Artigo 3

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Anuário da Produção
Acadêmica Docente
SOCIALIDADE E SUBJETIVIDADE NA EDUCAÇÃO
A DISTÂNCIA
Vol. 4, Nº. 8, Ano 2010
O blog do Moodle Anhanguera/Uniderp como chave de
compreensão das comunidades virtuais de
aprendizagem
Josias Henrique Comin
Universidade Anhanguera - Uniderp /
Centro Universitário Anhanguera
unidade Leme
[email protected]
RESUMO
O ambiente virtual de aprendizagem Moodle oferece inúmeras
possibilidades de interação que se revelam como espaços de expressão de
subjetividades e construção de socialidades reconhecidas como necessárias
ao processo ensino-aprendizagem na modalidade a distância. As crenças, os
anseios e as expectativas reveladas pelas mensagens postadas na ferramenta
blog constituem o material que embasa este estudo. As publicações foram
escolhidas aleatoriamente e para a interpretação dos dados buscou-se
fundamentação na pesquisa bibliográfica exploratória. A partir de uma
análise sociológica é possível reconhecer que a socialidade que se constrói
neste ambiente é chave para a compreensão dos agentes envolvidos e
subsídio para a prática pedagógica.
Palavras-Chave: interatividade; novas tecnologias; educação; ciberespaço;
cotidiano.
ABSTRACT
The virtual learning environment Moodle offers many possibilities of
interaction that reveal themselves as spaces of expression of subjectivities
and construction of sociality, recognized as necessary to the teachinglearning in the distance. The beliefs, yearnings and expectations revealed by
the messages posted on the blog are materials that form the basis this study.
The publications were randomly and selected for the interpretation of the
data we sought foundation in bibliographical research exploratory. From a
sociological analysis is possible to recognize that the sociality that is built in
this environment is the key to understanding the stakeholders involved and
allowance to teaching practice.
Keywords: interactivity; new technologies; education; cyberspace; quotidian.
Anhanguera Educacional Ltda.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
[email protected]
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Informe Técnico
Recebido em: 20/4/2011
Avaliado em: 26/5/2011
Publicação: 9 de agosto de 2011
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Socialidade e subjetividade na Educação a Distância
1.
INTRODUÇÃO
A educação a distância, aparelhada atualmente pelas NTICs (Novas Tecnologias da
Informação e da Comunicação), é uma realidade indiscutível e irreversível no cenário
educacional. Muito se tem escrito e inúmeros são os debates em torno do assunto com
teses que sustentam a EAD (EAD) como um sistema educacional que atualmente deve ser
expandido aos mais variados níveis educacionais e que deve prevalecer futuramente,
como cita Belloni (2009, p.102):
[...] o uso de tecnologias de informação e comunicação e de metodologias oriundas da
experiência e do conhecimento produzido no campo da EAD aparece como a melhor
solução para tornar mais eficientes e produtivos os sistemas de ensino convencionais em
todos os níveis [...].
A discussão sempre em pauta é em que medida as NTICs favorecem o
aprendizado no ensino a distância. Teria o aluno real autonomia neste modelo de
educação?
Belloni (2009, p.39) afirma que por suas características e natureza a educação a
distância pode contribuir melhor do que a modalidade convencional de educação para a
formação de um estudante mais autônomo.
Para não perder o foco do assunto se faz necessário lembrar que a busca da
autonomia no processo de ensino-aprendizagem não é uma preocupação exclusiva dos
teóricos da educação a distância, mas atravessa gerações de educadores e pensadores.
Não se trata aqui de discutir as teorias sobre a educação, mas reconhecer que o
ambiente virtual de aprendizagem, com suas inúmeras ferramentas de interação, não se
resume a um instrumento de transmissão de conhecimentos já consolidados, mas de
verdadeiro espaço de construção de socialidade e cultura fundamentais em qualquer
processo educacional.
Acreditando como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu assumo a cultura como sendo essas teias e a sua
análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como
ciência interpretativa, à procura de um significado. (GEERTZ, 1989, p.15).
No caso da educação a distância, a rede cultural é tecida não só ao redor dos
conteúdos e da interação entre tutores e alunos em torno das tarefas e dos prazos, mas,
também, na veiculação de mensagens que refletem a cultura dos participantes, instigando
a interpretação do fenômeno.
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No ambiente virtual de aprendizagem Moodle, o blog1 é uma importante
ferramenta utilizada com freqüência por tutores e alunos e revela muito do perfil de seus
participantes, se caracterizando como espaço da expressão de subjetividades.
Como método para esta análise buscou-se fundamentação na pesquisa
exploratória bibliográfica com o objetivo de aprimorar as idéias e a formação de subsídios
que interpretem as possibilidades de interação e manifestação de subjetividades no blog
do CEAD-Anhaguera/Uniderp.
As publicações escolhidas para esta análise obedecem a uma lógica aleatória de
temas que não se referem diretamente aos conteúdos das disciplinas e dos cursos
oferecidos na instituição. Elas servem como amostras dos assuntos abordados no universo
do blog.
Preservando
as
respectivas
identidades,
transcrevem-se
as
postagens
conservando apenas as iniciais de seus autores. A proposta é explorar as mensagens
postadas no blog do ambiente Moodle dos cursos EAD do CEAD-Anhanguera/Uniderp
para demonstrar como as pessoas se fazem presentes e recriam suas relações no ambiente
virtual de aprendizagem.
O compartilhamento de crenças, anseios, frustrações e alegrias, bem como de
informações podem revelar mais sobre os participantes do que a própria mensagem que
desejam veicular.
2.
A CRISE DO MODELO FORDISTA E AS NOVAS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA EAD
Em que pese às controvérsias sobre o como fazer da EAD é necessário reconhecer na
prática que as metodologias utilizadas nas instituições de EAD se organizam orientadas
ainda pelo modelo Fordista de produção industrial característico do século XX, como
afirma Belloni (2009, p.14).
O Fordismo, segundo Raggat (1993 apud BELLONI, 2009, p. 11-12) é um sistema
de produção industrial caracterizado, entre outras coisas pelo método de produção em
massa, pela força de trabalho segmentada que exerce tarefas fragmentadas e
especializadas e pelo controle centralizado.
1Trata-se de uma ferramenta de comunicação assíncrona usada na Web atualizada freqüentemente por seus autores.
Normalmente as postagens seguem uma linha cronológica e são usadas de forma diversificada abrangendo uma infinidade
de assuntos que vão desde diários, links, notícias, poesia, idéias, fotografias e quase tudo o que a imaginação do autor
permitir. (Adaptado de: <http://blogger.globo.com/br/about.jsp>. Acesso em: 01 abr. 2011).
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Socialidade e subjetividade na Educação a Distância
Este sistema de produção se estabeleceu na base do desenvolvimento econômico
capitalista entre as décadas de 1940/50, penetrou várias instâncias da vida social e
norteou as ações de Estado em diferentes esferas se constituindo em um verdadeiro estilo
de vida (BELLONI, 2009).
Segundo Belloni (2009, p.18) a EAD conserva características deste modelo de
produção industrial entre os quais a produção em massa de “pacotes educacionais” e a
desumanização do ensino com a mediatização e burocratização das tarefas que envolvem
os quadros acadêmicos e técnicos das instituições.
Porém, as NTICs que colocaram em xeque o modelo fordista de gestão da
economia e da produção industrial, pressionam o universo da educação na busca de
práticas educativas que superem o antigo modelo.
O sistema fechado em torno de currículos voltados para a preparação técnica do
cidadão se vê desafiado a levar em consideração outros aspectos da vida, tendo que
oferecer algo a mais que a formação exclusivamente técnica.
Os participantes do ambiente virtual de aprendizagem reivindicam novas
práticas educativas que considerem seus anseios por um espaço mais humano e afetivo na
educação.
Nesse sentido, não basta transpor os modelos educacionais convencionais para
uma plataforma virtual sem compreender que este espaço se abre, também, para novas
possibilidades cognitivas que refletem o esgotamento do modelo Fordista de massificação
e centralização na educação. O aluno não quer se sentir mais um número ou apenas um
elemento que oferece respostas.
A construção do conhecimento no âmbito educacional, neste caso, exige o
reconhecimento destes anseios.
Não obstante, as NTICs podem favorecer o desenvolvimento cognitivo e
oportunizar a construção coletiva do conhecimento.
Pierre Lévy (1999, p.157) faz uma constatação sobre a educação em moldes
cibernéticos:
[..] o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e
modificam numerosas funções cognitivas humanas : memória(banco de dados,
hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação(simulações),
percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios ( inteligência
artificial, modelização de fenômenos complexos) [...].
E ainda:
[...] Como essas tecnologias intelectuais, sobretudo as memórias dinâmicas, são
objetivadas em documentos digitais ou programas disponíveis na rede (ou facilmente
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reproduzíveis e transferíveis), podem ser compartilhadas entre inúmeros indivíduos, e
aumentam, portanto, o potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos (LÉVY,
1999, p.157).
É necessário reconhecer que a rede de conexões proporcionadas pelas tecnologias
da informação e comunicação possibilita a formação de um gigantesco mosaico de
comunidades virtuais; de agrupamentos humanos no ciberespaço onde as pessoas se
reúnem com objetivos comuns e estabelecem relações que estimulam o imaginário.
As relações no ciberespaço alimentadas pelo imaginário acabam favorecendo a
manifestação de subjetividades nas mensagens do ambiente virtual de aprendizagem,
antes ignorada no modelo Fordista aplicado à educação.
Compreender esta manifestação é fundamental para orientar as ações
pedagógicas no ambiente virtual de aprendizagem levando em consideração as múltiplas
possibilidades de interação e de expressão que ele oferece.
3.
O BLOG DO CEAD- ANHANGUERA/UNIDERP COMO ESPAÇO DE
SUBJETIVIDADE
Algumas instituições de EAD, como o CEAD-Anhanguera/Uniderp, prevêem espaços de
trocas de experiências freqüentemente usados como ambiente de múltiplas manifestações,
oferecendo ferramentas de expressão e comunicação mais livres além das salas de chat e
fóruns dirigidos especificamente para os esclarecimentos de conteúdos e a facilitação do
aprendizado.
Entre as ferramentas de interação do ambiente virtual de aprendizagem Moodle
utilizado pela referida instituição em seus cursos a distância, existe o blog, onde as
postagens podem ou não estar relacionadas ao processo educativo formal das outras áreas
do mesmo ambiente; onde se manifesta os anseios, as angústias, as inseguranças, as
insatisfações e a até mesmo o proselitismo religioso.
O blog caracteriza a forma mais livre de participação dos alunos da EAD na
referida instituição e, por isso mesmo, é o que melhor capta as manifestações subjetivas
revelando as nuanças de uma sociedade em mutação.
Observamos que a saturação dos valores da modernidade e o advento de novas
tecnologias de comunicação estão resultando em transformações profundas em todas as
esferas da sociedade. A junção entre os meios de comunicação de massa e
microinformática, aliada ao crescimento das redes comunicacionais, operam
modificações não só no cotidiano, como também na maneira como o homem percebe o
mundo e o seu semelhante (QUARESMA, 2005, p.82).
Por serem mais livres, as postagens do blog no ambiente Moodle se constroem
potencialmente fora do controle social e escapam de um controle mais rígido até da
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própria instituição, permitindo que as pessoas que utilizam o espaço formem uma rede de
interesses comuns e agrupamentos em torno de objetivos nem sempre orientados pelo
currículo oficial dos cursos oferecidos.
[...] há uma boa parte da existência social que escapa à ordem da racionalidade
instrumental. A esta racionalidade não se pode atribuir um fim nem se pode reduzi-la a
uma simples lógica da dominação. A duplicidade, o ardil, o querer-viver, se exprimem
através de uma multiplicidade de rituais, de situações, de gestuais, de experiências, que
delimitam um espaço de liberdade (MAFFESOLI, 1998, p. 31-32).
A postagem de uma mensagem religiosa, uma poesia, uma dica de estudo, uma
notícia, de fotos de familiares, revelam o cotidiano de cada participante e o tira da
invisibilidade cotidiana, amplificando o alcance de sua mensagem.
Essas particularidades muitas vezes subjetivas e aleatórias são o que o que cria a
socialidade constituinte das sociedades de todos os tempos e lugares segundo M.
Maffesoli (1984 apud LEMOS, 1999, p.2):
As relações que compõem a socialidade constituem o verdadeiro substrato de toda vida
em sociedade, não só da sociedade contemporânea, mas de toda vida em sociedade. São
os momentos de despesa improdutiva, de engajamentos efêmeros, de submissão da
razão à emoção de viver o “estar junto” que agrega determinado corpo social. Assim, é a
socialidade que “faz sociedade” [...].
As NTICs favorecem a construção de comunidades no ciberespaço que têm como
substrato a manifestação de subjetividades e se agrupam por afinidades, despertando o
sentimento de pertença ao grupo com o qual o indivíduo se relaciona, encorajando-o a
compartilhar a multiplicidade de suas experiências cotidianas para além das formas
institucionalizadas de relações.
A “socialidade” marcaria (“daria o tom”) os agrupamentos urbanos contemporâneos,
colocando ênfase na “tragédia do presente”, no instante vivido além de projeções
futuristas ou morais, nas relações banais do cotidiano, nos momentos não institucionais,
racionais ou finalistas da vida de todo dia. Isso a diferencia da sociabilidade que se
caracteriza por relações institucionalizadas e formais de uma determinada sociedade
(MAFFESOLI, 1984, apud LEMOS, 1999, p.2).
Como espaço acadêmico virtual, o blog do ambiente Moodle, se não proporciona
a quebra do paradigma Fordista na educação, abre um canal para que os participantes
exponham
de
alguma
maneira,
suas
expectativas,
seus
anseios,
enfim,
suas
subjetividades.
Assim, passa a significar reais possibilidades de interação que ultrapassa as
formalidades do currículo se configurando como importante ferramenta no processo de
ensino-aprendizagem a distância.
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4.
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AS POSTAGENS DO BLOG NO AMBIENTE MOODLE DO CEADANHANGUERA/UNIDERP
A plataforma virtual que a instituição CEAD-Anhanguera/Uniderp escolheu para abrigar
a sua proposta de EAD é o Moodle. Esta ferramenta se apresenta, segundo a própria
instituição, como a mais adequada à sua prática pedagógica que, por sua vez, é alicerçada
em suas crenças e valores (CARBONARI NETTO; CARBONARI; DEMO, 2009, p.13-26).
O Moodle do CEAD-Anhanguera-Uniderp, proporciona a participação em
diferentes ferramentas a fim de facilitar a disseminação das informações e o
acompanhamento das atividades a distância.
No blog, a participação não se limita à interferência pedagógica dos tutores e nem
limita os participantes aos assuntos restritos aos temas propostos no currículo acadêmico
oficial. A comunicação se dá de forma mais livre.
Dessa forma, abrem-se as possibilidades para que esta análise se volte à
interpretação das comunicações que se registram no ambiente virtual de aprendizagem
conforme Ruben de Oliveira Nascimento reforça:
[...] queremos frisar que no aspecto semântico da palavra, na comunicação, se
movimentam subjetividades em diálogos pelos quais frui o pensamento e se elabora o
conhecimento, e esse aspecto na EAD ganha importância pedagógica e psicológica
(NASCIMENTO, 2010, p.2).
Deve-se levar em consideração ainda que, explorando o ambiente Moodle do
CEAD-Anhanguera/Uniderp, percebe-se que a participação e as comunicações são muito
mais efetivas no blog do que em outras ferramentas, como nas interações com os tutores
através do recurso “Mensagem” disponível a partir do perfil de cada participante ou nos
fóruns “Tira Dúvidas” e de “Notícias”.
A escolha aleatória das postagens quer revelar o que se tem em comum nas
publicações: O sentimento de pertença ao grupo e a exposição de subjetividades.
Características básicas da socialidade.
4.1. A família como referência e modo de se fazer presente
A acadêmica S.M. posta uma foto de familiares sob o título F.P. que traz o seguinte
enunciado (S.M., 2011)2:
2 Todas as postagens analisadas a partir desta parte do artigo apresentam apenas as iniciais dos nomes de quem às publicou
e se encontram no endereço eletrônico da instituição http://cead.anhangueravirtual.com.br/blog/index.php, relacionado
nas referências bibliográficas.
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“Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua
alma... É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida...” (Fernando Pessoa)
Citando um verso de Fernando Pessoa, esta participante do blog posta uma foto
de familiares, o que normalmente não se faz em outra rede social, a não ser quando se
pode escolher quem acessará suas fotos pessoais.
O ciberespaço da EAD, onde há pessoas conectadas e com acesso em todas as
partes do território nacional, não a intimida ao expor algo tão íntimo. Parece ficar claro
que o sentimento de pertença é tão forte a ponto de se confiar a exposição de algo que
normalmente as pessoas procuram preservar.
A mensagem revela ainda com a citação de Fernando Pessoa, que a concepção de
vida que a autora da postagem quer transmitir é o do valor da família e a de força diante
dos desafios reconhecendo os limites que a própria vida impõe.
A referência a Deus no trecho do poema não é escolha aleatória. Como
poderemos observar mais adiante, a religião se faz presente em várias oportunidades e
será assunto desta reflexão.
4.2. A poesia livre das críticas literárias
O acadêmico L.F.C. utiliza o espaço do blog para publicar suas poesias. O que se vê é mais
do que inspiração. Em suas poesias quer revelar seu cotidiano de forma estética e se faz
membro do espaço comunitário acadêmico expondo esta sua dimensão. É alguém que
percebe o espaço como de livre expressão, reforçando a tese inicial deste artigo: (L.F.C.,
2011)
Poema: “Quem sou eu?”
OBS.: Acredito que este espaço seja livre, para podermos nos expressar e partilhar
infinitas experiências que temos ao pegar um simples lápis e deixar a imaginação fluir...
Por isso, aí está uma das poucas poesias que já escrevi.
Quem sou eu?
Quem sou eu?
Será que sou um monstro,
Ou será que sou um tronco;
De uma árvore bem florida;
Que segura toda vida;
Será que sou um E.T.;
Ou um humano que não pode vê;
A beleza ao meu redor;
Com medo de ficar só;
Será que sou triste;
Ou meu mundo não existe;
Será que tenho vida;
Ou só sou uma alma perdida;
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Será que tenho família;
Ou estou sozinho na vida;
Será que tenho amor;
Ou só ódio e rancor.
Realmente não sei quem sou.
Eu estou no coração de quem amou,
No sonho de quem sonhou,
Na vida de quem viveu,
Eu só não sei quem sou eu...
4.3. A religião: Fé e proselitismo
A religião é um assunto recorrente no Blog do CEAD-Anhanguera/Uniderp.
Percebido como um espaço de livre expressão, ela também se faz presente na forma de
mensagens diretas, embrulhadas em textos de auto-ajuda ou de forma proselitista.
A acadêmica B.R.C.N. posta uma foto pessoal com a seguinte mensagem
(B.R.C.N., 2011): “Preciso ser forte!!!! Peço a Deus e a Jesus a sua proteção...”.
Ao que parece esta pessoa passa por momentos delicados e encontra junto à
comunidade do Blog, um alento, uma força, um consolo. O fato de publicar em uma única
frase sua crença inabalável em Deus é sabedora de que muitos irão partilhar não só de sua
fé como também de sua oculta dor.
O acadêmico R.G. utiliza a mensagem evangélica aplicada a uma data civil para
interagir. Esta é também, uma das formas mais presentes em nossa sociedade de
proselitismo religioso. Estar visível a um sem número de pessoas proporciona a
oportunidade de propagar suas crenças (R.G., 2011):
Homenagem ao dia Internacional da Mulher
7 diferenças entre a mulher sábia e a néscia
1. A mulher sábia edifica a sua casa. A insensata derruba a casa com as próprias mãos.
2. Força e dignidade são os vestidos da mulher sábia. Já a néscia orna-se a moda das
prostitutas; é astuta de coração. [...]3
Espero que você, mulher, tenha refletido!
Um grande abraço!
O texto é uma coletânea de versículos bíblicos que versam sobre o papel da
mulher e não conserva nenhuma relação empírica com o dia internacional da mulher.
Ao homenagear a mulher o autor procura ressignificar o texto de acordo com as
estruturas de plausibilidade que legitimam e dão sentido ao seu mundo socialmente
construído (BERGER, 1985, p.58).
3Disponível
também em http://novotempo.com/amiltonmenezes/2011/03/08/7-diferencas-entre-a-mulher-sabia-e-anescia/ acesso em 01/04/2011.
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Socialidade e subjetividade na Educação a Distância
Vale lembrar que, segundo Berger (1985), a construção social da realidade, que
tem como importante ferramenta a religião, circunscreve determinada sociedade às
trincheiras de sua visão de mundo, reinterpretando à luz desta as outras visões de
mundo.
4.4. Espaço de protesto e indignação
Em que pese mais uma vez a personagem Deus aparecer, não é para a religião que se quer
chamar a atenção, mas para a indignação.
Na mensagem o autor não especifica contra quem ou o quê está indignado.
Exprime simplesmente sua indignação diante de algo que provocou um sentimento de
repulsa.
J.C.S. recorre à publicação para dar voz e compartilhar seu sentimento com a
comunidade educativa: (J.C.S., 2011)
Insensibilidade ou falta de amor ao próximo?
Vivemos em uma sociedade onde há crise de relação interpessoal, já parou para pensar.
Onde vamos chegar? Vivemos em uma sociedade onde as pessoas banalizam tudo e a
todos. Vivemos em uma sociedade onde ás pessoas tem crise de identidade e é visto
como normal. É possível o ser humano ainda se reconhece qual seu verdadeiro retrado
(sic)? E sua Subjetividade? Podemos até viver sem Deus, Mas morrer sem ele jamais.
Mesmo contra a própria instituição se voltam os protestos e as indignações
demonstrando que o espaço ma livre de publicação do blog acaba por servir como uma
ferramenta de autocrítica já que oferece feedback de sua postura e atuação. I.R.S.G.N. posta
o seguinte (I.R.S.G.N., 2011):
Boa tarde!
Espero da coordenação da Anhanguera mais agilidade no que se refere aos livros, haja
vista que este material nos ajuda a acompanhar o curso com mais ênfase. Grata, deixo
meu abraço a todos que fazem parte da família desta instituição.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar os textos selecionados das postagens do blog do ambiente Moodle do CEADAnhanguera/Uniderp constata-se o potencial pedagógico das histórias vividas no
cotidiano dos participantes.
As subjetividades que formam o substrato das socialidades que moldam o
universo dos participantes dos cursos do CEAD-Anhanguera/Uniderp, servem de
subsídio para a compreensão de suas necessidades enquanto estudantes.
Por estarmos obnubilados por estas grandes entidades que se impuseram a partir do séc.
XVIII: a História, a Política, a Economia, o Indivíduo, é difícil focalizar o “concreto mais
extremo (W. Benjamin) que é a vida de toda a gente” (MAFFESOLI, 1998, p.169).
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Para melhor atendê-los na modalidade a distância apoiada nas novas tecnologias
de informação e comunicação é preciso ir além dos individualismos; do atendimento
personalizado tão praticado na atualidade como diferencial das empresas competitivas no
mercado.
Sugere-se que na EAD leve-se em consideração o todo, mas construído de
particularidades, valorizando o que é específico de cada grupo.
Há momentos em que o indivíduo significa menos do que a comunidade na qual ele se
inscreve. Da mesma forma, importa menos a grande história factual do que as histórias
vividas no dia-a-dia, as situações imperceptíveis que, justamente, constituem a trama
comunitária. (MAFFESOLI, 1998, p.169).
Voltar as atenções para as expectativas e os anseios que emergem das interações
e das mensagens postadas em ambientes virtuais como o blog do CEADAnhanguera/Uniderp se torna imperativo para a compreensão das socialidades que ali se
formam e querem se fazer ouvir.
Dessa forma acredita-se que na EAD, a instituição de ensino não pode prescindir
de considerar as socialidades percebidas no âmbito de suas ferramentas como
oportunidade de melhor adequar suas práticas pedagógicas.
REFERÊNCIAS
BELLONI, Maria Luiza. Educação a Distância. Campinas: Editora Autores Associados, 2009.
BERGER, P. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. 2.ed. São Paulo:
Paulus, 1985.
BLOG do Ambiente Virtual de Aprendizagem da Universidade CEAD-Anhanguera/Uniderp.
Disponível em: <http://cead.anhangueravirtual.com.br/blog/index. php>. Acesso em: 01 abr.
2011.
CARBONARI NETTO, A.; CARBONARI, M.E.E.; DEMO, P. A cultura da Anhanguera
educacional - As crenças e valores, o bom professor, a pesquisa e a avaliação institucional como
instrumental de melhoria da qualidade. Valinhos: Anhanguera Publicações, 2009.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: RTC, 1978.
LEMOS, André. Ciber-Socialidade: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Disponível
em: <http://www.andrelemos.info/artigos/cibersoc.html>. Acesso em: 02 abr. 2011.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MAFFESOLI, M. O Tempo das Tribos. O declínio do individualismo nas sociedades de massa.
2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
NASCIMENTO, Ruben O. Reflexões sobre intersubjetividade na EAD em seu caráter
transcendente. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2010/trabalhos1.asp>. Acesso
em: 09 abr. 2011.
QUARESMA, Silvia J. Durkheim e Weber: inspiração para uma nova socialidade, o neotribalismo.
EmTese-Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC, v.2, n.1(3),
jan./jul. 2005. Disponível em: <http://www.emtese.ufsc.br/3_art6.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2011.
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Socialidade e subjetividade na Educação a Distância
Josias Henrique Comin
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela
PUC-Campinas e especialista em Didática e
Metodologia do Ensino Superior pela Anhanguera
Educacional. Professor tutor a distância o curso de
Serviço Social-EAD da Universidade Anhanguera Uniderp. Professor presencial atuando nos cursos
de Ciências Biológicas, Direito, Psicologia e
Ciência da Computação do Centro Universitário
Anhanguera / Leme-SP.
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. 4, Nº. 8, Ano 2010 • p. 37-48
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