Da Matta, Roberto - FTP da PUC

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Da Matta, Roberto. “Trabalho de Campo”. In: Relativizando.
- 1. O trabalho de campo na Antropologia Social.
- Antropologia, na passagem do século XIX para o XX começa a abandonar a
postura evolucionista. Passa a ficar evidente a importância do trabalho de campo
ou pesquisa de campo como um modo característico de coleta de novos dados
para reflexão teórica, como um “laboratório” do antropólogo social, como diziam os
“empiristas” (p. 143).
- O que implica esse trabalho de campo?
- Primeiro, uma vivência longa e profunda de outros modos de vida, com outros
valores, outros sistemas de relações sociais, em condições sempre específicas.
Freqüentemente se tratava de uma experiência solitária e isolada de sua “cultura
de origem”. Havia que “ajustar-se”, na “observção participante”, não apenas a
novos valores e ideologias, mas a todos os aspectos práticos que tais mudanças
demandam (p. 143).
[Não dava para, como fazem os cientistas sociais, controlar os experimentos em
laboratório...]
- A pesquisa estava limitada pelo próprio ritmo da vida social, já que o antropólogo
seria o último a buscar sua alteração como um teste para suas teorizações (p.
144).
[Questão importante – o quanto interferimos nos contextos estudados. Como levar
isso em conta? Deve-se levar isso em conta ou fingir que não é um problema? E
quando as pessoas deixam de agir “naturalmente” por causa de nossa presença?
Imaginar o que queremos ouvir? Como escapar desse dilema? Convívio
prolongado será que não ajuda? Será que não é por isso que a estadia junto ao
outro não deve ser longa o suficiente para que, como diz Geertz, sem nunca
sermos considerados nativos, sejamos finalmente aceitos?]
- Essa virada metodológica que colocou a necessidade do trabalho de campo está
ligada ao funcionalismo ou àquilo que Da Matta chama de “revolução
funcionalista”. O pesquisador sai de sua confortável poltrona numa biblioteca em
algum ponto da Europa ocidental e se lança na incerteza de viagens em mares
povoados por recifes de coral, rituais exóticos e costumes diferentes. É uma
mudança de atitude que transformou a Antropologia, segundo Malinowski numa
das disciplinas mais filosóficas, esclarecedoras e dignificantes. Esse contato do
pesquisador com os pesquisados [no sentido de estabelecimento de relações, que
pressupõem iguais, ou tem isso como norte] leva a um processo inevitavelmente
ou intrinsecamente relativizador. E vice-versa. Todos os conjuntos de crenças e
valores que lhe são familiares ficam em suspenso (p. 144).
- A Antropologia deixa de ser o “catálogo telefônico cultural” evolucionista. O
objetivo deixa de ser o de classificar e colecionar costumes, à maneira de um
botânico amador. A partir do advento do trabalho de campo sistemático, passou a
ser impossível reduzir uma sociedade ou cultura a um “conjunto de frases soltas
ente si”. Isso porque a convivência junto aos nativos permitia reconhecer seu
conjunto de ações sociais como um sistema, um conjunto coerente (p. 145).
- O papel da Antropologia passa a ser o de produzir interpretações das diferenças
enquanto elas formam sistemas integrados (p. 145). [Ler trecho da página 145).
- A essência da perspectiva antropológica é, então, buscar aquilo que é essencial
na vida dos outros. O que permite que qualquer sociedade, em qualquer ponto do
planeta, com qualquer tipo de tecnologia, seja tomada como um conjunto coerente
de vozes, gestos, reflexões, articulações e valores (p. 146).
- Todos os antropólogos e as antropólogas contemporâneos/as se submeteram a
essa experiência importante e enriquecedora, do ponto de vista pessoal, teórico e
filosófico.
- Para além da coleta de novos dados, que justifica abstratamente o trabalho de
campo ou a necessidade dele, são os dilemas que essa prática coloca que mais
interessam. Isso porque os/as antropólogos/as levam consigo teorias ao campo.
Teorias que davam conta de explicar ou interpretar determinadas “realidades” ou
partes do real, de um real específico, de um contexto específico. E vão pensar em
suas “tribos”, “favelas”, “comunidades”, “mitos”, “classes sociais”, grupos que
estuda etc. E realiza, ou tenta realizar, um “reprensar da Antropologia” a partir de
seu campo (p. 147). [O olhar do antropólogo é sempre informado teoricamente.
Mas o que se vê não é “previsto”. Se assim fosse, não seria necessário
pesquisarmais nada. Mas aquilo que chamamos de realidade, para além de ser
sempre culturalmente informado, e precisamente por isso, muda o tempo todo,
dependendo do contexto, do momento, das pessoas, das relações etc.] (p. 146147).
- A Antropologia Social é a disciplina que mais tem posto em dúvida e risco alguns
de seus conceitos e teorias básicas. Novos repensares de teorias que passam a
ser consideradas estreitas demais, novos dados de campo profundos e que
forçam a uma abertura de instrumentos analítios anteriormente utilizados. A
Antropologia está sempre em “estado de dúvida teórica” [e isso é positivo]. [Idéia
de construir boas questões como tão importante quanto boas respostas para
questões] (p. 147).
- “Cada estudo (...) traz não só a possibilidade de testar todos os conceitos
anteriormente utilizados naquele domínio teórico específico, como também o
ponto de vista daquele grupo,segmento, classe social ou sociedade. E isso pode
provocar novas revelações teóricas, bem como revoluções nos esquemas
interpretativos utilizados até então” (p. 147).
[Uma ciência sempre em renovação, que está sempre se repensando e
repensando a realidade sócio-cultural, que está sempre em movimento].
- Ex.: Tylor falava em religiões primitivas e em crenças das mais simples à ais
complexas; Durkheim e Mauss vão contra essa idéia quando estudam asformas
elementares da vida religiosa (p. 147-148). Também no campo dos estudos de
parentesco se deu esse repensar a partir da substituição do paradigma
evolucionista pelo funcionalista. [Por exemplo, vimos o que Morgan falava da
“promiscuidade primitiva”] (p. 148).
- A Antropologia deixou de se guiar pelo eixo do tempo (p. 148).
- Assim, na Antropologia há uma longa, saudável e já tradicional base pluralista
pela qual os fenômenos humanos são estudados. Não há ídolos nem heróis na
Antropologia, nem messias o teorias indiscutíveis e petenteadas – há respeito
pelas diferentes sociedades e culturas.
- A Antropologia é filha do colonialismo. E marcada pelo cientificismo europeu.
Mas tem crescido ao longo das lições aprendidas em outras sociedades, culturas
ou civilizações [ou pelas diferenças internas a nossa própria sociedade ou
culturas]. A Antropologia é uma ciência marcada pela experiência da viagem e do
contato. [Foi realizando um trabalho de “ver” e “ouvir”, ou aprendendo a ver e ouvir
todas as realidades e realizações humanas que a antropologia aprendeu a
escrever sobre os outros. E uma escrita que desnaturaliza e dês-exotiza] (p. 149150).
- A Antropologia tem sempre como ponto de partida a posição e o ponto de vista
do Outro, estudando-o por todos os meios disponíveis. Se existem dados
históricos, se usam; assim como fatos econômicos, material político etc. Nada
deve ficar “de fora” da análise antropológica. E a intermediação do conhecimento
se dá pela relação entre nativo pesquisador [O olhar do pesquisador é
teoricamente informado e as preocupações do estudo são dele; mas a maneira e
representar – de “escrever” e assim “inscrever” realidade observada pode e deve
sempre ser negociada com o nativo – e essa negociação não é algo “formal”, as
na própria prática da pesquisa se aprende como representar as realidades de uma
maneira que seja coerente com os pontos de vista nativos, ainda que dialogando
com as teorias da Antropologia] (p. 150). É prerrogativa do antropólogo
reconhecer de antemão a dignidade do “nativo”, a possibilidade de que ele fale por
si a respeito de si próprio, de si mesmo. E é para chegar a essa postura, o ao
menos próximo dela, que o etnógrafo empreende sua viagem e realiza sua
pesquisa de campo. “Pois é ali que se pode vivenciar sem intermediários a
diversidade humana na sua essência e nos seus dilemas, problemas e paradoxos.
Em tudo, enfim, que permitirá relativizar-se e assim ter a esperança de
transformar-se num homem verdadeiramente humano” (p. 150).
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