ROBERTO SIMONSEN E RAÚL PREBISCH: INTERSECÇÕES. O presente trabalho pretende investigar as possíveis intersecções existentes entre os pensamentos de Roberto Simonsen e de Raul Prebisch sobre as causas do subdesenvolvimento dos países periféricos e sobre o papel da industrialização como meio para superar tal condição. Partindo da análise das obras de Simonsen voltadas para o pensamento econômico e de sua atuação como principal liderança empresarial da primeira metade do século XX, busca-se comparar suas teorias sobre a participação do Estado na economia, o padrão de vida dos trabalhadores, a proteção estatal à indústria nascente e outras interpretações do autor no campo econômico com as teorias oriundas do pensamento da CEPAL surgidas a partir da publicação do manifesto dos cepalinos por Raul Prebisch, a fim de verificar a existência de pontos em comum entre estas teorias. Anos antes do surgimento da CEPAL e, por conseqüência, das teorias do subdesenvolvimento que possibilitaram a criação do modelo de desenvolvimento brasileiro, Simonsen abordou em suas obras as mesmas questões diagnosticadas por Prebisch e pelos cepalinos como sendo as causas pelas quais o Brasil e os países da AL experimentavam uma situação de inferioridade econômica e de condição de vida em relação aos países centrais. Roberto Simonsen tornou-se um dos maiores líderes da burguesia industrial do Brasil da época. Foi, em grande parte, graças a suas ações que os industriais atuaram buscando influenciar a política econômica de então. E sua ascensão como liderança e como pensador de sua classe deu-se ao mesmo tempo em que, no Brasil, ocorria, especialmente a partir da década de 1930, a implantação do capitalismo industrial, o fortalecimento do Estado como fator decisivo para a industrialização e, conseqüentemente, a chegada da burguesia nacional ao poder. É nesse contexto histórico que a busca pelo desenvolvimento econômico e a ascensão da classe burguesa ganha contornos mais nítidos, bem como se fundam as relações de poder entre os industriais, o proletariado, os produtores rurais e o capital internacional, sendo também esse o momento em que Simonsen constrói suas formulações a respeito dos problemas brasileiros. Foi também nesse mesmo contexto histórico (as três principais décadas, de 1910 a 1940, em que ocorreram as transformações sociais, econômicas e políticas que marcaram o Brasil no período) que Simonsen desempenhou suas atividades intelectuais de forma mais marcante, abrindo a discussão sobre o problema do subdesenvolvimento que afetava o Brasil e outras nações da América Latina. E foi propondo soluções para a superação dessa questão que Simonsen muito contribuiu, portanto, para a formulação do modelo nacional-desenvolvimentista, anos depois, uma vez que o problema fundamental com o qual debateu-se foi o subdesenvolvimento, suas causas e as maneiras pelas quais ele poderia ser superado, melhorando as condições de vida dos trabalhadores, com sua elevação para um patamar mais digno, tanto pelo pagamento de melhores salários como pelo barateamento do custo de vida, na medida em que o aumento do poder aquisitivo das famílias era a base na qual se sustentaria o crescimento da economia brasileira . Raul Prebisch, economista argentino, foi o primeiro presidente da CEPAL, criada pela ONU em 1948 e autor de “O Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus principais problemas”, de 1949, que acabou conhecido como o Manifesto dos Cepalinos. Neste texto estão inseridas as bases do pensamento que iria estruturar os trabalhos da CEPAL nos anos seguintes até culminar na construção do modelo nacional-desenvolvimentista: a superação do subdesenvolvimento por meio da industrialização. Prebisch argumentava que a condição periférica das economias latino-americanas era devida às especificidades de sua formação e da própria condição de “periferia” do mundo desenvolvido, o que impedia seu pleno desenvolvimento. Isto porque a fórmula imposta pela então divisão internacional do trabalho já não apresentava soluções para o desenvolvimento dos países não centrais, que se encontravam atrasados tanto do ponto de vista técnico quanto na condição de vida de sua população em relação às economias centrais. Alertava para o fato de que o subdesenvolvimento não era uma etapa para se alcançar um patamar superior, mas uma condição cuja tendência é o aprofundamento e a perpetuação, criando um sistema com forte concentração de renda e grande desigualdade social. E a única alternativa de crescimento econômico viável para os países da AL era a industrialização, pois se a base de suas economias continuasse a ser as exportações, seu ritmo de crescimento já estaria sacramentado, na medida em que os países centrais não estavam aumentando suas importações, além do fato de que os termos de troca então colocados haviam se deteriorado, exigindo dos países periféricos um esforço crescente e contínuo para sustentar o sistema. Assim, o caminho a ser trilhado pela AL para superar sua condição era a industrialização, substituindo as importações por produção nacional, única forma, de acordo com o autor, para que estes países alcançassem o desenvolvimento, revertendo a distância em relação aos países centrais. Muitos são os pontos de intersecção entre as obras de Roberto Simonsen e Raul Prebisch, a começar pelo tema central que mobilizou a ambos: a industrialização como fórmula para romper com o subdesenvolvimento e alcançar melhores condições de vida para a população. Ainda, outra questão comum a ambos os autores era a participação do Estado na economia. Simonsen propunha que o Estado buscasse planejar os investimentos econômicos, a fim de alcançar os melhores resultados na busca do desenvolvimento, pois era descrente das soluções liberais então existentes, cuja ênfase era no mercado. Para o autor, o Estado deveria galvanizar as iniciativas na área econômica, planejando e investindo com o objetivo de superar o subdesenvolvimento, harmonizando as relações econômicas e sociais. No mesmo sentido, Prebisch defendia que a industrialização deveria ser implantada sob coordenação estatal, pois a grandeza das medidas a serem adotadas com vistas a inverter a lógica do subdesenvolvimento não poderiam ser realizadas unicamente pelo mercado, que não reunia condições para tanto, bem como porque somente a participação do Estado poderia garantir que não ocorressem desequilíbrios e outros acontecimentos desestabilizadores do processo, tais como a inflação. Em suma, tanto Simonsen quanto Prebisch buscaram na formação dos países latino-americanos as razões para sua condição subdesenvolvida e propuseram fórmulas que, na essência, buscavam superar os problemas estruturais que resultaram no atraso e, com isso, alcançar o progresso técnico e de vida, elevando as condições materiais destes países senão ao mesmo, mas em patamar próximo ao dos países centrais. E são as intersecções entre os pensamentos destes dois intelectuais que se constituem em objeto do presente trabalho.