O ECONOMISTA brasileiro Por Sergio Lamucci Valor Econômico, Eu e fim de semana 10/08/2007 Otavio Magalhães / AE Simonsen, "keynesiano moderadamente intervencionista", executou complexas tarefas de governo, entendeu a essência da inflação inercial, não se interessou pelo poder Professor brilhante, pioneiro no diagnóstico do problema da inércia inflacionária, ministro controvertido da ditadura militar, banqueiro, bon vivant e profundo conhecedor de ópera, Mário Henrique Simonsen é o economista brasileiro mais importante, de acordo com pesquisa promovid pelo Valor. Morto há dez anos, Simonsen teve 27 votos em uma consulta que contou com 63 eleitores, apenas dois à frente de Celso Furtado, a principal referência do pensamento econômico desenvolvimentista. Num distante terceiro lugar aparece o ex-ministro Eugênio Gudin, ícone do pensamento ortodoxo, com cinco votos, seguido de perto por outro economista conservador - Roberto Campos -, com quatro. A pesquisa não seguiu critérios metodológicos rigorosos. O jornal procurou 100 economistas de diversas escolas e tendências. Desse total, 63 concordaram em participar, declarando seu voto no "economista brasileiro mais importante da história". Três votaram em mais de um nome . Nelson Perez / Valor Furtado, "mais historiador e filósofo do que economista", estudioso da economia como dimensão da vida social, pensou para o Estado o papel de coordenador do esforço pelo desenvolvimento O resultado espelha a tradicional disputa no Brasil entre economistas ortodoxos e heterodoxos - embora Simonsen não tenha sido exatamente um baluarte da ortodoxia. "Nunca foi monetarista como eu ou o Gudin. Era mais um keynesiano moderadamente intervencionista" - disse certa vez Roberto Campos, ao falar sobre o exministro da Fazenda de Ernesto Geisel e ex-ministro do Planejamento de João Baptista Figueiredo. De qualquer modo, os votos dados a Simonsen vieram quase todos de economistas hoje considerados ortodoxos. "Simonsen teve uma trajetória importante desde jovem. Foi um brilhante formulador do crucial Paeg (Programa de Ação Econômica do Governo) e um excelente ministro. Vencido na disputa de poder que precedeu a década perdida, contribuiu em muito para o debate público até o fim de seus dias, de maneira brilhante, clara, bem-humorada e desinteressada" - diz Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, sócio da Gávea Investimentos. E acrescenta: "Até hoje não surgiu um substituto. Foi de Simonsen o diagnóstico inicial do problema da inércia da inflação, por ele denominada realimentação inflacionária". Fraga também vê em Simonsen o educador que formou "gerações de economistas, sem dogmatismo". Edu Garcia /AE Nas salas de aula, na produção acadêmica, nos artigos que escrevia para públicos mais amplos, Simonsen era, sobretudo, alguém que "conseguia escapar de dogmas" Carlos Geraldo Langoni, outro ex-presidente do BC, vai na mesma linha, ao apontar a influência de Simonsen "na formação de gerações de economistas por meio da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV, que ele fundou e dirigiu, durante vários anos, sendo seu mais brilhante professor". Langoni destaca ainda "a profundidade e amplitude de sua contribuição acadêmica, cujo destaque é a versão brasileira dos textos básicos de teoria dos preços e macroeconomia". O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore diz que a produção acadêmica de Simonsen no Brasil foi "extremamente importante". Os quatro volumes de seu texto sobre microeconomia "foram marcantes na formação de toda uma geração de economistas". No campo da macroeconomia, "sua melhor contribuição foi o livro 'A Dinâmica Macroeconômica', escrito logo após sua saída do Ministério da Fazenda". Pastore lembra outra faceta de Simonsen: "Ele contribuiu também para o debate mais amplo, com artigos publicados na imprensa e em revistas de economia. E produziu artigos acadêmicos importantes, dentre os quais destacaria os que iniciaram a formulação das causas da inércia na inflação brasileira derivada da indexação dos salários às inflações passadas." Simonsen também teve votos de não ortodoxos. O professor Caio Prates, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), votou no exministro por sua visão eclética. Para Prates, isso ficou claro no diagnóstico de Simonsen sobre o processo inflacionário brasileiro. O exministro chamou a atenção para o componente inercial, sem se limitar a uma abordagem ortodoxa convencional do problema. "Ele conseguia escapar de dogmas." Esse é também o motivo que fez o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros escolher Simonsen. Sua análise sobre o que ele chamava de realimentação inflacionária mostra uma visão de quem não ficava refém do livro-texto, diz. Mendonça de Barros tem restrições, porém, à atuação de Simonsen como ministro no governo Geisel, por não ter feito, afirma, as correções de rumo que seriam necessárias depois do primeiro choque do petróleo, em 1973. Sem o ajuste externo e uma redução da demanda interna, o país continuou a crescer com força - como queria Geisel -, e os desequilíbrios aumentaram, avalia Mendonça de Barros. Por essa visão, o ministro Simonsen não esteve à altura do economista Simonsen. O ex-presidente do BC Gustavo Loyola tem opinião mais benigna da passagem de Simonsen pelo governo. "Muitas vezes não conseguia fazer vencedoras suas idéias e posições no governo, mas quase sempre seu diagnóstico se revelava exato. No governo, defendeu a opção por um ajuste mais forte e profundo da economia brasileira à crise externa, mas acabou prevalecendo uma visão mais gradualista e leniente, que trouxe posteriormente grandes custos ao país." Em segundo lugar na pesquisa ficou Celso Furtado. Para ele foram os votos, em peso, dos não ortodoxos. O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, avalia que Furtado está a uma "certa distância" dos outros economistas brasileiros, elogiando principalmente sua abordagem da economia como uma dimensão da vida social. Para Belluzzo, a obra do ex-ministro de João Goulart mostra uma visão de mundo abrangente e integrada. Quanto a Simonsen, Belluzzo afirma que ele era de fato um "economista brilhante, fascinado por arranjos formais", mas com "dificuldade para passar do abstrato para o concreto". O ministro da Fazenda, Guido Mantega, elogia a atualidade do pensamento de Furtado. "Suas idéias permanecem válidas e atuais, uma vez que o desenvolvimento por vias heterodoxas de países como China e Índia confirma suas proposições acerca da heterogeneidade estrutural entre economias e da necessidade de uma atuação coordenada do Estado para romper as barreiras do subdesenvolvimento." Para o professor José Eli da Veiga, da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis (FEA-USP), "no que se refere ao processo de desenvolvimento, o único economista cujas formulações poderiam ser consideradas comparáveis às de Celso Furtado é o indiano Amartya Sen", vencedor do Nobel. "Foi Furtado quem deu a grande interpretação do Brasil e esclareceu de forma magistral o problema do subdesenvolvimento", diz o diretor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da FGV, Yoshiaki Nakano. A presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), Leda Paulani, da FEA-USP, considera Furtado o mais importante economista brasileiro "porque, adotando a perspectiva keynesiana da demanda agregada numa época em que era pouco difundido o conhecimento da teoria de Keynes, construiu uma base para pensar a economia do país da qual até hoje não se pode abrir mão. Mas foi o maior, sobretudo, porque não foi exclusivamente economista, porque pensou o país do ponto de vista da construção de uma nação socialmente homogênea e arrolou as providências que deveriam ter sido tomadas. Pena que não foram seguidas." Arminio Fraga tem outra visão sobre a influência do pensamento do autor de "Formação Econômica do Brasil". "Apesar da importância e das boas intenções de Celso Furtado, suas idéias cepalinas foram a base de uma escolha equivocada por um modelo de economia fechada e Estado superdimensionado, que teve como conseqüência baixo crescimento e distribuição de renda desigual no Brasil". Mendonça de Barros vê Furtado mais como "um historiador e filósofo do que como um economista". O professor Fernando Cardim de Carvalho, da UFRJ, diz que a importância maior de Furtado "se define pela capacidade de criação de uma escola de pensamento, situação que só encontra paralelo na América Latina no caso de Raul Prebisch. A teoria do subdesenvolvimento que Furtado propôs, como uma forma de integração na economia internacional, mais que um 'estágio' numa suposta linha comum de evolução que marcaria todas as economias, como se supunha na visão convencional, permanece como uma hipótese válida e, principalmente, aglutinadora até o presente". Notícias Relacionadas - Os pavimentos do edifício furtadiano - O pioneiro - O construtor - A controvérsia - Gudin triunfa sobre Campos - O vencedor - Mestre Simonsen, teoria e prática Os pavimentos do edifício furtadiano Ricardo Bielchowsky, para o Valor 10/08/2007 Celso Furtado merece o título de mais importante economista por sua grande obra intelectual, política e administrativa em favor do desenvolvimento brasileiro e latino-americano. Impressionam o volume e a difusão dessa obra. São cerca de 30 livros - e inúmeros artigos publicados em 15 idiomas. Há 15 anos, estimou-se que haviam sido vendidos 1,5 milhão de exemplares, o que significa que já se deve ter alcançado, hoje, mais de 2 milhões e o número total de leitores chegue a 10 milhões no planeta (via empréstimos, cópias, etc.). Isso faz de Furtado o economista e cientista social latino-americano mais lido no mundo. Sobressaem, nessa obra tecnicamente sofisticada, a ousadia intelectual e a originalidade, combinadas à qualidade. É com base em uma construção analítica própria que Furtado enfrenta a ortodoxia em matéria de teoria e de política econômica e opõe-se às explicações convencionais sobre subdesenvolvimento. Sua obra-prima, "Formação Econômica do Brasil", é provavelmente o livro que mais influenciou a formação de varias gerações de economistas e cientistas sociais no Brasil. O "sistema analítico furtadiano" tem um alicerce e três pavimentos. O alicerce é algo que podemos chamar de "método histórico-estrutural". Ele partiu do estruturalismo cepalino de Raúl Prebisch e nele introduziu "história". O primeiro pavimento, construído nos anos 1940, é o da análise do subdesenvolvimento econômico. Essa é a principal dimensão da obra de Furtado e foi a ela que dedicou maiores esforços de elegância expositiva, no sentido acadêmico: seu trabalho faz uma ligação cuidadosa entre quatro níveis da análise econômica - o "teórico", o "histórico", o da análise "aplicada" aos processos e tendências correntes e o da formulação de política econômica. Depois surgiria o piso socioeconômico e sociopolítico. Furtado o incorporaria em sua obra em forma permanente a partir de sua experiência com a Sudene, iniciada no fim dos anos 1950. O terceiro piso é o da problemática do subdesenvolvimento no plano da cultura, tema a que ele viria dedicar-se mais a fundo a partir do fim dos anos 1970, especialmente em dois livros: "Criatividade e Dependência" (1978) e "Cultura em Tempos de Crise" (1984). Ricardo Bielchowsky é economista da Cepal O pioneiro Por Antonio Delfim Netto, para o Valor, 10/08/2007 Reprodução José Bonifácio de Andrada e Silva: sua atuação como economista merece estudo mais abrangente, na opinião de Delfim O maior economista da História do Brasil foi, ao mesmo tempo, o maior estadista brasileiro e a maior vítima da mediocridade política e das intrigas articuladas na corte imperial localizada no Rio: José Bonifácio de Andrada e Silva, O Patriarca da Independência. Cientista, filósofo, geólogo, economista e, "de profissão, metalurgista", como ele se identificava. Foi o único brasileiro capaz de sentar-se à mesa com os maiores do seu tempo e ser por eles reconhecido como igual. Poderia discutir com eles, sem dúvida, o seu projeto imperial para a nação brasileira, cujo pilar central era impedir o desmembramento político do imenso território, organizado em províncias que o antigo poder colonial pretendia separar. Da mesma forma que os "Pais Fundadores" da República americana do Norte, o Andrada tinha a noção exata de que havia duas coisas de que uma sociedade nascente não podia prescindir: a segurança alimentar e a segurança militar. Propugnava em seu projeto de nação a abertura de vias de comunicação do litoral com o interior para facilitar o comércio, o estudo da interligação das bacias hidrográficas, a implantação de núcleos populacionais para dar base de sustentação à agricultura e à mineração e até mesmo a construção de uma nova capital do Império na região central. Nos seus escritos vê-se que ele pensava na diversificação (por gênero e espacial) da produção agrícola e no seu transporte seguro, para garantir a auto-suficiência alimentar. O Andrada foi mais longe, descendo a detalhes da implantação de métodos modernos no cultivo do solo, com o uso de maquinário importado ou copiado de países europeus e principalmente a utilização da mão-de-obra livre e remunerada. Quando propunha a imediata cessação do vergonhoso tráfico de escravos e a proibição de sua contratação pelos fazendeiros, ele, além da defesa dos fundamentos morais e éticos, argumentava essencialmente em termos de economia: as lavouras mais eficientes e lucrativas (em São Paulo) eram as que empregavam mão-deobra remunerada e não aquelas que dependiam do braço escravo. Procurou demonstrar aos senhores de escravos a irracionalidade de seus métodos de produção, condenando-se ao eterno atraso de uma agricultura de baixa produtividade e restritiva da contribuição tecnológica. "Ela não é lucrativa - dizia com absoluta clareza em seus escritos porque impede a introdução de inovações poupadoras de trabalho e deprecia a produtividade em geral, apesar da prodigiosa fertilidade de nossas terras." No outro vértice, a segurança militar ocupou o melhor de suas atenções como ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros de d. Pedro I, no período conturbado que precedeu a Independência até deixar o governo, em julho de 1823. São dele as iniciativas para a modernização dos portos marítimos e melhoria das defesas do extenso litoral, bem como a encomenda de fragatas na Inglaterra para a vigilância dos mares. Nenhum de seus conterrâneos tinha os conhecimentos de metalurgia e mineralogia que ele adquiriu em seis anos de estudos e em viagens, visitando minas e instalações da indústria siderúrgica e bélica nos países mais avançados da Europa. Ao regressar ao Brasil, antes de ocupar qualquer cargo público, visitou o interior de São Paulo, prospectando jazidas minerais e estimulando a criação da indústria siderúrgica, que ele sabia ser indispensável para o progresso econômico e a defesa do território. Na seqüência, iniciou contatos para trazer ao Brasil operários europeus familiarizados com a exploração mineral e habilitados a trabalhar na indústria. Não se trata aqui de fazer a biografia, mas simplesmente de apresentar algumas das razões do meu voto em José Bonifácio como o maior economista de nossa História. Seu pensamento como cientista e sua obra de estadista ultrapassam de longe aquele limite. Suas propostas detalhando um sistema educacional para o ensino primário e secundário, a criação de uma academia de ciências e da primeira universidade em São Paulo (com discriminação das cadeiras) e para a inteligente absorção das nações indígenas em nossa sociedade, dentre tantas outras, o colocam na condição do estadista brasileiro de maior visão estratégica de todos os tempos. É possível conhecer a trajetória de José Bonifácio, o político, o cientista e homem de Estado em diversas obras de excelentes autores, mas não conheço nenhuma que trate exclusivamente de suas iniciativas e de seu pensamento no campo da economia. Ficaria muito feliz se essa singela homenagem vier a estimular uma pesquisa mais abrangente sobre o Andrada, economista. Acredito que isso dará subsídios para confirmar a minha escolha. Antonio Delfim Netto é professor emérito da USP O construtor Por Luiz Sérgio Guimarães 10/08/2007 Nelson Perez / Valor Celso Furtado: intervencionismo, heterodoxia e Keynes são três palavras que interditam seu pensamento no Brasil atual. Ele sabia e por isso se decepcionou com os rumos dos governos neoliberais Muitas vezes se tem dificuldade em ver Celso Furtado como um economista. Sua vasta obra - 30 livros, incontáveis artigos, conferências, planos econômicos e entrevistas - encoraja a percepção de que foi um pensador múltiplo. Sem dúvida, sua obra nunca foi meramente econômica e jamais poderá ser acusada de economicista. Seu trabalho intelectual entrelaça os fios menos óbvios que unem a economia à cultura, à política e ao social. E, a partir de tudo isso, finca sólidas raízes na história. Furtado pensa e reinventa o Brasil sob ângulos surpreendentes e inovadores. Despido dos fardões e dos louros acadêmicos, age sobre ele politicamente, sem jamais ter sido partidário. Refunda o Brasil ao redescobrir as suas essências e ao propor, a partir delas, novos caminhos. E, fundamentalmente, exige a criação de um projeto autônomo de nação, ao rechaçar a reprodução aqui das condições externas destinadas a perpetuar a dependência. De fato, não parece um economista. Talvez por isso mesmo seja constantemente aclamado o maior deles. De Pombal a Yale Furtado nasceu numa terra "seca, de homens secos", na cidade de Pombal, sertão paraibano, em um tempo - 26 de julho de 1920 - que parece irresgatável. Menino, viu cangaceiros e a passagem de uma Coluna comandada por um capitão de 26 anos chamado Luiz Carlos Prestes. Poucos adivinhariam que o menino de Pombal viria a mudar a forma de ver e decifrar o Brasil, que iria dar aulas em lugares tão improváveis como Sorbonne, Yale e Cambridge, se tornaria ministro do Planejamento de um governo derrubado militarmente, ministro da Cultura do primeiro após a ditadura, criador e gestor de um marco nacional, a Sudene, e que até morrer, em 20 de novembro de 2004, não abriria mão do sonho de construir um país soberano, livre das amarras externas, de renda desconcentrada e socialmente justo. Celso Furtado formou-se em um tempo em que os economistas vinham ou da faculdade de Direito ou da de Engenharia. Formado em Direito em 1940 pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, Furtado logo manifestou sua vocação pelos estudos econômicos. Aos 28 anos, sua tese de doutorado na Universidade de Paris abordava o ciclo da cana-de-açúcar. Na Sorbonne, não se limitava à economia. Ampliava seus interesses para a teoria política e para a história. Desde sempre, afastou-se do desprezo com o qual a escola neoclássica evitava a história. Na época, já tinha lido todo o Marx, mas preferia, sociologicamente, outro Karl, o Mannheim, pois este buscava formas para neutralizar os efeitos sociais das crises periódicas do capitalismo. Teoria do desenvolvimento No mesmo ano, 1948, em que Furtado concluiu seu doutorado, era criada, em plena efervescência e aplicação prática da teoria do planejamento sobre uma Europa do pós-guerra necessitada de reconstrução, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina, a famosa Cepal, à qual Furtado dedicou posteriormente esforços decisivos para os rumos da teoria do subdesenvolvimento e as estratégias heterodoxas para o desenvolvimento. Segundo ele, o subdesenvolvimento não é um estágio obrigatório que os países devam vencer antes de atingir o desenvolvimento O conhecimento teórico de Joseph Maynard Keynes se agregaria à prática trazida em 1949 à Cepal pelo argentino Raul Prebisch. Prebisch foi o gênio que aos 34 anos criou o Banco Central da Argentina, em 1935, o qual comandou até 1943, de onde saiu, após divergência com Perón, para lecionar a "Teoria Geral" do lorde inglês na Escola de Economia de Buenos Aires. Centro-periferia Prebisch lançou as bases da doutrina intervencionista e antiliberal destinada a permitir, via industrialização, a emancipação da América Latina. Criou, como contraponto à teoria das vantagens comparativas engendrada pela escola neoclássica para transformar as relações de dependência e exploração internacionais num jardim florido de harmonia e cooperação entre as nações -, a idéia hoje clássica do "centroperiferia". Furtado, que já estava na Cepal antes da chegada de Prebisch, foi o introdutor no Brasil das idéias do economista argentino, por meio das publicações da Fundação Getúlio Vargas, do Rio, então o maior pólo de discussão econômica existente no país. Os trabalhos indicavam um caminho a seguir: o da industrialização comandada pelo Estado. Se este era o caminho, restava explicar as raízes da industrialização e a maneira de implementá-la aqui. Foi o que fez Furtado. Coube a ele amadurecer a teoria do subdesenvolvimento, dar-lhe consistência e uma feição mais acabada, e transformá-la em um plano de ação vinculado ao momento histórico que a América Latina então atravessava. Os escritos de Furtado forjaram o entendimento clássico segundo o qual o subdesenvolvimento não é um estágio obrigatório que os países devam vencer antes de atingir o desenvolvimento. Não é um elo da cadeia que conduzirá o país ao futuro. Na verdade, ele comprovou que o subdesenvolvimento é uma condenação eterna ao atraso resultante do modo de inserção dos países periféricos ao sistema capitalista mundial. Não há, como sustentam os neoclássicos, relações financeiras e comerciais entre países iguais, mas um sistema de dominação camuflado por ideologias. Vocação agrária O debate que incendiou os anos 1950 está sendo repisado agora em outros moldes. Naquela época, as correntes retrógradas defendiam a "vocação agrária" do Brasil, em contraposição à necessidade de uma industrialização acelerada, abraçada por Furtado e a Cepal. Hoje, as exportações de commodities tornam dispensável, no entender do consenso mercadista, a oferta de uma taxa de câmbio competitiva à indústria. Desde os primórdios do Brasil, é recorrente o debate entre o liberalismo econômico e o intervencionismo desenvolvimentista. Desde 1994, o primeiro está no poder. Furtado fez uso do melhor que lhe serviam as teorias de Marx e Keynes, sem ser nem marxista nem professadamente keynesiano. Os livros mais "marxistas" escritos por Furtado - "A Pré-Revolução Brasileira" (1962) e a "Dialética do Desenvolvimento" (1964) - estão, por exemplo, situados na efervescência pré-64. O intervencionismo de extração mais keynesiana perpassa a maior parte de seus livros. Furtado inventou uma escola para si, que ficaria conhecida como a do método histórico-estrutural. Antes disso, Furtado escreveu uma obra clássica, que viria a figurar ao lado de monumentos explicativos do Brasil, como "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, e "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Hollanda. Trata-se de "Formação Econômica do Brasil", um clássico escrito há 50 anos, quando o pensador paraibano estudava, sob licença da Cepal, no templo keynesiano erguido no King's College, em Cambridge, na Inglaterra - instituto que rejeitava liminarmente as grandes categorias marxistas. Ainda hoje, a "Formação" tem a força de um vigoroso sopro de ar fresco a varrer os ambientes infestados de modelos probabilísticos estocásticos do cientificismo neoliberal. E, segundo o professor da Fundação Getúlio Vargas Guido Mantega, cada um dos parágrafos do livro serviu de inspiração ou deu deliberada origem a uma tese de mestrado ou doutorado. Rendição ao mercado Cassado pelo primeiro ato do golpe militar de 1964, o AI-1, onde poderia exilar-se o professor rejeitado pelas elites brasileiras? Imediatamente, recebeu três convites para lecionar nos santuários em que estudavam os filhos da elite americana. Yale, Harvard e Columbia disputaram seus conhecimentos. Preferiu ir para o Chile, a convite do Instituto Latino-Americano para Estudos de Desenvolvimento. Só em setembro de 1964 iria para New Haven, como pesquisador graduado do Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Yale. Para Mantega, em texto publicado no fim de 1989, "Furtado é um dos pais do intervencionismo keynesiano no Brasil e o primeiro pensador brasileiro a desenvolver um modelo de análise baseado na heterodoxia estruturalista". Nessa curta definição estão as três palavras capazes de interditar o pensamento furtadiano no Brasil atual: intervencionismo, heterodoxia e Keynes. Furtado sabia disso e, nos últimos anos, amargurou-se e decepcionou-se com os rumos dos governos neoliberais. "O triste é imaginar que um país em construção fosse entregue ao mercado", disse, em entrevista publicada pelo Valor em junho de 2000. A controvérsia Por Marcos Lisboa, para o Valor 10/08/2007 Marisa Cauduro / Valor Scheinkman: sua produção é a mais relevante, original e com maior impacto na pesquisa acadêmica internacional, na opinião de diretor do Unibanco Minha dificuldade em responder à pesquisa do Valor decorreu das possíveis interpretações do que significa "economista mais importante". Se for o acadêmico com a mais importante produção intelectual, a resposta é imediata: José Alexandre Scheinkman, professor de Princeton. Sob qualquer critério objetivo, sua produção é a mais relevante, original e com maior impacto na pesquisa acadêmica internacional: desenvolvimento de novas técnicas e novos resultados, quantidade de citações, número de publicações, importância das revistas em que publicou, reconhecimento dos seus pares nas melhores universidades. (Acho que se fosse feita uma pesquisa nas melhores universidades estrangeiras, a escolha de Scheinkman seria unânime.) Scheinkman tem contribuições relevantes em áreas tão diversas quanto teoria do crescimento (tema de sua tese de doutorado), organização industrial (publicou, em co-autoria com David Kreps, professor de Stanford, um dos artigos mais interessantes sobre o tema, nos anos 1980), finanças, econometria (com alguns dos artigos mais citados na profissão sobre a interação entre finanças e econometria). Além disso, é um dos principais pesquisadores e esteve no começo de alguns dos campos de pesquisa mais promissores das últimas décadas, como interação social, ocorrência de crimes e crescimento de cidades, além de colaborar em temas surpreendentes, que vão da remuneração dos executivos ao excesso de confiança nos mercados financeiros. Caso o critério seja o economista com a produção intelectual mais importante sobre Brasil, a escolha deixa de ser tão óbvia. O critério depende de como definir "importante". Se for a produção intelectual que, com o que conhecemos hoje, melhor sobreviveu aos avanços técnicos e ao debate, não tenho dúvida de que a contribuição mais importante é a de Carlos Geraldo Langoni, no começo dos anos 1970, sobre desigualdade de renda no Brasil. Sei que essa escolha é controversa, mas a controvérsia vem por razões de preconceito, não acadêmicas. As técnicas de análise econométrica contra-factual, que Langoni desenvolveu, continuam sendo, essencialmente, as mesmas que utilizamos hoje. Economistas que usaram a mesma técnica depois no debate acadêmico internacional foram tão bem reconhecidos que, certa vez, ao comentar em um seminário internacional que Langoni já utilizara a mesma técnica antes dos seus pares anglo-saxões (aliás, alguns aprenderam com ele), fui olhado como se tivesse propondo um disparate, algo como se um brasileiro tivesse antecipado a teoria das supercordas. Livre dos argumentos ideológicos, o trabalho de Langoni é um primor técnico, extremamente avançado para sua época, ainda atual. Além disso, sua tese, para além da técnica, continua válida: a desigualdade no acesso à educação explica quase metade da nossa desigualdade na distribuição de renda. Uma excepcional técnica aplicada a um problema importante, cujo resultado sobrevive há mais de três décadas; sobretudo, um resultado tão surpreendente que a maioria dos economistas à época a achou equivocada (ainda que não conseguissem debater tecnicamente seus argumentos). Não conheço nada tão original, importante e duradouro no pensamento econômico brasileiro. Pode se interpretar a pergunta como se referindo ao economista que mais cedo antecipou questões fundamentais. Esse critério tem, em si, quase inevitavelmente, um componente de pequena tragédia, remorso ou frustração. Afinal, a antecipação que causa surpresa é a que, provavelmente, teve maior rejeição quando surgiu e, por isso, mais demorou a gerar conseqüências na política pública. Por isso, o remorso ou a frustração. Nesse critério, Eugênio Gudin (1886-1986) merece o título. O brasileiro que mais influenciou nossa vida econômica, com maior grau de responsabilidade pelo que somos hoje, foi Getúlio Vargas Muito antes de todos, Gudin afirmou, por um lado, a importância da educação e, por outro, os riscos, e muitos dos custos, da política de substituição de importações. Além disso, procurou trazer para a academia brasileira o que havia de mais recente na produção intelectual em economia do desenvolvimento em sua época. Poucos se recordam, mas vários dos trabalhos fundamentais de Raul Prebisch (1901-1986), fundando o pensamento cepalino, foram publicados inicialmente na "Revista Brasileira de Economia" (RBE), dirigida por Gudin, não obstante suas críticas a esses trabalhos. Da mesma forma, os trabalhos dos principais economistas da área de desenvolvimento foram publicados na "RBE". Gudin, aliás, escreveu bastante, procurando tornar disponível a teoria econômica de sua época à academia brasileira. A dificuldade com Gudin é que nem seus livros-textos refletem um conhecimento profundo da teoria em sua época nem suas contribuições ao debate são bem fundamentadas, teórica e empiricamente. Suas afirmações acabaram por ser depois corroboradas, mas ele não ofereceu argumentos substantivos. Não há uma análise teórica mais elaborada, não há um suporte estatístico para suas conclusões. Com base apenas nos argumentos de Gudin, compreende-se porque ele perdeu o debate. Se seus adversários não oferecem mais do que opiniões, o mesmo se aplica a ele. E as opiniões dos adversários eram mais afeitas à época do que as suas. Portanto, se Gudin foi corroborado pela evidência posterior, não há nada em seus trabalhos que permitisse antecipar essa conclusão. Suas opiniões têm sido endossadas, ainda que, em si, fossem ausentes de argumentos que diferenciam a boa ciência das manifestações idiossincráticas. O critério de produção intelectual mais importante pode, porém, ter um sentido oposto ao caso de Gudin. Em vez do economista que mais analisou problemas fundamentais ignorados em sua época, o inverso: o critério pode se referir ao trabalho que mais teve impacto no pensamento econômico brasileiro da sua época, ao economista cuja contribuição intelectual mais afetou nossa trajetória. Nesse caso, temos um problema. O economista que mais nos afetou diretamente, isto é, que mais nos conduziu a um debate econômico, a uma política econômica, diferenciado em relação ao padrão internacional, foi Raul Prebisch. Essa conclusão independente da minha avaliação da qualidade acadêmica dos trabalhos de Prebisch. Sua análise teórica, ainda que ousada para a época, não é inteiramente consistente e suas hipóteses empíricas não resistiram aos dados. Prebisch, porém, foi o principal intelectual da visão econômica que dominou a América Latina na segunda metade do século XX e, em particular, o pensamento brasileiro. O problema é que Prebisch não é brasileiro, mas argentino. Nesse caso, teríamos de ficar com seu braço brasileiro, Celso Furtado, cujo interessante, e mais importante, trabalho essencialmente usa o modelo IS/LM, derivado de Keynes, para derivar implicações sobre nossa história econômica. Seu trabalho foi extremamente influente no Brasil e forçou uma geração a começar a utilizar rudimentos de métodos quantitativos na análise econômica e a aprender a então dominante macroeconomia. Mas os trabalhos de Furtado têm dois problemas. Por um lado, não envelheceram bem. Suas principais conjecturas originais sobre fenômenos econômicos históricos têm sido sistematicamente desmentidas pelos fatos. Por outro, seus demais trabalhos sobre política pública não conseguiram nem influenciar a política econômica à época nem se revelaram frutíferos na produção acadêmica. Furtado não me parece que tenha gerado uma agenda de pesquisa, com novos e seguidos resultados sobre nossa economia que tenham sido confirmados pela evidência empírica. E suas intervenções sobre política econômica quase sempre se revelaram problemáticos para dizer o mínimo (vide seu debate com Maria da Conceição Tavares e José Serra sobre a estagnação econômica na véspera do milagre). Por fim, pode-se interpretar a pergunta como sobre qual brasileiro mais influenciou nossa vida econômica, aquele com maior grau de responsabilidade pelo que somos hoje, pelos debates que ainda enfrentamos, pelos caminhos que escolhemos. Nesse caso, Getúlio Vargas. Vargas foi o arquiteto da sofisticada teia institucional que ainda hoje envolve empresas, trabalhadores e governo; esse amálgama de interesses privados e públicos que sempre parece gerar o contrário do proposto. Essa teia surpreendente que surge da desmedida aposta na capacidade do governo em mediar as relações privadas e resulta na pesada herança normativa que vai desde a legislação cambial, passando pela intermediação financeira e de seguros, até as relações de produção. Para amenizar o conflito social nas relações de trabalho, Vargas introduziu uma legislação trabalhista derivada da legislação fascista italiana; legislação hoje defendida com bandeiras de esquerda precisamente pelos grupos a quem a legislação pretendia neutralizar (ou talvez a esquerda seja outra; a original, da época, neutralizada). Sobretudo, com Vargas se expande a privatização do público sob a alegação da necessidade do esforço coletivo: o Estado definindo, idiossincraticamente, da alocação das autorizações para importação ao acesso ao crédito. Os (crescentes) recursos públicos passam, majoritariamente, a financiar interesses privados, ainda mais privilegiados pela imposição de restrições à concorrência (que se argumentava contrária ao desenvolvimento). Em simultâneo, essa prática é acompanhada de uma retórica que se diz modernizante, desenvolvimentista e de esquerda, ainda que ausente uma política social relevante. A análise da herança de Vargas surpreende por sua impressionante capacidade de transvestir de moderno o atraso; de democrático, o autoritário; de esquerda, as políticas que concentram renda: o debate de ponta-cabeça e uma rede que, com muita dificuldade, começamos a desatar. Certamente, Vargas foi o brasileiro que mais influenciou nossa vida econômica no século XX. E, espero, apenas no século XX. Marcos Lisboa é diretor-executivo do Unibanco e exsecretário executivo do Ministério da Fazenda Gudin triunfa sobre Campos De São Paulo 10/08/2007 Folha Imagem Em quarto, com quatro votos, ficou Roberto Campos (na foto, ministro do Planejamento, em 1966, em reunião com o ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões Bem distantes da disputa entre Mário Henrique Simonsen e Celso Furtado, os ultra-ortodoxos Eugênio Gudin e Roberto Campos travaram uma luta também apertada pelo terceiro lugar. O primeiro teve cinco votos e o segundo, quatro. Os eleitores de Gudin ressaltam o que consideram seu pioneirismo no Brasil. "Gudin foi responsável pela reestruturação do ensino e da pesquisa econômica no Brasil, propondo e implementando a criação do nosso primeiro curso de ciências econômicas. A sua principal obra científica, 'Os Princípios de Economia Monetária', constitui o primeiro livro importante de teoria econômica moderna escrito no Brasil", diz o professor Eduardo Giannetti, do Ibmec São Paulo. "A defesa do livre mercado como sistema alocativo, o grau zero de tolerância com a inflação e a absoluta prioridade à formação de capital humano como a essência do desenvolvimento são as marcas registradas de seu legado." Giannetti lembra que, em 1936, Gudin observou que "a vanguarda do progresso 'pertence aos povos que cuidaram da educação do caráter em plano não inferior ao da educação da inteligência'." O professor Samuel Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é outro que escolheu o ex-ministro. "Gudin não cometeu o erro do nacional-desenvolvimentismo", afirma Pessôa. "Para essa escola de pensamento, a superação do subdesenvolvimento exigia políticas que alterassem a estrutura produtiva da economia. A característica marcante dessa interpretação é que nela o homem não desempenha papel algum. Diferentemente do nacional-desenvolvimentismo, Gudin não acreditava que a indústria era intrinsecamente boa e a agricultura ruim. Reconhecia, sem exageros, a importância de políticas para o desenvolvimento industrial, mas também apontava que havia grande espaço para melhoria técnica na atividade agrícola. Gudin também foi contra a política de estatização dos serviços de utilidades públicas. A tragédia para a sociedade brasileira foi que Gudin era um homem 50 anos à frente de seu tempo." O economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi um dos eleitores de Campos. Segundo ele, o ministro do governo Castelo Branco e um dos pais do Programa de Ação Econômica de Governo (Paeg) exerceu "uma enorme influência como formador da opinião contemporânea" e "deixou um conjunto de 'idéiasforça' que perduram vários anos depois de sua morte", além de ter desempenhado "um papel fundamental como homem público em razão das transformações para as quais contribuiu decisivamente para implementar nos anos 1960, no período em que esteve no governo". O diretor de Mercados Emergentes do Goldman Sachs, Paulo Leme, escolheu Campos "simplesmente por ele ter sido aquele que teve o maior impacto na economia e na formação do pensamento econômico liberal no país". O ex-ministro Antonio Delfim Netto recebeu dois votos, de Luís Paulo Rosenberg, sócio da Rosenberg & Associados, e Fernando Homem de Melo, professor da FEA-USP. "Na vida toda, Delfim jamais se afastou de sua doutrina: temos que fazer um Brasil grande, baseado na burguesia nacional, num modelo oriental de simbiose Estado-setor privado, em que se rejeita o assistencialismo e o laissez-faire. Nem Chicago nem Havana, talvez Seul com o Corcovado", diz Rosenberg. Além de Delfim, outros dois economistas vivos receberam votos: José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Princeton, escolhido pelo presidente do Ibmec São Paulo, Cláudio Haddad, como o economista brasileiro de maior importância internacional (no plano interno, Haddad votou em Gudin); e o ex-ministro João Sayad, secretário estadual da Cultura, indicado pela professora Diva Benevides Pinho, da FEA-USP. Diva votou em Sayad como o mais importante economista vivo e em Simonsen como o maior economista morto. O voto de Delfim foi inusitado. O ex-ministro escolheu José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência. Outro que teve apenas um voto - do ex-diretor do BC Alexandre Schwarstman - foi Octavio Gouvêa de Bulhões, ministro da Fazenda do governo Castelo Branco e um dos pais do Paeg, ao lado do Roberto Campos. "Voto em Bulhões não apenas pela sua participação em fazer da FGV um pólo de pensamento econômico com começo, meio e fim, características nem sempre presentes no debate nacional, mas principalmente pelas reformas da década de 1960 que lançaram as bases para a aceleração do crescimento econômico dos 15 anos seguintes", diz Schwartsman. (SL) O vencedor Por Claudia Safatle 10/08/2007 Atado à vontade dos presidentes, Simonsen primeiro aceitou o " Brasil-ilha", mas acabou repudiando aquela prosperidade estranha num mundo em profunda crise Mário Henrique Simonsen tornou-se, ao deixar Brasília e retornar à vida acadêmica, a partir de 1979, uma referência em que os governos buscaram, até sua morte aos 62 anos, em fevereiro de 1997, compreender os fenômenos da economia brasileira. Personalidade generosa e economista genial, Simonsen pode não ter colhido resultados brilhantes na sua passagem pelos governos Geisel e Figueiredo - que coincide com o início de uma crise de grandes proporções, que emerge com o primeiro choque do petróleo, em 1973, e culmina com o segundo choque do petróleo acompanhado da brutal elevação dos juros americanos, em 1979. Mas deixou um legado acadêmico respeitado, inclusive, por seus opositores, e o reconhecimento de sua contribuição no debate da política econômica brasileira. Foi o primeiro economista a identificar na correção monetária o motor da inércia inflacionária - que ele chamava de realimentação inflacionária - que veio a ser, mais tarde, a chave inspiradora dos planos de estabilização no país. Carioca nascido em fevereiro de 1935, Simonsen formou-se em engenharia civil na Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, mas especializou-se em economia. Começou a colaborar com o então ministro do Planejamento, Roberto Campos, e fez o primeiro esboço do Paeg (Plano de Ação Econômica do Governo) na gestão Castelo Branco. Escreveu, também, a pedido do presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada) e depois ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, o capítulo de macroeconomia do Programa Estratégico de Desenvolvimento do governo Costa e Silva. Foi presidente do Mobral - Movimento Brasileiro de Alfabetização - no governo Médici, e, no início de 1974, assumiu, a convite de Geisel, o cargo de ministro da Fazenda. Em 1973, os países árabes se organizaram na Opep, multiplicaram o preço do barril de petróleo de US$ 2,90 para US$ 11,65 e levaram o mundo à primeira grande crise do pós- guerra. O governo Geisel praticamente ignorou, de início, o ajuste que os demais países faziam e continuou na rota do crescimento acelerado. Afora medidas de controle da moeda, a reação àquela crise que, de um ano para outro, elevou o déficit em transações correntes de 2,48% para 6,8% do PIB, foi tocar o II PND com base no endividamento externo. O PIB, que vinha de um crescimento de 13,97% em 1973, ainda cresceu 8,15% em 1974. Só em 1975 começa a desaceleração, quando o PIB cresce apenas 5,17%. Constatada a retração da atividade econômica, Simonsen afrouxou os controles e o país voltou a crescer 10,26% em 1976, graças à criação do "refinanciamento compensatório" - farta concessão de crédito ao setor privado. Mas, aí cresceu demais. Nesse ano, Simonsen voltou da reunião anual do FMI/Banco Mundial preocupado e com um recado claro dos credores: a luz amarela já estava acesa e o país, naquele ritmo, ia perder credibilidade. Esse foi um momento delicado da discussão entre Simonsen e Velloso, que, do Planejamento, tocava o II PND. Desde o início do governo, ambos haviam combinado que as divergências seriam debatidas à exaustão, até chegarem a um ponto comum. Levar posições distintas para Geisel arbitrar significaria enfraquecimento para ambos, relata Velloso. Era preciso limitar o PIB a, no máximo, 5%. Para isso seria necessário cortar investimentos públicos. Velloso concordou com a medida, desde que se preservasse a integridade do plano. Em 1977, o crescimento do PIB cai para 4,93% e o déficit em conta corrente, para 2,72% do PIB. A inflação, medida pelo IGP-DI, que em 1976 foi a 46,2%, recuou um pouco, para 38,84%, no ano seguinte. Sobre inflação, a contribuição de Simonsen foi além da compreensão de suas causas. Nos primeiros meses do governo Geisel, o ministro preparou um documento e o levou à reunião das 9 horas, habitual encontro do presidente Geisel com um pequeno grupo de ministros no palácio do Planalto. O texto tratava da inflação naquele ano de 1974. Junto com a análise, porém, trazia uma revelação rumorosa: a inflação de 1973, durante a gestão de Delfim Netto no Ministério da Fazenda, havia sido objeto de "distorções". O documento acusava, com base em estudos da Fundação Getúlio Vargas, que o índice de custo de vida, na parte relativa aos itens de alimentação, havia sido apurado com base nos preços tabelados e não nos preços praticados pelos supermercados. O dado oficial indicava uma variação de 13,7% no custo de vida. Tomando os preços praticados pelo mercado, o aumento foi de 26,6%. Ou seja, o índice oficial carregava um "atraso" equivalente a 11,3%. Delfim Netto nunca reconheceu essa "distorção" e sempre atribuiu o episódio ao fato de que ele gerenciava os estoques de produtos alimentares de modo que esses não faltassem nas gôndolas dos supermercados do Rio, onde o índice era apurado. A existência desse documento só veio a público em 1977 e foi uma das causas que impulsionaram o ressurgimento do movimento sindical na região do ABC paulista. Luiz Inácio Lula da Silva e mais de uma dezena de sindicalistas foram pela primeira vez, durante o governo dos militares, a Brasília reivindicar a reposição, nos salários, daquela inflação que faltava. Estiveram com Velloso, no gabinete do Planejamento no Palácio do Planalto, e com Simonsen, na Fazenda. Com Velloso, lembra hoje o ex-ministro, foi um encontro demorado, das 19 às 22 horas. "Combinei com Simonsen que não deveríamos nos envolver nessa questão, deixando que os trabalhadores e os empresários se acertassem. Ele concordou". Iniciou-se naquele ano uma campanha em que os sindicatos falavam em reposição salarial de 34,1%, percentual que havia sido subtraído da inflação de 1973 e 1974. Surgiam, também, o engajamento dos trabalhadores da indústria na luta pela redemocratização e as sementes do PT. Nunca foi nítida a posição de Simonsen sobre o II PND - programa ambicioso de criação de um parque industrial para produção de insumos básicos e bens de capital, para substituição de importações e geração de excedentes exportáveis. Francisco Lopes, que foi aluno de Simonsen na FGV e trabalhou a seu lado no governo, tem convicção de que ele se opôs àquele que era um "programa de gastos públicos desenfreados para 1974-79 quando o mundo já mergulhava na crise do petróleo". Augusto Jefferson, que acompanhou Simonsen durante toda sua vida, de quem foi assessor de Política Econômica, afirma: "Simonsen se conformou. Aquele era o programa do Geisel e de nada adiantaria se opor". A favor, sustenta, ele não era. Foi nessa época que Simonsen, em entrevista à imprensa, declarou: "Somos uma ilha de prosperidade num mar de incertezas". O país insistia em crescer a taxas anuais de 7% ou mais, quando o mundo todo entrava em recessão. E assim foi graças aos aumentos do endividamento externo e da inflação, que desembocaram no colapso de 1982. A regra, naquela época, era simples: "Tínhamos medo do abismo, que significaria a perda total da credibilidade externa. Sempre que as coisas se complicavam, havia um recuo tático da nossa parte, que era o de colocar limites ao crescimento", conta Velloso. Como ministro do Planejamento do governo Figueiredo, para o qual levou todos os instrumentos importantes da Fazenda (como o Conselho Monetário Nacional e o sistema de controle de preços), Simonsen tentou fazer um ajuste mais duro. Pretendia reduzir o crescimento para a casa dos 3% e adequar o país ao segundo choque do petróleo, que veio em 1979, somado a um substancial aumento dos juros americanos. Figueiredo negou-lhe apoio e o substituiu por Delfim Netto. Simonsen produziu inúmeros trabalhos sobre matemática, escreveu vários livros de economia e críticas de ópera. Era amante da boa mesa e do uisque. Fumava quatro maços de cigarro por dia. Vascaíno, foi um teórico e praticante do futebol nos fins de semana. De memória prodigiosa, era capaz de citar a relação do time reserva do Olaria, conta Marcos Viana, então presidente do BNDE, de quem era amigo desde os tempos do vestibular. Deixou, no campo acadêmico, contribuições importantes: da curva do salário real, que inspirou a política salarial do PAEG, ao modelo de realimentação. Fez estudos sobre os fundamentos teóricos da política de rendas como um dos instrumentos do combate à inflação, e a crítica à teoria das expectativas racionais. Foi professor da Escola de Pós Graduação em Economia (EPGE, da Fundação Getúlio Vargas), que ajudou a criar. Contava que ficou rico por acaso, quando o amigo Julio Bozano, o convidou para ser o sócio minoritário no Banco Bozano, Simonsen. Ao anunciar seu pedido de demissão, em 10 de agosto de 1979, no governo Figueiredo, declarou: "Achei que o melhor que eu fazia para o país era voltar para a praia de Ipanema". Mestre Simonsen, teoria e prática Eliana Cardoso, para o Valor 10/08/2007 Creso, rei da Lídia, perguntou a Sólon quem era o homem mais feliz do mundo. Sólon respondeu que não poderia declarar um homem feliz antes de sua morte. Pois, até "a indesejada das gentes chegar", ninguém está livre de surpresas. Aplico o mesmo critério à escolha do economista mais importante do Brasil. Só é candidato ao título quem já completou sua obra. Suponho também que, além de merecer o respeito de seus pares, ele terá sido um ator de relevo em nossa história. Portanto, começo a busca recorrendo a eventos que mudaram o país. Busca inútil, porque não o encontro por trás da abertura dos portos da Colônia em 1808, nem no fim dos anos 1880, a defender a abolição da escravatura. Tampouco há economistas em batalha pela industrialização nascente no começo do século XX ou preconizando a destruição de sacas de café em 1930. É que a profissão surgiu tarde por aqui. Alguns astros começam a brilhar depois do golpe militar de 1964. Mas, ai! Como votar em quem colaborou com a ditadura? O voto me pesa e ainda assim escolho Mário Henrique Simonsen (1935-1997) como o economista mais importante do Brasil. Professor da Fundação Getúlio Vargas e diretor da Escola de PósGraduação em Economia, Simonsen inaugurou no Brasil o ensino da ciência econômica em todo o seu rigor formal. Formou dezenas de alunos influentes. E difundiu a teoria econômica em livros-textos essenciais: "Teoria Microeconômica" e "Macroeconomia". Ministro da Fazenda do governo Ernesto Geisel (1974-79), traçou a estratégia de substituição de importações de insumos básicos, revigorou as exportações com maiores financiamentos, introduziu o sistema de bases correntes no imposto de renda, obteve do Congresso Nacional a aprovação da Lei das Sociedades por Ações e criou a Comissão de Valores Mobiliários. Poucos escreveram com maior verve para jornais e revistas. Ninguém entendeu melhor os custos e benefícios da indexação, que, conhecedor das manhas da política econômica, ajudou a introduzir em 1965-68. Tiro o chapéu para o mais precioso de seus livros, talvez o melhor já escrito por um economista brasileiro: "30 Anos de Indexação" (FGV, 1995).