[XVII] Redação Nº 025517 - GB09 - ALFAL 2008 - Programa on-line

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VALORES VERBAIS NÃO-CANÔNICOS SOB A PERSPECTIVA DA LINGÜÍSTICA
COGNITIVA.
Adriana Maria Tenuta
Universidade Federal de Minas Gerais
Brazil
1. Introdução
Este artigo traz alguns resultados de uma pesquisa realizada com o intuito de se investigar
valores não-canônicos expressos por certas formas verbais do português do Brasil.
Está na base da investigação realizada nessa pesquisa a compreensão de que toda construção
de significado humano está relacionada à forma como se conceptualiza uma situação da
experiência, e que, por sua vez, as categorias e formas lingüísticas refletem essa conceptualização.
Adotou-se um modelo teórico condizente com essa perspectiva, que se estende para visão de que a
linguagem e demais habilidades cognitivas humanas estão inter-relacionadas e que a atuação do
indivíduo no mundo, que envolve aspectos de sua corporeidade, estão na base desse sistema
conceptual.
Utilizou-se para o estudo aqui proposto um corpus composto de dados de língua portuguesa
do Brasil, tanto orais (narrativas e diálogos espontâneos) quanto escritos (redações de vestibular)I.
Nesse corpus, foram encontradas várias ocorrências de formas verbais com valores distintos
daqueles expressos pelo rótulo dessas formas, rótulo esse que tem por base a definição tradicional
para tempo verbal, em termos de uma relação estabelecida entre momento da fala e momento do
evento. Foram os seguintes os valores não-canônicos encontrados: a) Presente do Indicativo com
valor genérico ou habitual; b) Presente do Indicativo com valor passado (semelhante ao valor de
PretéritoPerfeito), denominado, por vezes, Presente histórico; c) Presente do Indicativo com valor
futuro (semelhante ao de Futuro do Presente); d) Presente do Indicativo com semelhante
imperativo; e) Pretérito Perfeito do Indicativo com sentido contra-seqüencial (semelhante ao valor
de Pretérito Mais-que-perfeito) e f) Pretérito Imperfeito do Indicativo com valor semelhante ao de
Futuro do Pretérito.
I
A composição do corpus é a seguinte: Narrativas orais utilizadas em Tenuta (2006); transcrições de conversações,
gentilmente cedidas pelo GREF (Grupo de Estudos Funcionalistas), pertencente ao NELU (Núcleo de Estudo da Língua
em Uso - FALE/UFMG) - transcrições das fitas AVe MFA e dados de Matta (2005) - e redações de Vestibular da
UNIPAC de 2006, também gentilmente cedidas pela Comissão de vestibular dessa Universidade para este estudo.
2
Certamente há mais valores não-canônicos de formas verbais se se considera essa definição
de tempo verbal e os rótulos para os tempos verbais dela advindos. Assim, essa maneira como
tradicionalmente tempo verbal tem sido definido não espelha a riqueza da realidade da expressão
verbal. Valores variados, às vezes, estão relacionados a uma única forma. E esses valores podem ser
revelados levando-se em conta seus contextos de ocorrência.
Através deste estudo, buscou-se investigar a motivação cognitiva para a existência desses
valores não-canônicos encontrados no corpus. Propôs-se que o estudo teria por base o quadro
teórico da Lingüística Cognitiva, que apresenta algumas abordagens com potencial para subsidiar
explicações referentes ao fenômeno, pela investigação da motivação cognitiva para tais alterações
semânticas.
Neste artigo, descrever-se-á as análises referentes aos itens (a), (c) e (d) acima listados,
apresentando diagramações para o valor canônico do Presente do Indicativo, além da diagramação
para o valor atemporal. A partir dessas diagramações, discutem-se os valores futuro e imperativo do
Presente do Indicativo, que apresentam configurações de espaços mentais semelhantes à do
presente atemporal.
A Lingüística Cognitiva possibilita a visão da inter-relação entre a linguagem e a cognição
humanas. De acordo com essa perspectiva teórica, nossa utilização da linguagem espelha processos
cognitivos mais gerais e tem uma estreita relação com a percepção sensorial. Nesse sentido, a
conceptualização é vista como um processo correlato ao da visualização (Langacker, 1987; 2008) e,
portanto, a compreensão de como o ser humano trabalha sua atenção frente a uma cena visual pode
revelar muito de como também construímos significado lingüístico.
Inicialmente, no âmbito deste estudo, checou-se a possibilidade de investigarmos o
fenômeno através de 3 abordagens do quadro a Lingüística Cognitiva: primeiro, a abordagem dos
Espaços Mentais (Fauconnier, 1994; 1997); segundo, o modelo da Dinâmica de Forças de Talmy
(1988) e, finalmente, a perspectiva que investiga a extensão semântica, metafórica, proposta por
Tyler e Evans (2001, 2004). Todos esses modelos levam em conta a motivação cognitiva para a
utilização das formas lingüísticas, ou seja, postulam uma estreita relação entre o sistema conceitual
e o sistema semântico.
Na perspectiva dos Espaços Mentais, tempo verbal refere-se principalmente à relação entre
ponto de vista e foco (noções essas definidas dentro do próprio modelo); o modelo lida, então, com
a questão temporal de forma diferente da tradicional; na perspectiva da Dinâmica de Forças, que é
uma categoria semântica, considera-se que as entidades envolvidas numa interação pertencem a um
campo no qual estão atuando forças dinamicamente distribuídas e redistribuídas em movimentos de
se ‘exercer uma força’; se ‘resistir a essa força’; se ‘superar essa resistência’, se’ bloquear essa
força’; se ‘superar esse bloqueio’; etc. e, na proposta da Extensão Metafórica, a existência de vários
3
sentidos ligados a uma única forma lingüística é preferencialmente vista como polissêmica, sendo
muitas vezes possível perceberem-se elos motivados cognitivamente entre os diversos significados.
Os estudos pilotos desenvolvidos com base nos modelos listados revelaram que a
perspectiva dos Espaços Mentais foi a que de imediato se prestou à investigação do fenômeno
lingüístico abordado e foi, então, a perspectiva adotada para a realização do mesmo.
Primeiramente, o Modelo dos Espaços Mentais permite, através da noção mesma de espaços
mentais, possibilita representar conceptualmente a distribuição de informação que acontece, com
sua dinamicidade, no desenrolar de qualquer discurso. Além disso, as modelagens feitas dentro
dessa proposta têm de ser trabalhadas com as noções discursivas de BASE, PONTO DE VISTA e FOCOII,
que, além de evidenciarem aquela relação entre conceptualização e visualização mencionada,
possibilitam uma nova visão de tempo verbal.
2. Tempo verbal visto tradicionalmente
Na acepção tradicional, então, o tempo verbal Presente corresponde à situação em que o
tempo de ocorrência do evento coincide com o tempo da fala; para o Passado, pensa-se numa
assimetria na qual o tempo de ocorrência do evento antecede o tempo da fala e, para o futuro,
considera-se a inversão dessa relação. Diversos autores compartilham dessa concepção, como, por
exemplo, Cunha (1971); Nicela e Infante (1997); Rocha Lima (2003).
Cunha (1971) define tempo verbal como:
“a variação que indica o momento em que se dá o fato expresso pelo verbo. Os três tempos verbais
naturais são o presente, o pretérito (ou passado) e o futuro, que designam, respectivamente, um fato
ocorrido no momento em que se fala, antes do momento em que se fala e após o momento em que se
fala” Cunha (1971: 256).
Cunha e Cintra (2001:448), por sua vez, trabalham com a noção de que “(...) Tempo é a
propriedade de localizar o processo verbal no momento de sua ocorrência, referindo-o seja à pessoa
que fala, seja a outro fato em causa”.
Encontram-se explicações, em várias gramáticas, para ocorrências de formas verbais que
não correspondem àquela definição canônica. Nesses casos, recorre-se, em geral, a explicações
localizadas, cunhadas ad hoc, que, sem deixar de revelar aspectos semânticos ou estilísticos da
expressão ligados a tais formas, não revelam razões de ordem cognitiva subjacentes a essa
expressão, nem tampouco possibilitam generalizações, que são observáveis se é adotada a
perspectiva proposta pela Lingüística Cognitiva.
II
As noções discursivas e categorias tempo-aspectuais definidas dentro do Modelo dos Espaços Mentais aparecem,
neste trabalho, como em Cutrer, 1994, em VERSALETE.
4
Dentre os trabalhos acadêmicos relacionados ao estudo de formas verbais, um que apresenta
uma explicação de caráter cognitivo é o artigo “A expressão verbal a serviço do efeito de sentido
metafórico”, de Back (2007). Tal explicação é distinta sem deixar de ser compatível com aquela
fornecida pelos resultados encontrados através desta pesquisa, que foram obtidos a partir da
diagramação de trechos discursivos utilizando o Modelo dos Espaços Mentais.
3. O fenômeno investigado e o modelo teórico adotado
A perspectiva dos Espaços Mentais, como mencionado, possibilita a visão da inter-relação
entre a linguagem e os demais processos cognitivos do ser humano, como, por exemplo, nossas
capacidades de categorização e esquematização. No âmbito desse modelo, considera-se que tempo
verbal refere-se principalmente à relação entre
PONTO DE VISTA
e
FOCO
(Turner, 1996; Cutrer,
1994), relação essa que tem por base, a percepção cognitiva, muito nitidamente, a percepção visual.
Os Espaços Mentais são um modelo descritivo que tem possibilitado esclarecimentos e
generalizações sobre fenômenos da linguagem e do pensamento. A aplicação consistente desse
modelo às ocorrências de formas verbais com valores não-canônicos encontradas no corpus levou a
resultados significativos referentes à análise desses valores.
Foram realizadas diagramações de trechos dos textos selecionados utilizando as noções
discursivas de
FOCO, PONTO DE VISTA, BASE
e
EVENTO
PRESENTE, PASSADO, FUTURO, PERFECTIVO, IMPERFECTIVO
e as categorias tempo-aspectuais de
e
PROGRESSIVO,
do referido modelo
(Cutrer, 1994). Segundo Fauconnier (1994), (1997) e Cutrer (1994), parte do que ocorre
cognitivamente ligado a qualquer manifestação de discurso pode ser representado por diagramas
que se utilizam dessas noções e categorias.
As diagramações são compostas por círculos, que são os espaços mentais, propriamente.
Esses espaços, por sua vez, estruturam-se a partir de conteúdo lexical dos enunciados que especifica
determinadas moldurasIII. Essas molduras são representadas pelos retângulos ao lado dos círculos IV.
Nos círculos, aparecem letras, que representam os elementos que preenchem os papéis das
molduras. Linhas ligam os espaços e ajudam a revelar as relações entre eles, relações essas que são
determinadas pela informação gramatical contida nos enunciados. Assim, as expressões lingüísticas,
com seu conteúdo lexical e gramatical, fornecem informação que atua estabelecendo os espaços e
seus elementos, estruturando e interconectando esses espaços. Além disso, tempo e aspecto verbal,
como informação gramatical, também indicam a movimentação de
III
Moldura é a tradução adotada nesta pesquisa para o termo frame, do inglês.
FOCO
no decorrer do discurso.
5
Os parênteses nos diagramas aparecem delimitando uma noção discursiva - (FOCO), por exemplo –
indicando exatamente essa movimentação, ou seja, o espaço assim marcado foi
FOCO
num
determinado momento do discurso, mas, a partir da inserção de novo enunciado, FOCO transferiu-se
para outro espaço, do discursivo corrente.
Dessa forma, o diagrama composto por todos esses elementos tem o potencial de
representar o processo dinâmico vivenciado pelos usuários da língua, ao produzir ou interpretar
discurso, dentro da concepção de que os valores semânticos se realizam contextualmente, ou seja,
da concepção de que, para a construção adequada do significado, é necessário considerar o contexto
lingüístico e/ou extra-lingüístico nos quais o enunciado se insere.
Segundo Fauconnier (1997:72), as atividades humanas ligadas a pensamento, dentre elas as
interações lingüísticas, envolvem configurações de espaços mentais. Quando falamos, à medida que
o discurso se desenrola, os espaços vão sendo estruturados, interconectados e a marcação deles vai
se alterando para que, atualizadamente, a configuração espelhe qual é a
discurso, qual é o
PONTO DE VISTA
BASE
na qual se ancora o
assumido pelo falante e qual é o evento que está em
FOCO.
A
informação lingüística, gramatical, é o meio através do qual os participantes da interação são
guiados na percepção desse processamento. Assim, nas diagramações contendo qualquer
configuração representando discurso, têm-se os seguintes espaços: a)
BASE
– espaço ao qual o
discurso está ancorado; o ponto de partida; b) FOCO – espaço que é o foco de atenção; c) EVENTO –
espaço no qual a estrutura do evento ou situação indicada pelo verbo é construída e d)
VISTA
PONTO DE
– espaço a partir do qual outros espaços são acessados ou estruturados; ponto de referência
para as categorias tempo-aspectuais. (Cutrer, 1994:22)
Cutrer (1994) define cada uma das categorias tempo-aspectuais de
FUTURO, PERFEITO, PROGRESSIVO, IMPERFECTIVO e PERFECTIVO
PRESENTE, PASSADO,
como categorias que servem de elos
entre espaços, organizando a distribuição de BASE, FOCO, etc e determinando as relações temporais.
Tais categorias, segundo a autora, não são “representações de formas semânticas, nem são
categorias gramaticais específicas das línguas.” (Cutrer, 1994:94), mas atuam no nível cognitivo.
Essas categorias são mapeáveis a categorias gramaticais das línguas, mas não são lingüísticas nesse
sentido.
A autora esclarece que as categorias tempo-aspectuais que adota têm por base o estudo
trans-lingüístico de Bybee e Dahl (1989), segundo o qual cerca de 80% das línguas analisadas
apresentaram seis tipos de marcação, por morfemas gramaticais, de conteúdo tempo-aspectual. A
essas seis, a autora acrescenta a categoria de
IV
PRESENTE,
que é, em geral, a forma não marcada nas
A estrutura da moldura foi representada, dentro dos retângulos, de uma forma que espelhe mais diretamente a
ordenação dos elementos na frase. Assim, ao invés de uma representação como [a b GOSTAR], temos [a GOSTAR b].
6
línguas. (Cutrer, 1994:94) Ela define, então, cada uma dessas categorias em termos das noções
discursivas.
Com vistas a analisar valores distintos de formas do Presente do Indicativo, partiu-se da
definição de
PRESENTE
proposta pela autora referida, para a realização das diagramações que são
apresentadas, referentes a trechos de discurso contendo os elementos verbais sob investigação,
extraídos do corpus.
Define-se
PRESENTE
PONTO DE VISTA;
FOCO,
que é ele mesmo (ou seu ‘pai’)
PONTO DE VISTA/BASE
e ainda que tem os eventos e
como um espaço que está em
que é não-anterior a
propriedades nele representados marcados como FATO. Cutrer (1994:89)
Nessa abordagem dos Espaços Mentais, o evento
PRESENTE
não necessariamente coincide
com o momento da fala porque essa categoria não representa um ponto no tempo, mas sim um
período de tempo que pode ter qualquer extensão.
4. Diagramações e análises realizadas
Foram diagramadas ocorrências de Presente com valor canônico, Presente com valor
atemporal. A partir dessas diagramações, discutiu-se também o Presente com valor de futuro e
Presente com valor imperativo.
4.A. Diagramação discursiva do Presente com valor canônico
Considerou-se como expressando o valor canônico do Presente as situações nas quais há
coincidência entre momento da fala e momento do evento.V Em termos dos Espaços Mentais, isso
significa que as categorias
BASE/PONTO DE VISTA
(realidade do falante) e
EVENTO
são coincidentes,
ou seja, marcam o mesmo espaço.
São exemplos de valor canônico encontrados nos dados:
(1) "O Brasil enfrenta atualmente, vários problemas como fome, desemprego, violência e má
distribuição de renda"VI
(2) "O que está faltando? A educação no Brasil precisa de inúmeras mudanças." VII
V
Cutrer (1994) define valor canônico através do Presente Simples, Imperfectivo.
Redação Nº 000005 IPA03 (que corresponde ao número da redação e ao pacote no qual se encontra).
VII
Redação Nº 087759 IPA03
VI
7
Sem o advérbio de tempo (“atualmente”), a tendência seria interpretar "enfrenta", em (1),
como habitual. Daí a importância de se observar todo o contexto lingüístico da frase e seu contexto
discursivo mais amplo. Em termos do modelo adotado, marcadores como os adverbiais ajudam,
então, no estabelecimento da relação entre PONTO DE VISTA e EVENTO.
O Presente simples com valor canônico é raro no conjunto das ocorrências dos valores
expressos por esse tempo verbal. O Presente perifrástico, como na pergunta em (2), é, na verdade,
muito mais utilizado para expressão da simultaneidade entre momento do evento e momento da
fala.
Uma ocorrência de Presente simples com valor canônico é assim diagramada:
(3) ... que eu tô na casa de minha tia e tal.VIII
a: Eu
b: casa de minha tia
a ESTAR em b
a.
b.
BASE
PONTO DE VISTA
FOCO
EVENTO
4.B. Diagramação discursiva do Presente com valor atemporal
Neste trabalho, considera-se valor atemporal todo valor que outros autores denominam
distintamente como valores genérico e habitual. Segundo Cutrer, a distinção entre genérico e
habitual se dá da seguinte forma:
“Expressões genéricas atribuem uma propriedade a todos os membros de uma classe, ao invés de a
um indivíduo específico ou a um grupo de indivíduos. ... Nos espaços genéricos, que representam
noções cognitivas idealizadas sobre o mundo, classes de objetos têm propriedades. Os espaços
genéricos operam muito como molduras; conhecimento, papeis, informação, etc... contidos no espaço
genérico, podem ser importados para o espaço base por qualquer instanciação específica da classe.”
(Cutrer, 1994: 143-144)
Uma situação envolvendo um valor habitual é uma situação que se refere a um único
indivíduo (ou a um grupo de indivíduos) que possui um determinado hábito (propriedade habitual).
8
Assim, essa situação envolve a repetição de um evento através do tempo. Lida-se, nesse modelo,
com a expressão habitual da mesma forma com que se lida com a expressão genérica. Nesse
sentido, também o espaço habitual pode operar como uma moldura (Cutrer, 1994:146-147). Essa
similaridade de ambas as situações justifica a opção por não distinguir habitual e genérico,
adotando-se a categoria atemporal.
(4) e (5) são exemplos de Presente atemporal encontrados no corpus. Em (4), há ocorrência
de sentido genérico e, em (5), de sentido habitual:
(4) “o que ele pre o que ele poderia utilizar de GSM ele não utiliza nem um terço... porque esse negócio
de mudar chi::p... não/não funciona pro brasileiro... ele é conservador e ele continua usando
tecnologia TDMA”IX
(5) L1 - éh:: porque eles não têm tempo... eu até observei uma aluna outro dia... (ela) ô Cíntia de que
turma você mesmo? uma aluna do quarto perguntando pra uma aluna do segundo... quer dizer...
L2 - sim...
L1 - eles se encontram nos corredores mas não têm essa oportunidade de fazer uma atividade...
né::?...X
Segue a diagramação de um trecho de discurso que serve como um modelo para o Presente
atemporal:
(6) “..., visto que cada um ao longo de sua vida, imerso numa realidade sócio-cultural, singular
enfrenta as situações e desafios da vida.” XI
a: cada um
b: situação e desafios da vida
a ENFRENTAR b
BASE
PONTO DE VISTA
.a
.b
FOCO
EVENTO
Não anterior à BASE
É devido ao fato de o espaço
PONTO DE VISTA/BASE
não precisar ser necessariamente o
espaço EVENTO na representação de PRESENTE, que o tempo verbal Presente pode ter valor genérico
ou habitual. Esses valores não são expressão de uma instanciação específica do evento, mas sim, de
VIII
Narrativa 13 (252) (que corresponde ao número da Narrativa e ao evento na narrativa)
Transcrição AV (que corresponde ao diálogo transcrito.)
X
Transcrição MFA
XI
Redação 87782 – IPA1
IX
9
uma seqüência de eventos (no caso do valor habitual) ou de uma repetição do evento relativo a
todos os indivíduos de uma classe (no caso do valor genérico).
No exemplo diagramado, a expressão “ao longo de sua vida” é um construtor de espaços XII,
que suscita o estabelecimento de um espaço atemporal. Quando se trata de um valor atemporal,
diagrama-se Presente com dois espaços. Há a criação de um espaço a partir da BASE, como se fosse
uma extensão dela. Nas palavras de Cutrer, “hábitos no tempo Presente indicam, de alguma forma,
que o hábito é parte da presente estrutura do mundo [representada na base], entretanto, uma
ocorrência real do evento pode ser passada ou futura em relação ao ‘agora’”. (Cutrer, 1994:152).
Como Presente não fala da relação entre PONTO DE VISTA e EVENTO, “uma ocorrência real do evento
não coincide necessariamente com o ponto-zero temporal associado com o
(Cutrer, 1994:147)
PONTO DE VISTA
coincidente com
EVENTO
PONTO DE VISTA.”
ocorre somente em relação ao
Presente canônico.
Essa situação de estabelecimento de um outro espaço além do espaço
configuração de
PRESENTE
BASE
para
também ocorre quando há um construtor de espaço do tipo geográfico -
ou outro (o que estabelece a criação de um espaço geográfico – ou outro), onde fica o
EVENTO.
Considera-se que este outro espaço “representa uma sub-parte da concepção de realidade
representada na BASE.” (Cutrer, 1994:143), como uma extensão dela.XIII
Assim, os diagramas que representam estruturas contendo valores atemporais (genéricos ou
habituais) respeitam a relação FOCO/PONTO DE VISTA definida para o PRESENTE, a saber, esse espaço
ou seu ‘pai’ PONTO DE VISTA e ele está em FOCO.
4.C. Presente com valor semelhante ao de Futuro do Presente
4.C.1. Forma simples
Seguem exemplos de utilização do Presente com valor semelhante ao de Futuro do
Presente:
XII
Construtor de espaço é um termo que integra o Modelo dos Espaços Mentais. Um construtor de espaço é um
elemento da cadeia lingüística (no caso de linguagem) que suscita a criação de um novo espaço ou a ativação de um
espaço já criado no contexto do discurso.
XIII
Cutrer afirma que não é necessário postular a natureza aspectual para explicar o Presente genérico ou habitual:
“nenhum processo imperfectivo de ordem superior precisa ser postulado” (Cutrer, 1994:152). A categoria aspectual
IMPERFECTIVO é caracterizada pela autora através da coincidência de FOCO e PONTO DE VISTA. Em nossa diagramação,
no entanto, uma vez que os espaços habitual e genérico (atemporais) são estruturados por molduras que também
integram a estrutura do mundo representado na BASE/PONTO DE VISTA, esses valores podem, como o valor canônico, ser
interpretados como imperfectivos.
10
(7) “eh::... para não haver nenhum tipo de PERda pode programar a exibição éh:: trocada... quer
dizer... na segunda passa um filme um... e filme dois... pras turmas e depois inverte...” XIV
(8) “então a gente já poderia comeÇAR... eu tinha pensado até conversei com a Cássia e o Eliezer... há
pouco... e vê como que a gente podia articular isso aí ... já fazer as reservas dos televisores... e a
gente começa trabalhar... essa semana...”XV
Em (7) a forma “passa”, no contexto do enunciado, projeta para uma situação futura, assim
como, em (8), a forma de Presente do auxiliar da perífrase aspectual “começa trabalhar” tem valor
futuro.
O tempo verbal Presente admite a interpretação futura, pois, na representação discursiva nos
moldes dos Espaços Mentais, o espaço construído com o conteúdo da estrutura com valor futuro
apresenta especificação temporal coincidente com especificação para o PRESENTE.
Explicando, a única indicação temporal existente, tanto para a categoria tempo-aspectual
PRESENTE,
quanto para a expressão com valor futuro, o espaço que representa o evento é Não
anterior à
BASE
à qual esse evento está ancoradoXVI. Lembrando que, nesta abordagem, os espaços
PRESENTE, PASSADO
ou FUTURO não representam um ponto no tempo, mas sim um período de tempo
e, relativamente ao
PRESENTE,
BASE,
a única exigência é que esse período de tempo seja Não anterior à
situações posteriores ao agora podem ser marcadas por PRESENTE. (Cutrer, 1994:157).
Diferentemente do presente atemporal, em que a ocorrência real do evento pode ser passada
ou futura, neste caso a ocorrência é necessariamente futura.
Encontram-se, ainda, como parte desse arsenal teórico, as noções
marcação de um evento como
FATO/PROGNÓSTICO
distingue o
FATO
FUTURO
e
PROGNÓSTICO.
“A
das outras categorias de
tempo e reflete um modelo cognitivo de mundo básico no qual o passado e o presente (em tempo
real) [marcados como
PROGNÓSTICO]
FATO]
são fixos e imutáveis, mas o futuro (em tempo real) [marcado como
não o é.” (Cutrer, 1994:156)
O falante ter escolhido, nos casos diagramados acima, expressar um evento futuro através de
uma forma
PRESENTE
significa que ele concebe esse evento como
FATO,
antevendo sua ocorrência.
Isto é, o falante concebe esse evento com uma maior possibilidade efetiva de realização.
Uma diagramação desse valor também respeitaria a relação
para o
PRESENTE,
4.C.2. Forma Perifrástica
XV
Transcrição MFA
Transcrição MFA
definida
o que não gera uma incompatibilidade no nível cognitivo, da conceptualização,
entre essa situação e o valor canônico do Presente..
XIV
FOCO/PONTO DE VISTA
11
As formas perifrásticas de Futuro são reconhecidas por gramáticos como um emprego
relativo à língua falada. Cunha e Cintra (2001:461) reconhecem a perífrase construída com o verbo
“ir” no Presente do Indicativo como referente a uma “ação futura mais imediata”. No âmbito desta
pesquisa, observou-se que, muitas vezes, essa perífrase não expressa valor aspectual inceptivo, ou
seja, de início de ação ou ação mais imediata. Trata-se simplesmente da expressão de ação futura.
Essa ação futura, como foi discutido relativamente à forma simples, é marcada como
portanto, é também
FATO.
PRESENTE,
Tem-se, então, que também essa forma perifrástica expressa um valor
futuro simultaneamente à expressão de uma maior possibilidade efetiva de realização. Isso significa
uma opção assumida pelo falante de utilizar uma perífrase com verbo auxiliar no Presente, para a
expressão de um evento de conteúdo futuro.
Seguem dois exemplos da forma perifrástica com o verbo ‘ir’ no Presente do Indicativo,
com valor futuro.
(10) “O sucesso de cada pessoa vai depender do esforço que ela vai fazer. Seu for fazer minhas coisas
bem feitas, dar o melhor de mim, tudo vai dar certo, se na minha frente haver muitos obstáculos,
posso passar com um pouco de dificuldade mas eu vou conseguir se quiser.”XVII
(11) “Ah, que que eu vô - que que eu vô fala”, né? XVIII
Novamente, pode-se argumentar que tal expressão é possível, pois a indicação temporal
existente para a categoria tempo-aspectual PRESENTE é condizente com a expressão com valor futuro
através desse tipo de perífrase, ou seja, o espaço que representa o evento é Não anterior à
BASE
à
qual está ancorado.
4.D. Presente com valor semelhante ao do Imperativo
Cunha e Cintra (2001:450) reconhecem o Presente com valor imperativo como uma “forma
delicada de linguagem, e denota intimidade entre pessoas.” Também comenta a respeito do
emprego do verbo “querer” seguido do infinitivo do verbo principal para atenuar a rudeza do tom
imperativo. Alguns de seus exemplos são: Você me resolve isto amanhã; Quer sentar-se, minha
senhora?... (C. Castelo Branco, CC, 198); Quer me dar minha carteira? (C. Drummond de
Andrade, OC, 921).
XVI
De forma semelhante, Luft (1987) reconhece que o Presente é definido como não-passado.
Redação Nº 025517 - GB09
XVIII
Narrativa 13 (173)
XVII
12
4.D.1. Forma simples
Seguem dois exemplos, encontrados no corpus, de Presente com valor imperativo:
(12) Então ês falô assim “Ah, cê é bom de leitura, leia- lê aqui pra nós.” Né?
Ele pegô o jornal, pegô o jornal de cabeça pra baixo, né? XIX
(13) Eu desci correndo as escadas e ele meteu a mão no bolso e me tirou um livrinho e me deu.
“Toma esse livrinho para você aprender”XX
Como foi dito em relação à interpretação futura do tempo verbal Presente, a construção do
espaço com interpretação imperativa também apresenta especificação temporal coincidente com
aquela especificação para o PRESENTE (Não anterior à BASE, representando um período de tempo de
qualquer extensão).
Neste caso, também, o falante escolheu expressar o evento imperativo através de uma forma
PRESENTE,
o que significa que concebe esse evento como
FATO,
ou seja, com uma maior
possibilidade efetiva de realização.
Na distinção dos valores imperativo e futuro das formas de Presente é imprescindível levar
em conta a entonação do enunciado e seu contexto lingüístico. Isso corrobora o que dizem Cunha e
Cintra (2001:449) a respeito do Presente com futuro: um “caso em que, para impedir qualquer
ambigüidade, se faz acompanhar geralmente de um adjunto adverbial”.
4.D.2. Forma Perifrástica
A mesma forma perifrástica que tem valor temporal futuro (“ir” no Presente do Indicativo +
V Infinitivo) apresenta, em alguns contextos, um valor modal imperativo. A situação, nesses casos,
permanece a mesma: PONTO DE VISTA não coincidente com EVENTO.
Seguem exemplos de Presente na forma perifrástica, com valor de Imperativo:
(14) L1 - nossa senhora essa foto sua C. ... vô mandar ampliar essa...
L2 – é... essa ficou boa né?...
L1 – eu adorei essa... nossa e a cerveja heim? a cerveja tão gostosa... cerveja alemã... com
foundee tava ótimo...
L1 – vai acabando de ver aí que eu vou ligar a Internet tá?
L2 – tá...
L1 – pode?
XIX
XX
Narrativa 12 (11-15)
Narrativa 10 (30-35)
13
L2 – pode... lógico...
MÃE...
L3 – oi...
L2 – vem cá pro cê ver as fotos da viagem...
L1 – vô só olhando a Internet aqui ocês vão vendo dona L. ...XXI
(15) Era aqueles prato de- leve. /UNHUM/ né?
“Agora cê vai procurá o prato.” XXII
5. Conclusão
Adotou-se o quadro teórico amplo da Lingüística Cognitiva para a análise dos valores
verbais não canônicos desta pesquisa; mais especificamente, adotou-se o Modelo dos Espaços
Mentais. Este modelo prestou-se de imediato à investigação da motivação cognitiva para a
existência de valores semânticos diferenciados ligados a uma mesma forma verbal uma vez que as
diagramações realizadas de acordo com os princípios e ferramentas teóricas do modelo representam
a forma como os falantes conceptualizam as situações. Concentrou-se, na etapa da pesquisa aqui
relatada, na investigação de valores expressos por formas do Presente do Indicativo,
especificamente os valores atemporal, valor futuro e valor imperativo. A aplicação desse modelo
aos dados extraídos do corpus utilizado na pesquisa proveu, como hipotetizado, uma explicação de
caráter cognitivo para utilização de um mesmo tempo verbal com valores diversos.
Em todos os casos de Presente investigados e relatados, o falante conceptualiza a situação
com a relação FOCO/PONTO DE VISTA correspondente àquela que define PRESENTE. Mantendo-se essa
relação, é possível a expressão de valores variados através dessa forma verbal. Isso significa, então,
que, no nível cognitivo, da conceptualização da situação expressa pelo tempo verbal, não há uma
restrição ou um impedimento que barre a utilização verbal desse tempo com esses valores nãocanônicos.
Esta pesquisa, então, reforça o postulado da Lingüística Cognitiva, em geral, e do Modelo
dos Espaços Mentais, em particular, em relação à vinculação da utilização da linguagem ao aparato
cognitivo humano geral, ou seja, o postulado de que, na utilização da linguagem, o ser humano
lança mão de recursos psicológicos e cognitivos mais gerais, que atuam em vários aspectos sua
interação com o mundo.
Na determinação dos valores apresentados pelas formas de Presente, foi importante a
consideração do contexto lingüístico e pragmático-discursivo e de padrões entoacionais, o que
reforça a importância de se realizar pesquisas sob a perspectiva do uso lingüístico.
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MATTA_03 (p 2)
Narrativa 4 (28-29)
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Os resultados aqui alcançados abrem caminho para maiores investigações de formas verbais
com valores não-canônicos e da motivação cognitiva para a utilização delas.
5. Referências Bibliográficas:
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