a toda população escolarizável, art. 208 da Constituição Federal de 1988, os jovens e adultos foram convidados a retornar à escola a fim de preencher a lacuna deixada pela falta de acesso, permanência e oportunidade, reparando uma injustiça social que é secular. Tornando-se obrigatória, a EJA transforma a função da obrigatoriedade até então assimilada pelos professores, como exclusivamente da faixa etária de 06 a 14 anos, dentro de uma perspectiva que atenda as especificidades dos jovens e adultos, tendo em vista que o processo pedagógico deve ser desenvolvido para alguém que mesmo enfrentando muitos obstáculos alcançou um conceito de si próprio que lhe permite ser responsável pela sua própria vida. Com efeito, esse jovem e/ou esse adulto tem uma necessidade interna de ser compreendido pelos outros e, conseqüentemente por eles tratados com a devida consideração, ou seja, como alguém que tem experiência de vida e não pode ser ignorada, visto que, isto implica na rejeição destes, como pessoa (MOURA, 2006). Ainda sobre essa questão, a educação institucionalizada para a camada da população constituída de jovens e adultos já se tornaram uma realidade para os professores, no sistema 3512 público de ensino. Contudo, devia ser reconhecida, também, pelo próprio sistema, o que aparentemente não ocorre, tendo em vista a forma como é tratada principalmente pelas políticas públicas. A escola de qualidade não chegou a todos os brasileiros, visto que, com a escola para todos, não surgiu uma decisão política capaz de dá sustentação a uma educação de massa, principalmente para as pessoas jovens e adultas. Com efeito, garantir um sistema de ensino oficial aberto a todas as camadas da população e não alterar as estruturas, os conteúdos, os métodos já estabelecidos, são práticas que acabam por negar a universalidade da educação a esse público que na sua maioria já foi rejeitado pela escola. Desse modo é inconcebível tomar como parâmetro um sistema de ensino e aprendizagem de pessoas jovens e adultas ancorado em um modelo escolar organizado para crianças. Efetivamente, esse modelo se constitui, no contexto atual, em um dos maiores dilemas da EJA, visto que, a oferta por si só não gera a procura e o que é mais inquietante: não é garantida a permanência dos alunos na escola e muito menos a tão almejada qualidade do ensino. Os espaços, o tempo, o ritmo próprio de cada um, as experiências de vida, os contextos diferenciados, os procedimentos didáticos, os conteúdos, a metodologia, os aprendizes, os educadores, as agências formadoras representam, entre outros, componentes estratégicos utilizados para assegurar a democratização da escola que deverá reinventá-los sempre que se trate de atrair esse público tão diversificado por sua natureza, para não correr o risco de atrair apenas aqueles que já se encontram motivados e conscientes dos benefícios da aquisição de novos saberes exigidos pela sociedade atual, cada vez mais direcionada para e pela sociedade de conhecimento. As reflexões sobre essas questões passam pelo processo do conhecimento que se deve ter dos educandos com foco nas suas singularidades. O aluno da EJA participa das relações sociais. A relação que estabelece com a escola é construída no convívio com o grupo extra e intra-escolar. Ao fazer uma leitura do mundo, ele busca sentido e tenta responder relacionando-o ao seu contexto de aprendizagem e às suas necessidades, que estão estritamente relacionadas à sua própria história de vida. Portanto, eles participam e produzem a sua história de escolarização, de vida. Lidar com essas especificidades é reconhecer que o público potencial da EJA traz para a relação pedagógica saberes advindos da experiência, recheados de sentidos opressores e libertadores, que lhes conferem um significado educativo especial tornando possível o diálogo 3513 entre educadores adultos e educandos jovens e adultos. Logo, pensar em uma proposta de trabalho para a EJA construída em função da necessidade do educando que provoque o confronto dialógico entre os saberes escolares e os saberes sociais é “apostar em uma reconfiguração de um campo educativo que tem uma história tão tensa quanto densa, mas que exige ser reconhecido como um campo específico de responsabilidade pública” (ARROYO, 2006, p.42). Nessa perspectiva, uma educação para todos como meta que considere os que, historicamente, tiveram negado seus direitos a uma educação de qualidade, deve pensar e desenvolver práticas pedagógicas que respondam a questões emergentes de projetos individuais e coletivos vivenciados intensamente pelos jovens e adultos, atendendo seus objetivos de natureza mediata e imediata. Isso significa dizer que o educador precisa desenvolver práticas pedagógicas que tenha as seguintes funções básicas: 1. Acolhimento: facilitar o convívio, a interação social, a participação em atividades culturais, à construção de projetos pessoais de vida; 2. Informação: fornecer informações que possibilite a escolarização, com a finalidade de completar e/ou prosseguir a formação inicial, responder às necessidades de inserção e progressão profissional e de aperfeiçoamento no trabalho, facilitar a valorização pessoal e o resgate da auto-estima; 3. Educativa: promover e valorizar as competências advindas da experiência e dimensão educativa das atividades culturais e sociais, motivar e incentivar o envolvimento em percurso de educação/formação e em processos de inserção ativa da sociedade; 4. Mobilização: motivar pessoas e instituições locais a partilhar recursos humanos e materiais favorecendo a busca de respostas adequadas às necessidades educativas, culturais e sociais das pessoas jovens e adultas. Diante deste cenário, é preciso estimular o autodidatismo, a capacidade de autoavaliação e autocrítica, as habilidades profissionais, a capacidade de trabalhar em equipes, a responsabilidade pessoal pelo próprio aprendizado e a necessidade e capacitação para a aprendizagem continuada ao longo da vida, formando profissionais competentes, com autoestima, seguros de suas habilidades profissionais e comprometidos com a sociedade. O desafio de lidar com estas questões, nos remete a reflexão sobre diferença, foco desse estudo. Assim o ponto inicial da discussão busca apoio na Resolução n. 01 do 3514 CNE/CEB de 05 de julho de 2000, no seu artigo 05, inciso II, ao afirmar que: “quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores”. Segundo Sacristán (2001, p. 77): “A diferença não só é uma manifestação do ser irrepetível, que é cada um, mas também que, em muitos casos, é poder chegar a ser, de ter mais ou menos possibilidades de ser e de participar dos bens sociais, econômicos e culturais”. Contudo, a homogeneidade ainda é mais aceita na escola do que a heterogeneidade no que diz respeito: à idade, raça, gênero, classe social e cultural. Assim, perceber o aluno na sua diferença, enquanto ser humano pensante, com características próprias, ainda é uma tarefa muito difícil. No entanto, o caminho para modificar essa situação, é a escola, no sentido de dar maior atenção as singularidades de seus alunos, “aos conteúdos culturais e as linguagens que circulam pelos espaços escolares” (CARRANO, 2001, p. 16). Então, entender a história do aluno jovem e adulto, construída na dureza da vida, com base em muitas privações e direitos negados, dentre estes, a educação, é fundamental para a compreensão dessa diferença. É papel da escola, aceitar o desafio de desconstruir as muralhas simbólicas solidificadas ao longo da história, desse aluno, que se encontra no dizer dos professores e professoras da EJA do Município de Teresina, capital do Estado do Piauí, esquecidos pelas autoridades educacionais. Com este estudo pretendo analisar o conceito de diferença, fruto da crise de paradigma que envolve o percurso histórico da EJA, na visão dos professores do Ensino Fundamental que atuam junto a esta modalidade de ensino. O enfoque é dado as representações advindas do instituído social, por se tratar de conhecimentos construídos na experiência pessoal, concreta e cotidiana do contexto escolar. Acreditamos que uma reflexão a partir do entendimento sobre os porquês dos professores considerarem os alunos de EJA diferentes e em que se constitui essa diferença pode levar a “compreender melhor as práticas que se articulam na cotidianidade da escola, tentando apreender as estruturas que as organizam” (FERREIRA, 2000, p. 55). Tendo em vista as premissas descritas acima, o objetivo central do presente estudo reside em compreender os significados que o professor do Ensino Fundamental, modalidade EJA, atribui a diferença orientada pela seguinte indagação: O que significa essa diferença? Espera-se está contribuindo para a reflexão da diferença no contexto escolar sem uniformizar 3515 valores, mas, sobretudo, compor um cenário para uma posterior pesquisa sobre essa questão e suas implicações nas práticas educativas desenvolvidas no âmbito escolar. O percurso metodológico do estudo Em termos metodológicos optei pelos princípios da pesquisa colaborativa. Nessa perspectiva, os acontecimentos não são escritos sob o ponto de vista de um investigador estranho, mantendo uma distância analítica do objeto investigado, mas o resultado de um produto construído em co-laboração, combinando a forma de olhar da pesquisadora com o olhar e a prática explicitada das ações dos colaboradores, ambos com papéis definidos. Enquanto agente crítico os colaboradores participaram ativamente do estudo, como sujeitos experientes e possuidores de conhecimento. Dessa forma, além de fornecer informações contribuíram, também, com a avaliação do grau de sucesso da investigação, ampliando o alcance da compreensão do objeto em estudo, no caso, a diferença, compreendendo que a experiência é o livro texto vivo, do jovem e do adulto durante o processo de aprendizagem se constituindo em ponto de partida para a compreensão da diversidade que envolve esse público. Trata-se, portanto, de significações tecidas nas interações verbais vinculadas ao espaço institucional da escola e, mais especificamente, ao da sala de aula, visto que, todos os participantes estão, de uma maneira ou de outra, cercados pelos limites e possibilidades impostos pelo seu contexto de ação, a escola. Participaram desta relação interativa a professora-formadora-pesquisadora, Doutora em Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN e professora da Universidade Federal do Piauí – UFPI. Três colaboradoras que trabalham com o Ensino Fundamental na modalidade EJA, em Teresina/Piauí, na Secretaria Municipal de Educação. A seguir expomos um pouco da formação acadêmica e experiência destas profissionais. Ninfa - Dezessete anos de serviço no Magistério, dez dedicado a EJA, primeiro ao quarto bloco. Tem o curso de Licenciatura Plena em Pedagogia e Especialização em Didática do Ensino Superior e Supervisão escolar, desempenhando a época a função de coordenadora da Educação de Jovens e Adultos, entrou no serviço público municipal via concurso. Contexto interpretativo a Secretaria Municipal de Educação. Pérola - Vinte e quatro anos de serviço no Magistério, seis em EJA, com o segundo bloco (3ª e 4ª série). Tem o curso de Licenciatura Plena em Pedagogia e Especialização em 3516 Didática do Ensino Superior. Trabalha, também, na Secretaria Estadual de Educação com Educação Inclusiva. Professora concursada e efetiva do Município. Contexto interpretativo a sala de aula. Linda - Onze anos de serviço no Magistério, quatro em EJA, terceiro e quarto blocos (5ª a 8ª série). Tem o curso de Licenciatura Plena em Pedagogia e Especialização em Didática do Ensino Fundamental. É professora da Universidade Estadual do Piauí. Contexto interpretativo a escola. Os dados foram recolhidos no Espaço de Reflexão e Colaboração durante uma discussão sobre o público alvo da EJA, dada a insistência das colaboradoras em afirmar que os alunos jovens e adultos eram diferentes. Esse fato despertou curiosidade e resolvemos fazer uma entrevista coletiva com o grupo constituído de 20 pessoas sobre: Em se tratando do aluno jovem e do aluno adulto em que se constitui essa diferença? Selecionamos três depoimentos dentre os demais, que foram transcritos em seguida, para posterior análise, os quais contribuíram para a reflexão aqui colocada, pois a diferença já se fez sentir no momento da transcrição da fita e no contexto interpretativo de cada colaboradora. A análise do discurso foi utilizada para interpretar as falas, pois, se acredita que o colaborador ao exteriorizar a idéia de diferença provoca efeitos que por sua vez produz sentidos. O enfoque dado à análise do discurso nesse trabalho se inspira nas idéias de Gil (2002), Maingueneau (1997), Orlandi (2001) dentre outros. Segundo Gill (2002), “o termo ‘discurso’ é empregado para se referir a todas as formas de fala e textos (...) Ao invés de ver o discurso como um caminho para outra realidade, os analistas de discurso estão interessados no conteúdo e na organização do texto” (p. 247). Maingueneau (1997), vem nos dizer que: “em um discurso não é tanto a palavra que importa, mas a maneira como é explorada, da mesma forma, um ponto em debate não poderia ser dissociado do modo como esse debate é tecido” (p. 124). Orlandi (2001) afirma que: “para compreender um discurso, devemos nos perguntar sistematicamente o que ele cala. (...) O silêncio funciona como ponto de fuga em que os sentidos desdobram-se” (p. 130-131). Nessa perspectiva, o analista foca o discurso em si e o contexto interpretativo, lembrando que, uma única fala pode dar origem a várias interpretações, o sentido pode mudar dependendo do contexto interpretativo da ação. 3517 Como os professores expressam a questão da diferença na diversidade de contextos interpretativos Apresentamos a seguir uma descrição sintética dos resultados obtidos a partir da análise dos dados provenientes da transcrição de três entrevistas. Ressalta-se que os textos extraídos podem ser analisados de maneiras diferentes. Contudo nesse estudo interessa-nos refletir como a natureza do conceito foi discursivamente construída representada nos discursos ali empreendidos. Vejamos o que dizem nossas colaboradoras. A diferença existente entre o aluno jovem e o aluno adulto se constitui em: o primeiro ser oriundo do ensino regular com história de fracasso escolar, defasagem idade série, baixa auto-estima, trabalhador que assumiu ainda muito cedo a responsabilidade familiar impedindo, então, a continuidade dos estudos, com perspectiva de vida ausente. O segundo não teve acesso ou continuidade de estudo, uns têm experiência em Educação Escolar outros não, mas todos têm experiência de vida com suas crenças, valores e perspectiva de vida (PÉROLA). PÉROLA em seu argumento passa para o leitor a representação que tem do aluno jovem e do aluno adulto, descrevendo detalhes que mostram o que ele é, e o que não é: o jovem não é um argumento suficiente para forçar uma qualidade de ensino na escola pública porque tem uma história de fracasso escolar, defasagem idade série, baixa auto-estima e como se não bastasse teve que assumir responsabilidades próprias dos adultos quando deveria está na escola. No entanto, se referindo ao aluno adulto, fundamenta o argumento apontando em direção contrária, é uma pessoa excluída por falta de oportunidade, rico em experiência de vida tem crenças e valores próprios e perspectiva de vida ao contrário do jovem que se apresenta com perspectiva de vida ausente. O discurso de PÉROLA se esforça para oferecer, ao leitor, uma leitura preferida na tentativa de convencer em que se constitui a diferença. O que cala em seu discurso é o que Orlandi (2001) chama de “os não ditos”, ou seja, a idéia de que não é contra a presença de pessoas com características tão diferentes ocupando o mesmo espaço escolar. Contudo, rejeita 3518 a possibilidade de ser considerada responsável pelo insucesso escolar desses alunos. Ao invés disso se coloca como alguém que apresenta argumentos que favorecem o reconhecimento da necessidade de um equilíbrio de responsabilidade entre o poder público e a escola representada pelos profissionais que atuam junto a esta modalidade de ensino. Então, para Pérola diferença no caso do jovem é pautada na negação: o aluno jovem não é do ensino regular, não teve sucesso na escola, não deu continuidade aos estudos e não tem perspectivas de vida. Já o adulto não teve acesso a escola, mas tem experiência de vida e valores definidos se constituindo aí, segundo seu ponto de vista, a grande diferença. Passemos ao texto seguinte. De fato, temos na Educação de Jovens e Adultos uma clientela diferente pelas próprias características, como também pela presença do adolescente que, hoje, cresce nas classes de jovens e adultos. O jovem e o adulto valorizam e reconhecem a importância da escola. Voltam a estudar porque pensam conseguir uma oportunidade ou um lugar melhor no mercado de trabalho. Possuem uma visão de mundo diferente do adolescente e querem conhecer algo mais que complete, que dê estabilidade e amplie a sua experiência. Querem se sentir valorizados, sentir que estão aprendendo, compreendendo o mundo. A questão tempo é limitada para eles, pois não tem tempo a perder. Já o adolescente se sente atraído por tudo, pois está descobrindo o mundo e chega a não compreender muito bem o que está acontecendo: o porque de está na escola? o que fará com o que aprende? Acha que está na escola para zoar e não para cooperar em benefício da troca e da construção do conhecimento. A questão tempo é ilimitada, pois acha que tem muito pela frente (NINFA). NINFA é cuidadosa ao construir seu argumento. De inicio critica sutilmente o sistema por permitir a presença de adolescentes nas classes destinadas aos jovens e adultos apontando para uma nova demanda nesta área. No entanto percebe-se claramente a sua preocupação em evitar que seu argumento seja considerado como um ataque direto ao sistema, pois o alvo de sua crítica é dirigido precisamente para o adolescente que está na escola para zoar e não para cooperar em benefício da troca e da construção do conhecimento. Por outro lado, a força retórica da discursividade do seu texto protege o sistema de eventuais críticas. 3519 Em relação a diferença entre o aluno jovem e o aluno adulto o discurso de NINFA se assemelha ao de PÉROLA, apresenta uma categoria discursiva flexível, sem margem para comprometimento pessoal e profissional, evocando representações construídas no cotidiano, sem referências claras, ancoradas em idéias disseminadas pela elite e empregada na educação, como mecanismo de defesa para camuflar, na maioria das vezes, a realidade presente na oferta de uma educação de qualidade para este público. Percebe-se que a idéia da diferença ainda está presa as representações individuais, fruto do instituído social e não de conhecimentos científicos. A diferença, nesse caso, se volta para a questão do adolescente, pois faz um paralelo entre este e os alunos jovens e adultos. Vejamos o último texto. A idade cronológica dos jovens e dos adultos é uma característica peculiar dos alunos de EJA. Esses, por várias razões, estão fora do ensino regular que limita a faixa etária de 7 a 14 anos. A diferença básica que podemos identificar nesses alunos é as experiências vividas por cada um, o meio onde vivem, as atividades que desenvolvem, os gostos, as origens (LINDA). LINDA, seguindo o mesmo raciocínio dos discursos supramencionados, silencia em parte a responsabilidade do sistema ao admitir que: por várias razões, estão fora do ensino regular que limita a faixa etária de 7 a 14 anos. Entretanto, sugere um sentido de intervenção um tanto evasivo ao apontar o que acredita ser os princípios básicos que diferencia esse público: experiências vividas por cada um, o meio onde vivem, as atividades que desenvolvem, os gostos, as origens. Implicitamente aponta o professor como responsável pelo fracasso escolar desses alunos por desconsiderar suas experiências e o contexto de vida. Como se vê, em ambos os discursos é evidente a predominância da descrição argumentativa nos decursos mencionados justificando posições, exprimindo sentimentos, expondo dificuldades, demonstrando relação de poder, comprometendo-se e dispondo-se sutilmente, a mudar. Para não concluir Devido à impossibilidade de registrar todos os achados resultantes dos momentos de troca e circulação de saberes, analisei três textos, tomando-os como referencial para fomentar 3520 a discussão sobre o tratamento dado a questão da diferença no cotidiano escolar. É interessante como aflora nos discurso a familiaridade dos colaboradores com o seu contexto interpretativo, somente percebido por meio de uma leitura atenta aos detalhes, emprestando coerência e sentido ao texto em análise. O contexto interpretativo de PÉROLA è a sala de aula, então para ela a diferença é clara o jovem é oriundo do ensino regular e o adulto não teve acesso ou continuidade de estudo, então a responsabilidade é do ensino tido como regular que não está fazendo sua parte e do sistema que não ofereceu escola para essas pessoas, excluindo-as prematuramente do direito a educação. Nesse sentido, se faz necessário uma proposta pedagógica a qual esteja explicita a sua concepção de educação na perspectiva de construção do conhecimento e sugere que a escola deverá priorizar ações destinadas a essa modalidade da Educação Básica, oportunizando momentos de leitura e reflexão. NINFA como representante do sistema, seu contexto interpretativo é a Instituição, a diferença está nas próprias características, jovem, adulto e adolescente são diferentes, o problema está no aluno por ter se permitido chegar a essa situação e a responsabilidade é da escola por não criar alternativas para trabalhar com essa diversidade. Aponta a necessidade da escola em criar espaços para discussão e pesquisa das necessidades, interesses e perspectivas dos alunos, transformando tudo isso em prática pedagógica produtiva. Por fim, na qualidade de pedagoga, o contexto interpretativo de LINDA é a escola, para ela, a diferença reside nas experiências de vida. E, em sendo assim, essa diferença deve ser discutida pelo corpo docente e administrativo da escola nos encontros de formação e também na sala de aula com os próprios alunos, a partir da leitura de textos que tratem do assunto. Confirma a idéia de intervenção ao sugerir uma discussão, por meio da formação continuada, com o corpo técnico, docente e administrativo da escolar, dando início o processo de transformação, no momento em que deixa claro que a responsabilidade é de todos. Como se pôde perceber se tratando da EJA e de seu público alvo a diferença não só se constitui em uma manifestação isolada do sujeito, mas as condições que lhes são ofertadas para poder participar com igualdade, que em muitos casos, é poder chegar a ser, de ter mais ou menos possibilidades de ser e de participar dos bens sociais, econômicos e culturais. Pensando no objetivo desse estudo, a análise interpretativa dos dados permitiu perceber que a compreensão do conceito de diferença, bem como, as reflexões interativas realizadas em um espaço de reflexão e colaboração, sobre o tema, podem se tornar um 3521 referencial para a transformação da ação docente, contribuindo de forma significativa para a reconstrução da prática educativa. Assim, não existe indiferença às diferenças e sim um misto de discriminações: as negativas que alimentam as desigualdades sociais; as positivas que as diminuem e ainda as neutras que se apresentam aparentemente sem efeito identificável. No entanto o meio termo seria introduzir as inovações metodológicas para melhorar o desempenho do processo educacional do Ensino Fundamental na modalidade Educação de Jovens e Adultos. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel González. Educação de jovens-adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. In: SOARES, Leôncio; GIOVANETTI, Maria Amélia Gomes de Castro; GOMES, Nilma Lino (Orgs.). Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 19-50. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultas. Resolução n. 01 de 05 de julho de 2000. _________. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. CARRANO, Paulo César Rodrigues. 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