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AS EMOÇÕES COMO MEDIADORAS DA APRENDIZAGEM
PAROLIN*, Isabel
Resumo
Esse artigo aborda a mediação possível e necessária entre educadores e seus aprendizes, quer
sejam professores quer sejam pais, a partir do conhecimento das emoções como manifestação
da afetividade que é construída ao longo do desenvolvimento de um aprendiz. Tem por
referência teórica a obra de Henri Wallon, que desenvolveu a teoria psicogenética em torno do
desenvolvimento da pessoa como um ser inteiro: as inteligências, o organismo, a afetividade e
o contexto sócio-afetivo em que está inserida. O autor escolhido fundamenta seu trabalho na
observação da atividade do sujeito em suas implicações de ordem orgânica, social e psíquica.
Espera-se que esse trabalho colabore para o entendimento e melhores práticas, de que a
natureza de visibilidade das emoções é instrumento valioso para que os educadores possam
“ler”, nas manifestações de seus alunos, o que esta acontecendo com eles no ato de aprender.
Palavras-chave: Aprendizagem; Emoções; Mediação; Auto-conhecimento.
O disparador
Ao trabalhar com crianças e jovens que têm formas diferentes de aprender do que o
esperado por seus educadores, ouço queixas que me mobilizam à reflexão dos elementos que
mediam o processo de aprender ou de não aprender.
Durante muito tempo os educadores ignoraram os suspiros, o balançar de ombros, os
pescoços vermelhos, os tremores, a necessidade de falar muito, os silêncios, dentre outros
indicadores da presença de emoção. Acreditávamos que o aluno, ao entrar na sala de aula,
deveria acionar o seu “equipamento cognitivo” e que o resto do sujeito, o corpo, seus desejos
e seus sentimentos, deveriam ser aguardados fora da sala de aula. Só as inteligências eram
contempladas em sala de aula.
A história, as experiências, as pesquisas e as ciências mudaram essa crença, porém,
não ainda completamente, essa realidade.
Ainda hoje, ouve-se professores queixando-se de que seus alunos não aprendem e que
eles não entendem o porquê.
*
Pedagoga, psicopedagoga e Mestre em Psicologia da Educação. Professora em cursos de pós-graduação e
palestrante para pais. Autora de vários livros na área da educação e aprendizagem. Contato:
www.isabelparolin.com.br
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Se preparei minha aula, se planejei cada passo de forma bem caprichada, se fiz
tudo certinho conforme o planejado, por que a maioria dos alunos aprendem e
alguns não conseguem? Tem de ter alguma coisa errada... Será com minha aula?
Ou com o aluno? Ora, se a maioria dos alunos aprendeu, só pode ser com esses
alunos! (desabafo de uma professora em supervisão)
Ou então, alunos que se queixam:
Eu estudei feito um louco. Sabia tudo. Fiz os exercícios mais de uma vez Minha mãe
me ajudou e tudo, mas acontece que na hora da prova me deu um branco e eu não
lembrava de nada. Errei quase tudo. Que raiva! Fiquei nervoso e não conseguia
entender as questões. O pior é que depois da prova eu fui lembrando... Que ódio de
mim! (desabafo de um jovem estudando da 1a. série do Ensino Médio à sua
psicopedagoga)
Outras situações nos fazem refletir sobre o que acontece com alunos que apresentam
algumas dificuldades em seu processo de entender, ou não, um determinado assunto ou
procedimento:
Odeio a professora de História. Ela não tem nada a ver. Fica olhando pra gente
com cara de boba, se achando... Daí ela me chama pra responder coisas ridículas e
que ela sabe que eu não sei! Eu odeio História e não consigo aprender essa coisa!
Não sei por que uma pessoa tem de aprender História! (depoimento de uma jovem
aluna da 5a série do ensino fundamental)
Também os pais vivem o desconhecimento do que pode ajudar ou atrapalhar o ato de
aprender.
Não sei mais o que fazer com minha filha. Ela não quer estudar; está cheia de
anotações de falta de tarefa. Estou muito chateada. Todos os dias tenho de
acompanhá-la na lição, se não estou em cima dela ela não faz lição, não estuda
pras avaliações. Dei um basta! Não agüento mais! E ainda por cima a professora
dela me chamou na escola e pediu para eu dar mais atenção pra ela!!! Posso com
isso? (desabafo de uma mãe de uma menina de 9 anos)
O que acontece com os personagens dos nossos depoimentos? Certamente a situação é
mais complexa do que conseguiremos analisar neste texto, mas proponho-me a refletir, neste
artigo, o papel das emoções na mediação das aprendizagens a partir do referencial teórico de
Wallon que é um estudioso da pessoa, que é por ele entendida como a síntese das experiências
vividas entre o orgânico e o social.
Para o autor, a inserção num contexto biossocial constrói uma história que é mediada
pela herança genética de cada um, mais o desenvolvimento da vida afetiva, do clima em que
as ações aconteceram, o conhecimento que geraram e as manifestações que repercutem numa
forma de funcionar e se expressar no mundo.
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A sociedade aprendente – um cenário
Vivemos momentos de inquietações. As pessoas, diante das mudanças promovidas
pelas tecnologias e pelas ciências avançadas, acabam tendo de mudar sua forma de relacionarse, tanto com a vida, quanto consigo mesmas. Nessa direção, as pessoas se mexem para
buscar novas formas de Ser no mundo: cursos de especialização, cursos de formação e
aperfeiçoamento, leituras, palestras; buscam também, religiões diferentes, medicinas e
terapias alternativas, agrupam-se por ideologias, movimentos que demonstram uma
necessidade de encontrar-se nesse contexto ainda não desvelado.
Tem-se falado muito no colapso das verdades e na necessidade de se construir uma
sociedade pautada na responsabilidade individual e social, além da valorização da dimensão
afetiva nas relações.
A visão de que a nossa casa é o planeta Terra e que compartilhamos o mesmo espaço,
convida-nos a pensar, não somente em nossa existência, mas nos rumos que daremos a ela!
Como socializar e transformar em aprendizagem todos os avanços que os novos
tempos promovem? O que realmente mudou no modo de Ser humano? Como promover
aprendizagens sem perder-se em meio a inúmeras informações que, por si só, não garante
formação?
O conceito de aprendizagem a partir do olhar da Complexidade nos convida a
diferentes conexões de Como uma pessoa aprende. Sabe-se que uma pessoa aprende de
diferentes formas e que não podemos reduzir o seu conceito à apropriação de conhecimentos.
É de consenso que as pessoas aprendem dentro e fora da escola, aprendem ao longo da vida
inseridos numa cultura a partir de conhecimentos que se conectam com o tempo histórico.
Experiências de aprendizagem fazem parte do discurso da sociedade que aprende para
Ser. Claxton (2005, p. 16) nos propõem três pilares do potencial para aprender: resiliência,
desenvoltura e flexibilidade. Portanto, a educação tem por tarefa promover conhecimento,
além de auto-organização, capacidade reflexiva, autoconhecimento e controle emocional
diante das situações.
Não basta conhecer, é de fundamental importância que o aprendiz desenvolva um
conceito acerca do que foi aprendido e que nesse entendimento estejam contempladas noções
de ética, respeito ao ser humano e de cidadania. Vale dizer que não basta saber, é essencial
estar transversalizado pelos saberes construídos.
Diante de tantas informações e estímulos, é importante construir instrumentos internos
que nos permitam escolher e decidir, com responsabilidade, quais aprendizagens se fazem
necessárias e para qual situação. Rojas nos faz um alerta interessante
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O homem moderno não é religioso nem ateu, ele construiu uma forma particular de
espiritualidade segundo sua própria perspectiva. É ele quem decide o que está bem e
o que está mal e seu sonho de infinito começa por uma satisfação materialista
(dinheiro, poder, prazer, honrarias, postos importantes) e termina fabricando uma
ética à sua medida (ROJAS, 1996, p.124).
Torna-se fundamental, nesse cenário social, que os aprendizes desenvolvam noções
claras de sua personalidade, seus objetivos, suas possibilidades, sua história e a qualidades das
relações que estabelece. A partir desse conhecimento é que as relações afetivas tomam um
cenário de importância, pois será através dela que a vinculação com o ato de aprender, em
meio a diversidade, pode viabilizar as aprendizagens necessárias para que os aprendizes
façam boas escolhas nesses tempos de incertezas e diferenças.
Assman nos orienta para refletir sobre a necessidade de trabalhar com os aprendizes
com atitudes e relações como matérias escolares e conteúdos educacionais, pois não podemos
deixar de considerar que a escola socializa conhecimentos e relações.
Toda morfogênese do conhecimento é constituída por níveis emergentes a partir dos
processos auto-organizativos da corporeidade viva. Por isso todo conhecimento tem
uma inscrição corporal e se apóia numa complexa interação sensorial. O
conhecimento humano nunca é pura operação mental. Toda ativação da inteligência
está entretecida de emoções (2004, pg. 33-34).
As emoções no ato de aprender
O aprender está relacionado, dentre outras coisas, a um clima emocional em que
ocorre a aprendizagem. Portanto, a qualidade da relação e a temperatura emocional em que
ocorrem as mediações da aprendizagem são de enorme importância. No entanto, precisamos
esclarecer que as emoções são as manifestações do campo afetivo de uma pessoa. Em
verdade, cada vez que um aprendiz expressa seu estado emocional,ou se emociona em seu
percurso de aprendizagem, está manifestando seu campo afetivo.
Afetividade, segundo Henri Wallon, é o termo utilizado para identificar um domínio
funcional abrangente e se manifesta de diferentes formas: desde as primeiras, basicamente
orgânicas, como as manifestações iniciais de tonalidades afetivas, até as mais elaboradas
como as emoções, os sentimentos e as paixões.
As emoções são as manifestações da afetividade e a expressão dos sentimentos. Têm
caráter de visibilidade e é por meio delas que os educadores podem conseguir pistas do que
está acontecendo com seus alunos: respiração, agitação, expressões faciais, olhares etc. Sua
grande função é mobilizar o outro e garantir atenção e cuidados.
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Para Wallon, a afetividade tem papel imprescindível no processo de desenvolvimento
da personalidade e se constitui sob a alternância dos domínios funcionais: orgânico e social,
que por sua vez é dependente da ação dentre eles. Estabelece uma relação recíproca que
impede qualquer tipo de determinismo no desenvolvimento humano. À medida que a criança
vai crescendo é transformada pelas circunstâncias sociais, causando uma evolução progressiva
da afetividade, cujas manifestações vão se distanciando da base orgânica, tornando-se cada
vez mais relacionadas ao social. Conceitualmente, a afetividade deve ser diferenciada do
sentimento, da paixão, da emoção, que são de suas manifestações.
Henri Wallon nasceu em Paris, França, em 1879 e faleceu em 1962. Era médico,
filósofo e psicólogo. Atendeu pessoas com distúrbios psiquiátricos durante a 10. Guerra
Mundial. Criou um laboratório de psicologia para pesquisar o comportamento das crianças.
Além de ter sido professor da Sorbonne e vice-presidente do grupo Francês da Educação
Nova, coordenou o projeto de Reforma do Ensino da França.
Voltado às questões políticas e sociais, era também muito sensível e voltado às artes.
Em sua carreira de psicólogo foi se aproximando da educação e viu o estudo da criança e da
infância como uma porta para entender o psiquismo humano. Foi um pesquisador e debatedor
ativo sobre os problemas da educação em sua época.
Wallon desenvolveu o estudo da criança contextualizada, ou seja, observou que os
aspectos físicos do ambiente em que a criança foi criada, as pessoas mais próximas com suas
peculiaridades, a linguagem estabelecida entre eles e mais os conhecimentos que circulam em
meio a essa rede, formam o cenário de desenvolvimento. Afirma que o ser humano é uma
síntese entre o ser orgânico e o ser social, todavia, o ser biológico vai aos poucos dando
espaço ao ser social. A inserção cultural, portanto, é determinante para o pleno
desenvolvimento da criança. O autor entende que os conflitos, que podem ser resultantes da
relação da criança com seu ambiente ou da criança com seus centros nervosos, ainda não
ajustados às relações com seu meio ambiente, são propulsores do desenvolvimento.
O entendimento de que a pessoa se constrói progressivamente e em estados de
alternância, ora mais emocionais e ora mais cognitivos, auxiliam-nos a avaliar de forma mais
concreta o que está acontecendo com determinada criança. Nesse direcionamento, o
desenvolvimento é entendido como descontínuo, assistemático e como uma construção
progressiva.
O movimento se faz presente em todas as fases do desenvolvimento e a inteligência se
expressa por meio dele. Os movimentos revelam a forma, os domínios e a organização dos
pensamentos. Toda atividade pressupõe um tônus muscular que lhe é próprio e cabe ao sujeito
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aprender a regular a tonicidade em consonância com a natureza da tarefa. As crianças iniciam
sua existência com movimentos e tônus sob o domínio do orgânico até conseguirem regular
no âmbito do desejo – do ato motor ao ato mental.
A psicogenética Walloniana nos propõem cinco estágios de desenvolvimento, que são:
1. Impulsivo emocional, característico do primeiro ano de vida: predomínio das
emoções. Momento de grande imperícia para agir no mundo exterior, sendo as
respostas com predomínio da afetividade.
2. Sensório-motor e projetivo, que se estende até o terceiro ano de vida:
caracteriza-se pela necessidade de explorar o espaço que circunda a criança. Os
gestos, ato-motor, se projetam para exteriorizar o ato-mental. Predomínio das
funções cognitivas. Um momento importante é o desenvolvimento da função
simbólica e da linguagem.
3. Personalismo, dos três aos seis anos: retorno do predomínio das relações
afetivas porque a criança está desenvolvendo a construção da consciência de si,
que acontece através da qualidade das relações que ela estabelece.
4. Categorial, dos seis anos em diante: importantes avanços na área da
inteligência que são resultantes da maturidade da função simbólica. É o
período em que as crianças se interessam pelas coisas, pelo conhecimento e
pelas formas de relações.
5. Adolescência que acontece junto com a crise da puberdade: nova definição da
personalidade, caracterizado por predominância da afetividade, com fundo nas
questões morais, éticas e nas questões pessoais.
Portanto, o desenvolvimento da pessoa acontece a partir de um período de
impulsividade, em que as relações se nutrem por olhares, por carinhos e torna-se visível por
meio de gestos e de posturas, passando pela linguagem, que pode expressar o sentimento,
podendo acontecer a troca afetiva a distância. A afetividade vai se tornando cada vez mais
racionalizada, sendo elaborada no plano mental, até que possa ser teorizada.
Na perspectiva Walloniana, sem o vínculo afetivo não há aprendizagem, já que
aprender é um investimento que o sujeito empreende, e o sujeito aprendiz surge a partir da
qualidade e do clima emocional que este estabelece com seus educadores. Dito por Dantas4 de
outra forma: “Isto significa que a afetividade depende, para evoluir, de conquistas realizadas
no plano da inteligência e vice-versa” (1992, pg. 90).
O comportamento emocional tem algumas características, como:
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•
Por ser eminentemente social e necessitar de platéia para sua manutenção, tem
o caráter de ser contagioso e epidêmico;
•
Quanto mais emocionada a pessoa, mais ela projeta para o social e tem
tendência a misturar-se com o outro;
•
Toda emoção tem um tônus muscular e uma expressividade;
•
A emoção tende, também, a diminuir o grau de racionalização e eficácia da
cognição, portanto ela é considerada regressiva;
•
Também a serenidade é um estado emocional;
•
A emoção costuma ser assustadora, e por isso muito evitada para o
enfrentamento pedagógico, por ser explosiva e impossível de não ser expressa;
é plástica.
Por serem plásticas, as emoções geram movimentos que podem ser estes impulsivos,
expressivos ou práxicos. Do movimento que não é regido pela vontade, o movimento evolui
para o movimento que tem a intenção de atender a criança em suas necessidades, para, só
mais tarde, tornar-se voluntário e intencional.
A atuação do professo/ensinante ao ser orientada pelo entendimento das manifestações
afetivas dos aprendizes, suas emoções e os movimentos que estes geram, pode vir a se
beneficiar pelo entendimento que
Objetos são indutores de ação: objetos adequados induzem à ação adequada. Quando
se povoa o espaço escolar com jogos e material pedagógico em geral, está se criando
indutores para atividade organizada. Quando isso não é feito, a natural exuberância
da movimentação infantil, privada de objeto e objetivo, tende a se deteriorar e a
transformar-se em mera descarga impulsiva (DANTAS, 2002, pg. 61).
Diante disso, os educadores exitosos são leitores de expressões emocionais e podem
planejar melhores performances de seus aprendizes.
Entendendo os disparadores
Em todos os relatos disparadores fica claro que os protagonistas não atentam para suas
emoções e o caráter contagioso que elas têm. Ao se emocionarem e não buscarem a
consciência do que está acontecendo, ficam num estado emocional sem o direcionamento
educativo. Todas as histórias, se mediadas com o objetivo do entendimento do que as
mobiliza e como emocionam poderiam melhorar o grau de perícia em atuar nas situações
mobilizadoras. O fato de se conhecer os sentimentos que são expressos pelas emoções nos
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auxiliam na busca de situações que ajudem a melhora, tais como massagens relaxantes,
manifestações como o desenho, expressões corporais, o favorecimento de um espaço para a
pessoa falar sobre o acontecido,ou, simplesmente, expressar suas emoções e tomar
consciência delas.
Quando se fala em afetividade na educação, contrariamente ao senso comum, não se
está querendo que os ensinantes saiam em beijos e abraços com seus alunos. Podem até
acontecer essas manifestações, porém, é bom lembrar, nem sempre os professores amam
todos seus alunos, o que é bem compreensível. Contudo, respeito e atenção são formas de
afetividade, estágio projetivo, em que a criança consegue entender como afetivo o fato de ser
respeitada em sua individualidade.
No primeiro relato, além da professora desconsiderar as diferenças de estilos de
aprender e as diferenças de cada um, ela não imagina que algo possa estar acontecendo com
aqueles alunos que não aprenderam, o que se expressa em desatenção ou em inabilidade para
memorizar ou integrar os conhecimentos propostos. Uma conversa ou a observação da
expressão das crianças poderia melhorar, e muito, a competência desses alunos.
No segundo relato, o “branco” que descreve o aluno pode-se entender pela sua
imperícia em lidar com situações de estresse – avaliação. Em que medida essa criança
aprendeu a lidar com suas frustrações? Com os “nãos” da vida? Na fase do personalismo a
criança entende quem ela é na ordem social, seu lugar no mundo como sujeito
contextualizado: o Eu como um Ser. Na fase Categorial ela, por meio das mediações a que foi
exposta, constrói seu conhecimento acerca do mundo. Sem essa consciência, a “avaliação”
mistura-se com outras pautas e acaba sendo demonstrada a imperícia do jovem. “Eu me
odeio”, afirma ele, e me sinto mobilizada a perguntar se o motivo do ódio de si mesmo não
será por não saber quem ele é e qual o seu papel e lugar no mundo e demonstrando o seu
despreparo para o enfrentamento de situações limites.
No terceiro relato acontece uma mistura: ele odeia a professora, odeia História e não
aprende por isso. A professora de História necessitará promover uma aproximação que passa
pelo afirmado num parágrafo acima, que passa por afetividade. Quando muito emocionada, a
pessoa tende a misturar-se: “Odeio a professora e odeio História”.
No quarto disparador, além do ponto em comum a todos os relatos, fica clara a mistura
de emoções, de imperícia e a ausência de alguém mais maduro para promover
individualidade, autonomia e a aprendizagem necessária para que os episódios de queixa não
se alonguem.
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A nossa maneira de ser e conviver no mundo se constrói pelo desenvolvimento da
consciência das relações que estabelecemos com a vida, com a natureza e com o outro, e estas
determinarão a maneira de conhecer, de refletir, e de aprender.
De volta ao começo
Dentre tantas histórias mal sucedidas que acontecem entre pessoas que pretendem ser
educadoras/ensinantes, sinto-me mobilizada a observar e a refletir sobre o que pode auxiliar o
par/educativo em seu esperado encontro com a aprendizagem.
Como parte da humanidade e de um sistema muito maior, penso na afetividade e nas
emoções decorrentes no processo de aprender ou não aprender como parte, que como toda
parte, é indispensável à composição de um todo.
Considerando que as emoções são contagiosas, e até epidêmicas, poderia encerrar
desejando que tanto pais e professores se sentissem mais emocionados para a tarefa de educar.
Acredito que conseguiríamos mais êxito do que temos conseguido até então se
pensássemos na complexidade e valor da vida íntima de cada um. Assim podemos chegar
próximos da inteireza do Ser e seremos, certamente, quer seja como professores ou pais, mais
justos, mais solidários e fraternos.
Como conseguir essa construção? Maria Cândida Moraes (2004, p. 325) nos dá uma
dica
Cabe, então, à educação ativar todos esses processos e criar situações para que os
fenômenos do dia-a-dia entrem na esfera do conhecido, para que o aprendiz consiga
melhor refletir para poder transformar positivamente a sua realidade. A melhoria do
mundo depende das conexões existentes entre o mundo interior, das conexões entre
o local e o global, entre o indivíduo e o coletivo.
Sinto-me provocada a buscar em Paulo Freire (1996, p. 146) uma frase que nos
mobilize a novas reflexões e a outras sínteses.
Como prática estritamente humana jamais pude entender a educação como
experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os
sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista. Nem
tampouco jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que
faltasse rigor em que se gera a necessária disciplina intelectual.
Tenho esperança de contribuir e me interesso profundamente, para o destravamento do
aprendiz, para que ele possa ser livre para bem aprender.
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REFERÊNCIAS
ASMANN, Hugo. Reencantar a Educação: Rumo à sociedade aprendente. Petrópolis:
Vozes, 2004.
CLAXTON, Guy. O desafio de aprender ao longo da vida. Porto Alegre: Artmed, 2005.
DANTAS, Heloysa. A Afetividade e a construção do Sujeito na Psicogenética de Wallon. In:
DE LA TAYLLE, Yves; OLIVEIRA, Marta Kohl. Teorias psicogenéticas em discussão.
São Paulo: Summus, 1992.
DANTAS, Heloysa. Afetividade e Inteligência. In: Temas em Educação I. Livro das
jornadas. Futuro Eventos, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
MORAES, Maria Cândida. Pensamento Eco-sistêmico: Educação, aprendizagem e cidadania
no século XXI. Petrópolis: Vozes, 2004.
ROJAS, Enrique. O homem moderno – A luta contra o vazio. São Paulo: Mandarim, 1996.
Bibliografia de apoio:
ALMEIDA, Ana Rita. As emoções na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999.
DANTAS, Pedro. Para conhecer Wallon. São Paulo: Brasiliense, 1983.
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil.
Petrópolis: Vozes, 1998.
KROCH, Dulce. Inteligência Expressiva: A partir da Psicogenética de Henri Wallon. São
Paulo: Summus, 1995.
WALLON, Henri. Psicologia e Educação da criança. Lisboa: Veja, 1979.
WEREBE, Maria; BRULFERT, Jaqueline. Henri Wallon. São Paulo: Ática, 1986.
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