O ECONOMISTA brasileiro

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O ECONOMISTA brasileiro
Por Sergio Lamucci
Valor Econômico, Eu e fim de semana 10/08/2007
Otavio Magalhães / AE
Simonsen, "keynesiano moderadamente intervencionista",
executou complexas tarefas de governo, entendeu a essência da
inflação inercial, não se interessou pelo poder
Professor brilhante, pioneiro no diagnóstico do problema da inércia
inflacionária, ministro controvertido da ditadura militar, banqueiro, bon
vivant e profundo conhecedor de ópera, Mário Henrique Simonsen é o
economista brasileiro mais importante, de acordo com pesquisa promovid
pelo Valor. Morto há dez anos, Simonsen teve 27 votos em uma consulta
que contou com 63 eleitores, apenas dois à frente de Celso Furtado, a
principal referência do pensamento econômico desenvolvimentista. Num
distante terceiro lugar aparece o ex-ministro Eugênio Gudin, ícone do
pensamento ortodoxo, com cinco votos, seguido de perto por outro
economista conservador - Roberto Campos -, com quatro.
A pesquisa não seguiu critérios metodológicos rigorosos. O jornal
procurou 100 economistas de diversas escolas e tendências. Desse total,
63 concordaram em participar, declarando seu voto no "economista
brasileiro mais importante da história". Três votaram em mais de um
nome .
Nelson Perez / Valor
Furtado, "mais historiador e filósofo do que economista",
estudioso da economia como dimensão da vida social, pensou para o
Estado o papel de coordenador do esforço pelo desenvolvimento
O resultado espelha a tradicional disputa no Brasil entre
economistas ortodoxos e heterodoxos - embora Simonsen não tenha
sido exatamente um baluarte da ortodoxia. "Nunca foi monetarista como
eu ou o Gudin. Era mais um keynesiano moderadamente
intervencionista" - disse certa vez Roberto Campos, ao falar sobre o exministro da Fazenda de Ernesto Geisel e ex-ministro do Planejamento de
João Baptista Figueiredo.
De qualquer modo, os votos dados a Simonsen vieram quase
todos de economistas hoje considerados ortodoxos. "Simonsen teve uma
trajetória importante desde jovem. Foi um brilhante formulador do
crucial Paeg (Programa de Ação Econômica do Governo) e um excelente
ministro. Vencido na disputa de poder que precedeu a década perdida,
contribuiu em muito para o debate público até o fim de seus dias, de
maneira brilhante, clara, bem-humorada e desinteressada" - diz Arminio
Fraga, ex-presidente do Banco Central, sócio da Gávea Investimentos. E
acrescenta: "Até hoje não surgiu um substituto. Foi de Simonsen o
diagnóstico inicial do problema da inércia da inflação, por ele
denominada realimentação inflacionária". Fraga também vê em
Simonsen o educador que formou "gerações de economistas, sem
dogmatismo".
Edu Garcia /AE
Nas salas de aula, na produção acadêmica, nos artigos que
escrevia para públicos mais amplos, Simonsen era, sobretudo, alguém
que "conseguia escapar de dogmas"
Carlos Geraldo Langoni, outro ex-presidente do BC, vai na mesma
linha, ao apontar a influência de Simonsen "na formação de gerações de
economistas por meio da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE)
da FGV, que ele fundou e dirigiu, durante vários anos, sendo seu mais
brilhante professor". Langoni destaca ainda "a profundidade e amplitude
de sua contribuição acadêmica, cujo destaque é a versão brasileira dos
textos básicos de teoria dos preços e macroeconomia".
O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore diz que a produção
acadêmica de Simonsen no Brasil foi "extremamente importante". Os
quatro volumes de seu texto sobre microeconomia "foram marcantes na
formação de toda uma geração de economistas". No campo da
macroeconomia, "sua melhor contribuição foi o livro 'A Dinâmica
Macroeconômica', escrito logo após sua saída do Ministério da Fazenda".
Pastore lembra outra faceta de Simonsen: "Ele contribuiu também para
o debate mais amplo, com artigos publicados na imprensa e em revistas
de economia. E produziu artigos acadêmicos importantes, dentre os
quais destacaria os que iniciaram a formulação das causas da inércia na
inflação brasileira derivada da indexação dos salários às inflações
passadas."
Simonsen também teve votos de não ortodoxos. O professor Caio
Prates, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), votou no exministro por sua visão eclética. Para Prates, isso ficou claro no
diagnóstico de Simonsen sobre o processo inflacionário brasileiro. O exministro chamou a atenção para o componente inercial, sem se limitar a
uma abordagem ortodoxa convencional do problema. "Ele conseguia
escapar de dogmas."
Esse é também o motivo que fez o ex-ministro Luiz Carlos
Mendonça de Barros escolher Simonsen. Sua análise sobre o que ele
chamava de realimentação inflacionária mostra uma visão de quem não
ficava refém do livro-texto, diz. Mendonça de Barros tem restrições,
porém, à atuação de Simonsen como ministro no governo Geisel, por
não ter feito, afirma, as correções de rumo que seriam necessárias
depois do primeiro choque do petróleo, em 1973. Sem o ajuste externo
e uma redução da demanda interna, o país continuou a crescer com
força - como queria Geisel -, e os desequilíbrios aumentaram, avalia
Mendonça de Barros. Por essa visão, o ministro Simonsen não esteve à
altura do economista Simonsen.
O ex-presidente do BC Gustavo Loyola tem opinião mais benigna
da passagem de Simonsen pelo governo. "Muitas vezes não conseguia
fazer vencedoras suas idéias e posições no governo, mas quase sempre
seu diagnóstico se revelava exato. No governo, defendeu a opção por
um ajuste mais forte e profundo da economia brasileira à crise externa,
mas acabou prevalecendo uma visão mais gradualista e leniente, que
trouxe posteriormente grandes custos ao país."
Em segundo lugar na pesquisa ficou Celso Furtado. Para ele foram
os votos, em peso, dos não ortodoxos. O professor Luiz Gonzaga
Belluzzo, da Unicamp, avalia que Furtado está a uma "certa distância"
dos outros economistas brasileiros, elogiando principalmente sua
abordagem da economia como uma dimensão da vida social. Para
Belluzzo, a obra do ex-ministro de João Goulart mostra uma visão de
mundo abrangente e integrada. Quanto a Simonsen, Belluzzo afirma que
ele era de fato um "economista brilhante, fascinado por arranjos
formais", mas com "dificuldade para passar do abstrato para o
concreto".
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, elogia a atualidade do
pensamento de Furtado. "Suas idéias permanecem válidas e atuais, uma
vez que o desenvolvimento por vias heterodoxas de países como China
e Índia confirma suas proposições acerca da heterogeneidade estrutural
entre economias e da necessidade de uma atuação coordenada do
Estado para romper as barreiras do subdesenvolvimento." Para o
professor José Eli da Veiga, da Faculdade de Economia, Administração e
Ciências Contábeis (FEA-USP), "no que se refere ao processo de
desenvolvimento, o único economista cujas formulações poderiam ser
consideradas comparáveis às de Celso Furtado é o indiano Amartya
Sen", vencedor do Nobel. "Foi Furtado quem deu a grande interpretação
do Brasil e esclareceu de forma magistral o problema do
subdesenvolvimento", diz o diretor da Escola de Economia de São Paulo
(EESP) da FGV, Yoshiaki Nakano.
A presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP),
Leda Paulani, da FEA-USP, considera Furtado o mais importante
economista brasileiro "porque, adotando a perspectiva keynesiana da
demanda agregada numa época em que era pouco difundido o
conhecimento da teoria de Keynes, construiu uma base para pensar a
economia do país da qual até hoje não se pode abrir mão. Mas foi o
maior, sobretudo, porque não foi exclusivamente economista, porque
pensou o país do ponto de vista da construção de uma nação
socialmente homogênea e arrolou as providências que deveriam ter sido
tomadas. Pena que não foram seguidas."
Arminio Fraga tem outra visão sobre a influência do pensamento
do autor de "Formação Econômica do Brasil". "Apesar da importância e
das boas intenções de Celso Furtado, suas idéias cepalinas foram a base
de uma escolha equivocada por um modelo de economia fechada e
Estado superdimensionado, que teve como conseqüência baixo
crescimento e distribuição de renda desigual no Brasil". Mendonça de
Barros vê Furtado mais como "um historiador e filósofo do que como um
economista".
O professor Fernando Cardim de Carvalho, da UFRJ, diz que a
importância maior de Furtado "se define pela capacidade de criação de
uma escola de pensamento, situação que só encontra paralelo na
América Latina no caso de Raul Prebisch. A teoria do
subdesenvolvimento que Furtado propôs, como uma forma de
integração na economia internacional, mais que um 'estágio' numa
suposta linha comum de evolução que marcaria todas as economias,
como se supunha na visão convencional, permanece como uma hipótese
válida e, principalmente, aglutinadora até o presente".
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Os pavimentos do edifício furtadiano
Ricardo Bielchowsky, para o Valor 10/08/2007
Celso Furtado merece o título de mais importante economista por
sua grande obra intelectual, política e administrativa em favor do
desenvolvimento brasileiro e latino-americano. Impressionam o volume
e a difusão dessa obra. São cerca de 30 livros - e inúmeros artigos publicados em 15 idiomas. Há 15 anos, estimou-se que haviam sido
vendidos 1,5 milhão de exemplares, o que significa que já se deve ter
alcançado, hoje, mais de 2 milhões e o número total de leitores chegue
a 10 milhões no planeta (via empréstimos, cópias, etc.). Isso faz de
Furtado o economista e cientista social latino-americano mais lido no
mundo.
Sobressaem, nessa obra tecnicamente sofisticada, a ousadia
intelectual e a originalidade, combinadas à qualidade. É com base em
uma construção analítica própria que Furtado enfrenta a ortodoxia em
matéria de teoria e de política econômica e opõe-se às explicações
convencionais sobre subdesenvolvimento. Sua obra-prima, "Formação
Econômica do Brasil", é provavelmente o livro que mais influenciou a
formação de varias gerações de economistas e cientistas sociais no
Brasil.
O "sistema analítico furtadiano" tem um alicerce e três
pavimentos. O alicerce é algo que podemos chamar de "método
histórico-estrutural". Ele partiu do estruturalismo cepalino de Raúl
Prebisch e nele introduziu "história". O primeiro pavimento, construído
nos anos 1940, é o da análise do subdesenvolvimento econômico. Essa
é a principal dimensão da obra de Furtado e foi a ela que dedicou
maiores esforços de elegância expositiva, no sentido acadêmico: seu
trabalho faz uma ligação cuidadosa entre quatro níveis da análise
econômica - o "teórico", o "histórico", o da análise "aplicada" aos
processos e tendências correntes e o da formulação de política
econômica.
Depois surgiria o piso socioeconômico e sociopolítico. Furtado o
incorporaria em sua obra em forma permanente a partir de sua
experiência com a Sudene, iniciada no fim dos anos 1950. O terceiro
piso é o da problemática do subdesenvolvimento no plano da cultura,
tema a que ele viria dedicar-se mais a fundo a partir do fim dos anos
1970, especialmente em dois livros: "Criatividade e Dependência"
(1978) e "Cultura em Tempos de Crise" (1984).
Ricardo Bielchowsky é economista da Cepal
O pioneiro
Por Antonio Delfim Netto, para o Valor, 10/08/2007
Reprodução
José Bonifácio de Andrada e Silva: sua atuação como economista
merece estudo mais abrangente, na opinião de Delfim
O maior economista da História do Brasil foi, ao mesmo tempo, o
maior estadista brasileiro e a maior vítima da mediocridade política e das
intrigas articuladas na corte imperial localizada no Rio: José Bonifácio de
Andrada e Silva, O Patriarca da Independência. Cientista, filósofo,
geólogo, economista e, "de profissão, metalurgista", como ele se
identificava. Foi o único brasileiro capaz de sentar-se à mesa com os
maiores do seu tempo e ser por eles reconhecido como igual. Poderia
discutir com eles, sem dúvida, o seu projeto imperial para a nação
brasileira, cujo pilar central era impedir o desmembramento político do
imenso território, organizado em províncias que o antigo poder colonial
pretendia separar.
Da mesma forma que os "Pais Fundadores" da República americana
do Norte, o Andrada tinha a noção exata de que havia duas coisas de que
uma sociedade nascente não podia prescindir: a segurança alimentar e a
segurança militar. Propugnava em seu projeto de nação a abertura de
vias de comunicação do litoral com o interior para facilitar o comércio, o
estudo da interligação das bacias hidrográficas, a implantação de núcleos
populacionais para dar base de sustentação à agricultura e à mineração e
até mesmo a construção de uma nova capital do Império na região
central. Nos seus escritos vê-se que ele pensava na diversificação (por
gênero e espacial) da produção agrícola e no seu transporte seguro, para
garantir a auto-suficiência alimentar.
O Andrada foi mais longe, descendo a detalhes da implantação de
métodos modernos no cultivo do solo, com o uso de maquinário
importado ou copiado de países europeus e principalmente a utilização da
mão-de-obra livre e remunerada. Quando propunha a imediata cessação
do vergonhoso tráfico de escravos e a proibição de sua contratação pelos
fazendeiros, ele, além da defesa dos fundamentos morais e éticos,
argumentava essencialmente em termos de economia: as lavouras mais
eficientes e lucrativas (em São Paulo) eram as que empregavam mão-deobra remunerada e não aquelas que dependiam do braço escravo.
Procurou demonstrar aos senhores de escravos a irracionalidade de seus
métodos de produção, condenando-se ao eterno atraso de uma
agricultura de baixa produtividade e restritiva da contribuição tecnológica.
"Ela não é lucrativa - dizia com absoluta clareza em seus escritos porque impede a introdução de inovações poupadoras de trabalho e
deprecia a produtividade em geral, apesar da prodigiosa fertilidade de
nossas terras."
No outro vértice, a segurança militar ocupou o melhor de suas
atenções como ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros de d. Pedro
I, no período conturbado que precedeu a Independência até deixar o
governo, em julho de 1823. São dele as iniciativas para a modernização
dos portos marítimos e melhoria das defesas do extenso litoral, bem
como a encomenda de fragatas na Inglaterra para a vigilância dos mares.
Nenhum de seus conterrâneos tinha os conhecimentos de metalurgia e
mineralogia que ele adquiriu em seis anos de estudos e em viagens,
visitando minas e instalações da indústria siderúrgica e bélica nos países
mais avançados da Europa. Ao regressar ao Brasil, antes de ocupar
qualquer cargo público, visitou o interior de São Paulo, prospectando
jazidas minerais e estimulando a criação da indústria siderúrgica, que ele
sabia ser indispensável para o progresso econômico e a defesa do
território. Na seqüência, iniciou contatos para trazer ao Brasil operários
europeus familiarizados com a exploração mineral e habilitados a
trabalhar na indústria.
Não se trata aqui de fazer a biografia, mas simplesmente de
apresentar algumas das razões do meu voto em José Bonifácio como o
maior economista de nossa História. Seu pensamento como cientista e
sua obra de estadista ultrapassam de longe aquele limite. Suas propostas
detalhando um sistema educacional para o ensino primário e secundário,
a criação de uma academia de ciências e da primeira universidade em
São Paulo (com discriminação das cadeiras) e para a inteligente absorção
das nações indígenas em nossa sociedade, dentre tantas outras, o
colocam na condição do estadista brasileiro de maior visão estratégica de
todos os tempos.
É possível conhecer a trajetória de José Bonifácio, o político, o
cientista e homem de Estado em diversas obras de excelentes autores,
mas não conheço nenhuma que trate exclusivamente de suas iniciativas e
de seu pensamento no campo da economia. Ficaria muito feliz se essa
singela homenagem vier a estimular uma pesquisa mais abrangente
sobre o Andrada, economista. Acredito que isso dará subsídios para
confirmar a minha escolha.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da USP
O construtor
Por Luiz Sérgio Guimarães 10/08/2007
Nelson Perez / Valor
Celso Furtado: intervencionismo, heterodoxia e Keynes são três
palavras que interditam seu pensamento no Brasil atual. Ele sabia e por
isso se decepcionou com os rumos dos governos neoliberais
Muitas vezes se tem dificuldade em ver Celso Furtado como um
economista. Sua vasta obra - 30 livros, incontáveis artigos,
conferências, planos econômicos e entrevistas - encoraja a percepção de
que foi um pensador múltiplo. Sem dúvida, sua obra nunca foi
meramente econômica e jamais poderá ser acusada de economicista.
Seu trabalho intelectual entrelaça os fios menos óbvios que unem a
economia à cultura, à política e ao social. E, a partir de tudo isso, finca
sólidas raízes na história. Furtado pensa e reinventa o Brasil sob ângulos
surpreendentes e inovadores.
Despido dos fardões e dos louros acadêmicos, age sobre ele
politicamente, sem jamais ter sido partidário. Refunda o Brasil ao
redescobrir as suas essências e ao propor, a partir delas, novos
caminhos. E, fundamentalmente, exige a criação de um projeto
autônomo de nação, ao rechaçar a reprodução aqui das condições
externas destinadas a perpetuar a dependência. De fato, não parece um
economista. Talvez por isso mesmo seja constantemente aclamado o
maior deles.
De Pombal a Yale
Furtado nasceu numa terra "seca, de homens secos", na cidade de
Pombal, sertão paraibano, em um tempo - 26 de julho de 1920 - que
parece irresgatável. Menino, viu cangaceiros e a passagem de uma
Coluna comandada por um capitão de 26 anos chamado Luiz Carlos
Prestes.
Poucos adivinhariam que o menino de Pombal viria a mudar a
forma de ver e decifrar o Brasil, que iria dar aulas em lugares tão
improváveis como Sorbonne, Yale e Cambridge, se tornaria ministro do
Planejamento de um governo derrubado militarmente, ministro da
Cultura do primeiro após a ditadura, criador e gestor de um marco
nacional, a Sudene, e que até morrer, em 20 de novembro de 2004, não
abriria mão do sonho de construir um país soberano, livre das amarras
externas, de renda desconcentrada e socialmente justo.
Celso Furtado formou-se em um tempo em que os economistas
vinham ou da faculdade de Direito ou da de Engenharia. Formado em
Direito em 1940 pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro,
Furtado logo manifestou sua vocação pelos estudos econômicos. Aos 28
anos, sua tese de doutorado na Universidade de Paris abordava o ciclo
da cana-de-açúcar. Na Sorbonne, não se limitava à economia. Ampliava
seus interesses para a teoria política e para a história. Desde sempre,
afastou-se do desprezo com o qual a escola neoclássica evitava a
história. Na época, já tinha lido todo o Marx, mas preferia,
sociologicamente, outro Karl, o Mannheim, pois este buscava formas
para neutralizar os efeitos sociais das crises periódicas do capitalismo.
Teoria do desenvolvimento
No mesmo ano, 1948, em que Furtado concluiu seu doutorado, era
criada, em plena efervescência e aplicação prática da teoria do
planejamento sobre uma Europa do pós-guerra necessitada de
reconstrução, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América
Latina, a famosa Cepal, à qual Furtado dedicou posteriormente esforços
decisivos para os rumos da teoria do subdesenvolvimento e as estratégias
heterodoxas para o desenvolvimento.
Segundo ele, o subdesenvolvimento não é um estágio
obrigatório que os países devam vencer antes de atingir o
desenvolvimento
O conhecimento teórico de Joseph Maynard Keynes se agregaria à
prática trazida em 1949 à Cepal pelo argentino Raul Prebisch. Prebisch foi
o gênio que aos 34 anos criou o Banco Central da Argentina, em 1935, o
qual comandou até 1943, de onde saiu, após divergência com Perón, para
lecionar a "Teoria Geral" do lorde inglês na Escola de Economia de Buenos
Aires.
Centro-periferia
Prebisch lançou as bases da doutrina intervencionista e antiliberal
destinada a permitir, via industrialização, a emancipação da América
Latina. Criou, como contraponto à teoria das vantagens comparativas engendrada pela escola neoclássica para transformar as relações de
dependência e exploração internacionais num jardim florido de harmonia
e cooperação entre as nações -, a idéia hoje clássica do "centroperiferia". Furtado, que já estava na Cepal antes da chegada de
Prebisch, foi o introdutor no Brasil das idéias do economista argentino,
por meio das publicações da Fundação Getúlio Vargas, do Rio, então o
maior pólo de discussão econômica existente no país.
Os trabalhos indicavam um caminho a seguir: o da industrialização
comandada pelo Estado. Se este era o caminho, restava explicar as
raízes da industrialização e a maneira de implementá-la aqui. Foi o que
fez Furtado. Coube a ele amadurecer a teoria do subdesenvolvimento,
dar-lhe consistência e uma feição mais acabada, e transformá-la em um
plano de ação vinculado ao momento histórico que a América Latina
então atravessava.
Os escritos de Furtado forjaram o entendimento clássico segundo
o qual o subdesenvolvimento não é um estágio obrigatório que os países
devam vencer antes de atingir o desenvolvimento. Não é um elo da
cadeia que conduzirá o país ao futuro. Na verdade, ele comprovou que o
subdesenvolvimento é uma condenação eterna ao atraso resultante do
modo de inserção dos países periféricos ao sistema capitalista mundial.
Não há, como sustentam os neoclássicos, relações financeiras e
comerciais entre países iguais, mas um sistema de dominação
camuflado por ideologias.
Vocação agrária
O debate que incendiou os anos 1950 está sendo repisado agora
em outros moldes. Naquela época, as correntes retrógradas defendiam a
"vocação agrária" do Brasil, em contraposição à necessidade de uma
industrialização acelerada, abraçada por Furtado e a Cepal. Hoje, as
exportações de commodities tornam dispensável, no entender do
consenso mercadista, a oferta de uma taxa de câmbio competitiva à
indústria. Desde os primórdios do Brasil, é recorrente o debate entre o
liberalismo econômico e o intervencionismo desenvolvimentista. Desde
1994, o primeiro está no poder.
Furtado fez uso do melhor que lhe serviam as teorias de Marx e
Keynes, sem ser nem marxista nem professadamente keynesiano. Os
livros mais "marxistas" escritos por Furtado - "A Pré-Revolução
Brasileira" (1962) e a "Dialética do Desenvolvimento" (1964) - estão,
por exemplo, situados na efervescência pré-64. O intervencionismo de
extração mais keynesiana perpassa a maior parte de seus livros.
Furtado inventou uma escola para si, que ficaria conhecida como a do
método histórico-estrutural.
Antes disso, Furtado escreveu uma obra clássica, que viria a
figurar ao lado de monumentos explicativos do Brasil, como "Casa
Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, e "Raízes do Brasil", de Sérgio
Buarque de Hollanda. Trata-se de "Formação Econômica do Brasil", um
clássico escrito há 50 anos, quando o pensador paraibano estudava, sob
licença da Cepal, no templo keynesiano erguido no King's College, em
Cambridge, na Inglaterra - instituto que rejeitava liminarmente as
grandes categorias marxistas.
Ainda hoje, a "Formação" tem a força de um vigoroso sopro de
ar fresco a varrer os ambientes infestados de modelos probabilísticos
estocásticos do cientificismo neoliberal. E, segundo o professor da
Fundação Getúlio Vargas Guido Mantega, cada um dos parágrafos do
livro serviu de inspiração ou deu deliberada origem a uma tese de
mestrado ou doutorado.
Rendição ao mercado
Cassado pelo primeiro ato do golpe militar de 1964, o AI-1, onde
poderia exilar-se o professor rejeitado pelas elites brasileiras?
Imediatamente, recebeu três convites para lecionar nos santuários em
que estudavam os filhos da elite americana. Yale, Harvard e Columbia
disputaram seus conhecimentos. Preferiu ir para o Chile, a convite do
Instituto Latino-Americano para Estudos de Desenvolvimento. Só em
setembro de 1964 iria para New Haven, como pesquisador graduado
do Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Yale.
Para Mantega, em texto publicado no fim de 1989, "Furtado é
um dos pais do intervencionismo keynesiano no Brasil e o primeiro
pensador brasileiro a desenvolver um modelo de análise baseado na
heterodoxia estruturalista". Nessa curta definição estão as três
palavras capazes de interditar o pensamento furtadiano no Brasil
atual: intervencionismo, heterodoxia e Keynes. Furtado sabia disso e,
nos últimos anos, amargurou-se e decepcionou-se com os rumos dos
governos neoliberais. "O triste é imaginar que um país em construção
fosse entregue ao mercado", disse, em entrevista publicada pelo Valor
em junho de 2000.
A controvérsia
Por Marcos Lisboa, para o Valor 10/08/2007
Marisa Cauduro / Valor
Scheinkman: sua produção é a mais relevante, original e com
maior impacto na pesquisa acadêmica internacional, na opinião de
diretor do Unibanco
Minha dificuldade em responder à pesquisa do Valor decorreu das
possíveis interpretações do que significa "economista mais
importante". Se for o acadêmico com a mais importante produção
intelectual, a resposta é imediata: José Alexandre Scheinkman,
professor de Princeton. Sob qualquer critério objetivo, sua produção é
a mais relevante, original e com maior impacto na pesquisa acadêmica
internacional: desenvolvimento de novas técnicas e novos resultados,
quantidade de citações, número de publicações, importância das
revistas em que publicou, reconhecimento dos seus pares nas
melhores universidades. (Acho que se fosse feita uma pesquisa nas
melhores universidades estrangeiras, a escolha de Scheinkman seria
unânime.)
Scheinkman tem contribuições relevantes em áreas tão diversas
quanto teoria do crescimento (tema de sua tese de doutorado),
organização industrial (publicou, em co-autoria com David Kreps,
professor de Stanford, um dos artigos mais interessantes sobre o tema,
nos anos 1980), finanças, econometria (com alguns dos artigos mais
citados na profissão sobre a interação entre finanças e econometria).
Além disso, é um dos principais pesquisadores e esteve no começo de
alguns dos campos de pesquisa mais promissores das últimas décadas,
como interação social, ocorrência de crimes e crescimento de cidades,
além de colaborar em temas surpreendentes, que vão da remuneração
dos executivos ao excesso de confiança nos mercados financeiros.
Caso o critério seja o economista com a produção intelectual mais
importante sobre Brasil, a escolha deixa de ser tão óbvia. O critério
depende de como definir "importante". Se for a produção intelectual
que, com o que conhecemos hoje, melhor sobreviveu aos avanços
técnicos e ao debate, não tenho dúvida de que a contribuição mais
importante é a de Carlos Geraldo Langoni, no começo dos anos 1970,
sobre desigualdade de renda no Brasil.
Sei que essa escolha é controversa, mas a controvérsia vem por
razões de preconceito, não acadêmicas. As técnicas de análise
econométrica contra-factual, que Langoni desenvolveu, continuam
sendo, essencialmente, as mesmas que utilizamos hoje. Economistas
que usaram a mesma técnica depois no debate acadêmico internacional
foram tão bem reconhecidos que, certa vez, ao comentar em um
seminário internacional que Langoni já utilizara a mesma técnica antes
dos seus pares anglo-saxões (aliás, alguns aprenderam com ele), fui
olhado como se tivesse propondo um disparate, algo como se um
brasileiro tivesse antecipado a teoria das supercordas.
Livre dos argumentos ideológicos, o trabalho de Langoni é um primor
técnico, extremamente avançado para sua época, ainda atual. Além disso,
sua tese, para além da técnica, continua válida: a desigualdade no acesso
à educação explica quase metade da nossa desigualdade na distribuição de
renda. Uma excepcional técnica aplicada a um problema importante, cujo
resultado sobrevive há mais de três décadas; sobretudo, um resultado tão
surpreendente que a maioria dos economistas à época a achou equivocada
(ainda que não conseguissem debater tecnicamente seus argumentos).
Não conheço nada tão original, importante e duradouro no pensamento
econômico brasileiro.
Pode se interpretar a pergunta como se referindo ao economista que
mais cedo antecipou questões fundamentais. Esse critério tem, em si,
quase inevitavelmente, um componente de pequena tragédia, remorso ou
frustração. Afinal, a antecipação que causa surpresa é a que,
provavelmente, teve maior rejeição quando surgiu e, por isso, mais
demorou a gerar conseqüências na política pública. Por isso, o remorso ou
a frustração. Nesse critério, Eugênio Gudin (1886-1986) merece o título.
O brasileiro que mais influenciou nossa vida econômica, com
maior grau de responsabilidade pelo que somos hoje, foi Getúlio
Vargas
Muito antes de todos, Gudin afirmou, por um lado, a importância da
educação e, por outro, os riscos, e muitos dos custos, da política de
substituição de importações. Além disso, procurou trazer para a academia
brasileira o que havia de mais recente na produção intelectual em
economia do desenvolvimento em sua época. Poucos se recordam, mas
vários dos trabalhos fundamentais de Raul Prebisch (1901-1986), fundando
o pensamento cepalino, foram publicados inicialmente na "Revista
Brasileira de Economia" (RBE), dirigida por Gudin, não obstante suas
críticas a esses trabalhos. Da mesma forma, os trabalhos dos principais
economistas da área de desenvolvimento foram publicados na "RBE".
Gudin, aliás, escreveu bastante, procurando tornar disponível a teoria
econômica de sua época à academia brasileira.
A dificuldade com Gudin é que nem seus livros-textos refletem um
conhecimento profundo da teoria em sua época nem suas contribuições ao
debate são bem fundamentadas, teórica e empiricamente. Suas afirmações
acabaram por ser depois corroboradas, mas ele não ofereceu argumentos
substantivos. Não há uma análise teórica mais elaborada, não há um
suporte estatístico para suas conclusões. Com base apenas nos
argumentos de Gudin, compreende-se porque ele perdeu o debate. Se seus
adversários não oferecem mais do que opiniões, o mesmo se aplica a ele. E
as opiniões dos adversários eram mais afeitas à época do que as suas.
Portanto, se Gudin foi corroborado pela evidência posterior, não há nada
em seus trabalhos que permitisse antecipar essa conclusão. Suas opiniões
têm sido endossadas, ainda que, em si, fossem ausentes de argumentos
que diferenciam a boa ciência das manifestações idiossincráticas.
O critério de produção intelectual mais importante pode, porém, ter
um sentido oposto ao caso de Gudin. Em vez do economista que mais
analisou problemas fundamentais ignorados em sua época, o inverso: o
critério pode se referir ao trabalho que mais teve impacto no pensamento
econômico brasileiro da sua época, ao economista cuja contribuição
intelectual mais afetou nossa trajetória. Nesse caso, temos um problema.
O economista que mais nos afetou diretamente, isto é, que mais nos
conduziu a um debate econômico, a uma política econômica, diferenciado
em relação ao padrão internacional, foi Raul Prebisch. Essa conclusão
independente da minha avaliação da qualidade acadêmica dos trabalhos de
Prebisch. Sua análise teórica, ainda que ousada para a época, não é
inteiramente consistente e suas hipóteses empíricas não resistiram aos
dados. Prebisch, porém, foi o principal intelectual da visão econômica que
dominou a América Latina na segunda metade do século XX e, em
particular, o pensamento brasileiro.
O problema é que Prebisch não é brasileiro, mas argentino. Nesse
caso, teríamos de ficar com seu braço brasileiro, Celso Furtado, cujo
interessante, e mais importante, trabalho essencialmente usa o modelo
IS/LM, derivado de Keynes, para derivar implicações sobre nossa história
econômica. Seu trabalho foi extremamente influente no Brasil e forçou uma
geração a começar a utilizar rudimentos de métodos quantitativos na
análise econômica e a aprender a então dominante macroeconomia. Mas os
trabalhos de Furtado têm dois problemas. Por um lado, não envelheceram
bem. Suas principais conjecturas originais sobre fenômenos econômicos
históricos têm sido sistematicamente desmentidas pelos fatos. Por outro,
seus demais trabalhos sobre política pública não conseguiram nem
influenciar a política econômica à época nem se revelaram frutíferos na
produção acadêmica. Furtado não me parece que tenha gerado uma
agenda de pesquisa, com novos e seguidos resultados sobre nossa
economia que tenham sido confirmados pela evidência empírica. E suas
intervenções sobre política econômica quase sempre se revelaram
problemáticos para dizer o mínimo (vide seu debate com Maria da
Conceição Tavares e José Serra sobre a estagnação econômica na véspera
do milagre).
Por fim, pode-se interpretar a pergunta como sobre qual brasileiro
mais influenciou nossa vida econômica, aquele com maior grau de
responsabilidade pelo que somos hoje, pelos debates que ainda
enfrentamos, pelos caminhos que escolhemos. Nesse caso, Getúlio Vargas.
Vargas foi o arquiteto da sofisticada teia institucional que ainda hoje
envolve empresas, trabalhadores e governo; esse amálgama de interesses
privados e públicos que sempre parece gerar o contrário do proposto. Essa
teia surpreendente que surge da desmedida aposta na capacidade do
governo em mediar as relações privadas e resulta na pesada herança
normativa que vai desde a legislação cambial, passando pela intermediação
financeira e de seguros, até as relações de produção. Para amenizar o
conflito social nas relações de trabalho, Vargas introduziu uma legislação
trabalhista derivada da legislação fascista italiana; legislação hoje
defendida com bandeiras de esquerda precisamente pelos grupos a quem a
legislação pretendia neutralizar (ou talvez a esquerda seja outra; a original,
da época, neutralizada).
Sobretudo, com Vargas se expande a privatização do público sob a
alegação da necessidade do esforço coletivo: o Estado definindo,
idiossincraticamente, da alocação das autorizações para importação ao
acesso ao crédito. Os (crescentes) recursos públicos passam,
majoritariamente, a financiar interesses privados, ainda mais privilegiados
pela imposição de restrições à concorrência (que se argumentava contrária
ao desenvolvimento). Em simultâneo, essa prática é acompanhada de uma
retórica que se diz modernizante, desenvolvimentista e de esquerda, ainda
que ausente uma política social relevante. A análise da herança de Vargas
surpreende por sua impressionante capacidade de transvestir de moderno
o atraso; de democrático, o autoritário; de esquerda, as políticas que
concentram renda: o debate de ponta-cabeça e uma rede que, com muita
dificuldade, começamos a desatar. Certamente, Vargas foi o brasileiro que
mais influenciou nossa vida econômica no século XX. E, espero, apenas no
século XX.
Marcos Lisboa é diretor-executivo do Unibanco e exsecretário executivo do Ministério da Fazenda
Gudin triunfa sobre Campos
De São Paulo 10/08/2007
Folha Imagem
Em quarto, com quatro votos, ficou Roberto Campos (na foto,
ministro do Planejamento, em 1966, em reunião com o ministro da
Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões
Bem distantes da disputa entre Mário Henrique Simonsen e Celso
Furtado, os ultra-ortodoxos Eugênio Gudin e Roberto Campos travaram
uma luta também apertada pelo terceiro lugar. O primeiro teve cinco
votos e o segundo, quatro.
Os eleitores de Gudin ressaltam o que consideram seu pioneirismo
no Brasil. "Gudin foi responsável pela reestruturação do ensino e da
pesquisa econômica no Brasil, propondo e implementando a criação do
nosso primeiro curso de ciências econômicas. A sua principal obra
científica, 'Os Princípios de Economia Monetária', constitui o primeiro
livro importante de teoria econômica moderna escrito no Brasil", diz o
professor Eduardo Giannetti, do Ibmec São Paulo. "A defesa do livre
mercado como sistema alocativo, o grau zero de tolerância com a
inflação e a absoluta prioridade à formação de capital humano como a
essência do desenvolvimento são as marcas registradas de seu legado."
Giannetti lembra que, em 1936, Gudin observou que "a vanguarda do
progresso 'pertence aos povos que cuidaram da educação do caráter em
plano não inferior ao da educação da inteligência'."
O professor Samuel Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é
outro que escolheu o ex-ministro. "Gudin não cometeu o erro do
nacional-desenvolvimentismo", afirma Pessôa. "Para essa escola de
pensamento, a superação do subdesenvolvimento exigia políticas que
alterassem a estrutura produtiva da economia. A característica marcante
dessa interpretação é que nela o homem não desempenha papel algum.
Diferentemente do nacional-desenvolvimentismo, Gudin não acreditava
que a indústria era intrinsecamente boa e a agricultura ruim.
Reconhecia, sem exageros, a importância de políticas para o
desenvolvimento industrial, mas também apontava que havia grande
espaço para melhoria técnica na atividade agrícola. Gudin também foi
contra a política de estatização dos serviços de utilidades públicas. A
tragédia para a sociedade brasileira foi que Gudin era um homem 50
anos à frente de seu tempo."
O economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), foi um dos eleitores de Campos. Segundo ele, o
ministro do governo Castelo Branco e um dos pais do Programa de Ação
Econômica de Governo (Paeg) exerceu "uma enorme influência como
formador da opinião contemporânea" e "deixou um conjunto de 'idéiasforça' que perduram vários anos depois de sua morte", além de ter
desempenhado "um papel fundamental como homem público em razão
das transformações para as quais contribuiu decisivamente para
implementar nos anos 1960, no período em que esteve no governo".
O diretor de Mercados Emergentes do Goldman Sachs, Paulo
Leme, escolheu Campos "simplesmente por ele ter sido aquele que teve
o maior impacto na economia e na formação do pensamento econômico
liberal no país".
O ex-ministro Antonio Delfim Netto recebeu dois votos, de Luís
Paulo Rosenberg, sócio da Rosenberg & Associados, e Fernando Homem
de Melo, professor da FEA-USP. "Na vida toda, Delfim jamais se afastou
de sua doutrina: temos que fazer um Brasil grande, baseado na
burguesia nacional, num modelo oriental de simbiose Estado-setor
privado, em que se rejeita o assistencialismo e o laissez-faire. Nem
Chicago nem Havana, talvez Seul com o Corcovado", diz Rosenberg.
Além de Delfim, outros dois economistas vivos receberam votos:
José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Princeton,
escolhido pelo presidente do Ibmec São Paulo, Cláudio Haddad, como o
economista brasileiro de maior importância internacional (no plano
interno, Haddad votou em Gudin); e o ex-ministro João Sayad,
secretário estadual da Cultura, indicado pela professora Diva Benevides
Pinho, da FEA-USP. Diva votou em Sayad como o mais importante
economista vivo e em Simonsen como o maior economista morto.
O voto de Delfim foi inusitado. O ex-ministro escolheu José
Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência. Outro que
teve apenas um voto - do ex-diretor do BC Alexandre Schwarstman - foi
Octavio Gouvêa de Bulhões, ministro da Fazenda do governo Castelo
Branco e um dos pais do Paeg, ao lado do Roberto Campos. "Voto em
Bulhões não apenas pela sua participação em fazer da FGV um pólo de
pensamento econômico com começo, meio e fim, características nem
sempre presentes no debate nacional, mas principalmente pelas
reformas da década de 1960 que lançaram as bases para a aceleração
do crescimento econômico dos 15 anos seguintes", diz Schwartsman.
(SL)
O vencedor
Por Claudia Safatle 10/08/2007
Atado à vontade dos presidentes, Simonsen primeiro aceitou o "
Brasil-ilha", mas acabou repudiando aquela prosperidade estranha num
mundo em profunda crise
Mário Henrique Simonsen tornou-se, ao deixar Brasília e retornar à
vida acadêmica, a partir de 1979, uma referência em que os governos
buscaram, até sua morte aos 62 anos, em fevereiro de 1997,
compreender os fenômenos da economia brasileira.
Personalidade generosa e economista genial, Simonsen pode não
ter colhido resultados brilhantes na sua passagem pelos governos Geisel
e Figueiredo - que coincide com o início de uma crise de grandes
proporções, que emerge com o primeiro choque do petróleo, em 1973, e
culmina com o segundo choque do petróleo acompanhado da brutal
elevação dos juros americanos, em 1979. Mas deixou um legado
acadêmico respeitado, inclusive, por seus opositores, e o
reconhecimento de sua contribuição no debate da política econômica
brasileira.
Foi o primeiro economista a identificar na correção monetária o
motor da inércia inflacionária - que ele chamava de realimentação
inflacionária - que veio a ser, mais tarde, a chave inspiradora dos planos
de estabilização no país.
Carioca nascido em fevereiro de 1935, Simonsen formou-se em
engenharia civil na Escola Nacional de Engenharia da Universidade do
Brasil, mas especializou-se em economia. Começou a colaborar com o
então ministro do Planejamento, Roberto Campos, e fez o primeiro
esboço do Paeg (Plano de Ação Econômica do Governo) na gestão
Castelo Branco. Escreveu, também, a pedido do presidente do Ipea
(Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada) e depois ministro do
Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, o capítulo de macroeconomia
do Programa Estratégico de Desenvolvimento do governo Costa e Silva.
Foi presidente do Mobral - Movimento Brasileiro de Alfabetização - no
governo Médici, e, no início de 1974, assumiu, a convite de Geisel, o
cargo de ministro da Fazenda.
Em 1973, os países árabes se organizaram na Opep, multiplicaram
o preço do barril de petróleo de US$ 2,90 para US$ 11,65 e levaram o
mundo à primeira grande crise do pós- guerra. O governo Geisel
praticamente ignorou, de início, o ajuste que os demais países faziam e
continuou na rota do crescimento acelerado. Afora medidas de controle
da moeda, a reação àquela crise que, de um ano para outro, elevou o
déficit em transações correntes de 2,48% para 6,8% do PIB, foi tocar o
II PND com base no endividamento externo. O PIB, que vinha de um
crescimento de 13,97% em 1973, ainda cresceu 8,15% em 1974. Só em
1975 começa a desaceleração, quando o PIB cresce apenas 5,17%.
Constatada a retração da atividade econômica, Simonsen afrouxou os
controles e o país voltou a crescer 10,26% em 1976, graças à criação do
"refinanciamento compensatório" - farta concessão de crédito ao setor
privado. Mas, aí cresceu demais.
Nesse ano, Simonsen voltou da reunião anual do FMI/Banco
Mundial preocupado e com um recado claro dos credores: a luz amarela
já estava acesa e o país, naquele ritmo, ia perder credibilidade.
Esse foi um momento delicado da discussão entre Simonsen e
Velloso, que, do Planejamento, tocava o II PND. Desde o início do
governo, ambos haviam combinado que as divergências seriam
debatidas à exaustão, até chegarem a um ponto comum. Levar posições
distintas para Geisel arbitrar significaria enfraquecimento para ambos,
relata Velloso. Era preciso limitar o PIB a, no máximo, 5%. Para isso
seria necessário cortar investimentos públicos. Velloso concordou com a
medida, desde que se preservasse a integridade do plano.
Em 1977, o crescimento do PIB cai para 4,93% e o déficit em
conta corrente, para 2,72% do PIB. A inflação, medida pelo IGP-DI, que
em 1976 foi a 46,2%, recuou um pouco, para 38,84%, no ano seguinte.
Sobre inflação, a contribuição de Simonsen foi além da
compreensão de suas causas. Nos primeiros meses do governo Geisel, o
ministro preparou um documento e o levou à reunião das 9 horas,
habitual encontro do presidente Geisel com um pequeno grupo de
ministros no palácio do Planalto. O texto tratava da inflação naquele ano
de 1974. Junto com a análise, porém, trazia uma revelação rumorosa: a
inflação de 1973, durante a gestão de Delfim Netto no Ministério da
Fazenda, havia sido objeto de "distorções".
O documento acusava, com base em estudos da Fundação Getúlio
Vargas, que o índice de custo de vida, na parte relativa aos itens de
alimentação, havia sido apurado com base nos preços tabelados e não
nos preços praticados pelos supermercados.
O dado oficial indicava uma variação de 13,7% no custo de vida.
Tomando os preços praticados pelo mercado, o aumento foi de 26,6%.
Ou seja, o índice oficial carregava um "atraso" equivalente a 11,3%.
Delfim Netto nunca reconheceu essa "distorção" e sempre atribuiu o
episódio ao fato de que ele gerenciava os estoques de produtos
alimentares de modo que esses não faltassem nas gôndolas dos
supermercados do Rio, onde o índice era apurado.
A existência desse documento só veio a público em 1977 e foi uma
das causas que impulsionaram o ressurgimento do movimento sindical
na região do ABC paulista. Luiz Inácio Lula da Silva e mais de uma
dezena de sindicalistas foram pela primeira vez, durante o governo dos
militares, a Brasília reivindicar a reposição, nos salários, daquela
inflação que faltava. Estiveram com Velloso, no gabinete do
Planejamento no Palácio do Planalto, e com Simonsen, na Fazenda.
Com Velloso, lembra hoje o ex-ministro, foi um encontro
demorado, das 19 às 22 horas. "Combinei com Simonsen que não
deveríamos nos envolver nessa questão, deixando que os trabalhadores
e os empresários se acertassem. Ele concordou". Iniciou-se naquele ano
uma campanha em que os sindicatos falavam em reposição salarial de
34,1%, percentual que havia sido subtraído da inflação de 1973 e 1974.
Surgiam, também, o engajamento dos trabalhadores da indústria na
luta pela redemocratização e as sementes do PT.
Nunca foi nítida a posição de Simonsen sobre o II PND - programa
ambicioso de criação de um parque industrial para produção de insumos
básicos e bens de capital, para substituição de importações e geração de
excedentes exportáveis. Francisco Lopes, que foi aluno de Simonsen na
FGV e trabalhou a seu lado no governo, tem convicção de que ele se
opôs àquele que era um "programa de gastos públicos desenfreados
para 1974-79 quando o mundo já mergulhava na crise do petróleo".
Augusto Jefferson, que acompanhou Simonsen durante toda sua
vida, de quem foi assessor de Política Econômica, afirma: "Simonsen se
conformou. Aquele era o programa do Geisel e de nada adiantaria se
opor". A favor, sustenta, ele não era.
Foi nessa época que Simonsen, em entrevista à imprensa,
declarou: "Somos uma ilha de prosperidade num mar de incertezas". O
país insistia em crescer a taxas anuais de 7% ou mais, quando o mundo
todo entrava em recessão. E assim foi graças aos aumentos do
endividamento externo e da inflação, que desembocaram no colapso de
1982.
A regra, naquela época, era simples: "Tínhamos medo do abismo,
que significaria a perda total da credibilidade externa. Sempre que as
coisas se complicavam, havia um recuo tático da nossa parte, que era o
de colocar limites ao crescimento", conta Velloso.
Como ministro do Planejamento do governo Figueiredo, para o
qual levou todos os instrumentos importantes da Fazenda (como o
Conselho Monetário Nacional e o sistema de controle de preços),
Simonsen tentou fazer um ajuste mais duro. Pretendia reduzir o
crescimento para a casa dos 3% e adequar o país ao segundo choque do
petróleo, que veio em 1979, somado a um substancial aumento dos
juros americanos. Figueiredo negou-lhe apoio e o substituiu por Delfim
Netto.
Simonsen produziu inúmeros trabalhos sobre matemática,
escreveu vários livros de economia e críticas de ópera. Era amante da
boa mesa e do uisque. Fumava quatro maços de cigarro por dia.
Vascaíno, foi um teórico e praticante do futebol nos fins de semana. De
memória prodigiosa, era capaz de citar a relação do time reserva do
Olaria, conta Marcos Viana, então presidente do BNDE, de quem era
amigo desde os tempos do vestibular.
Deixou, no campo acadêmico, contribuições importantes: da curva
do salário real, que inspirou a política salarial do PAEG, ao modelo de
realimentação. Fez estudos sobre os fundamentos teóricos da política de
rendas como um dos instrumentos do combate à inflação, e a crítica à
teoria das expectativas racionais.
Foi professor da Escola de Pós Graduação em Economia (EPGE, da
Fundação Getúlio Vargas), que ajudou a criar. Contava que ficou rico por
acaso, quando o amigo Julio Bozano, o convidou para ser o sócio
minoritário no Banco Bozano, Simonsen. Ao anunciar seu pedido de
demissão, em 10 de agosto de 1979, no governo Figueiredo, declarou:
"Achei que o melhor que eu fazia para o país era voltar para a praia de
Ipanema".
Mestre Simonsen, teoria e prática
Eliana Cardoso, para o Valor 10/08/2007
Creso, rei da Lídia, perguntou a Sólon quem era o homem mais feliz
do mundo. Sólon respondeu que não poderia declarar um homem feliz
antes de sua morte. Pois, até "a indesejada das gentes chegar", ninguém
está livre de surpresas. Aplico o mesmo critério à escolha do economista
mais importante do Brasil. Só é candidato ao título quem já completou
sua obra. Suponho também que, além de merecer o respeito de seus
pares, ele terá sido um ator de relevo em nossa história.
Portanto, começo a busca recorrendo a eventos que mudaram o
país. Busca inútil, porque não o encontro por trás da abertura dos portos
da Colônia em 1808, nem no fim dos anos 1880, a defender a abolição da
escravatura. Tampouco há economistas em batalha pela industrialização
nascente no começo do século XX ou preconizando a destruição de sacas
de café em 1930.
É que a profissão surgiu tarde por aqui. Alguns astros começam a
brilhar depois do golpe militar de 1964. Mas, ai! Como votar em quem
colaborou com a ditadura? O voto me pesa e ainda assim escolho Mário
Henrique Simonsen (1935-1997) como o economista mais importante do
Brasil.
Professor da Fundação Getúlio Vargas e diretor da Escola de PósGraduação em Economia, Simonsen inaugurou no Brasil o ensino da
ciência econômica em todo o seu rigor formal. Formou dezenas de alunos
influentes. E difundiu a teoria econômica em livros-textos essenciais:
"Teoria Microeconômica" e "Macroeconomia".
Ministro da Fazenda do governo Ernesto Geisel (1974-79), traçou a
estratégia de substituição de importações de insumos básicos, revigorou
as exportações com maiores financiamentos, introduziu o sistema de
bases correntes no imposto de renda, obteve do Congresso Nacional a
aprovação da Lei das Sociedades por Ações e criou a Comissão de Valores
Mobiliários.
Poucos escreveram com maior verve para jornais e revistas.
Ninguém entendeu melhor os custos e benefícios da indexação, que,
conhecedor das manhas da política econômica, ajudou a introduzir em
1965-68. Tiro o chapéu para o mais precioso de seus livros, talvez o
melhor já escrito por um economista brasileiro: "30 Anos de Indexação"
(FGV, 1995).
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