Ensinando as crianças através de centenas de linguagens

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University of Nebraska - Lincoln
DigitalCommons@University of Nebraska - Lincoln
Faculty Publications, Department of Child, Youth,
and Family Studies
Child, Youth, and Family Studies, Department of
7-1-2005
Ensinando as crianças através de centenas de
linguagens [Teaching children through “hundreds
of languages.”]
Carolyn P. Edwards
University of Nebraska - Lincoln, [email protected]
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Edwards, Carolyn P., "Ensinando as crianças através de centenas de linguagens [Teaching children through “hundreds of languages.”]"
(2005). Faculty Publications, Department of Child, Youth, and Family Studies. Paper 72.
http://digitalcommons.unl.edu/famconfacpub/72
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Carolyn Pop.e Edwards
Os sistemas simbólicos,
ou "linguagens infantis",
sao importantes para as
crianças porque elas possuem
muitas formas diferentes
de aprender e pensar
A
s crianças pequena s têm um
forte desejo de se comunicar
com as pessoas. Elas querem expressar suas necessidades, fazer
perguntas , participar de jogos e
falar sobre suas idéias. Hoje, vivemos um tempo em que as ferramentas de auto-expressão e comunicação estão mudando rapidamente e chegando até n6s em
novas e complexas combinações
de formatos e meios antes inexistentes. O que essas mudanças
tecnol6gicas significam para professores que querem promover o
desenvolvimento de crianças pequenas rumo à alfabetização?
Entende-se aqui por alfabetização a capacidade de ler e escrever
símbolos. Embora geralmente se
pense a alfabetização com respeito
à palavra escrita, pode-se
Pátio Educação Infantil. Ano III N"S. Ilfl/Out 200S
considerá-Ia aplicável de maneira
mais ampla a outros sistemas convencionais de representação e comunicação. O processo de aprender a ler e escrever começa no
primeiro ano de vida, com gestos
como apontar, além das primeiras
palavras. Depois, ele se acelera
durante o período pré-escolar,
quando as crianças começam a
desenhar, reconhecer letras e
decodificar e escrever mensagens
simples. Por fim, ele culmina nos
anos de ensino fundamental,
quando as crianças dominam as
habilidades de leitura e escrita.
Poder-se-ia presumir que as crianças pequenas precisam confrontar separadamente as diferentes formas de representação, tais como
gesticular, desenhar e falar, para
tornar seu aprendi zado mais sim-
pies. Entretanto, o que ocorre é
exatamente o contrário. Em vez de
mantê-Ias separadas, é mais natural
para as crianças pequenas juntálas, por exemplo, combinando desenho e fala, ou gestos e fala, ou
escrita e desenho. Por serem
holísticas em seu modo de perceber, conceber e comunicar-se, as
crianças pequenas preferem uma
abordagem integrada ao aprendizado da leitura e escrita de símbolos.
Para i Iustrar, certa vez eu estava digitando em meu computador,
quando Rebecca, minha filha de
quatro anos, jogou um pedaço de
papel em meu rosto. Examinei o
papel e vi um pequeno desenho a
lápis de uma figura que parecia
ser um dedo comprido apontando
para cima. Sob a figura estava escrito Não. Surpresa, perguntei a
Rebecca: "O que é isto?". Ela respondeu: "Eu quero que você pare
de digitar". Essa foi a primeira carta de Rebecca para mim, a qual
combinava o gesto de mover um
dedo, desenhar e escrever.
Esses sistemas simbólicos, ou
"linguagens infantis", são importantes para as crianças porque elas
possuem muitas formas diferentes
de aprender e pensar. Howard
Gardner (1993) descreve sete diferentes disposições de espírito, definidas como modos de perceber o
mundo e demonstrar capacidade
intelectual. Cada criança possui
um esti lo de aprendizagem individuai, singular, o que a torna inclinada para algumas dessas disposições mais do que para outras. Por
exemplo, elas podem ter evidente
habilidade entre as inteligências
visual/espacial, verbal/I i ngü ística,
corporal/ci nestésica, lógica/matemática, musical/rítmica e interpessoal/intrapessoal. Não obstante,
embora possuam esti los de aprendizagem singulares, poucas crianças apreciam a aprendizagem que
só utiliza uma de suas inteligências. Em vez disso, elas gostam de
atividades e experiências que as
mesclem. Os professores sabem o
quanto as crianças adoram música
e rima (o que combina inteligência musicallrítmica e verbal), cantar e marchar (o que combina inteligência musical/rítmica e corporal/cinestésica), teatro (interpessoal
e verbal) e construção com blocos
(corporal e lógica/matemática). Experiências mais ricas, variadas e
multidimensionais são mais memoráveis do que experiências
simplificadas, uniformes e unidimensionais.
Não são apenas as crianças que
encontram maior motivação e
competência quando abordam as
tarefas de forma holística. Na verdade, nosso mundo contemporâneo exige que os adultos utilizem
uma abordagem integrada dos símbolos (Garrett-Petts e Lawrence,
1996). Informações sobre o mundo exterior chegam até nós através
de uma diversidade de meios e
multimídia. Imagens visuais (fotografias, desenhos, diagramas, pi nturas), tanto em movimento quan-
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to estáticas, predominam em nossa experiência moderna, e os fluxos de imagens geralmente se
combinam com efeitos sonoros e
palavras. Na verdade, as novas
tecnologias estimulam combinações cada vez mais livres e criativas. Para o espectador, a capacidade de reunir e integrar palavras
e imagens, assim como imagens e
sons, é exigida toda vez que ele
assiste à televisão, lê uma revista
ou aprecia os diversos níveis de
significado transmitido s em uma
apresentação ao vivo.
Algumas pessoas criticam essas
tendências, pensando com que faci lidade as pessoas são cativadas pela
televisão, pelos vídeos musicais e
pelos computadores em detrimento
da leitura. Esses críticos sentem que
os consumidores, em geral , tendem
a ser desencaminhados ou a ter sua
imaginação empobrecida pelos meios modernos. Contudo, alguns estudiosos do aprendizado, como
Garrett-Petts e Lawrence (1996), assumem uma posição diferente. Eles
argumentam que mesclar os meios
é uma estratégia válida de comunicação, que exige consumidores
com elevado nível de instrução e
oferece novos modos de aprender
sobre o mundo. Pensemos em uma
criança pequena que está olhando
um livro ilustrado, enquanto ouve a
tri lha sonora em fitas cassete usando
fones de ouvido. Ela interpreta as
palavras escritas junto às figuras não
isoladamente, mas comparando-as
com as ilustrações. Além disso,
compara as palavras escritas às ouvidas na fita de áudio e é influenciada pelo tom do acompanhamento
musical. As palavras contribuem
para o significado da música e das
ilustrações, e vice-versa. O todo é
maior do que a soma das partes. À
medida qu e as crianças tornam-se
leitores cada vez mais sofisti cados,
elas passam a apreciar como algumas palavras (a legenda de uma
imagem ou foto) tornam a leitura
mais significativa. Elas compreendem como o fundo musical aumenta a intensidade dramática do que
os personagens dizem. Segundo os
autores, é tarefa do professor faci Iitar esse vai-e-vem "entre" palavras
escritas ou faladas, imagens e sons.
Ensinar as crianças a integrar sistemas simbólicos ajuda a que se preparem para a nova 'dlfabetização do
futuro. Isso também tem valor prático: na economia do futuro, haverá
cada vez mais empregos que exijam
o uso de tecnologias que de algum
modo combinam palavras, imagens
e música.
A sala de aula da segunda infância contém muitas oportunidades para que as crianças combinem meios e utilizem todas as
suas inteligências, se o professor
permitir que as crianças levem
materiais de uma parte da sala de
aula para outra e passem de uma
atividade para a outra de maneira
espontânea e auto-organizada.
Consideremos por um instante
uma criança de cinco anos que esteja brincando de casinha com os
amigos. As coisas que ela faz a se-
Pátio Educação Infantil. A no III N°S" ful /Oul 2005
guir envolvem uma série de meios
e de inteligên c ias (indicadas entre
parênteses). A criança decide que
quer fazer uma pintura de sua
casa (visual/espacial). Conforme
vai pintando, a cor flui sobre o papei em fortes linhas coloridas, e a
criança revive a experiência interior de ter "minha casa" - algo
grande e bonito que lhe proporciona um forte senso de afiliação
(intrapessoalJ. Quando pára para
admirar sua pintura, observa a
porta fechada e começa a pen sar
no ato de entrar em sua casa (corporal /ci nestésica). Agora ela vive
um problema : querer abrir a porta
(visual/espacial). Ela não sabe
como pintar uma porta que possa
abrir e, por isso, decide usar argi la
para esculpir uma nova casa (corporalicinestésica) . A criança
despende bastante tempo aprendendo a criar- uma prancha de argila para fazer uma porta e um
"caixilho" de argila em volta dela.
Ela sente prazer em manipular
essa porta, mesmo que a argila
tenda a se ama ssar junto ao caixilho toda vez que a feche (Iógica/
matemática). Então, percebe que
deseja fazer uma casa com uma
porta que abra e feche com faci I idade e que se abra ao passar-se
por ela. Conversando sobre es se
problema com a professora e com
os amigos (verbal/ lingüística) , ela
consegue uma caixa de sapatos .
Recorta uma porta e as janelas,
decora a casa e a preenche com
móveis e pessoas (corporall
cinestésica e visual/espacial). Nesse ponto , a criança já recebeu intensa estimulação cognitiva, além
A
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exige que os dd LJltos
utilizem uma
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de ter adquirido experiência através de suas explorações com os
três tipos diferentes de materiais
para representar sua casa.
Como disse Malaguzzi (1998,
p. 92), "ao passarem de uma linguagem simbólica para outra, as
crianças descobrem que cada
transformação gera algo novo. Isso
complica a situação e as faz progredir. À medida que constroem
sua idéia, elas também constroem
os símbolos e a pluralidade dos c6digos ... A cada passo, a criança
vai mais longe e mais alto, como
uma espaçonave com diversos estágios, cada um deles levando o foguete para mais longe no espaço".
Em conclusão, quais são as impi icações desses insights para o
processo de ensino e aprendizagem? Muitas sugestões para os
educadores decorrem das idéias
apresentadas neste breve artigo:
•
•
Os adultos podem ser professores, ajudantes, administradores, pais, professores e estagiários, membros da comunidade.
Na verdade, quanto mais pessoas envolvidas, melhor para
as crianças.
Os adultos podem desejar ampliar os meios oferecidos em
sua sala de aula (por exemplo,
argila, teatro, pintura, música) e
entrelaçá-los com leitura e escrita em todo o programa de
conteúdos e durante todo o ano
letivo. Podem ajudar as crianças a adquirir maior conhecimento das propriedades dos diferentes materiais, dando-lhes
várias oportunidades para experimentar ao longo do tempo.
e Os adultos podem estimular as
crianças de todas as idades a
projetar e criar produções
complexas, que envolvam trabalho em projetos de longo
prazo. Podem montar um estúdio de recursos em uma área
protegida da sala de aula ou
um armário facilmente acessível, com muitos materiais e recursos dispostos de maneira
organizada, convidativa e distintiva. Podem tentar oferecer
às crianças combinações
incomuns de materiais quando
estiverem tentando estimular
sua imaginação e envolvê-Ias
na resolução de problemas.
• Os adultos podem iniciar ati vidades que convidem as famíI ias das crianças a experienciar
a força de i ntegrar capacidades
visuais e verbais. Por exemplo,
um professor pode fazer circular os livros das crianças entre
as famílias, juntamente com
pequenos blocos de papel para
que pais e filhos registrem e
compartilhem suas reações (em
palavras ou desenhos) inspiradas pelo livro. À medida que o
livro for passando, as famílias
desfrutarão não apenas do livro, mas das respostas de todos a ele.
Ano III
f)
Os adultos podem fazer com
que as crianças tenham contato
com artistas da comunidade e
com produções criativas, de
qualidade, que combinem múltiplos sistemas simbólicos, notações ou tecnologias.
Referências Bibliográficas
GARDNER, H. Frames of mind. New
York: Basic Books, 1993.
GARRETT-PETTS, W.F.; LAWRENCE,
D. Integrating visual and verbal
Winnipeg, Manitoba:
Inkshed Publications, 1996.
MALAGUZZI, L. History, ieleas, anel
basic philosophy. ln: EDWARDS,
c.P.; GANDINI, L.; FORMAN, G.
(Eels.). The hundred languages Df
children. Second Edition: The Reggio
Emilia Approach, Advanced
Reflections (p. 49-198). Stamford,
Connecticut: Ablex, 1998.
literacies.
Caro/rn Pape fdwa ~ ·
é professora da Universidade de
Nebraska (Estados Unidos).
E-mail: cedwards@un/notes.unl.edu
EDWARDS, c.; GANDINI, L.;
FORMAN, G. As cem linguagens da
criança: a abordagem de Reggio Emilia
na educação da primeira infância. Porto
Alegre: Artmed, 1999.
GANDINI, L.; EDWARDS, C. Bambini: a abordagem italiana à educação
infantil. Porto Alegre: Artmecl, 2002.
r'J"a .
jullOllt 2005 • Pátio Educação Infantil
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