Filosofia Nova9

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Breve consideração sobre intertícios de trevas gregas
BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE
INTERTÍCIOS DE TREVAS GREGAS
Brief consideration about the darkness
Greek intersticies
Imaculada Kangussu1
Ao Túlio e ao Gilson, que me ajudaram
a discorrer sobre o paradoxo.
Resumo
Este artigo objetiva reportar as abordagens de Borges sobre o paradoxo
da interminável corrida entre Aquiles e a tartaruga, criado por Zenão de
Eléia. Minha hipótese é que mostrando os limites da racionalidade
lógica, Borges nos ajude a entender melhor a filosofia.
Palavras-chave: Continuidade, Infinito; Abismo; Descontinuidade;
Borges; Carroll.
Abstract
This article aims to report Borges approaches concerning the paradox
of the interminable racecourse between Aquiles and the tortoise,
created by Zenon of Elea. My hypothesis is that, showing the limits of
logical rationality, Borges helps us to understand philosophy better.
Keywords: Continuous; Infinite; Abyss; Discontinuity; Borges, Carroll.
1
Doutoura em Filosofia. Professora de Filosofia da Universidade Federal de Ouro Preto, Instituto de Filosofia Artes e Cultura, Departamento de Filosofia. Rua Coronel
Alves, 55 Centro 35400-000 - Ouro Preto, MG Brasil Telefone: (31) 3559-1728 Fax: (31)
355-91732. E-mail: [email protected]
[email protected]
Revista de Filosofia, Curitiba, v. 16 n.19, p. 85-92, jul./dez. 2004.
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Imaculada Kangussu
O paradoxo inventado por Zenão de Eléia, discípulo de Parmênides, a respeito da corrida entre Aquiles e a tartaruga mereceu dois
comentários de Jorge Luis Borges, “A perpétua corrida de Aquiles e da
tartaruga” e “Avatares da tartaruga”, ambos publicados em Discussión
(1932)2 .
No primeiro texto, a fábula de Zenão é assim apresentada: “Aquiles, símbolo de rapidez, tem de alcançar a tartaruga, símbolo de morosidade. Aquiles corre dez vezes mais rápido que a tartaruga e lhe dá dez
metros de vantagem. Aquiles corre esses dez metros, a tartaruga corre
um; Aquiles corre esse metro, a tartaruga corre um decímetro; Aquiles
corre esse decímetro, a tartaruga corre um centímetro; Aquiles corre esse
centímetro, a tartaruga um milímetro; Aquiles corre esse milímetro, a
tartaruga um décimo de milímetro, e assim infinitamente, de modo que
Aquiles pode correr para sempre sem alcançá-la” (OC, p.261).
Borges não pretende explicar o fabuloso paradoxo. O prólogo
do livro informa ao leitor que as páginas sobre “A perpétua corrida de
Aquiles e da tartaruga” não solicitam “outra virtude que a de sua profusão de dados” (OC, p.185). No texto, são enumeradas duas versões e seis
refutações do paradoxo. Cronologicamente, a primeira refutação é a de
Aristóteles, a ela seguiram as de Hobbes, Stuart Mill, Henri Bergson,
Russell e William James, escreve Borges.3 Através da apresentação do
paradoxo, pode-se perceber que a astúcia da falácia está em introduzir o
infinito no finito, a série de números no espaço da corrida. A série de
números naturais é infinita, e o intervalo que separa os números fracionados é eternamente divisível. Um não continua no outro, ao contrário,
um infinito os separa. Através da continuidade, a distância é intransponível. Há, por exemplo, um infinito 4,99999... que nunca chega a 5. Considerando suas frações, nenhum número tem sucessor ou predecessor
imediato. Ir de um número a outro significa saltar sobre o abismo sem
fundo da descontinuidade. Ou, nas palavras de Borges, uma “ilimitada
queda em precipícios cada vez mais minúsculos” (OC, p.263).
2
3
BORGES, “La perpetua carrera de Aquiles y la tortuga” e “Avatares de la tortuga”, en
Discusión. Traduzidos por Josely Vianna Baptista, os textos foram publicados em
BORGES, Obras completas, volume I. A obra será por nós citada como OC.
Borges cita MILL, Sistema de lógica, livro V, capítulo 7; BERGSON, Ensaio sobre os
dados imediatos da consciência; RUSSELL, Introduction to Mathematical Philosophy e
Our Knowledge of the External World; JAMES, Some Problems of Philosophy.
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A única refutação considerada por Borges à altura do paradoxo
de Zenão – visto como uma jóia cuja limpidez “não exclui o impenetrável” – é a formulada por Russell. “A única de inspiração condigna do
original, virtude que a estética da inteligência está reclamando” é apresentada em “livros de uma lucidez desumana, insatisfatórios e intensos”
(OC, p.264). Russell assinala que a série dos números naturais é infinita
e pode, por sua vez, desdobrar-se em séries infinitas: há uma série infinita de números pares, de números ímpares ou de múltiplos de 54, por
exemplo. A parte não é menor do que o todo. E a série de números
fracionados não é sequer ordenável, assim como a série de pontos no
espaço, de acordo com Georg Cantor. “A quantidade precisa de pontos
que há no universo é a que há em um metro do universo, ou num
decímetro, ou na mais profunda trajetória estelar” (OC, p.265). Segundo
James, reporta Borges, a verdadeira dificuldade, que as explicações de
Russel eludem, diz respeito à categoria crescente do infinito. Segundo
Borges, a verdadeira dificuldade diz respeito à própria palavra “infinito”,
“palavra (e depois conceito) angustiante que engendramos com temeridade e que, uma vez consentida num pensamento, explode e o mata”
(OC, p.266). A elucidação dos abismos que pululam no paradoxo só é
possível, conclui Borges, se aceitarmos a idealidade de nossos conceitos
de espaço e tempo. É precisamente o caráter de idealidade das explicações filosóficas que aflora no comentário borgeano atravessando, com
indisfarçável sorriso, a erudita enumeração das leituras do paradoxo,
que pululam na história do espírito.
O assunto é retomado em “Avatares da tartaruga”. Borges inicia
o texto com a afirmação de que “há um conceito que corrompe e transtorna os outros. Não falo do Mal cujo limitado império é a ética; falo do
infinito” (OC, p.273). O autor confessa ter pensado compilar, em uma
Biografia do infinito, a história movediça desse conceito. A esse livro
ilusório pertenceriam as páginas cujo propósito é registrar alguns avatares do paradoxo de Aquiles. O primeiro é encontrado em Aristóteles
(Física, VI, 9) que refuta o argumento de Zenão, “com brevidade talvez
desdenhosa” (OC, p.274), mas a ele remonta na formulação do famoso
argumento do terceiro homem. Borges relembra que, contra a doutrina
platônica das idéias, segundo a qual as coisas sensíveis seriam meras
aparências temporais de idéias eternas, Aristóteles argumenta que se um
homem que existe no mundo fenomênico corresponde à idéia absoluta
de Homem, será preciso postular uma terceira idéia de homem que conRevista de Filosofia, Curitiba, v. 16 n.19, p. 85-92, jul./dez. 2004.
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tenha os dois homens anteriores, o do mundo dos fenômenos e o do
mundo das idéias. “Há, pois, um terceiro homem diferente dos homens
particulares e da idéia. Há ao mesmo tempo um quarto, que estará na
mesma relação com este e com a idéia de homens particulares; depois
um quinto e assim infinitamente” (OC, p.274-275). Borges assinala que
se Zenão recorre ao vertiginoso regressus in infinitum para negar o
movimento, seu refutador Aristóteles faz o mesmo para negar as idéias
universais propostas por Platão. A disposição do próprio Borges a respeito de Platão aparece em outro texto onde o escritor discorre sobre a
necessidade de se ter algum conhecimento sobre “o imóvel e terrível
museu dos arquétipos platônicos. Não sei se foi visto por olhos mortais”
pondera, “ou se o grego remoto que o concebeu chegou a representá-lo
alguma vez, mas pressinto nele algo de museu: quieto, monstruoso e
classificado... Trata-se de imaginação pessoal da qual pode prescindir o
leitor; do que não convém que prescinda é de alguma informação geral
sobre esses arquétipos platônicos, ou causas primordiais, ou idéias, que
povoam e compõem a eternidade”.4
O próximo avatar enumerado aparece um século depois de
Zenão, trata-se do proposto pelo sábio chinês Hui Tzu que argumentou
ser interminável um bastão cortado pela metade a cada dia. A ele seguem Sexto Empírico que considera as definições inúteis, pois seria necessário definir cada palavra nelas utilizadas e depois definir a definição5 , e “Agripa, o cético”, que nega que algo possa ser provado já que
toda prova requer uma prova anterior, ad infinitum (OC, p.275). Borges
parece estar se referindo ao filósofo ligado a Pico della Mirandola, Heinrich Cornelius (1486-1535), que se dava o nome de Agrippa de Nettesheim, e escreveu De vanitate et incertitudine scientiarum, obra que
refuta as ciências, com argumentos extraídos de Sexto Empírico.
Se até esse ponto o infinito mise en abyme serviu para negar,
Borges ressalta que Tomás de Aquino o utiliza para afirmar que Deus
4
5
BORGES. “História da eternidade”, em História da eternidade, (OC, p.390). No prólogo, Borges se desculpa por não ter entendido, “lendo Schopenhauer e Erígena”, que
as Formas platônicas “são vivas, poderosas e orgânicas” (OC, p.385). Neste texto
reaparece o paradoxo de Zenão e a refutação de Russell (OC, p.388), que retorna, de
novo, acompanhando as proposições de Cantor nas páginas sobre “A doutrina dos
Ciclos”, em História da eternidade, (OC, p.426ss).
Borges faz uma analogia com o que Byron escreve de Coleridge, em Don Juan: “I
wish he could explain His Explanation” (OC, p.275).
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existe. O escritor se refere a um dos caminhos apresentados na Summa
Theologiae para provar a existência de Deus, o caminho da causa eficiente. De acordo com Tomás de Aquino, “no mundo das coisas sensíveis, nos defrontamos com a existência de uma ordem de causas eficientes. Não é caso conhecido de uma coisa que seja a causa eficiente de si
mesma, porque, para tanto, deveria ser anterior a si mesma, o que é na
verdade é impossível” (Summa Theologiae, I, 2,3). Entretanto, anular a
causa significa anular o efeito, e como as coisas existem é necessário
aceitar que existam causas eficientes. Se fosse possível ir ao infinito das
causas, julga o teólogo, não haveria causa primeira, e com astucioso ardil
retórico conclui: se não houvesse causa eficiente primeira, nesse caso
não haveria as coisas o que, evidentemente, é falso. Por isso, é preciso
aceitar a existência de uma causa eficiente primeira, “que será a divindade. Tal é a prova cosmológica” (OC, p.276). Tomás de Aquino pretende
achar uma causa que produz e não é produzida, a causa incausada, que
se existe, identifica-se com o que é chamado de “Deus”. A existência de
algo que seja causa sui precisa ser admitida, pois a ausência da causa
primeira significa a queda no infinito. Borges considera que Aristóteles e
Platão prefiguram a prova cosmológica e que Leibniz a redescobre.
Em seguida, nos “Avatares da tartaruga”, são apresentados três
argumentos análogos, que recorrem ao regressus in infinitum: os de
Hermann Lotze, de Bradley e de Lewis Carroll. “Lotze interpõe os abismos periódicos de Zenão entre a causa e o efeito; Bradley, entre o sujeito e o predicado; Lewis Carrol entre a segunda premissa do silogismo e
a conclusão” (OC, p.276). Deixo ao leitor curioso a tarefa de buscar os
dois primeiros no texto borgeano e passo ao terceiro.
O texto de Carroll, “O que a tartaruga disse a Aquiles”, tem
início quando o veloz corredor finalmente alcança a tartaruga e confortavelmente se senta em seu casco. “Então você chegou ao fim de nossa
corrida?”, pergunta a tartaruga. “Mesmo que ela de fato consista em uma
infinita série de distâncias? Eu pensei que alguém que afetasse grande
sabedoria, ou um outro, houvessem provado que isso não poderia ser
feito”.6 Aquiles responde que as distâncias foram ficando cada vez menores e isso permitiu sua chegada. A lenta companheira lhe propõe então um novo problema, no qual infinitas distâncias seriam acrescentadas.
O guerreiro grego aceita o desafio “e tira do capacete (poucos guerreiros
6
CARROLL, Lewis. “What the tortoise said to Achilles”, p. 278.
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possuíam bolso naquele tempo) um enorme caderno e um lápis”. A
tartaruga apresenta o seguinte raciocínio, baseado na “bela primeira proposição de Euclides” 7 :
(A)
(B)
(Z)
Duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si.
Os dois lados de um triângulo são iguais a MN.
Os dois lados desse triângulo são iguais entre si.
Aquiles considera garantida a verdade do raciocínio, e um leitor
incapaz de perceber isso, considera ainda, “agiria sabiamente abandonando Euclides e indo jogar futebol”.8 A tartaruga discorda da conclusão
- uma tartaruga jogando futebol, devaneia Aquiles. Ela introduz uma
condição: se as proposições A e B são verdadeiras, Z é verdadeira; e
exige que ela seja acrescentada. “O que mais tem escrito neste teu caderno?” Pergunta a Aquiles, “alguns memorandos das batalhas nas quais eu
me distingui”, responde o guerreiro. “Muitas folhas brancas, eu vejo”,
registra animada a tartaruga. “Nós podemos precisar de todas elas”, continua, “agora escreva conforme eu ditar”:
(A)
(B)
(C)
(Z)
Duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si.
Os dois lados de um triângulo são iguais a MN.
Se A e B são verdadeiras, Z é verdadeira.
Os dois lados desse triângulo são iguais entre si.
Aquiles observa que, se a tartaruga aceitar A, B e C deve também aceitar Z, entretanto ela interpola uma nova proposição hipotética:
(D) Se A, B, e C são verdadeiras Z é verdadeira. Aquiles anota a nova
interpolação, e satisfeito, comenta: “por fim chegamos ao final desta
corrida ideal! Agora que você aceita A, e B, e C, e D, obviamente aceita
Z”. Mas a tartaruga retruca que para garantir a verdade é preciso afirmar
que: (E) Se A, B, C e D são verdadeiras, Z é verdadeira. Aquiles concorda, “e havia um toque de tristeza em sua voz”. E aqui o narrador abandona a dupla e quando a reencontra, alguns meses depois, o caderno de
Aquiles estava quase cheio. Segundo Carroll9 , a tartaruga propunha en7
8
9
Ibidem.
CARROLL, Lewis. “What the tortoise said to Achilles”, p. 279. São da mesma página as
próximas citações.
CARROLL, Lewis. “What the tortoise said to Achilles”, p. 280.
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tão – “considerando o tanto de instrução que este colóquio fornecerá
para os lógicos do século XIX” – uma curiosa inversão dos papéis: que
Aquiles mudasse seu nome para Thaught-Us (“pensamos nós”, que em
inglês soa parecido com “tortoise”, tartaruga) e que permitisse a ela adotar o nome de A Kill-Ease (algo como “um curso tranqüilo”, e que no
original se assemelha ao nome de Aquiles). “Carroll observa que o paradoxo do grego comporta uma infinita série de distâncias que diminuem,
e que no proposto por ele as distâncias aumentam” (OC, p.277).
Descartes, Hobbes, Leibniz, Mill, Renouvier, Georg Cantor, Gomperz abordaram o inesgotável paradoxo de Zenão, registra Borges, e
apresenta então a magnífica hipótese de que talvez o vertiginoso regressus in infinitum seja aplicável a todos os raciocínios. “À estética: tal
verso nos comove por tal motivo, tal motivo por outro motivo... Ao
problema do conhecimento: conhecer é reconhecer, mas é preciso ter
conhecido para reconhecer...” (OC, p.278). O escritor adverte para um
duplo perigo: “é arriscado pensar que uma coordenação de palavras (as
filosofias não são outra coisa) possa se assemelhar muito ao universo.
Também é arriscado pensar que dessas coordenações ilustres, alguma –
ao menos de modo infinitesimal – não se assemelhe um pouco mais do
que outras”. Borges conclui o texto lembrando que nós sonhamos o
mundo como sendo “resistente, misterioso, visível, ubíquo no espaço e
firme no tempo; mas aceitamos em sua arquitetura tênues e eternos
interstícios de desrazão para saber que é falso” (OC, p.278).
Com elegante sobriedade, as fendas existentes nos raciocínios
lógicos são apresentadas nos textos sobre a corrida entre Aquiles e a
tartaruga. Fica evidente que a ligação entre um pensamento e outro,
modo de articular o discurso da razão, salta sempre sobre alguns abismos de descontinuidade.
Para concluir, lembro dois filósofos que também duvidaram do
discurso lógico. Nas reflexões de Walter Benjamin, o lugar da verdade é
o lugar do inexprimível, do que aparece no discurso como irredutível
cesura. “No inexprimível manifesta-se a sublime violência da verdade”10 .
Não podendo, obviamente, ser expresso, o inexprimível aparece como
rachadura que destrói a falsa totalidade do discurso e, com isso, estabelece seu momento de verdade. Salvador-destruidor, ele aniquila a pretensão ao absoluto, e mostra que o mundo verdadeiro só pode aparecer
10
BENJAMIN. “‘Les affinités electives’ de Goethe”, Oeuvres choisies, p.162.
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em fragmentos, como um torso. É condição de possibilidade para a expressão verdadeira a aniquilação da totalidade falsa, o abandono do
discurso reto, claro e sem fendas. Antes de Benjamin, abrindo brechas
para as possibilidades de outros modos do pensamento, distintos do
lógico-linear que séculos de tradição logocêntrica nos apresentam quase
como sinônimo do próprio pensar, Peirce, em The Essence of Reasoning
(1893), foi bastante claro: a análise da proposição em sujeito e predicado
pode representar toleravelmente a maneira pela qual os arianos pensam,
porém, ele não aceita que seja esse o único modo de pensar, ou que seja
sequer o mais claro ou mesmo o mais eficiente.
Borges não é um cético, apenas desdenha a lógica, ou melhor,
os limites por ela impostos ao pensamento. Com isso amplia o espectro
da cognoscibilidade, através de caminhos que os lógicos possivelmente
acusariam de obscurantistas, ou poéticos. A apresentação que ele faz do
mundo é uma espécie de jogo de reflexos com espelhos que se deslocam. “Sua plenitude é precisamente a de um espelho, que aparenta estar
cheio e está vazio; é um fantasma que nem sequer desaparece, porque
não tem nem ao menos a capacidade de cessar. O fundamental são as
formas” (OC, p.390).
Referências
BORGES, Jorge Luis. Avatares de la tortuga. Discusión. Buenos Aires:
Emecé, 1989.
_________. La perpetua carrera de Aquiles y la tortuga. Discusión. Buenos Aires: Emecé, 1989.
_________. Obras Completas. São Paulo: Globo, 1998. v. 1.
CARROLL, Lewis. What the tortoise said to Achilles. Mind, n. 4, p.
278-280, 1895.
Recebido em - Recieved in: 07/07/ 2004
Aprovado em – Approved in: 22/08/2004
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