a_natureza_do_capitalismo - Economia - ecs.df007

Propaganda
Visualização do documento
a_natureza_do_capitalismo.doc
(47 KB) Baixar
5
A Natureza do Capitalismo
Giovanni Alves[1]
O capitalismo é uma forma societal que se disseminou pelo globo nos últimos 500
anos de história humana. Seu desenvolvimento histórico é complexo, desigual e
combinado. Nascido no Velho Continente, assumiu novas formas de objetivação social.
Por conta da colonização e do imperialismo (a partir da virada para o século XX) atingiu
o Novo Mundo (América do Norte, Central e Sul), Ásia e África. É possível hoje afirmar
que o modo de produção capitalista é a primeira forma societal que assumiu dimensões
planetárias, um feito histórico inédito que merece uma reflexão sobre a natureza do
capitalismo.
Um autor como István Mészáros em Beyond Capital (“Para Além do Capital”), tem
procurado, em certas passagens do seu volumoso livro, salientar a originalidade histórica
do capitalismo, comparando-o com outras formas societais pré-capitalistas. É a partir do
contraste com outras formas de metabolismo social – utilizando a expressão de
Mészáros – que se torna possível – pelo menos, num primeiro momento - a apreensão
da natureza, do modo de ser e da lógica societal do capitalismo. Na verdade, Mészáros
segue a metodologia de Karl Marx, que, em certas passagens de seus apontamentos,
intitulados Grundrisse, esboçou uma análise de outras formas sociais pré-capitalista (foi
lá que Marx desenvolveu o conceito de modo de produção asiático).
Mas o que Marx queria realmente era apreender a natureza inédita do capitalismo.
Era destacar, num primeiro momento, sua originalidade histórica e caracterizar o
capitalismo como a forma social mais desenvolvida da história humana, a partir da qual
poderíamos explicar e compreender outras formas societárias (sem reduzi-las, é claro, à
lógica societal do capitalismo e respeitando sempre – cum grano salis - suas
particularidades sócio-históricas). Para uma apreensão clara o método de Marx – a partir
da crítica do método da economia política - seria interessante a leitura do capítulo
intitulado “O Método da Economia Política”, do livro Contribuição à Crítica a Economia
Política.
A sociologia como disciplina se constituiu, na ultima metade do século XIX, com
uma obsessão analítica pela sociedade moderna em sua forma urbano-industrial,
produto da Primeira Revolução Industrial e das Revoluções Burguesas que ocorreram
do século XVII ao Século XVIII. O capitalismo industrial – o da grande indústria - é a fase
mais desenvolvida do capitalismo moderno. Por exemplo, em Émile Durkheim, um dos
pais da sociologia clássica, a sociedade burguesa - o capitalismo - aparece como um
organismo social mais complexo, diferenciado, onde a divisão do trabalho é mais
desenvolvida, com a solidariedade social assumindo a forma orgânica (em contraste, por
exemplo, com outras formas societais, onde a solidariedade social tinha a forma
mecânica). Estas são acepções do próprio Durkheim: solidariedade mecânica e
solidariedade orgânica, explicadas em seu livro “A Divisão do Trabalho Social” (em dois
volumes). O último tipo de solidariedade – a solidariedade orgânica – é que caracteriza
com vigor a sociedade moderna (é a partir daí, do surgimento de um novo tipo de
solidariedade, que ele irá desenvolver suas análises sobre as formas de
desenvolvimento do Direito – por exemplo)
Na sociologia alemã, a obsessão analítica pela originalidade histórica da
sociedade capitalista é muito clara. Por exemplo, a sociologia de Ferdinand Tonnies é
baseada no contraste entre “comunidade” (gemeinschaft) e “sociedade” (geselschaft). O
que ele caracterizava como sociedade era, de fato, a sociedade burguesa em sua
expressão desenvolvida.
Por outro lado, a sociologia de Max Weber buscava compreender a singularidade
da sociabilidade capitalista em contraste com outras formas sociais, pré-modernas,
destacando – em especial - o desencantamento do mundo como um dos traços
característicos da sociabilidade do capitalismo moderno e do processo de racionalização
que lhe é intrínseco.
De fato, a sociologia é a “ciência” da modernidade. Seus vários autores clássicos
buscaram explicar e compreender a sociedade moderna ou a sociedade capitalista
urbano-industrial, tal como ela aparece nos países capitalistas centrais e periféricos.
Mas, é importante observar que a sociologia como disciplina apareceu, de forma
tardia, em fins do século XIX e sua preocupação tendia ser apenas com aspectos
epidérmicos da ordem burguesa (além, é claro, de ocultar os verdadeiros fundamentos
materiais da ordem burguesa dominante).
Na verdade, coube a Economia Política Clássica, já desde o século XVIII, com
Adam Smith e David Ricardo, apreender a natureza do novo sistema industrial e sua
lógica material imanente. Foi com a Economia Política Clássica, a ciência que estudava
a riqueza do homem, que se começou a apreender a verdadeira natureza do capitalismo
como sociedade industrial. As reflexões dos economistas ingleses tendiam a apreender
– mesmo que numa forma mistificada - os próprios fundamentos materiais da ordem
social, fazendo uma verdadeira anatomia da sociedade burguesa.
É claro que a Economia Política perdeu seu caráter analítico dos fundamentos da
produção da vida social na ordem do capital, tornando-se meramente uma disciplina
imersa na contingência do mundo burguês (surgiram a Economia Vulgar e o Economics,
a disciplina que predomina no mundo acadêmico). Na verdade, a Economia deixou de
se preocupar com a lógica societal em si e submergiu apenas no fato econômico puro,
abstrato, desvinculado das relações sociais de produção. Passou a ocultar os vínculos
entre economia, sociedade e política.
Como já observamos acima, a mesma operação ideológica ocorria com a
sociologia como disciplina que, surgindo em fins do século XIX, isolou o fato social,
desvinculando-o de seus fundamentos materiais, desprezando as relações sociais de
produção como elemento estruturador da sociabilidade moderna. Da mesma forma que
a Economia, a sociologia tendia a isolar o fato social da economia. Na verdade, a
economia era, para a sociologia como disciplina, apenas uma esfera social, tal como as
outras.
A constituição das disciplinas burguesas no século XIX e XX tendia a ocultar, em
si, no plano do conhecimento, a natureza íntima da nova forma societal que se
desenvolvia no Ocidente e se disseminava pelo globo, apegando-se apenas a seus
aspectos contingentes (o que não significa que não tenham um valor relativo no plano
da empiricidade).
Mas uma investigação sobre a natureza do capitalismo como forma societal de
novo tipo, exigia uma operação cognitiva diferente. Ao colocarmos o desafio de refletir,
mesmo em seus elementos preliminares, sobre a natureza do capitalismo colocamos a
necessidade de desenvolver tal reflexão a partir de uma ciência da totalidade social, de
base materialista – pois explica e compreende o ser social a partir das relações sociais
de produção da sua vida material – e profundamente histórica (o que supõe considerar
que nenhuma forma societal é eterna).
A proposta analítica de Karl Marx e Friedrich Engels parece indicar o novo método
capaz de apreender o segredo da modernidade. Apenas uma análise totalizante,
totalizadora, materialista e profundamente histórico-dialética é capaz de nos dar novas
perspectivas sobre as mais diversas determinações societárias.
Se hoje buscamos compreender um elemento da vida social no capitalismo, por
exemplo, o complexo de Reestruturação Produtiva e as transformações do mundo do
trabalho, seria importantíssimo apreender tal determinação social no interior de um
processo social e histórico de desenvolvimento de uma forma societária – o capitalismo
- radicalmente contraditório, complexo e diferenciado no tempo e no espaço, mas que
possui uma natureza íntima e um fundamento ontológico que fornece o nexo de
explicação e compreensão desta determinação social que estamos analisando.
É claro que apreender apenas a natureza do capitalismo não nos habilita a
explicar e compreender o capitalismo em suas múltiplas determinações particulares, pois
se o modo de produção social do capitalismo possui uma natureza, o capitalismo assume
diversas formas de objetivação que tornam diferenciado seus modos de ser, exigindo,
de nós, portanto, uma investigação crítica (por exemplo, existem alguns autores, como
Carlos Nelson Coutinho, José Chasin, Antonio Carlos Mazzeo e outros, que
caracterizaram a via de objetivação do capitalismo no Brasil como sendo de via colonial
ou ainda via colonial-prussiana). Por exemplo, o capitalismo no Brasil possui a mesma
natureza objetiva do capitalismo nos Estados Unidos e no Japão, entretanto, eles são
intrinsecamente diferentes, constituindo formas societais muito diferenciadas em suas
instancias políticas, ideológicas, econômicas, etc, etc.
Mas, o que nos interessa apresentar aqui são as determinações mais simples, as
formas mais abstratas que determinam a natureza do capitalismo como modo de
produção da vida social e que hoje, imprime sua marca na sociabilidade global. Depois,
cabe concretizar tais determinações mais abstratas, vendo como elas se particularizam
em cada formação social e histórica (o que exige uma investigação crítica).
Poderíamos dizer que o modo de produção da vida social capitalista possui como
lógica societal intrínseca – aquela que estrutura as mais diversas instancias da vida
social – a busca pela acumulação de capital. Essa sede voraz pela acumulação é algo
que caracteriza radicalmente a sociedade moderna (o próprio Weber reconheceu este
elemento distintivo da modernidade capitalista em seu livro clássica A Ética protestante
e o Espírito do Capitalismo).
A sociedade burguesa é a única sociedade humana que se constitui e se
desenvolveu centrada na voracidade da acumulação de capital. Ao dizermos capital
dizemos mercadoria e dinheiro – mas, como observamos na aula passada, o conceito
de capital é complexo. Ele não diz respeito meramente a coisas empíricas. Capital não
é mercadoria. Capital não é dinheiro. Mas mercadoria e dinheiro são apenas momentos
de um processo perpetuo de auto-valorização que impregna toda a vida social. Na
verdade, capital é o processo, o movimento, o fluxo de D-M-D’ (o que iremos ver na
próxima aula) e não seus elementos propriamente ditos É a lógica da valorização do
capital que impregna os mais diversos aspectos da vida social.
É claro que estamos diante de um processo societário profundamente histórico, o
que significa que é resultado de decisões humanas, resultado de uma série de
contingências históricas da luta de classes que merece ser investigado cientificamente.
A constituição/objetivação da lógica do capital se deu de formas diferenciada em cada
formação sócio-historica. A constituição do capitalismo no Brasil não é igual a formação
do capitalismo na França ou na Índia. Cada pais capitalista – onde predomina a lógica
da valorização do capital – teve seu modo de desenvolvimento que imprimiu sua marca
particular na sua forma societal capitalista (o que já salientamos acima).
Mas todas as formas de objetivação do capitalismo possuem uma mesma
dinâmica sócio-histórica, ou seja, a lógica do capitalismo se desenvolve articulando um
tríplice processo societal, isto é, ela é processo de expropriação, processo de
apropriação/acumulação e processo de exclusão. É um processo uno que possui uma
tríplice determinação. É próprio da natureza do capitalismo produzir (e reproduzir), em
cada momento de seu desenvolvimento, esta tríplice dinâmica.
A tríplice dinâmica do capital aparece em sua gênese histórica assumindo formas
particulares bem diferenciadas daquelas que se apresentam no decorrer do seu
desenvolvimento histórico. Por exemplo, a forma predominante de expropriação do
capitalismo no século XVI – intitulada “acumulação primitiva” - não é a mesma da forma
de expropriação do capitalismo no século XIX, XX ou XXI. Se nos primórdios do sistema
capitalista, a expropriação assumia formas primitivas, de violência política, com o capital
emergindo com as mãos sujas de sangue, hoje em dia, e na medida em que o sistema
se constitui efetivamente, a expropriação assume formas sistêmicas, diríamos
“civilizadas”, inclusive regulada por leis. É o que iremos tratar na próxima aula quando
analisarmos Trabalho e Capitalismo e verificarmos que a acumulação do capital e sua
tríplice dinâmica possui, como eixo estruturador-antagônico, a forca de trabalho, o
trabalho vivo.
O objeto de expropriação/apropriação/exclusão é o trabalho vivo, a força de
trabalho. É dela que o sistema do capital tira sua razão de ser. Estamos diante de uma
natureza contraditória. Na verdade, a natureza do capital é radicalmente contraditória.
Afirmamos que o sistema do capital tira a sua razão de ser do trabalho vivo. É dele que
o capital expropria a força física e espiritual da forca de trabalho para produzir
mercadorias, visando se apropriar da mais-valia e acumular capital. Nesse processo de
produção do capital, ele dilacera, constitui e reconstitui a organização da vida social,
procurando imprimir nela, sob a resistência de homens e mulheres, sua lógica societal,
totalmente reificada, que busca transformar tudo em mercadoria.
Na medida em que avança a mercantilização universal, como resultado
irremediável da mercantilização primordial da força de trabalho, avançam elementos de
exclusão do trabalho vivo da própria produção da vida social. Da superpopulação relativa
constituída pelo capital, cresce o contingente de trabalho vivo inservível ao capital. É o
que vislumbramos hoje, na época da crise estrutural do sistema do capital, pois é em
época de crise orgânica e estrutural que o sistema expõe sua natureza íntima, seus
alcances e seus limites irremediáveis.
O capital é a “contradição viva”, observou certa vez Marx. O que significa isso?
Significa que, na medida em que se desenvolve o sistema do capital, desde a sua origem,
é processo de acumulação de capital, de riqueza abstrata, através daquela tríplice
dinâmica que salientamos acima; mas é também, processo civilizatório humanogenerico, pois, para que possa expropiar/apropriar-se da riqueza excedente produzida
pelo trabalho vivo, o capital é obrigado a desenvolver a objetividade e subjetividade da
força de trabalho.
Esta é a tragédia do capital, pois ao desenvolver a objetividade e subjetividade da
força de trabalho o capital não cria apenas homens e mulheres capazes para servi-lo,
mas homens e mulheres que exigem que tal forma societal satisfaça suas necessidades
básicas, mas também suas necessidades radicais (aquelas necessidades, que conforme
Agnes Heller, são incapazes de serem satisfeitas no interior da própria ordem do capital
– por isso são objetos de manipulação).
Eis portanto a contradição irremediável e profunda deste sistema societal. É tal
contradição que move a historia das lutas sociais nos últimos duzentos anos.
Na próxima aula iremos desenvolver melhor a dinâmica tríplice de
desenvolvimento do capital e sua relação com o trabalho vivo e força de trabalho,
destacando sempre as contradições objetivas do sistema.
Leituras Complementares
Indicaria algumas leituras já citadas no decorrer da Aula e que podem fornecer
elementos importantes sobre a natureza do capitalismo. Inclusive, são leituras
indispensáveis para aqueles que querem conhecer um pouco a posição da sociologia
clássica e do materialismo histórico sobre a sociedade burguesa.
1. Émile Durkheim, “A Divisão do Trabalho Social” (em 2 volumes). Existe uma
edição portuguesa deste clássico da sociologia moderna. Nesse livro Durkheim se
debruça sobre a natureza da sociedade moderna a partir de uma perspectiva da Ordem
social. É uma posição conservadora, é claro, mas bastante original e criativa. Como todo
positivista, Durkheim tem uma obsessão pela Ordem e Progresso (o lema de seu velho
mestre, Auguste Comte). Nesse livro clássico, Durkheim chega a tratar da evolução do
Direito, numa perspectiva sociológico-positivista, mas muito interessante. Inclusive, na
Parte II de meu livro “Dimensões da Globalização”, onde trato da sociologia da
globalização, sugiro que o verdadeiro ideólogo da concertação social e das políticas de
reforma do capitalismo global através de vias normativas, é Émile Durkheim.
2. Max Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” e “A Ciência Como
Vocação”. São livros fáceis de serem encontrados e verdadeiros clássicos da sociologia
moderna. No primeiro livro, Weber nos apresenta sua tese da origem do espírito
capitalista, que ele vincula ao surgimento da ética protestante. O espírito capitalista se
originou da ética protestante, apesar de que hoje não tenha nada a ver com ele (o próprio
Weber reconhece que ele trata do passado e não do presente histórico do capitalismo
moderno). O segundo livro é uma conferência dada em 1919, onde Weber destaca o
processo de intelectualização e de racionalização (de desencantamento do mundo)
como uma das características do presente histórico do capitalismo. Apesar de não ter
uma teoria crítica do capital, Weber é bastante perspicaz para apreender sua natureza
epidérmica. Não consegue ir além da mistificação da ordem do capital, o que é um limite
da sua preciosa contribuição à compreensão da sociedade burguesa.
3. Karl Marx, o capítulo “Sobre a Acumulação Primitiva” (no Livro I de O Capital –
Crítica da Economia Política). É um dos últimos capítulos do Livro I e merece ser lido
com cuidado. Marx conclui o Livro I de O Capital com um capítulo que trata da gênese
do sistema produtor de mercadorias. Na sua origem a expropriação violenta de cariz
político é bastante clara. Hoje, nem tanto. O sistema conseguiu, no seu desenvolvimento,
ocultar sua natureza expropriadora e alienante através de dispositivos ideológicosjuridicos (os velhos clássicos do socialismo radical já proclamavam que a propriedade
privada é um roubo – hoje, o Direito parte do principio de que é algo inalienável e
sagrado...).
[1] Doutor em Sociologia e professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP) Campus de
Marília – SP.
Arquivo da conta:
ecs.df007
Outros arquivos desta pasta:


6965714-Economia-Brasileira-Uma-Introducao-Didatica.pdf (531 KB)
Traduzindo o Economês - Para Entender a Economia Brasileira na Época da
Globalização.pdf (597 KB)
 a_natureza_do_capitalismo.doc (47 KB)
 Manual-de-Economia-Profess-Ores-Da-Usp.pdf (4234 KB)
 mises-acaohumana.pdf (4195 KB)
Outros arquivos desta conta:


Administração e gestão
 Antropologia
 Artes e Literatura
Ciência Política e relações internacionais
 Comunicação
Relatar se os regulamentos foram violados



Página inicial
Contacta-nos
Ajuda





Opções
Termos e condições
Política de privacidade
Reportar abuso
Copyright © 2012 Minhateca.com.br
Download