Epicurismo: o prazer como missão

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Epicurismo: o prazer como missão
A doutrina da antiguidade clássica pregava a satisfação (moderada) e zombava do destino.
por Liliane Prata*
Os gregos antigos estavam habituados a fazer uma série de especulações místicas e filosóficas
a respeito da morte. No campo supersticioso, a vontade dos deuses e os caprichos do destino
permeavam explicações para o fim da vida. Na filosofia, discutia-se a ligação da alma com o
corpo e ensinavam-se maneiras de se lidar com o medo da morte. Sócrates (470-399 a.C.),
diante da preocupação acerca do tema, ensinava que “filosofar é aprender a morrer”. Mas, no
fim do século IV a.C., eis que uma escola inovadora abria suas portas ou, melhor dizendo, seus
jardins, em Atenas. O mestre, Epicuro (341-270 a.C.), não só considerava sem sentido as
angústias em relação à morte, como ria do destino e pregava que o sentido da vida era o
prazer. Nascia o epicurismo.
O papel da filosofia, para Epicuro, é bem claro: cuidar da saúde da alma. Assim como a
medicina precisa se ocupar dos males do corpo, a filosofia só tem valor se cuidar dos da alma,
longe de consistir num discurso vazio e abstrato. O discípulo Diógenes de Oenoanda resumiu a
sabedoria do mestre em quatro “remédios” de cunho bem prático: 1) Os deuses não devem
ser temidos; 2) A morte não deve amedrontar; 3) O bem é fácil de ser obtido; 4) E o mal, fácil
de suportar.
Comecemos pelo não temor aos deuses. Epicuro não era ateu, como foi acusado por alguns.
Ele acreditava na existência dos deuses, mas sustentava que estes eram indiferentes aos
humanos. Serenos, as deidades habitariam um plano perfeito, não nutrindo nenhum interesse
pelas coisas que acontecem aqui embaixo. Assim, é inútil temê-los ou se preocupar com
castigos. Ter medo do destino é igualmente desnecessário: ele não é tecido por forças divinas,
mas escrito pelos humanos.
Voltemos, agora, ao tema da morte. Para os epicuristas, simplesmente não faz sentido se
preocupar com ela. Acompanhe, leitor, o raciocínio: quando um ser humano existe, a morte
não existe para ele. Quando ela existe, ele é que não existe mais. Assim, nós nunca nos
encontramos com nossa morte – nossa existência nunca se dá ao mesmo tempo da existência
dela. Logo, ocupemos nossas mentes com a vida e desfrutemos dela. E qual é o maior bem que
podemos usufruir? O prazer. Ah, o prazer!
Mas, calma lá. A noção de prazer, no epicurismo, é extremamente refinada. Não se trata de
uma busca desenfreada pela fruição do momento presente, como era para outro grego,
Aristipo de Cirene (435-366 a.C.), conhecido por pregar o hedonismo. O prazer do epicurismo é
calmo e sereno. O sábio deve evitar a dor e as perturbações, levando uma vida isolada da
multidão, dos luxos e excessos. Colocando-se em harmonia com a natureza, ele desfruta da
paz. Epicuro condena a renovação a qualquer preço e a ânsia pela mudança, pregando uma
espécie de prazer tranquilo.
Para vivenciar esse prazer, é fundamental evitar a dor, como ensina o quarto remédio de
Diógenes. A tarefa não é difícil para Epicuro. Diferentemente da postura desapegada em
relação ao passado e ao futuro, característica dos seguidores do estoicismo – corrente
filosófica contemporânea e rival à de Epicuro –, os epicuristas afirmavam que, para amenizar
momentos dolorosos, nada como se lembrar de alegrias passadas ou criar expectativas felizes
em relação ao futuro. E não pense que o mestre ensinava sem conhecimento de causa: ele
mesmo sofria dores constantes, em virtude de uma grave doença que o acompanhou em
grande parte da vida.
Amizade nas escolas
Um dos valores defendidos pelos epicuristas é a amizade. O sábio, compreendido somente por
outro sábio, vive melhor longe da multidão e da confusão da cidade, mas nem por isso deve
seguir solitário: Epicuro considerava a amizade uma grande felicidade e repreendia os que
pretendiam passar a vida sem ela. Aliás, a própria escola, fundada em 306 a.C., era um espaço
de convivência entre amigos. “Na Grécia Antiga, as escolas eram bem diferentes das de hoje”,
explica Marco Zingano, professor do departamento de Filosofia da USP. “Lá, as pessoas viviam,
dormiam, conversavam. Era um verdadeiro espaço de convivência.” Diferentemente de outras
escolas, como o Pórtico, dos estóicos, a de Epicuro ficava em um lugar afastado na cidade,
funcionando como um calmo retiro, como convinha aos ensinamentos da doutrina. Como a
escola situava-se em um grande jardim, os discípulos, na época, ficaram conhecidos como
“Filósofos do Jardim”.
*Liliane Prata é jornalista e graduanda em Filosofia pela Universidade de São Paulo.
http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/17/artigo1334701.asp#.T9pi_PO42iM.facebook
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