ENCONTRO DE BIOÉTICA DO PARANÁ – Bioética início da vida em foco. 1, 2009, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2009. Disponível em: http://www.pucpr.br/congressobioetica2009/ 51 MORRER COM DIGNIDADE Maria Aparecida Soavinsky1 Resumo Queremos com este artigo trazer a informação sobre “morrer pode ser bom” quero dizer sobre o processo do morrer que pode ser menos doloroso através da Medicina Paliativa, lançando o desafio para a Sociedade em busca de que paradigmas e utopias sejam revistos. Buscamos a verdadeira valoração da vida, não a vida aparente e física, mas também a vida digna de ser humano no processo de morrer. Refere-se ao desejo de se ter uma morte natural, humanizada, ressaltando a importância da participação de uma equipe multidisciplinar, da Medicina Paliativa. È necessário mesmo deixar o paciente em fase terminal, sozinho? Ligado a toda uma parafernália de equipamentos, atrapalhando a morte? Atuando com o tratamento paliativo podemos tentar amenizar a dor e sofrimento do moribundo e dos familiares, quando já não é mais salvável o paciente e os medicamentos já não respondem ao ideal. Primeiramente se fez necessário entender sobre a visão da morte em relação à Bioética, Teologia e ao Direito. Pois os grandes avanços tecnológicos na área da medicina tem sido sinônimo de tratamento fútil e inútil e tem como conseqüência uma morte medicamente lenta e prolongada acompanhada de sofrimento. Depois nos estendemos sob os aspectos da Bioética nas Unidades de Terapias Intensivas do paciente terminal. Em terceiro lugar discutimos sobre os conceitos da distanásia, e ortotanásia. Finalizamos abordando sobre as possibilidades da criação de hospices, contribuindo com o estudo sobre a dignidade da pessoa no final da vida procurando dar alívio para o seu sofrimento através de uma equipe multidisciplinar preparada em relação aos conceitos e preconceitos sobre morte. Palavras-chave: Dignidade. Hospice. Morte. 1 Bacharel em Teologia pela FEPAR Curitiba. Especialista em Bioética pela PUCPR. 52 1 INTRODUÇÃO Este tema vem ao encontro de uma sociedade que esta envolvida em busca de tecnologia, deixando o bem maior de lado, que é o nascer e o morrer, a vida. O direito de morrer dignamente é a reivindicação por vários direitos e situações teológicas, jurídicas, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência ética. Refere-se ao desejo de se Ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. A possibilidade da morte provoca uma crise em todos os seres humanos e na sociedade atual a morte é considerada quase um símbolo de fracasso. A questão é que os pacientes em estágio terminal de doença podem passar por vários sofrimentos entre os quais podemos citar: solidão, prolongamento do morrer, afastamento da família, perdas financeiras, perda de autonomia do próprio corpo, dependência, dor, degeneração, incerteza e medo do sofrimento intenso. Portanto, há momento na evolução de uma doença que, mesmo dispondo de todos os recursos médicos e científicos, o paciente não é mais salvável, ou seja, está em processo de morte inevitável. Então qual a vantagem de uma sobrevida sem qualidade, em que a vontade do moribundo nem sempre é atendida, e prevista no judiciário e teológico. Se o paciente ou o familiar tem que autorizar o tratamento, então deveria também poder escolher quando disser até onde aceitar o tratamento. Sabendo que o ciclo maior da vida é a morte, é um grande passo resgatar o conceito de dignidade da visão integral do ser humano e aplicar nesse momento em que a pessoa moribunda lhe é tirado esta autonomia de escolha, prolongando a sua morte e não lhe dando oportunidade de poder morrer na presença dos familiares e entes queridos. Morre-se só, nas UTI’s. 2 HISTÓRICO DO CUIDADO O tratamento das enfermidades começou com a religião. Os sacerdotes eram os “médicos” e os templos, não raro, faziam às vezes de hospitais. Lembremo-nos do papel do sacerdote judaico como aparece na Bíblia, no que se refere à lepra. E aí constatando a assistência religiosa e espiritual juntamente com a arte de curar a enfermidade física numa perfeita objetivação do homem integral. (FERREIRA, 2002, p. 22). Com Hipócrates (460-370 A.C.) “pai da Medicina” ele afirmava que o que importa é o homem doente, o qual deve merecer atenção, bem como o ambiente que o cerca, o que 53 corresponde à visão holística do ser humano. Embora a maioria das instituições médicas mundiais possua uma raiz religioso-espiritual, a partir do século XIX, que é denominado pelos historiadores da filosofia como “o século do materialismo”. Ler, saber, e se preparar para tratar desse tema pode melhorar o atendimento às pessoas terminais, pode melhorar os sentimentos do próprio profissional que lida com isso. A morte é vista de maneira diferente segundo diferentes grupos sociais e de acordo com diferentes aspectos religiosos, éticos e culturais. O simples fato de estar vivo habilita o sujeito às leis da existência, as quais determinam o seu próprio término. O paciente, o médico, e todos os bilhões de pessoas desse nosso planeta, convêm ter sempre em mente que ninguém pode mudar o fato de que um dia vai acabar. Mas podemos mudar o modo de nos relacionarmos com esse fato. 3 RARAMENTE ALGUEM É PREPARADO PARA A MORTE A gestante tem todo um aparato para o bebê que em breve vira ao mundo, familiares o aguardam, exames pré-natal são realizados pela gestante, ate a data pode ser prevista para o nascimento, e quando o parto é cesárea pode ser marcado o dia do nascimento. Depois o adulto é preparado, pela própria vida, uns mais outros menos, para a velhice. Mas, raramente alguém é preparado para a morte. Notamos a falta de preparo das equipes de saúde quando existe, no ambiente hospitalar, um temor pela morte como se tratasse de um forte potencial de “contágio”. Esse aspecto temerário e despreparado explica a solidão e a frieza das unidades de terapia intensiva, onde, muitas vezes, os doentes terminais morrem sem a chance de dizer uma última palavra aos que amam e sem estes lhes ofereçam qualquer conforto emocional. O medico preocupa-se em medicar o paciente, sem dúvida, requisito indispensável para salvar vidas. Mas, quando o paciente insiste em não reagir, ha situações em que os tratamentos médicos se tornam um fim em si mesmo e os ser humano passa a estar em segundo plano. A atenção tem seu foco no procedimento, na tecnologia, não na pessoa que padece. Nesta situação o paciente sempre esta em risco de sofrer medidas desproporcionais. O medico quando diz fizemos todo o possível, não há mais nada, ele busca como conforto para o paciente medicalizando a ponto que ficam dopados, sonolentos, muitas das vezes não lhes dando a oportunidade de despedidas. Pode ate ser que também os profissionais envolvidos com o enfermo não saibam como reagir perante rostos amargurados pela dor e 54 tristeza do paciente. Faz-se necessário, humanizar a morte vivendo o processo do morrer com a equipe multidisciplinar. Segundo Pessini (2001, p. 389-393) diz “estar convencido de que os doentes terminais desejam, antes de tudo, morrer em paz e dignamente, se possíveis reconfortados e sustentados pela própria família e pelos amigos”, e acrescenta que “o prolongamento da vida não deve ser objetivo único da prática médica, que deve igualmente ter em vista o alívio dos sofrimentos”. O avanço da medicina quanto às tecnologias a disposição do medico tem provocado não apenas benefícios a saúde das pessoas, mas também em alguns momentos, todo esse aparato tecnológico pode acabar afetando a dignidade da pessoa. Com o desenvolvimento científico morrer tornou-se solitário e desumano. Geralmente o doente é conhecido como o doente do Box 2-b ou do leito 5, confinado ao seu leito onde aguarda a morte chegar, estando às pessoas seriamente preocupadas com o funcionamento de seus pulmões, secreções, pressão venosa central, etc. Antigamente o paciente em fase terminal morria em sua própria casa, lentamente, onde tinha tempo para despedir-se e passar seus últimos momentos com seus familiares. Nossa cultura científica e objetiva por excelência, muitas vezes acaba por deixar pessoas morrerem sozinhas, na assepsia fria dos hospitais e experimentando, como último sentimento, um dos medos mais primitivos do ser humano: a solidão. Diniz (2006, p. 408-409) escreve que é preciso dar ênfase ao paradigma de cuidar e não de curar, procurando aliviar o sofrimento. No aspecto moral como tal se entende, permitir que alguém continue vivendo uma vida apenas biológica mantida por aparelhos, sem levar em consideração o sofrimento do paciente e a inutilidade do tratamento, é agir contra a dignidade humana. Diniz (2006, p. 19) escreve que “os bioeticistas devem ter como paradigma o respeito à dignidade da pessoa humana”, que é o fundamento do Estado Democrático de Direito. Podemos dizer que a morte lança uma sombra assustadora sobre nós porque somos completamente impotentes diante dela. 4 DISTANASIA E ORTOTANASIA Distanasia é o que vemos acontecer dentro das UTI’s porque parece que se o doente não passar alguns dias antes de morrer na UTI não foi bem tratado, é a imagem que temos. O doente fica sujeito ao uso de equipamentos tecnológicos de sustento artificial de vida, entubado, ligado a inúmeros aparelhos, quando na verdade a melhor beneficência para ele 55 seria estar junto dos seus, com medicamentos e acompanhado por uma equipe multidisciplinar, cuidando da saúde integral dele. Beneficiando-se da ortotanasia esse paciente com patologia irreversível, estaria enquadrado num programa de assistência em que seja possível garantir em perspectiva de “continuidade terapêutica”, conexão entre o hospital, as estruturas de saúde da região e o paciente com a sua família. Logicamente o doente terminal tem a possibilidade de gerenciar melhor o sofrimento, a ânsia e a depressão que acompanham a doença. Dra. Saunders afirma que o sofrimento somente é intolerável quando ninguém cuida. Acredita-se que envolvendo a família o amigo, na visão paliativa representa mais do que a simples presença de alguém promovendo cuidados ao paciente. O familiar representa alguém que, independente das possibilidades terapêuticas, pode compreender e realizar com carinho algumas tarefas como, por exemplo, dar banho, dar a medicação nas doses e horários certos, preparar e dar uma alimentação adequada, fazer curativos, proporciona ao moribundo dignidade de ser atendido no seio de sua família, e não por pessoas a ele desconhecidas, lhe dando autonomia e qualidade de vida nos seus últimos momentos de vida, e principalmente tendo amenizado todo o sofrimento da própria situação de estar dependente e doente. Um dos propósitos da Medicina Paliativa é orientar a família para que ela seja um bom suporte de auxílio ao paciente terminal, priorizando sempre as condições necessárias para manter o paciente em casa onde, seguramente, terá uma qualidade de vida melhor. Em casa ele estará cercado de carinho e atenção, o que pode minimizar o seu medo de morrer. É claro que os profissionais contratados para essas tarefas poderão fazê-las melhor, tecnicamente, mas importa muito a maneira e o carinho com que são realizadas. 5 CONCLUSÃO A pretensão desse maior investimento deve ser dirigida ao paciente, pretender melhorar o conforto e a qualidade de vida, desse paciente insalvável. Procurar entender a dificuldade do ser humano em geral e, particularmente, do profissional de saúde em lidar com a morte, trabalhando este conceito, sendo que o resultado será uma melhor qualidade de vida de todos envolvidos na questão; do próprio paciente, dos familiares, do médico e de toda a equipe. A idéia é também que depois da morte do paciente, os familiares e os próprios profissionais envolvidos com o morrer cotidiano, devem ser também atendidos, pois a morte é para quem fica. 56 Finalizando este artigo acreditamos ser possível preparar uma equipe multidisciplinar para que juntos, em equipe, não um grupo, mas equipe composta de profissionais conscientizados, humanizados, trabalhem, colocando em prática o conhecimento. Além do mais, é necessário que essas pessoas desenvolvam sua habilidade de ouvir e acolher o moribundo como um todo, equipe, trabalhando especificamente para dar uma morte digna e com qualidade desse paciente. Para que o paciente acometido de enfermidade a ser assistido pelos seus entes queridos em seus últimos momentos de vida, junto da presença deles, colocamos aqui nesse projeto a idéia da criação de Hospice, onde necessitará de uma equipe bem preparada e especializada para desenvolver o cuidado completo desse paciente. Essa equipe deverá ser composta por médicos, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiros, nutricionistas, teólogos, voluntários, etc., com o objetivo de que o enfermo não venha a continuar morrer isolado nas UTI’s, de forma isolada. O Hospice é apenas o tratamento paliativo, para combater a dor, deixando que o quadro da doença avance naturalmente, até que a pessoa morra. Ele ficaria em um quarto de hospital onde possa estar acompanhado de familiares, sendo alimentado e tendo os sintomas tratados. Com isso, é premente a mudança de cosmovisão dos profissionais no seio das instituições de saúde para uma contribuição profícua para a sociedade no sentido de engrossar esforços para uma melhora de dignidade durante o processo da morte desses pacientes. É preciso que a sociedade de maneira geral compreenda que a vida é finita. E que existe um limite de conhecimento e de condições de mantê-la. Não adianta prolongá-la com sofrimento ou tortura. REFERÊNCIAS FERREIRA, D; ZITI, L. M. Capelania Hospitalar Cristã – Manual Didático e Prático para Capelães. 1. Santa Bárbara do Oeste: Socep, 2002. PESSINI, L. Morrer com dignidade: até quando manter a vida artificialmente? Aparecida: Santuário, 1990. __________. Distanásia: até quando investigar sem agredir? Bioética, São Paulo: Aparecida, 1996. __________. Distanásia: até quando prolongar a vida? São Paulo: Loyola, 2001.