Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul REPERCUSSÕES DA NEUROLINGÜÍSTICA DISCURSIVA NA FONOAUDIOLOGIA Elenir FEDOSSE (Universidade Metodista de Piracicaba; Universidade Estadual de Campinas) Luciana Claudia Leite FLOSI (Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Limeira). ABSTRACT Speech Language and Hearing Sciences (health professional) meeting with Discursive Neurolinguistics busy of the relationship cognition - language is very promising. Evaluate and accompany aphasic subject, in the operation perspective language, in it translates in Speech therapist practice differentiated as considers the sense production and interpretation multiple aspects. KEYWORDS: Neurolinguistic, Speech Language and Hearing Sciences, Language, Discourse, Aphasic. 0. Introdução A Neurolingüística, área voltada para os estudos da linguagem e demais processos cognitivos, tem uma história recente no Brasil, mais recente ainda é a formação nessa área. Neste trabalho, nos referimos a uma Neurolingüística concebida no interior da Lingüística, especialmente, àquela elaborada por Coudry (desde 1986/88), no Instituto de Estudos da Linguagem - IEL/UNICAMP, inspirada na concepção abrangente de linguagem de Franchi (1977)1 , o qual, entre outros fatos, assume que há linguagem nas afasias. Convém ressaltar que esta Neurolingüística é concebida no Departamento de Lingüística2 , primeiramente como área de extensão do curso de graduação de Lingüística, posteriormente, torna-se disciplina regular desse curso e área de concentração do programa de pós-graduação em Lingüística. Atualmente é também uma disciplina regular do curso de graduação em Fonoaudiologia 3 desta universidade. Coudry, para desenvolver o que aqui denominamos de Neurolingüística Discursiva, toma como ponto de partida a Neurolingüística de Lebrun (1983) e também diversas frentes teóricas da Lingüística, a saber: a concepção de heterogeneidade do sujeito da linguagem (Authier-Révuz, 1982); a polifonia como princípio dialógico (Bakthin, 1977; Ducrot 1984); a teoria dos atos de fala (Austin, 1990; Searle, 1981), a teoria da enunciação (Benveniste, 1976 e 1989) e a análise do discurso (Maingueneau,1987; Pêcheux, 1983, Osakabe, 1979). Para esclarecer o percurso desta Neurolingüística, destacamos, inicialmente, a definição de Neurolingüística de Lebrun (1983) e, em seguida, discorremos brevemente sobre a concepção de linguagem expressa nessa definição, para, então, tratarmos de uma Neurolingüística Discursiva e de sua repercussão na Fonoaudiologia, especialmente relacionada ao processo de avaliação e acompanhamento terapêutico de sujeitos com afasia. 1 Carlos Franchi implanta, junto com Haquira Osakabe, Rodolfo Ilari e Carlos Vogt, o primeiro departamento de Lingüística do Brasil e participa substancialmente da estruturação e crescimento do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/UNICAMP. Assume um projeto arrojado de estudos lingüísticos e desenvolve uma concepção abrangente de linguagem. Tomando-a como pública postula sua indeterminação e a concebe como atividade constitutiva do sujeito, dela própria e das interações sociais. Orienta, entre outros, estudos sobre a subjetividade da linguagem (Possenti, 1988), patologia da linguagem (Coudry, 1986/88), linguagem e ensino (Geraldi, 1990/91) entre outros. 2 A Neurolingüística na UNICAMP teve início em 1972 com o movimento de alunos e docentes do IEL e do Instituto de Biologia (IB) que buscavam estudar a relação da Lingüística com a Biologia, da linguagem com o cérebro. 3 O recém criado curso de Fonoaudiologia da UNICAMP (2002) é resultado da parceria da Faculdade de Ciências Médicas/ CEPRE (Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto”) como Instituto de Estudos da Linguagem-IEL. Segundo Lebrun (1983:04): “A neurolingüística não é a lingüística aplicada a manifestações verbais mórbidas. Efetivamente, a lingüística tem por objeto a linguagem, ao passo que a neurolingüística interessa-se pelo indivíduo que, tendo uma afecção do seu sistema nervoso central, apresenta dificuldades de adquirir ou utilizar adequadamente um código verbal. É aquele que utiliza a linguagem e não a linguagem em si mesma que prende a atenção do neurolingüista. Ele não estuda as perturbações lingüísticas em si mesmas; ele as analisa porque busca, através delas, compreender a desorganização dos mecanismos neurológicos causadores dessas dificuldades. (...) A neurolingüística dedicando-se aos seres humanos com dificuldades, propondo-se a analisar os seus distúrbios e tentando remediá-los, aproxima-se das disciplinas médicas. No entanto, ela não se confunde com nenhuma delas; ela não é um subproduto da neurologia, ainda que colabore estreitamente com este ramo da medicina”. No sentido acima, a Neurolingüística configura -se como área interdisciplinar, no final do século XX - especificamente na década de 80 e, retoma as primeiras correlações anátomo -clínicas realizadas pelos médicos Broca e Wernicke final do século XIX (apud Kaplan, 1974). Convém ressaltar que, desde a sua origem até os dias atuais, os paradigmas orientadores dessa área são o localizacionismo e interpretações equivocadas do estruturalismo lingüístico, que, segundo Coudry (1995:12), tomam a “(...) língua como código, a fala como ato fisiológico, o discurso como uma seqüência hierárquica de palavras e sentenças e a linguagem como conduta verbal”. Essa Neurolingüística destaca a atividade metalingüística, fato que leva o sujeito a falhar e a se deparar somente com sua alteração afásica 4 . Veja-se que, nessa perspectiva, a análise das dificuldades lingüístico-cognitivas de sujeitos com lesão cerebral é realizada de forma reduzida, uma vez que desconsidera os múltiplos aspectos envolvidos na produção e interpretação da linguagem, ou seja, desconsidera fatores como a cena enunciativa, a cultura, a história, as condições psicoafetivas e sociais dos interlocutores. 1. Por uma Neurolingüística Discursiva Coudry e Morato (1990), apoiadas em autores como Vygotsky (1987) e Pêcheux (1990), ampliam a concepção de Neurolingüística, enfatizando que seu interesse é a produção de sentido e estudando a relação discurso e cognição de modo dinâmico, histórico e integrado. Nos termos das autoras, essa relação deve ser tomada como um processo que envolve, conforme apontado acima, elementos cognitivos, sócioculturais, lingüísticos e psíquicos. De acordo com Coudry (1997:10) “(...) o estudo discursivo da afasia considera que o sujeito afásico passe por atividades significativas da linguagem, exercendo o papel de sujeito para produzir e interpretar sentidos, contar, comentar, perguntar, sugerir, pedir, estreitar relações, estar ligado às coisas do mundo, compreendê-lo para falar dele”. Coudry, já em 1986/88, explica que a linguagem é, sobretudo, uma ação sobre o outro. Enfatiza que as expressões lingüísticas guardam relação com situações de fato e com a subjetividade, além de contarem com o transbordamento do sentido para além do explícito. Tais considerações assentam-se em Osakabe (1979:21) que ao discorrer sobre a natureza do discurso afirma que ele 4 Estamos nos referindo a utilização dos testes aplicados para avaliar a linguagem dos sujeitos com afasia, que são compostos por tarefas descontextualizadas e que privilegiam a metalinguagem. Dessa forma não consideram o uso da linguagem, o sujeito, a enunciação, os fatores que se conjugam na atribuição de sentido, as imagens que se formam entre os interlocutores e a dialogia que atua n os processos de significação. “(...) caracteriza-se inicialmente por uma maior ou menor participação das relações entre um “eu” e um “tu”; em segundo lugar, o discurso caracteriza -se por uma maior ou menor presença de indicadores de situação; em terceiro lugar, tendo em vista sua pragmaticidade, o discurso é necessariamente significativo, na medida em que só se pode conceber sua existência enquanto ligada a um processo pelo qual “eu” e “tu” se aproximam pelo significado; e finalmente, o discurso tem sua semanticidade garantida situcionalmente, isto é, no processo de relação que se estabelece entre suas pessoas (eu/tu) e as pessoas da situação, entre seus indicadores de tempo, lugar, etc. e o tempo, lugar, etc. da própria situação”. A partir dessa definição de discurso, Coudry (1986/88: 64) conclui que (...) o discurso é, inicialmente, interação: uma relação complexa, mais ou menos intensa, entre interlocutores, que depende do conhecimento mútuo, das pressuposições que partilham, de um contínuo ajuste recíproco de imagens, da simetria ou assimetria de relações sociais anteriores. No sentido acima, é no discurso - a linguagem em funcionamento - que entrecruza o conhecimento individual com o coletivo. É no e por meio do discurso que o sujeito se constitui como tal, ao mesmo tempo em que organiza a linguagem e sistematiza suas interações com o meio físico e social. Note-se que estamos falando de linguagem como atividade constitutiva, um conceito de Franchi (1977) fundamental para a formulação de uma Neurolingüística Discursiva 5 . Segundo Franchi (op cit) a linguagem é atividade constitutiva, uma vez que, apesar de estar sujeita as regras sonoras e gramaticais das línguas, submete-se a constantes modificações impostas pelas relações sociais, lugar em que o sujeito se constitui como locutor e aos outros como interlocutores. Para Franchi (1977:12). “(...) cada ato de fala é sempre um ato de opção sobre um feixe de possibilidades de expressão que o sujeito correlaciona às condições variáveis da produção do discurso. Por isso essas regras podem ser alteradas, sobretudo quando o sujeito investe de significação recursos expressivos não necessariamente ‘catalogados’ ou ‘codificados’”. Coudry e Morato (1990) afirmam que a significação, sob a forma do discurso, não pode ser identificada exclusivamente como algo do pensamento ou da língua, apesar desta última se assentar no primeiro. Essa noção de discurso é que mantém a relação linguagem e pensamento. A linguagem, ao integrar os outros processos cognitivos, mantém uma posição mediadora, em termos intercognitivos (mediando a relação do sujeito com o mundo social) e intracognitivos (mediando a atividade mental). Integram-se aos conceitos lingüísticos, aqui descritos, conceitos neurofisiológicos e neuropsicológicos desenvolvidos, por exemplo, por Luria e por Freud. Luria (1981), considerando o pressuposto vygotskyano de que não há processo cognitivo sem a participação direta ou indireta da linguagem, desenvolve a noção de funcionamento cerebral dinâmico e integrado. Segundo esse autor, o Sistema Nervoso Central está organizado em três unidades funcionais (I, II e III) que se relacionam de modo recíproco. A unidade I - a mais primitiva - formada por estruturas do tronco cerebral e superfícies mediais dos hemisférios cerebrais se relaciona com as estruturas das unidades II e III do córtex cerebral de ambos os hemisférios. A unidade II é formada pelos lobos occipitais, temporais e parietais e a unidade III pelos lobos frontais (do ponto de vista da organização anatômica, essas unidades estão localizadas acima da unidade I). As unidades II e III são subdivididas em zonas primárias (recebem ou 5 Além desse autor, Coudry (1997) destaca as contribuições de Jakobson e Benveniste. Explica que Benveniste (1976 e 89) é um dos primeiros estudiosos da linguagem a propor a importância de estudos estritamente lingüísticos sobre as síndromes afásicas e que Jakobson (1969) coloca a afasia como sendo, antes de tudo, uma desintegração da linguagem relacionada a um dado nível lingüístico, considerando as relações entre os demais níveis lingüísticos e o todo da linguagem. enviam impulsos nervosos para a periferia), secundárias (processam informações que entram ou preparam programas para a ação) e terciárias (integram as diversas zonas cerebrais)6 . Freud (1891/1973), como neurologista, descreve o cérebro como território da linguagem. Não descarta a existência de locais especializados em determinadas funções e afirma que a linguagem é resultante do estabelecimento de conexões contínuas por todo o córtex cerebral. Freud ressalta que alguns dos sintomas afásicos, por exemplo - as parafasias, não são exclusivos das afasias, mas fatos de linguagem, que também ocorrem na linguagem de sujeito sem lesão cerebral. Freud, em seu texto sobre as afasias, afirma que mesmo na presença de uma lesão cerebral, as partes intactas continuam funcionando como antes da lesão, fazendo com que o cérebro reaja como um todo unitário. E, é por isso que uma lesão cerebral causa uma perturbação da função e não a sua perda. Note-se que dessa forma, Freud contribue para o entendimento ampliado das afasias, do funcionamento cerebral e da linguagem. Luria e Freud, cada um a seu modo e em seu tempo, contribuem para as formulações desta Neurolingüistica, doravante Neurolingüística Discursiva, que, conforme indicado anteriormente, caracteriza a linguagem e as patologias da linguagem como lugar da interação humana, como trabalho e atividade constitutivos da subjetividade, alteridade e de si própria como objeto de reflexão (Franchi 1977, Coudry 1986/88). Disso decorre uma metodologia diferente da tradicional, visto que é em meio a práticas significativas com e sobre a língua(gem) e outros sistemas de base semiótica (atividade gestual global e específica, musical, pictográfica, cênica, dança etc) que se desenvolvem os princípios de avaliação e de acompanhamento terapêutico de sujeitos cérebro-lesados. Convém esclarecer que a Neurolingüística Discursiva, primeiramente, ocupou-se de sujeitos com afasias e gradativamente foi ampliando seu foco de investigação e intervenção junto a sujeitos com demências e/ou sem lesões neurológicas comprovadas por exames objetivos e que apresentam alterações discursivas (nas práticas orais e escritas), com repercussão nos demais processos cognitivos. Veja -se que, no contexto dos estudos das patologias de linguagem, Coudry (1986/88) defende que o funcionamento lingüístico-cognitivo e o sujeito são indissociáveis, fato que possibilita à autora dizer que na afasia (tradicionalmente identificada como ausência/perturbação da linguagem verbal) há linguagem (Coudry, 2002). Nos termos dessa autora, é justamente por isso que é possível um rearranjo no funcionamento da linguagem nos casos em que ela está alterada. Portanto, do nosso ponto de vista, a relação da Neurolingüística Dirscursiva com a Fonoaudiologia é produtiva, uma vez que, entre outros fatos, ambas se ocupam do uso da linguagem por sujeitos com ou sem lesão neurológica. 2. A Neurolingüística Discursiva e a Fonoaudiologia A Fonoaudiologia é uma profissão da saúde regulamentada, no Brasil, em 1981, por meio da Lei 6965, que a estabelece como um campo que “atua em pesquisa, prevenção, avaliação e terapia fonoaudiológicas na área da comunicação oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento dos padrões da fala e da voz” (Conselho Regional de Fonoaudiologia, 2002: 08). Figueredo Neto (1998) destaca que a atuação profissional em Fonoaudiologia não surgiu com o ensino institucionalizado, mas sim com a prática de atenção às pessoas com dificuldades comunicativas. Em seus primórdios (década de 20), a Fonoaudiologia foi praticada pelas chamadas ortofonistas, profissionais ligadas à educação (a capacitação de tais profissionais dava-se no interior da disciplina de Português). Tais profissionais dedicavam-se à atividade corretiva da fala e da voz. Os primeiros cursos de graduação em Fonoaudiologia no Brasil surgem na década de 60, no contexto da reabilitação individual. Configura-se, nesse período, uma formação centrada na patologia e no indivíduo/paciente, exercida em consultórios particulares. Na década de 80, com a implantação e a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), observa-se à atuação de fonoaudiólogos nos Ambulatórios de Especialidades, espaços públicos de atuação clínico-terapêutica, similares aos consultórios particulares. Nos anos 90, intensifica-se a atuação fonoaudiológica nos serviços públicos de saúde (Unidades Básicas de Saúde - UBS e Ambulatórios) e, à medida que a Fonoaudiologia avança em seus fundamentos teóricos e 6 Para Luria, essas três unidades cerebrais constituem a divisão funcional mais ampla do sistema nervoso central. Cada unidade, conforme descrito no texto, é subdividido em zonas corticais hierarquicamente organizadas. metodológicos, ampliam-se os locais de atuação para escolas de educação infantil (creches e pré-escolas), escolas de ensino fundamental, centros comunitários, instituições asilares, hospitais etc. Nesses locais, iniciam-se ações fonoaudiológicas ligadas à prevenção e promoção da saúde, ultrapassando-se, pois a esfera curativa (Leonelli et al, 2003). Convém ressaltar que nas duas últimas décadas, nos mais diversos campos da atuação clínicoterapêutica, constatam-se importantes reflexões teóricas e metodológicas acerca da avaliação e da terapia das alterações de linguagem oral e escrita, voz, audição, motricidade oral e funções neurovegetativas. Tais reflexões advêm do contato, cada vez maior com outros domínios do conhecimento: a História, a Antropologia, a Sociolingüística, a Física, entre outros. Esse movimento tem favorecido o aprimoramento da praxis fonoaudiológica, bem como auxiliado a busca da identidade teórica e metodológica da Fonoaudiologia. No entanto, a formação acadêmica, da maioria dos cursos de Fonoaudiologia, ainda, privilegia a atuação clínico-terapêutica tradicional. Entendemos por atuação tradicional aquela que se utiliza de conceitos da Lingüística ou de outros advindos das várias disciplinas indispensáveis para a ação fonoaudiológica, mas que, ao invés de produzir um conhecimento próprio, apenas aplica, muitas vezes de forma distorcida ou superficial, os conhecimentos de tais disciplinas. Tal tendência tem gerado publicações que privilegiam técnicas pouco refletidas, bem ao gosto dos manuais, comuns, por exemplo, na Medicina. A atuação fonoaudiológica tradicional com sujeitos afásicos utiliza testes psicométricos, de natureza quantitativa, por exemplo, o teste de Boston (apud Kaplan 1974), para realizar o diagnóstico classificatório das afasias. Tais métodos avaliativos se assentam em uma visão organicista da linguagem. Dito de outra forma, esses métodos assumem a linguagem como um comportamento, por isso passível de ser aferido/medido e não informam como o sujeito afásico opera com suas dificuldades lingüístico-cognitivas, informação que consideramos essencial para a elaboração do processo terapêutico nas afasias. Do nosso ponto de vista, a linguagem precisa estar em funcionamento para que aconteça (Focault, 1986), por isso é imprescindível realizar uma avaliação e um acompanhamento fonoaudiológico discursivamente orientados. Essa perspectiva privilegia a relação da linguagem com os demais processos cognitivos (atenção, percepção, praxias, memória de curto e longo prazo, atividades de cálculo, coordenadas espaciais e proprioceptivas/localização e movimentação do corpo no espaço). Em outras palavras, nessa forma de proceder, obtêm-se dados sobre a afasia do sujeito acompanhado, além de serem alcançados dados sobre como ele opera com as dificuldades que a afasia lhe impõe e a repercussão dela nos demais processos cognitivos. O processo de avaliação e acompanhamento terapêutico recorre às mais diversas situações e configurações de uso lingüístico-cognitivo, tais como: o diálogo, as narrativas, os comentários, as diversas atividades de uso da escrita. Convém destacar que a atividade dialógica pode ocorrer, no contexto clínico-terapêutico, na forma da conversação livre ou dirigida. Na conversação livre, os sujeitos - o afásico e o fonoaudiólogo discorrem sobre assuntos de interesse comum, sendo esses introduzidos, por um ou outro interlocutor. Assim, a orientação da conversação pode ser dada tanto pelo sujeito afásico, quanto pelo fonoaudiólogo, minimizando, pois, o impacto hierárquico tradicional existente entre terapeuta e paciente. As entrevistas ou as anamneses são exemplos de conversação dirigida; são utilizadas, geralmente, no início do acompanhamento terapêutico e buscam conhecer a história atual e pregressa do sujeito afásico, bem como possibilita o início do vínculo entre ele e o fonoaudiólogo. Álbuns de fotografias, registros em agenda; caderno de atividades, jornais, revistas, desenhos, cartas, bilhetes, receitas, mapas, entre outros, são pretextos para que as atividades dialógicas e narrativas ocorram. Por fim, podemos dizer que esse procedimento incorpora todos os traços humanos que acompanham e dão sentido à atividade verbal: gestos, expressões faciais e corporais, recurso à escrita e á leitura. Busca-se, portanto, compreender como o sujeito significa, e, assim atuar, junto com ele, sobre os múltiplos aspectos envolvidos no processo de significação. Isso é o mesmo que dizer que, o processo terapêutico deve incentivar as possibilidades de construção de sentido, sejam elas verbais ou não verbais. 3. Considerações finais O encontro da Fonoaudiologia com a Neurolingüística Discursiva aqui tratada é promissor no sentido em que a linguagem e os processos de avaliação e terapia de sujeitos afásicos são abordados de modo ampliado. Isso significa dizer que a Fonoaudiologia - ao se dedicar ao acompanhamento clínico-terapêutico de pessoas com alteração lingüístico-cognitivas decorrentes de lesão cerebral - na perspectiva da Neurolingüística Discursiva - avança no entendimento de sua ação terapêutica e, sobretudo, promove condições para que o sujeito afásico produza e interprete sentidos-verbais e não verbais. O acompanhamento fonoaudiológico que incorpora os pressupostos teóricos e metodológicos dessa Neurolingüística Discursiva permite ao sujeito afásico mobilizar os recursos da língua e operar sobre as dificuldades que a afasia lhe impõe. Note-se que diferentemente da terapia fonoaudiológica tradicional, que enfoca exclusivamente atividades metalingüísticas, esse procedimento clínico-terapêutico coloca em jogo os múltiplos aspectos da linguagem. Além dessa clara contribuição no acompanhamento terapêutico de sujeitos afásicos - a Neurolingüística Discursiva, do nosso ponto de vista, pode contribuir com os demais campos de atuação fonoaudiológica - alterações de linguagem oral e ou escrita, audição, voz , motricidade oral e funções neurovegetativas. RESUMO: O encontro da Fonoaudiologia - profissão da saúde - com uma Neurolingüística Discursiva ocupada da relação linguagem-cognição é muito promissor. Avaliar e acompanhar sujeitos afásicos, na perspectiva da linguagem em funcionamento, traduz-se numa prática fonoaudiológica diferenciada a medida que considera os múltiplos aspectos da produção e interpretação de sentido PALAVRAS-CHAVE: Neurolingüística, Fonoaudiologia, Linguagem, Discurso, Afasia. 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