1 Título: Flutuações do Produto e do Emprego: abordagem “tradicional” versus pós-keynesiana Autores: Maria Isabel Busato (UFBA) Eduardo Costa Pinto (UFRJ) Antônio Henrique P. Silveira (UFBA) Minicurrículos: Ø Maria Isabel Busato (UFBA): Mestranda em economia pela Universidade Federal da Bahia; bolsista Capes; graduada em economia pela Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected] Ø Eduardo Costa Pinto (UFRJ): Doutorando em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; mestre em economia pela Universidade Federal da Bahia; professor substituto da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense. E-mail: [email protected] Ø Antônio Henrique P. Silveira (UFBA): Professor adjunto do mestrado em economia da Universidade Federal da Bahia; doutor em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Chefe adjunto da Assessoria Econômica do governo Lula. 2 Flutuações do Produto e do Emprego: abordagem “tradicional” versus pós-keynesiana Resumo As flutuações econômicas do produto e do emprego tem sido, há muitas décadas, alvo de estudo das mais distintas correntes teóricas. De fato, diversas pesquisas vêm sendo realizadas a fim de compreender as causas das flutuações e de “criar instrumentos” para reduzi-las, buscando assim diminuir as incertezas. Keynes, na Teoria Geral (TG), foi um dos primeiros autores a introduzir as políticas econômicas como instrumento de estabilização (políticas anticíclicas). Essas idéias contidas na TG inauguram uma nova forma de pensar a economia, suscitando variadas interpretações, debates acalorados e “novas” tentativas - dentro do arcabouço macroeconômico (com ou sem microfundamentos) - de interpretar as flutuações econômicas. Este artigo buscou, portanto: i) descrever as flutuações econômicas a partir da junção de teorias equivalentes, aqui denominadas tradicionais, a saber: a teoria clássica prékeynesiana, o monetarismo friedmaniano, os teoremas novo-clássicos e o neo-keynesianismo; e ii) discutir o fenômeno das flutuações econômicas a partir de elementos explicativos da teoria pós-keynesiana. Vertente que se ocupa fundamentalmente em trazer o elemento central contido na TG, qual seja, uma economia inerentemente instável. Palavras-chave: Flutuação econômica; política econômica; pós-keynesianismo Abstract The economic fluctuations of the product and the job have been, have many decades, target of study of most distinct theoretical chains. In fact, diverse research comes being carried through in order to understand the causes of the fluctuations and "to create instruments" for reduction them, thus searching to diminish the uncertainties. Keynes, in TG, was one of the first authors to introduce the economic policies as stabilization instrument (anti cyclical politics). These ideas contained in the TG inaugurate a new form to think the economy, exciting varied heated interpretations, debates and "new" attempts - inside of structuralist macroeconomic - to interpret the economic fluctuations. This article searched, therefore: i) to describe the economic fluctuations from the junction of theories equivalents, called here traditional, to know: the classic theory daily pay-Keynesian, the Friedman's monetarism, the theorems newclassics and the neo-keynesian; e ii) to argue the phenomenon of the economic fluctuations from clarifying elements of the theory after-keynesian. Source that if occupies basically in bringing the contained central element in the TG, which is, an inherently unstable economy. 3 1. Introdução A instabilidade econômica é considerada neste trabalho como uma característica inerente às economias capitalistas, de tal modo que a evolução econômica dos países avançados ou periféricos enfrenta o que chamamos de ciclos econômicos ou flutuações do nível de atividade. Várias foram as tentativas de explicar, ao longo da história, as causas de tais fenômenos, passando por Marx, Kalecki, Schumpeter e Keynes. Outros autores, tais como Kondratieff, Juglar e Kitchin, buscaram identificar algum tipo de “característica comum” dos movimentos cíclicos da economia ao longo do tempo, objetivando a consecução de previsões e antecipações das flutuações econômicas. De fato, diversas pesquisas vêm sendo realizadas a fim de compreender as causas das flutuações e de “criar instrumentos” para reduzi-las, buscando assim diminuir as incertezas. Keynes, na Teoria geral do emprego, do juro e da moeda Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (TG), foi um dos primeiros autores a introduzir as políticas econômicas como instrumento de estabilização (políticas anticíclicas). Essas idéias contidas na TG inauguram uma nova forma de pensar a economia, suscitando variadas interpretações, debates acalorados e “novas” tentativas - dentro do arcabouço macroeconômico (com ou sem microfundamentos) - de interpretar as flutuações econômicas, introduzindo ainda, a discussão sobre a atuação do Estado na economia e a efetividade das políticas públicas em seus efeitos sobre as variáveis econômicas reais. A discussão a respeito das flutuações econômicas, aqui efetivada, será realizada a partir de algumas vertentes teóricas - dentro do referencial macroeconômico - surgidas após a publicação da Teoria Geral. Para tanto, iremos desenvolver dois eixos teóricos explicativos, não complementares, desta discussão. Como primeiro eixo de análise, apresentaremos as correntes teóricas que conferem à moeda um papel de neutralidade, a longo prazo, no nível do produto e do emprego. Estas serão aqui denominadas de “abordagem tradicional”, cujo critério de demarcação foi a junção de teorias equivalentes que apreendem os fenômenos econômicos a partir da lei de Say e da crença na “mão invisível” consolidada pelo equilíbrio geral walrasiano. Em essência, essas correntes, divergem apenas no que se refere ao tempo requerido para atingir o pleno emprego1. O segundo eixo analítico abordará o sistema econômico e suas flutuações a partir de uma economia monetária da produção2, - perspectiva alternativa à visão tradicional - atribuindo especial papel a demanda efetiva, a incerteza, e a moeda. Neste eixo, a moeda possui atributos que a torna desejável por si mesma – configurando-a como não neutra - e, por isso, acaba afetando o produto e o emprego, tanto no curto como no longo prazo. Este artigo, portanto, tem como objetivos: i) explicar, de forma sintética, as flutuações do produto e do emprego a partir das correntes teóricas monetarista, neo-keynesiana e novoclássica. Para tanto, faz-se necessário discutir a percepção de tais correntes acerca do papel que a moeda desempenha no sistema econômico, mostrando suas argumentações para justificar a neutralidade da moeda, quer seja no curto ou no longo prazo, e do papel desempenhado pela política fiscal; e (ii) discutir o fenômeno das flutuações econômicas a partir de elementos explicativos da teoria pós-keynesiana (economia monetária da produção). 1 Ou, nas palavras de Friedman (1968), um nível de desemprego “natural”. Este conceito não incorpora o que Keynes chamou de desemprego involuntário, já que, todo desemprego existente seria friccional ou resultaria da decisão dos trabalhadores. 2 A definição do conceito de economia monetária da produção será realizado na quarta seção deste artigo. 4 Vertente que se ocupa fundamentalmente em trazer o elemento central contido na TG, qual seja, uma economia inerentemente instável, haja vista a possibilidade de equilíbrio com desemprego involuntário em virtude do papel central que a incerteza exerce sobre a demanda efetiva. Para esse propósito, além dessa introdução, discutem-se, na segunda seção deste artigo, os principais pressupostos teóricos da corrente tradicional, que dão o alicerce para algumas correntes macroeconômicas mais recentes, cujo eixo central é o equilíbrio com pleno emprego, mostrando também as inconsistências das escolas aqui classificadas como tradicionais, levantando uma discussão crítica sobre a hipótese da neutralidade da moeda. Mostrando, portanto, que não existem divergências absolutamente relevantes entre as correntes tradicionais. Na terceira seção, aprofundaremos a análise das especificidades de algumas correntes tradicionais macroeconômicas mais recentes (monetaristas, novo-clássicas e neo-keynesianas). Na quarta seção, procuraremos apresentar uma abordagem alternativa: a corrente pós-keynesiana, que enxerga a economia capitalista como uma economia monetária da produção. Esta abordagem mostra que a economia pode operar com equilíbrio abaixo do pleno emprego em virtude da incerteza acerca do futuro. E, por fim, procura-se alinhavar algumas idéias conclusivas. 2. Visão tradicional: Perspectivas Centradas no Equilíbrio Antes de apresentar a perspectiva tradicional das flutuações do produto e do emprego faz-se necessário delimitar o escopo aqui considerado como tradicional. Vejamo-lo. O termo tradicional, neste artigo, está associado às correntes teóricas clássicas e às interpretações macroeconômicas mais recentes que apreendem o funcionamento do sistema econômico a partir da lei de Say e do equilibro walrasiano. Isso, por sua vez, garantiria a tendência de equilíbrio de pleno emprego, quer seja instantaneamente ou quer seja após um período de ajuste. A escola clássica (Jean B. Say, David Ricardo e Knut Wicksell) e a novo-clássica ou das expectativas racionais (Robert Lucas, Thomas J. Sargent, Robert Barro e Edward Prescott) consideram a moeda neutra tanto no curto como no longo prazo, já as escolas monetarista (Milton Friedman) e neo-keynesiana3 (Gregory Mankiw e David Homer) incorporam a não-neutralidade da moeda no curto prazo. No entanto, esta divergência de caráter temporal não interfere na classificação aqui adotada, tendo em vista que todas elas estão alicerçadas na lei de Say e na tendência ao equilíbrio walrasiano. O sustentáculo da corrente tradicional é a lei de Say que se fundamenta em duas idéias centrais. A primeira é a aceitação e a incorporação da teoria quantitativista (tanto na versão de Fischer quanto na de Cambridge, na qual a moeda é neutra). Assim, alterações na quantidade de moeda em circulação só produzem variações no nível geral de preços, não interferindo assim nas variáveis reais. A segunda idéia é o princípio da criação e conservação do poder de compra gerado a partir do processo produtivo, pois toda produção geraria uma renda, a qual retornaria, no mesmo montante, ao circuito econômico, quer seja através do consumo ou quer seja por meio do investimento via poupança. Isso, por sua vez, sustentaria a tese do automatismo do pleno emprego. 3 A aproximação dos neo-keynesianos aos postulados da lei de Say ou das idéias originais de John Keynes tem suscitado certo debate. Parte-se aqui da idéia que a escola neo-keynesiana se aproxima da lei de Say. Gregory Mankiw (1991, p.1), um dos principais representantes do neokeynesianismo, dá-nos um direcionamento nesta discussão: “já que a economia keynesiana é derivada, por definição, dos escritos de John Maynard Keynes, poder-se-ia pensar que ler Keynes é uma parte importante do modo keynesiano de fazer teoria. De fato, o posto é verdadeiro”. 5 O princípio lógico do circuito da produção de Say vincula-se à dicotomia dos fenômenos econômicos, na medida em que o ato de produzir cria, através da remuneração dos fatores de produção (pagamento de salários, de lucros, de juros e de aluguéis), o poder de compra que se materializa no consumo. Assim sendo, o poder de compra somente poderia ser criado a partir do movimento da produção não sendo possível criá-lo ou destruí-lo no processo de circulação (BARBOSA, 1990). Uma dose de realismo é dada a tal teoria quando se considera que o poder de compra criado na produção poderia não se reverter imediatamente em consumo, transformando-se em poupança. Essa, no entanto, seria totalmente canalizada - através dos intermediadores financeiros - para o investimento. O que, por sua vez, garantiria a materialização do consumo e, por conseguinte, impediria a quebra do circuito renda-gasto, levando a economia ao equilibro de pleno emprego. Na vertente tradicional, o equilíbrio com pleno emprego seria o estado normal de uma economia de mercado, haja vista a existência de forças endógenas que garantiriam a plena ocupação dos fatores produtivos. O produto de equilíbrio, por sua vez, somente seria influenciado, no longo prazo, por variáveis reais (capital, trabalho e tecnologia), enquanto as variações monetárias afetariam somente o nível de preços. Os adeptos contemporâneos dessa vertente - os quais serão detalhados na seção seguinte - mantêm o equilíbrio de pleno emprego como elemento essencial, admitindo no máximo desequilíbrios de curto prazo originários de atritos, de falhas de mercado, de erros expectacionais e de choques tecnológicos. Contudo, no longo prazo, o sistema econômico tenderia a retornar ao equilíbrio walrasiano. O equilíbrio de pleno emprego, na teoria tradicional, seria garantido pela adoção de alguns postulados clássicos. Isso, por sua vez, interferirá, dentre outras coisas, na percepção dos efeitos da política econômica discricionária, que será discutida adiante. Os postulados clássicos são: i) o salário real é igual à produtividade marginal do trabalho; ii) inexistência do chamado desemprego involuntário, haja vista a hipótese de agentes maximizadores; iii) a oferta cria logicamente sua própria procura. Vejamos as principais implicações desses postulados para a compreensão do fenômeno do (des)emprego e da neutralidade da moeda. O mercado de trabalho operaria em concorrência perfeita (agentes tomadores de preços) e tanto os trabalhadores como as firmas seriam racionais (agentes maximizadores). Isso impediria a existência de ilusão monetária, de tal forma que as decisões seriam baseadas em variáveis reais. No modelo clássico, a produtividade marginal do trabalho decrescente – para uma dada quantidade de tecnologia e de capital -, em associação com comportamento maximizador das firmas - formalizado a partir das equações a seguir - implicaria em uma demanda por trabalho das firmas até o ponto em que a produtividade marginal do trabalho se iguale ao salário real (PMgL = W/P). π = PY − ( R K + WL ) s.t . Y = f ( L) π = lucro; P = nível geral de preços; Y = produto; R = remuneraçã o do capital; K = capital; W = salário ; L = quantidade de trabalho. 6 Pelo lado da oferta, os trabalhadores, cujo objetivo seria maximizar a utilidade, perceberiam o trabalho como um sacrifício, pois trocariam horas de lazer por horas de trabalho. O comportamento racional desses eliminaria a ilusão monetária, na medida em que conseguiriam apreender o verdadeiro poder de compra de seus salários. Desse modo, as variações na oferta de trabalho estariam vinculadas às oscilações do salário real (W/P). Numa perspectiva clássica tradicional, a dinâmica (interação entre oferta e demanda) do mercado de trabalho funcionaria da seguinte forma: um aumento no nível geral de preços, provocado por uma elevação na oferta monetária, induziria o aumento da produção por parte das firmas e, conseqüentemente, provocaria uma maior demanda por trabalho a um dado nível salarial. No entanto, os trabalhadores passariam a exigir maiores salários nominais, pois perceberiam que a elevação no nível de preços reduziria os salários reais. A elevação dos salários nominais, exigido pelos trabalhadores, desestimularia a expansão da produção pelas firmas, que voltariam a produzir no nível inicial. Interpretação análoga pode ser feita para uma redução na oferta monetária. Neste modelo a hipótese de markets clearing - perfeita flexibilidade dos preços e salários – levaria a igualdade entre oferta e demanda no mercado de trabalho, inexistindo assim, desemprego involuntário, de modo que as flutuações do nível de emprego seriam resultado das decisões dos trabalhadores entre trabalhar ou usufruir lazer. Desse modo, a oferta monetária impactaria apenas sobre o nível de preços da economia, consubstanciando a neutralidade da moeda. (PATINKIN, 1978; KLAMER, 1988). Cabe ressaltar que as interpretações tradicionais neo-keynesianas e monetaristas, por vezes interpretadas como visões alternativas à escola clássica, na verdade, divergem desta, apenas marginalmente, haja vista que os resultados de longo prazo são os mesmos acima descritos. As divergências entre essas correntes e a clássica diz respeito ao aspecto temporal: diferenças entre o tempo requerido pela “mão invisível” para levar a economia ao pleno emprego. Essas duas correntes tradicionais recentes serão apresentadas na próxima seção. A segunda implicação da teoria tradicional diz respeito à irracionalidade da retenção de moeda como reserva de valor. Nessa teoria, a moeda não possui qualquer mecanismo que a torne desejável por si mesma, funcionando apenas como um mecanismo facilitador das trocas, de tal sorte que agentes econômicos racionais demandariam moeda apenas para fins transacionais. A retenção da moeda para fins de entesouramento consiste em ato irracional e não é reconhecida por esta teoria. Impedindo, desse modo, o rompimento do circuito lógico da produção, haja vista que nenhum entesouramento poderia retirar de forma permanente moeda de circulação (BARBOSA, 1992). Além dos princípios da lei de Say, a corrente tradicional incorporou, também, em seu arcabouço a teoria quantitativa da moeda. Garantindo assim que a moeda não teria efeito sobre as variáveis reais da economia e afetaria apenas o nível geral de preços. A equação de Cambridge M = k .P. y 4, em sua versão marshaliana, possibilitaria deduzir que variações na oferta monetária M, engendrariam variações somente no nível de preços P. Em suma, a 4 Nessa equação M é a oferta de moeda; k é o inverso da velocidade-renda de circulação da moeda (proporção da renda mantida para fins transacionais assumida como constante e dependente de fatores imutáveis no curto prazo); P é o nível geral de preços; e y é o produto real da economia (assumido como constante dada a concepção de pleno emprego anteriormente descrita e dependente de fatores reais, tais como capital, trabalho e tecnologia). 7 moeda não influenciaria nas variáveis reais da economia e não exerceria influência sobe a taxa de juros (LOOPES & ROSSETI, 1998). Na teoria tradicional, as decisões de gastos individuais seriam tomadas levando em consideração a preferência entre o consumo presente e o futuro, de maneira que as pessoas somente abririam mão do consumo presente se no futuro pudessem consumir uma maior quantidade de bens e serviços. Nesse contexto, a taxa de juros torna-se o preço da recompensa pela espera, isto é, a troca entre consumo presente e futuro será efetivada caso a taxa de juros seja maior que a taxa de desconto5 de cada indivíduo. Desse modo, a taxa de juros seria o reflexo das escolhas intertemporais dos indivíduos entre consumo e poupança6 (ROMER, 2001; HICKS, 1988). De fato, dentro desta lógica, o circuito da renda não seria rompido, haja vista que “[...] a poupança não pode ficar permanentemente sem utilização, assim como a poupança em moeda não o pode, isto é, o ‘entesouramento’ [ato irracional] não pode ser permanente” (BARBOSA, 1990 p.30). A poupança, assim, converter-se-ia, na sua totalidade, em aquisições de bens de investimento. Nessa perspectiva, a taxa de juros é determinada pelo mecanismo de preços entre oferta e demanda de fundos emprestáveis. A hipótese dos markets clearing também é a base da teoria dos fundos emprestáveis. Nesta, a poupança precede necessariamente o investimento e a taxa de juros seria o preço de mercado que os equilibram: [...]The loanable funds theory of interest is the theory which maintains that the interest rate, i.e., the price for the use of such funds per unit of time, must be determined by the supply and demand for such funds (TSIANG, 1989 p.190). Em linhas gerais, estas suposições têm conclusões muito significativas dentro do arcabouço tradicional, quais sejam: i) os juros são um fenômeno real determinado pela oferta e demanda por fundos emprestáveis (poupança e investimento), sendo assim, a moeda não poderá afetar a taxa de juros de forma permanente; ii) a inexistência de superprodução geral e do desemprego em massa por um tempo prolongado. No que se refere às decisões de investimento, a teoria tradicional afirma que as inversões seriam realizados a partir da comparação entre produtividade marginal do capital e a taxa de juros. Para Wicksell (1988, p. 113), “[...] enquanto um empresário obtiver um rendimento maior pelo capital utilizado na produção do que o que tem que pagar sob a forma de juros de um capital tomado como empréstimo [...] naturalmente lhe será mais conveniente investir mais capital [...]”. Quanto ao papel do setor financeiro, a teoria tradicional sustenta que ele é apenas um intermediador entre os agentes econômicos superavitários e deficitários, tendo o mecanismo de preços como instrumento de alocação eficiente entre a poupança e o investimento. Um 5 A taxa de desconto deve ser compreendida como a disposição dos indivíduos em trocarem consumo presente por consumo futuro. Quanto maior a taxa de desconto menor a disposição a troca de consumo intertemporal. 6 Exceto para os neo-keynesianos, para os quais a taxa de juros é determinada pela oferta e demanda de moeda. 8 sistema financeiro desenvolvido possibilitaria a canalização de fundos de agentes poupadores - que não tem projetos viáveis de investimentos - para agentes que possuem projetos viáveis de investimentos e que não possuem recursos próprios para financiá-los. A corrente tradicional advoga que um sistema financeiro desenvolvido e menos regulamentado reduziria as imperfeições e as fricções causadas por problemas informacionais, proporcionando assim, a redução da assimetria de informações entre agentes poupadores e investidores e, conseqüentemente, aumentaria a eficiência alocativa dos fundos emprestáveis (poupança e investimento). Para Gurley & Shaw (1976) um sistema financeiro desenvolvido seria condição fundamental para o crescimento da economia, uma vez que: i) permitiria a redução dos riscos pulverizando-os; ii) aumentaria o nível de poupança iii) viabilizaria oportunidades mais rentáveis de investimentos; iv) alocaria de forma mais eficiente os recursos escassos, de tal forma que a inexistência de um mercado financeiro desenvolvido poderia levar a implementação de projetos inviáveis em detrimento daqueles projetos viáveis de investimento. They [intermediating techniques] tend to raise the level of investment and saving by increasing the marginal utility of the last dollar’s worth of financial assets to the lender and reducing the marginal disutility of the last dollar’s worth of debt to the borrower (GURLEY & SHAW, 1976, p. 197). Em resumo, na teoria dos fundos emprestáveis o sistema financeiro alocaria, eficientemente, a poupança (ex ante) e o investimento (ex post) através do mecanismo de preços. Ao incorporar tal hipótese verifica-se uma junção completa da lei de Say da teoria quantitativa da moeda. O sistema financeiro, portanto, representaria um elo passivo nas transações, transferindo intertemporalmente poder de compra entre os indivíduos por meio da alocação eficiente entre a poupança e o investimento. Desse modo, um sistema financeiro desenvolvido não criaria poder de compra por meio do crédito e, por outro lado, garantiria que a poupança não ficasse sem uso produtivo. 2.1. Algumas críticas à visão tradicional Nesta subseção procuraremos apresentar algumas limitações do modelo tradicional em sua tentativa de explicar as flutuações do sistema econômico. Os principais limites desta teoria estão vinculados à adoção de postulados abstratos, dentre eles destacamos: i) a racionalidade perfeita dos agentes econômicos; ii) a oferta criando sua própria procura, o que forneceria à moeda um papel neutro; e iii) a inexistência de desemprego involuntário. Vejamos as principais criticas dessas três hipóteses. O primeiro elemento passível de questionamento na teoria tradicional, diz respeito à hipótese da racionalidade, para a qual os agentes econômicos, independentemente de sua realidade social ou grau de instrução, utilizariam complexos modelos matemáticos (expectativas racionais) ou econométricos (expectativas adaptativas) para a tomada de decisões maximizadoras acerca do futuro. Tais agentes teriam comportamentos homogêneos e racionais assentados nos critérios Pareto-eficientes, quer seja no sentido da maximização do lucro ou da maximização da utilidade. A racionalidade proposta pela teoria tradicional requer uma espécie de “padrão comportamental” e de ergodicidade que considera o sistema econômico de forma probabilística. Quando desconsideram a incerteza, tais teóricos não percebem a impossibilidade de previsão perfeita dos fenômenos numa economia capitalista, ou por assim dizer numa economia monetária da produção. 9 O segundo elemento de crítica ao arcabouço tradicional diz respeito à neutralidade da moeda, haja vista que esta se constitui numa hipótese pouco consistente se se considerar o sistema real como uma economia monetária da produção. Grande parte das críticas contemporâneas à neutralidade da moeda está associada à idéia da preferência pela liquidez motivada pela especulação. Isso fazia bastante sentido à época de Keynes. No entanto, com a ampliação contemporânea dos mercados financeiros e das opções ativos em mercado secundários, a preferência pela liquidez, no sentido do entesouramento strictu senso (retirada de moeda de circulação), deixa de ter significância, pois os ativos remunerados tornaram-se substitutos muito próximos da moeda devido à facilidade de conversão e dos baixos custos de operacionalização. Sendo assim, a crítica à neutralidade da moeda deve ser re-configurada, não devendo estar associada apenas ao entesouramento strictu senso, mais também na possibilidade de manutenção de ativos financeiros que não se revertem em investimentos produtivos (capital fictício). Na penúltima seção deste artigo traçaremos um esboço, ainda incipiente, dessa re-significação do conceito de entesouramento em Keynes. O último elemento passível de questionamento é a inexistência de desemprego involuntário, um dos mais importantes postulados da teoria clássica. Keynes (1982) foi um dos primeiros economistas a questionar a validade desse postulado. Ao admitir a possibilidade de desemprego involuntário, ele abriu a possibilidade de equilíbrio econômico abaixo do pleno emprego como uma regra geral. A argumentação keynesiana baseia-se no fato de que o mercado de trabalho não atende às condições concorrenciais supostas pela teoria tradicional, haja vista suas instituições (sindicatos, legislação trabalhista, benefícios sociais, e leis que impõem o valor do salário mínimo). Cabe ressaltar que mesmo se todos os preços fossem flexíveis, ainda assim poderia haver desemprego involuntário, uma vez que a teoria keynesiana “[...] não está assentada na premissa dos níveis de salários rígidos”, como argumentos os neo-keynesianos. Na verdade, a idéia de Keynes é “[...] que o volume de emprego é determinado pela procura efetiva e não pelos contratos entre operários e patrões[...]” (DILLARD, 1971, p.24-25). Os teóricos neo-keynesianos acertam ao criticar a idéia da plena flexibilidade dos preços e dos salários (para cima ou para baixo), já que esta hipótese é pouco realista. De fato, verifica-se que existe, no mundo real, certa rigidez de preços7 e salários em alguns setores, enquanto que em outros segmentos os preços apresentam flexibilidade apenas no sentido altista, com poucas exceções. Na verdade, essa rigidez ou “flexibilidade” dos preços decorre da estrutura de mercado em que as empresas operam. Por outro lado, eles erram ao atribuir a rigidez a causa do desemprego. Após realizarmos uma análise critica de alguns dos pressupostos da lei de Say e da Teoria Quantitativa da Moeda, base de sustentação da visão tradicional, podemos agora penetrar nas especificidades de algumas das principais correntes tradicionais: a escola clássica prékeynesiana, o monetarismo friedmaniano, a corrente novo clássica e a escola neo-keynesiana. 7 Os teóricos neokeynesianos admitem algum grau de fixidez de preços no curto prazo, entretanto, no longo prazo, pressupõem a flexibilidade dos preços. Na verdade, para esta vertente, aqui considerada tradicional, a rigidez temporária dos preços seria um caso particular da teoria mais geral: a clássica. 1 3. Teoria Clássica, Monetarismo, Escola Novo-Clássica e Neo-keynesianismo: divergências que conduzem ao equilíbrio de pleno emprego. Os teóricos da corrente clássica (pré-keynesiana) interpretam os fenômenos econômicos a partir da lei de Say. Os ajustamentos, nessa lógica, se configurariam através da flexibilidade dos preços, por meio do mecanismo da concorrência, proporcionando o equilíbrio de pleno emprego dos fatores de produção em cada um dos mercados8. Com isso, a ação estatal, através de políticas econômicas, seria um elemento de desestabilização do equilíbrio. No que diz respeito à moeda, a teoria clássica a enxerga somente como um facilitador de trocas, não exercendo motivações e influência sobre as decisões dos agentes, funcionando apenas como um “véu”. Logo, não existiria um vaso comunicante entre o lado monetário e o lado real da economia. A moeda neutra funcionaria como “outra mercadoria qualquer”, não possuindo, qualquer especificidade que a torne desejável por si só, pelo contrário, o fato de existirem ativos que rendem juros tornaria sua retenção um ato não racional, implicando perdas sob duas óticas. A primeira, estaria associada a sua incapacidade de render juros e a segunda atrelada à perda do poder de compra ao longo do tempo, mesmo em caso de inflação diminuta. Numa perspectiva mais contemporânea da corrente tradicional, a irracionalidade da retenção de moeda articular-se-ia à hipótese da ergodicidade, que apreende o mundo de forma probabilística com distribuições de probabilidades conhecidas. Isto possibilitaria previsões sobre o futuro, de tal ordem que a retenção de moeda não seria justificável. Isso estabeleceria, portanto, a incapacidade da moeda de interferir na determinação do equilíbrio das variáveis reais da economia. (AMADO, 1992). A hipótese da ergodicidade é a base de boa parte dos veios tradicionais mais recentes que admitem (monetaristas e neo-keynesianos) ou não (novo-clássicos) desequilíbrios no curto prazo. Os monetaristas, por exemplo, defendem a idéia de que os agentes formam suas expectativas com base num modelo adaptativo, podendo incorrer em erros sistemáticos no curto prazo, período este em que as distribuições de probabilidade não seriam perfeitamente conhecidas podendo haver erros de previsões, bem como, atritos no processo de formação de expectativas, de tal forma que a moeda passaria a ter, no curto prazo, efeitos reais sobre a economia. Tais atritos seriam explicados pelas imperfeições no mercado que provocariam uma anomalia da estrutura econômica, qual seja, produto efetivo da economia abaixo do real potencial da mesma. A escola monetarista, que tem Milton Friedman como seu principal expoente, explica as flutuações econômicas a partir da não neutralidade da moeda no curto prazo. As bases do monetarismo estão na Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), mais especificamente em sua versão marshalliana, (MtV = PtYt), na incorporação da curva de Phillips em sua versão aceleracionista e na lei de Okun. Ao longo dos anos 60 travou-se fervorosos debates - entre monetaristas e keynesianos (velhos keynesianos como Modigliani e Tobin) 9 - em torno da 8 Os mercados são estanques, de tal forma que o desequilíbrio que possa ocorrer em um dos mercados não é repassado para os demais, de tal forma que é impossível o sistema incorrer em problemas de superprodução geral (BARBOSA, 1990). 9 A tradição velho keynesiana utiliza, para explicar ciclo e justificar a não neutralidade da moeda, o ferramental conhecido por síntese neoclássica e a curva de Phillips, incorporando a idéia de rigidez de preços e expectativas adaptativas. Este artigo não tratará desta visão. 1 efetividade da política fiscal e monetária e das explicações dos desvios do produto de seu produto potencial. A corrente monetarista pode ser sintetizada a partir de quatro pontos centrais, a saber: i) o equilíbrio geral walrasiano como regra de funcionamento da economia 10; ii) a oferta monetária é exógena sendo determinada pela autoridade monetária; iii) as oscilações na oferta de moeda são as maiores responsáveis pelas flutuações cíclicas de curto prazo da economia11; iv) os gastos públicos são, na maioria das vezes, menos eficientes que os privados. Desses elementos decorre a neutralidade da moeda, pelo menos no longo prazo, e a receita de que a política monetária deve ser conduzida em termos de regras estáveis. Para Friedman (1968), a autoridade monetária deverá guiar a política monetária pela oferta de moeda, além do que deve evitar oscilações bruscas em sua condução. Minha própria norma [Friedman] é que a autoridade monetária busque evitar oscilações bruscas, através da adoção pública de uma política para a obtenção de uma taxa de crescimento constante num total monetário especificado. A precisa taxa de crescimento, bem como o exato total monetário, serão menos importantes que a adoção de uma taxa conhecida e declarada. Tenho defendido uma taxa que, em média, alcança uma grosseira estabilidade dos níveis de preços dos produtos finais, que estimei em torno de 3 a 5% da taxa de crescimento anual da moeda [...]. Mas seria melhor ter uma taxa fixa, que produziria, em média, uma inflação moderada ou uma deflação moderada, desde que constantes, do que sofrer as perturbações amplas e irregulares que temos experimentado. (FRIEDMAN, 1968, p.16-17 tradução nossa). Assim, segundo Friedman (1968), ninguém mais erraria em conseqüência de políticas discricionárias, não havendo, desta feita, fontes de flutuações. Apesar da idéia da “regra para a expansão monetária” ter sido amplamente aceita nos meios acadêmicos, na prática os países que a adotaram logo saíram dela. Vale ressaltar, porém, que sua essência geral prevaleceu: regras de política econômica seriam mais salutares que as políticas discricionárias, uma vez que gerariam maior estabilidade. No modelo monetarista empresas e trabalhadores otimizam suas decisões e constroem suas expectativas corrigindo parcialmente os erros cometidos no período anterior (expectativas adaptativas). Esta hipótese pode ser assim formulada: Pte = P t – 1 + φ (P t – 1 - P t – 1e) Onde Pte o preço esperado para o período t; P t – 1 o preço observado no período anterior e (P t e – 1 - P t – 1 ), o erro de previsão ocorrido no período anterior. A equação mostra que os indivíduos corrigem, em parte (φ), o erro de previsão cometido no período antecedente. Dessa forma, os indivíduos poderiam ser temporariamente iludidos e a oferta monetária geraria, no curto prazo, efeitos reais sobre o produto e o emprego. Esses efeitos seriam dirimidos à medida que as expectativas fossem se ajustando. Logo, a autoridade monetária 10 No monetarismo o equilíbrio é único, e portanto globalmente estável, a exceção de mudanças em preferências e tecnologia. 11 Na década de 1960, M. Friedman e Ana Schuartz ao analisarem a história das intervenções monetárias nos Estados Unidos, entre 1860 e 1960, concluíram que as flutuações cíclicas do produto e do emprego foram precedidas por modificações na oferta monetária. 1 poderia afetar sistematicamente o produto da economia, para tanto, bastaria que adotasse regras definidas de política monetária. É necessário esclarecer que a intervenção do governo na economia poderia ter, para os monetaristas, efeitos altamente desestabilizadores: se a economia tende ao produto potencial (que tem por trás a taxa natural de desemprego) qualquer intervenção nesta faria com que ela se desviasse da trajetória de equilíbrio e surgissem os ciclos econômicos. Ou seja, flutuações e problemas macroeconômicos seriam criados pela ação governamental. Contudo, caso fosse necessária, no curto prazo, a intervenção governamental deveria adotar uma “política monetária adequada” que fixasse regras de política, tal como, uma taxa de crescimento constante para a oferta monetária, buscando estabilizar as expectativas dos agentes. (FRIEDMAN, 1963 e 1968; KLAMER, 1988). O efeito de uma expansão monetária na economia, segundo os monetaristas, poderia ser interpretado a partir do “efeito saldos reais”12. Através deste efeito, um aumento na oferta monetária poderia, da forma descrita a seguir, atingir as variáveis reais da economia. Seja (M/P = Z), onde M/P é o volume real de moeda e Z é o estoque de riqueza da economia que exerce importante influência sobre a decisão de gastos. À medida que uma expansão monetária ΔM > 0 aumentasse a riqueza da economia, a curva LM se deslocaria para a direita. Esse aumento da riqueza induziria os indivíduos a gastar mais, o que, por sua vez, deslocaria a IS para a direita, expandindo o produto da economia (efeito real). Essa expansão da taxa de crescimento do produto, durante o período de ajuste das expectativas, situa-se acima daquele de equilíbrio. Conforme vão se ajustando as taxas esperadas e efetivas de inflação, ocorre redução na riqueza (Z). Sendo assim, o desvio do crescimento do produto em relação ao potencial da economia vai se resolvendo numa taxa de inflação mais alta. No limite do processo, a economia volta à trajetória natural, com taxa de inflação mais alta. Durante o interlúdio de ajuste das expectativas surge uma dinâmica que mimetiza a relação de Phillips, no curto prazo, desvanecendo-se, porém, no longo prazo, quando se restabelece a neutralidade da moeda. (FRIEDMAN, apud SILVEIRA, 2003, p.3). Segundo Klamer (1988, p.8), “[...] o nível mais elevado de gastos gera preços mais altos, e os saldos reais diminuem novamente. Este processo continua até que o produto real volte ao seu nível original; a única alteração, em conseqüência do maior volume de moeda é um nível de preços mais elevado”. Para conseguir nova redução da taxa de desemprego o governo é obrigado a acelerar a taxa de crescimento dos preços. Requalifica-se o trade-off keynesiano: ao invés de uma opção entre inflação e desemprego, existe uma entre mais inflação e desemprego (curva de Phillips aceleracionista). Apesar de defender a não intervenção do governo na economia, a escola monetarista prioriza, caso fosse necessário, a atuação via política monetária em detrimento da política fiscal, uma vez que esta última seria menos eficiente deslocando recursos privados para gastos públicos, ocasionando o chamado efeito “crowding-out”. Sendo assim, a política fiscal atrapalharia ainda mais e poderia gerar problemas: se o governo emite títulos da dívida, ao invés de emitir moeda, pode surgir a desconfiança de que o maior déficit poderá ser financiado por uma emissão de moeda que poderia dar início a um processo 12 Para Friedman (1970, p. 206) “Keynes’s error consisted in neglecting the role of wealth in the consumption funtion – or, statted differently, in neglecting the existence of a desired stock of wealth as a goal motivating savings”. Desse modo, a existência de equilíbrio com desemprego involuntário somente existiria, na TG, devido à negligência de Keynes em não considerar, em seu modelo, o efeito saldos reais. 1 inflacionário, por outro lado, a emissão de títulos a taxas de juros cada vez maiores, substituiria investimentos privados por gastos públicos ocasionando uma redução do produto, haja vista a menor eficiência do gasto público. Uma outra extensão da abordagem tradicional, a escola novo-clássica ou das expectativas racionais (ER) surge em fins dos anos 60, ganhando expressão, em meados dos anos 70, a partir do momento em que uma série de países experimentou uma reversão do crescimento e um mergulho num processo de elevadas taxas de inflação. Essa estagflação foi resultado, segundo os adeptos das ER, da adoção inapropriada de políticas econômicas do welfare state baseadas no “consenso keynesiano”. A escola Novo-Clássica, denominada por Tobin de monetarismo tipo II, redefine alguns aspectos gerais do modelo monetarista friedmaniano – descrito anteriormente. Em primeiro lugar, o processo econômico é imaginado como sendo estocástico multivariado. A forma tradicional de modelagem é a de um modelo de equilíbrio temporário que apresente incerteza igual a risco calculado em relação aos estados da natureza, finitos e conhecidos. O equilíbrio é também redefinido, passando a significar que o agente não muda a sua teoria explicativa do processo econômico a partir da informação revelada pelo mercado13, sendo interpretado como um equilíbrio de expectativas racionais. A trajetória de equilíbrio intertemporal é então regida pela distribuição multivariada objetiva de probabilidades, condicionada aos estados da natureza, que é postulada estável, definindo um processo ergódico. (SILVEIRA, 2000, p.2). A principal inovação da escola novo clássica foi a incorporação, em seus modelos, de expectativas racionais. Essa hipótese assegura que os agentes agora são forward looking e não cometem erros serialmente correlacionados. Ademais, ao utilizar o conceito de esperança condicional como proxi de formação de expectativas, é garantido que os agentes utilizam o mais eficiente estimador linear não viesado a sua disposição14. A política monetária, para os novos clássicos, é um dos componentes do ambiente em que os agentes tomam decisões. No entanto ela é suposta homogênea de grau zero em relação à estrutura do processo econômico. Em outras palavras, ela é incapaz de afetar a distribuição objetiva do sistema. Por outro lado, modificações não antecipadas da regra de política podem levar os agentes a cometer erros, em virtude da falta de informação sobre os preços monetários. Este mecanismo, sintetizado pela Curva de Oferta de Lucas, explica as variações de produto como fruto de informação imperfeita: o movimento do nível geral de preços é confundido com uma modificação dos preços relativos, levando a alterações nas quantidades produzidas; no momento que se percebe a ‘verdade’ dos fatos, os agentes retornam à posição anterior. (SILVEIRA, 2000, p.3). Ao incorporar tais elementos, a corrente novo clássica obteve como dois principais resultados: i) a ineficácia da política econômica; e ii) a neutralidade da moeda. Isso, na verdade, significou um retorno aos princípios clássicos (LUCAS, 1972). Um dos mais expoentes representantes dessa escola, Robert Lucas confirma, em passagem abaixo, a hipótese aqui 13 Em termos bayesianos corresponde a identidade entre a distribuição subjetiva de probabilidades elaborada por cada agente e a distribuição objetiva que governa o processo. 14 Isto é garantido pelo Teorema de Gauss-Markov. Explica também porque os modelos que utilizam a hipótese de expectativas racionais são, via de regra, linearizados. Ao que parece a linearidade não é um mero recurso simplificador, mas sim uma necessidade teórico-analítica (SILVEIRA, 2000). 1 aventada de que a escola novo-clássica significa um retorno re-significado aos postulados clássicos: As coisas que faço representam uma volta a um programa tradicional de pesquisa, um programa de pesquisa pré-keynesiano, com a diferença de que eu, e pessoas como Sargent [outro representante da escola novo clássica] não somos hostis a métodos matemáticos. (Lucas, em Klamer, 1988, p.57-58). Os novo-clássicos contrapõem-se, em sua totalidade, aos modelos desenvolvidos pelos velhos keynesianos e em alguns aspectos do modelo monetarista. Além da hipótese de expectativas racionais, a perspectiva novo clássica incorpora a hipótese da perfeita flexibilidade de preços e salários, de tal maneira que os mercados se equilibrariam via preço (makets-clear). Isso, por sua vez, levaria a economia a funcionar, em cada momento do tempo, num ponto de equilíbrio, com nível de produto igual ao natural. A hipótese de expectativas racionais implica, ainda, agentes racionais e maximizadores, que utilizariam todas as informações disponíveis e modelos econométricos avançados para tomada de decisões (SHEFFRIN, 1985 apud DATHEIN, 2000). Nessa visão, as políticas econômicas (monetária e fiscal15) não deveriam ser usadas objetivando afetar o nível de produto e do emprego. Para a escola novo-clássica a visão de eficiência da política monetária, no curto prazo, da escola monetarista - vinculada às expectativas adaptativas dos agentes - constitui uma inconsistência teórica, qual seja: se os modelos monetaristas assumem que os agentes são otimizadores, deveriam assumir também, como conseqüência, que eles deveriam utilizar todas as informações disponíveis para sua tomada de decisão (expectativas racionais). Isso, por sua vez, os levaria, consequentemente, a não incorrer em erros sistemáticos como requer o modelo de expectativas adaptativas (LUCAS, 1972; LUCAS & SARGENT, 1978). Em um dos seus primeiros trabalhos, Lucas e Sargent (1978) reconheceram que as políticas discricionárias poderiam levar os indivíduos a cometer erros (auto-elimináveis pelo processo de aprendizagem) de decisões, que explicariam as variações do produto em relação à sua taxa natural16. É imprescindível entender que este desvio não significa, para essa escola, em hipótese alguma, não-neutralidade da moeda ou ilusão monetária, mas sim o resultado de restrições informacionais (BARBOSA, 1992). Com isso, o governo poderia afetar as decisões dos indivíduos, uma vez que estes não teriam como incorporar, em seu modelo expectacional, uma variável não antecipável. Tal erro poderia levar à divergência do produto de seu nível natural. Os autores supracitados alertam, porém, que as decisões dos indivíduos seriam afetadas uma única vez, haja vista que através do processo de aprendizagem, os agentes, 15 A política fiscal não teria os efeitos previstos pelos modelos keynesianos (velhos ou novos) - aumento do produto e do emprego -, uma vez que os agentes seriam, no arcabouço novo-clássico, racionais, maximizadores e alocariam inter-temporalmente seus recursos, de tal forma que o aumento dos gastos do governo no período presente implicaria na espera de um aumento na carga tributária futura. Assim, o feito final de uma política fiscal que expandisse os gastos do governo seria o aumento da poupança e não o do consumo. Este comportamento é conhecido na literatura por “equivalência ricardiana”. 16 A corrente novo-clássica explica esta variação do produto a partir das chamadas Ilhas de Phelps. Seria como se os agentes estivessem, temporariamente, isolados em ilhas que impedissem a perfeita informação. Desse modo, um aumento no nível de preços seria, temporariamente, interpretado como um aumento de preços somente de seu produto, o que levaria o agente a aumentar sua oferta, gerando aumento na oferta da economia. Caracterizando a “não neutralidade”. Com o passar do tempo os agentes perceberiam que o nível geral de preços aumentou, e não só de seu produto. Isso, por sua vez, desestimularia o aumento na produção e o nível de produção retornaria ao nível inicial. (KLAMER, 1988; BARBOSA, 1990) 1 diante do mesmo diagnóstico em que fora adotada a política anterior, a antecipariam, eliminando, portanto, os efeitos reais da política econômica. Desse modo, os agentes reagiriam diferentemente a choques antecipados e não antecipados na economia. Um aumento não esperado na oferta monetária, ∆M>0, não afetaria, no primeiro momento, as expectativas dos agentes sobre os preços esperados (Pe), de maneira que esse efeito afetaria o produto e o emprego. Por outro lado, um aumento antecipado na oferta monetária ∆M>0, seria imediatamente incorporado às expectativas dos agentes, os quais esperariam aumento no nível geral de preços (P), assim como nos preços esperados (Pe). Isso, por sua vez, não provocaria uma elevação da relação M/P, permanecendo o produto em seu nível natural de pleno emprego17. Em suma, a política monetária discricionária (alteração inesperada na oferta monetária) poderia ter efeito real sobre a economia, pois os agentes errariam suas previsões sobre os preços. A duração desse efeito seria, porém, muito curta, já que os agentes logo descobririam seus erros (aprendizagem), corrigindo suas expectativas. Dessa maneira, os efeitos reais sobre a economia ocorreriam de forma tão passageira que não seriam capazes de justificar as flutuações econômicas do produto e do emprego. Nessa perspectiva, o produto da economia, no longo prazo, somente seria afetado pela dotação fatorial (capital, trabalho e tecnologia), com isso, a política fiscal e monetária seriam totalmente ineficaz em afetar o produto. Como os desvios do produto de seu nível natural não seriam suficientes para explicar as flutuações econômicas, não havendo, portanto, nem mecanismos que justificassem a rigidez de preços e na ausência de erros expectacionais - que durassem um tempo suficiente para explicar a existência das flutuações mais persistentes -, os economistas novo-clássicos adotam em seus modelos, a fim de explicar as flutuações, a teoria dos “ciclos reais de negócios”. A análise nova clássica das oscilações permanentes do produto e do emprego passa, necessariamente, pela incorporação da hipótese de choques reais (teoria dos ciclos reais de negócios) em que a economia pode ser submetida. Os choques tecnológicos constam nesta literatura como um dos elementos de maior relevância para explicar o surgimento de uma nova trajetória do produto e do emprego e segue a seguinte dinâmica: um choque tecnológico positivo (descobrimento de uma técnica mais eficiente de produção, novos sistemas, etc.) aumentaria a produtividade marginal do trabalho e do capital, o que, por sua vez, poderia aumentar o investimento, principal determinante do estoque de capital de uma economia (um dos fatores de produção capazes de afetar o produto de longo prazo). Isso provocaria uma alteração na dotação fatorial da economia, surgindo, com isso, uma nova trajetória de crescimento do produto. (VASCONCELLOS, 2000). Uma “alternativa” à teoria macroeconômica novo-clássica, a escola novo-keynesiana – que também se insere no conceito, aqui adotado, de escola tradicional – ganhou força e adeptos a partir de fins dos anos 70 e durante a década de 80. O surgimento do enfoque novo keynesiano deve ser entendido como parte do descenso surgido no mainstream a partir da crítica novo clássica à macroeconomia convencional dos anos 50 e 60. A essência teórica desta crítica se referia ao caráter ad hoc dos modelos macroeconômicos da tradição 17 A curva de oferta de Lucas pode ser representada por: Yt = φ (Pt - Pe) + Y*, onde Yt é o produto efetivo; φ é o parâmetro; P e Pe são, respectivamente, o nível de preço corrente e o esperado; Y* é o produto de pleno emprego. A equação mostra que os desvios do produto de seu nível potencial Yt ≠ Y*, somente ocorreriam quando houvesse divergências entre o nível de preços e os preços esperados, Pt ≠ Pe. 1 keynesiana - compreendendo inclusive os monetaristas - devido à ausência de micro fundamentos robustos, inviabilizando a necessidade metodológica da ponte entre os enfoques micro e macro. Buscando dar novo fôlego às discussões sobre flutuações, esta escola, numa tentativa mais atual, busca explicar as flutuações cíclicas da economia - a partir de fundamentos microeconômicos -, como uma decorrência de “falhas de mercado”, sem, contudo, abandonar a hipótese de expectativas racionais. A macroeconomia novo keynesiana surge a partir da aceitação da crítica teórica e da negação, pelo menos parcial, da solução novo clássica. Desse modo, os novos keynesianos concordam com a necessidade de introdução de micro fundamentos mais consistentes. No entanto, recusam a possibilidade de interpretar a realidade econômica a partir de mercados perfeito. A alternativa proposta é de configurar um quadro teórico em que market failures variadas produzem problemas de coordenação na economia, impedido-a de operar eficientemente. (SILVEIRA, 2000, p.4). Numa economia onde estão presentes estas imperfeições existe a possibilidade lógica de rigidez nominal e real de preços, condição necessária para a negação da dicotomia clássica, na visão dos autores desta corrente (MANKIW & ROMER, 1991). A existência de falhas de mercado (rigidez de preços), associadas à falta de informação, à heterogeneidade, às estruturas de mercado, etc., criaria uma instabilidade relativa do equilíbrio, abrindo a possibilidade de desequilíbrio no curto prazo. No entanto, no longo prazo, após o ajustamento de preços e salários, prevaleceria a estabilidade clássica ou novo clássica. Para tais teóricos existe um tempo necessário, maior do que aquele previsto pelos monetaristas, para que os preços e os salários se ajustem, o que, por sua vez, explicaria as flutuações cíclicas do produto para além ou aquém do pleno emprego. Admitindo-se, com isso, a existência, no curto prazo, de desemprego involuntário. Mankiw um dos mais importantes teóricos desta corrente ilustra: The primary disagreement between new classical and new keynesian economists is over how quickly wages and prices ajust. New classical economists build their macroeconomic theories on the assumption the wages and prices are flexible. They believe that prices "clear" markets—balance supply and demand—by adjusting quickly. New Keynesian economists, however, believe that market-clearing models cannot explain short-run economic fluctuations, and so they advocate models with "sticky" wages and prices. New Keynesian theories rely on this stickiness of wages and prices to explain why involuntary unemployment exists and why monetary policy has such a strong influence on economic activity. (MANKIW, G. p.1, 1991). O projeto novo keynesiano comporta, a partir do que foi visto acima, uma pesquisa acerca da forma como imperfeições geram rigidez real ou nominal de preços como resultado de comportamentos racionais de agentes econômicos nos mercados afetados. Para justificar os impactos agregados das imperfeições, a estratégia é localizá-las em mercados de central importância para a economia como um todo; os candidatos naturais são os mercados de trabalho, capital e crédito. Nessa perspectiva, as flutuações econômicas seriam provenientes da rigidez de preços e salários (“falhas de mercado”), que estariam vinculadas basicamente (i) aos contratos de 1 trabalho; (ii) à ação sindical; (iii) aos contratos implícitos; (iv) aos salários de eficiência; e (v) aos custos do menu. Cabe ressaltar que o caráter ainda preliminar das pesquisas novo keynesianas fica aparente ao se perceber a inexistência de unidade nos diversos trabalhos. Estes são, via de regra, análises parciais que enfocam determinado aspecto de uma determinada imperfeição18 que afeta um destes mercados. Um traço comum dos modelos novos keynesianos é o viés no sentido de examinar os efeitos de imperfeições em situações de desaceleração cíclica. Nestas situações, a rigidez nominal e real impede o market-clearing gerando desemprego involuntário de fatores; em outras palavras, o funcionamento do mercado pode gerar situações Pareto-inferiores com produto abaixo do potencial. Dessa forma, os novos keynesianos incorporaram a impossibilidade de ajuste automático no curto prazo. As falhas de mercado são, portanto, a justificativa adotada para explicar os desequilíbrios de curto prazo e, por conseguinte, para explicar as intervenções governamentais que busquem dirimir as imperfeições. Os economistas neokeynesianos questionaram, porém, a duração do longo prazo e continuaram a insistir na posição de que a rigidez de preços é responsável por um curto prazo suficientemente longo para justificar a adoção de medidas pelo governo (KLAMER, 1988 p.10). Do ponto de vista metodológico saltam aos olhos algumas incoerências entre a retórica e a modelagem novo keynesiana. A primeira delas é em relação ao uso do agente representativo: sua utilização pelos novos clássicos é amplamente criticada como sendo hipótese necessária para os resultados; efetivamente os modelos que sublinham as falhas de coordenação (thickmarket externalities, informação imperfeita) geralmente comportam duas categorias de agentes - insiders e outsiders no mercado de trabalho, clientes e não-clientes no mercado de crédito, entre outras. No entanto, nos modelos de rigidez nominal reaparece o agente representativo. Isto pode ser justificado pela simplicidade analítica, não perdendo o resultado sua robustez ao se abrir mão da hipótese. Porém, parece que podemos aí incluir um princípio de economia na teorização: se é importante explicar a indexação imperfeita, por que não partir da diversidade de produtores com diferentes composições de custos - substituiria-se a marcha forçada na direção de hipóteses ad hoc passíveis de formalização relativamente fácil por um trabalho mais penoso, tecnicamente falando, ainda que mais sustentável do ponto de vista heurístico. Em suma, aparentemente o reconhecimento da existência de falhas no sistema econômico, que tornem os preços rígidos19, negaria um dos postulados centrais da teoria novo-clássica: 18 Entre os modelos que enfatizam a rigidez nominal destacam-se os de custos de reajuste de preços menu costs e seus derivados - e os de contratos justapostos. Os primeiros enfatizam custos fixos relacionados à remarcação de preços como causa de relativa inércia nominal. Também são compatíveis com a idéia de informação imperfeita acerca da ação dos concorrentes, aonde o custo da mudança é a perda potencial de clientela num ambiente de jogo não-cooperativo. Quando o custo marginal (esperado) da mudança supera o ganho marginal da mesma, mantém-se a tabela anterior. Os segundos modelos derivam de uma combinação de informação imperfeita com a inexistência de mercados contingentes completos, o que leva os agentes a firmarem contratos fixos nominalmente para intervalos de tempo determinados. A justaposição destes intervalos é analiticamente necessária para evitar uma dinâmica de preços monetários que apresente saltos discretos sincronizados. Esta hipótese é condição suficiente para a não-neutralidade da moeda, no curto prazo, ainda que se considere a hipótese de expectativas racionais. Do lado dos modelos de rigidez real destacam-se os de concorrência imperfeita no mercado de bens, os de seleção adversa de crédito, os de salário-de-eficiência e insider-outsider no mercado de trabalho. A lógica geral destes é de definição de situações que geram rigidez de preços relativos, impedindo que os mercados equilibrem continuamente ofertas e demandas. 19 É importante observar que a idéia de rigidez de preços e salários é diferente da idéia de fixidez. Preços e salários rígidos significam que há um ajustamento lento dos mesmos e não que sejam fixos. 1 hipótese de markets-clear (mercados que se ajustam via preço). Essa divergência é, porém, pouco relevante, uma vez que, com o tempo, os preços se ajustariam e a economia retornaria ao produto de pleno emprego, significando que, no longo prazo, prevaleceria a macroeconomia novo-clássica. Davidson, em brilhante passagem, justifica a junção entre as escolas que fizemos até agora ao dizer que: “Ao aceitarem todos os microfundamentos axiomáticos clássicos, em contraste com Keynes, os velhos e novos keynesianos [e a escola monetarista] estão presumindo que seus modelos são casos especiais da teoria geral da economia clássica” (DAVIDSON, 1999, p.49). 4. Abordagem Pós-keynesiana: uma alternativa ao mainstream A abordagem teórica pós-keynesiana surge como uma resposta, fora da visão tradicional e, portanto, do mainstream econômico. O conceito-chave nesta reconstrução é o de economia monetária de produção, proposto por Keynes como visão geral a ser adotada, em contraposição ao enfoque clássico. Ela refuta a idéia de que o sistema econômico tende a um equilíbrio estável no longo prazo, acreditando que a economia capitalista é intrinsecamente instável. Mais especificamente, a teoria econômica deve ser reconstruída a partir do abandono do paradigma da feira-livre que caracteriza o pensamento (neo)clássico em favor da concepção de uma economia monetária de produção, onde a moeda entra de forma essencial no processo de decisão dos agentes. A economia monetária da produção, seguindo Carvalho (1992a, 1992b), pode ser sumarizada em seis princípios básicos: 1) Princípio da Produção - deve ser reconhecida a relativa independência de ação e decisão das unidades produtivas em relação aos demais agentes da economia; em outras palavras, este princípio estabelece que a motivação das firmas não pode ser vista como um mero reflexo das preferências dos acionistas, mas sim em termos de um conjunto próprio de metas quantitativas (lucros monetários) buscadas a partir de decisões de caráter eminentemente especulativo de incorrer em custos no presente em troca de uma expectativa de receita futura. 2) Princípio da Estratégia Dominante - deve ser reconhecido que existem assimetrias entre os diferentes grupos de agentes do ponto de vista de seu poder de influenciar no resultado global da atividade econômica. Neste sentido, as decisões empresariais são hierarquicamente mais importantes que a dos demais agentes do sistema, pois, segundo o princípio da demanda efetiva, são suas decisões de produção e investimento que determinam os níveis de renda e emprego na economia. Além disso, a participação das firmas no processo de circulação financeira é sensivelmente mais importante do que a das unidades familiares, tornando as relações entre aquelas e o sistema financeiro num ponto fundamental de análise. 3) Princípio da Irreversibilidade do Tempo - definindo que a seta do tempo aponta para apenas um sentido coloca uma situação em que as decisões de assumir posições não-líquidas não podem ser revertidas imediatamente sem custos. Em outras palavras, modificações nas posições de portfolio na direção de menor liquidez implicam em sunk costs, pelo menos durante algum tempo. 1 4) Princípio da Não-Ergodicidade - equivale a assumir que a dinâmica do processo econômico tem características inexoráveis de instabilidade estrutural, isto é, as perturbações endógenas e exógenas que afetam o sistema produzem mutações estruturais, rompendo com a isomorfia temporal do objeto. Como resultado, não existe a possibilidade de um aprendizado bayesiano por parte dos agentes econômicos, uma vez que a verdadeira distribuição multivariada estável do processo simplesmente não está presente para ser descoberta, como sublinha Davidson (1988). Portanto, a incerteza, e não o risco probabilístico, permeia o processo decisório dos agentes. 5) Princípio da Coordenação - na ausência de um leiloeiro walrasiano ou de uma “superestrutura” novo-clássica, uma característica básica do sistema econômico capitalista é a de que não existe uma pré-consciliação dos planos e ações. A instabilidade potencial de sistemas com semelhantes características é minorada (mas não eliminada) consolidação de instituições e convenções que reduzem a incerteza que cerca as decisões. Destaca-se nesse contexto (CARVALHO, 1992b, p. 48) a importância dos contratos denominados em moeda, como forma generalizada de viabilizar o cálculo capitalista. 6) Propriedades Fundamentais da Moeda - num sistema com as características acima mencionadas uma das principais instituições coordenadoras é o sistema monetário. O ativo primário desse sistema deve, entretanto, possuir certas características peculiares para que seja reconhecido pelos agentes como representante último do valor de troca, na sua forma genérica, tendo garantida sua escassez relativa e sua predominância em relação a outros ativos que possam servir de reserva de valor, servindo como meio último de liquidação de contratos. Keynes (1986, cap. 17) sintetizou-as nas hipóteses de elasticidade de produção nula e elasticidade de substituição negligenciável. Das considerações acima fica claro que a escola pós-keynesiana propõe um enfoque metodológico diferente do viés axiomático-dedutivo típico do mainstream do pensamento econômico. Os princípios acima listados funcionam como instruções básicas para a montagem de explicações (modelos) da economia capitalista, fundamentando o enfoque de demanda efetiva em características dos processos de decisão relevantes do sistema. Para explicar as flutuações do produto e do emprego esta corrente teórica buscou os elementos essenciais da teoria Geral de Keynes, quais sejam, o papel da incerteza e seus efeitos na demanda efetiva, na demanda por moeda e no crédito. Vale ressaltar que Keynes não desenvolveu na TG uma teoria especifica sobre ciclos econômicos ou flutuações cíclicas, no entanto, a própria tentativa, de Keynes, em explicar o nível de emprego já trás consigo a explicação para as flutuações da economia. Dillard, em passagem abaixo, expressa muito bem esta discussão: Ao oferecer uma explicação do que determina em qualquer momento o nível do emprego e do rendimento, a General Theory, de Keynes, proporciona também uma explicação do ciclo econômico, já que este nada mais é do que uma flutuação rítmica do nível geral do emprego, do rendimento e da produção (DILLARD, 1971, p.243). A plena flexibilidade, no longo prazo, de preços e salários tornou idênticas as conclusões neokeynesianas, monetaristas e novo-clássicas, qual seja, no longo prazo a economia convergiria para um equilíbrio de pleno emprego. Keynes, por outro lado, dispensa a exigência de rigidez de preços para explicar o equilíbrio com desemprego, ou seja, na TG, ele explicita que a flexibilidade completa de preços não é uma condição necessária nem suficiente para o 2 equilíbrio com pleno emprego. (Keynes, 1982). Ainda segundo Keynes (op.cit), o princípio da demanda efetiva justifica a existência de um equilíbrio com desemprego. Numa economia monetária da produção os indivíduos preferirão, em momentos de maior incerteza, reter ativos líquidos, preterindo, conseqüentemente, suas decisões de gastos, sejam de consumo ou de investimentos produtivos, afetando assim, a demanda efetiva. Keynes (1982, p.244) diz que “qualquer flutuação no investimento, não compensada por uma variação correspondente na propensão a consumir, resulta, necessariamente, numa flutuação no emprego”. As flutuações no nível de investimento decorrem principalmente de expectativas sobre o futuro acerca da previsão do retorno esperado. Assim, expectativas negativas sobre o futuro aumentariam a “preferência pela liquidez”, impelindo os indivíduos ao entesouramento na forma líquida (ativos não produzíveis). Isso, por sua vez, ocasiona a não realização de inversões produtivas. Para Keynes (1982), a moeda é um bem desejável pela liquidez que proporciona ao seu detentor, possuindo, com isso, características especiais 20 e não desempenha apenas um elo passivo como sugere a teoria clássica. Segundo Oreiro, as explicações das oscilações do produto e do emprego exigem [...]uma teoria que fosse capaz de dar a moeda um papel relevante no sistema econômico, o que só seria possível mediante a consideração explícita da incerteza envolvida no processo de tomada de decisões. Em outras palavras, era necessária uma teoria na qual a moeda fosse não-neutra. Nas palavras de Keynes: É incapaz de explicar a racionalidade da demanda de moeda como reserva de valor pois desconsidera a incerteza implícita nos processos de tomada de decisão, ou seja, o “erro” da teoria clássica estaria precisamente em ignorar o fato de que o desejo de manter moeda em portfólio resulta da desconfiança que os agentes têm em suas próprias previsões sobre o futuro (OREIRO, 2005, p.1) Desse modo, a moeda é o instrumento mais flexível de acumulação de riqueza para o indivíduo (firma ou consumidor), pois funciona como poder de comando sobre bens e serviços - riqueza em forma abstrata. Na economia monetária de produção, a moeda ao invés de ser uma mera conveniência temporária é o elemento que afeta as decisões (investimento, preferência por liquidez, etc.). Para Keynes “[...] nosso desejo de reter moeda como reserva de valor é um barômetro de nossa desconfiança em nossos próprios cálculos e convenções referentes ao futuro”, portanto, a moeda “joga papel próprio e afeta motivos e decisões [...] [funcionando como], um dos fatores operativos na situação, de modo que o curso dos eventos não pode ser predito, seja no longo período como no curto” (KEYNES apud CARDIM, 1989, p. 180-181). No modelo keynesiano, a moeda afetará também as taxas de juros futuras da seguinte forma: um aumento na oferta monetária21 fará com que a taxa de juros caia, uma vez que esta é 20 Elasticidade de produção é zero: A moeda é um bem não produzível pelo emprego de trabalho; Elasticidade-substituição nula: nenhum outro ativo não-líquido (produzível pelo trabalho), exerce as funções de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor que são desempenhadas pela moeda. 21 A expansão monetária dar-se-ia por uma das 03 vias: (i) operação de open market, (ii) redução da reservas compulsórias; (iii) redução na taxa de redesconto. 2 determinada pela oferta e demanda por moeda. Em última instância, a moeda afetará o nível de produto e de emprego, conforme lógica abaixo: ∆ Oferta Monetária (M) > 0 → ∆ Taxa de juros (i) < 0 → ∆ Investimento > 0 → ∆Demanda Agregada > 0 → ∆ Produto > 0 Desse modo, a política monetária agirá de forma indireta sobre o nível de produto e do emprego da economia. A redução na taxa de juros, provocada por um aumento da oferta monetária, faz com que a eficiência marginal do capital supere a taxa de juros, estimulando os investimentos produtivos. Resultando num aumento na demanda agregada22. Com a ampliação dos mercados financeiros, ao longo do tempo, torna-se necessário fazer uma re-leitura do conceito de “preferência pela liquidez” desenvolvido por Keynes a sua época23. Muitos autores contemporâneos, influenciados por Keynes, ao adotarem o conceito de preferência de liquidez (entesouramento strictu senso da moeda M1), deixam de perceber as mudanças ocorridas na economia monetária desde a publicação da TG. Cabe ressaltar que, numa economia regida pela incerteza, o conceito de preferência por liquidez continua válido só que se deve considerar, principalmente, as novas opções de aplicação em títulos que não necessariamente se convertem em investimento produtivos. A crescente criação de opções de ativos em mercados secundários, que possuem características muito próximas da moeda em sua função de reserva de valor, fez com que com que a efetividade da política monetária dependesse das decisões de recomposição de portfólio dos agentes econômicos, as quais são tomadas de acordo com as expectativas sobre o futuro. (CARVALHO, et. al. 2000). Dessa forma, a relação de nexo causal entre oferta monetária e produção real não deve ser encarada de forma tão elementar. Para que ocorresse aumento no nível de produção e de emprego seria necessário que os recursos gerados pela maior liquidez, proporcionada pela política monetária expansionista, fossem alocados para o setor produtivo (empréstimos diretos ao produtor e/ou consumidor) ou destinados à compra de ativos reais (mercado primário). Caso contrário, se esses recursos fossem destinados ao aumento de reservas (entesouramento) dos indivíduos, empresas ou instituições financeiras (bancárias ou não) ou se fossem destinados, primordialmente, para compra de ações negociadas em mercados secundários, não se verificaria efeitos sobre o nível de produção e do emprego. Segundo Davidson (1989, p.59), “[...] em um mundo não ergódigo, é a existência de ativos não-produzíveis, que são mantidos para fins de liquidez e para os quais os produtos da indústria não são substitutos brutos, [...] é a causa fundamental do desemprego involuntário”. A moeda e os seus substitutos próximos representam, portanto, um refúgio ante a incerteza e suas demandas têm caráter bastante instável, impactando nas decisões dos agentes econômicos e na efetividade da política monetária. Carvalho et al. (2000), sintetizou, de forma bastante elucidativa, em quadro abaixo, os possíveis efeitos da política monetária sobre o produto num contexto contemporâneo da economia monetária da produção. 22 Cabe ressaltar que - em momentos de extrema incerteza - se a preferência pela liquidez aumentar mais que a expansão monetária, esta não teria os efeitos previstos acima (KEYNES, 1982, p. 141). 23 A análise da preferência pela liquidez de Keynes baseou-se em mercados financeiros organizados à sua época, tais como o dos Estados Unidos e o da Inglaterra, o que não nos isenta da necessidade de se fazer uma leitura contemporânea de seu conceito, haja vista as grandes mudanças ocorridas nos sistemas bancários e mercados acionários desde então. 2 Quadro 1 – Efeitos da Política Monetária numa Perspectiv a PósKeynesian a Comportamento Decisões de portfólio Retenção de moeda Aquisição de ativos financeiros em mercados secundários Aquisição de ativos financeiros em mercados primários de firmas não financeiras Aquisição de ativos financeiros de firmas financeiras Aquisição de ativos ilíquidos [reais] Efeito sobre o Produto Nulo Nulo Pleno Incerto Pleno Fonte: CARVALHO, F. C. et al, 2000, p. 173 De acordo com o exposto, à medida que o sistema financeiro se desenvolve, crescem as possibilidades de os agentes da economia diversificar seus ativos, ampliando o processo especulativo, principalmente pelo setor bancário e demais intermediadores financeiros. Destarte, os agentes optarão, por vezes, pela aquisição de ativos com o intuito de especular, desviando recursos da atividade produtiva para as atividades especulativas. Minsky, um dos principais precursores da escola pós-keynesiana, em passagem abaixo, mostra a especulação gerada pelo setor bancário e seus efeitos reais sobre a economia: Banking is a dynamic and innovative profit-making business. Bank entrepreneurs actively seek to build their fortunes by adjusting their assets and liabilities, that is, their lines of business, to take advantage of perceived profit opportunities. This banker’s activism affects not just the volume and the distribution of finance but also the cyclical behavior of prices, incomes, ad employment (MINSKY, 1986, P.225-226). A efetividade da política fiscal, por outro lado, tem sido elemento de maior concordância, no âmbito pós-keynesiano. Já que afeta diretamente a demanda agregada, proporcionando um ambiente de expectativas positivas sobre as receitas futuras. Numa leitura pós-keynesiana da política fiscal, o Estado poderia assumir tanto a consecução de investimentos, em setores onde o risco desestimula a presença setor privado, quanto à criação de um ambiente econômico favorável que estimulasse as decisões de investimento dos agentes privados, ou até mesmo assumir o papel de produtor24. 24 Para uma discussão aprofundada dos efeitos da política fiscal ver Carvalho (1999) 2 5. Conclusões Este artigo buscou apresentar, ainda que de forma bastante sintética, as interpretações tradicionais (correntes teóricas clássica, monetarista, neokeynesiana e novo clássica) acerca das oscilações do produto e do emprego, destacando o papel da moeda e a efetividade da política econômica – principalmente a monetária – em influenciar o produto. Argumentou-se também que as divergências entre as escolas aqui classificadas como tradicionais decorrem primordialmente no âmbito temporal, ou seja, suas previsões de longo prazo serão absolutamente as mesmas após o tempo necessário para que os mercados tornem-se clearing e o produto e o emprego alcancem o nível de pleno emprego. Isso faz com que monetaristas e neo-keynesianos não reservem qualquer papel à política econômica no longo prazo, pois, nesse momento, o mundo seria clássico ou novo-clássico e, por conseguinte, a moeda não afetaria as variáveis reais da economia: moeda neutra. Como alternativa à perspectiva tradicional, este texto buscou trazer os elementos essenciais da interpretação pós-keynesina para as oscilações do produto e do emprego. Esta corrente estabelece que é perfeitamente possível existir equilíbrio com desemprego involuntário, independente da flexibilidade ou da rigidez dos preços. Desse modo, não há, como requer a teoria tradicional, forças de mercado que conduzam uma economia monetária da produção intrinsecamente instável pela presença da incerteza - para um equilíbrio de pleno emprego. Por fim, defendeu-se aqui que a incerteza induz os indivíduos à preferência pela liquidez. Esta, por sua vez, determinará a composição de portfólio dos agentes que acabam, muitas vezes, por priorizar, em sua carteira, ativos financeiros negociados em mercados secundários, o que impedirá que os recursos se revertam em investimentos produtivos. Portanto, a composição de portfólios dos agentes – decorrente da incerteza da economia monetária da produção – determinará o resultado da política monetária, afetando a demanda agregada e, conseqüentemente, as flutuações do produto e do emprego. Bibliografia AMADO, A.M. O real e o monetário em economia: traços ortodoxos e heterodoxos do pensamento econômico. In: Moeda e Produção: teorias comparadas / Maria Luiza Falcão Silva org. – Brasília – DF: Editora Universidade de Brasília, 1992. BARBOSA, E.S. da O princípio de Say como critério de ortodoxia econômica. Tese de mestrado. Brasília - DF, 1990. Mimeo. _________, E.S. Uma exposição introdutória na macroeconomia novo-clássica. In: Moeda e Produção: teorias comparadas / Maria Luiza Falcão Silva org. – Brasília – DF: Editora Universidade de Brasília, 1992. BELLUZZO, L.G. Dinheiro e as transfigurações da riqueza. In: TAVARES, M.C. & FIORI, J.L. Poder e Dinheiro. Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1997. BLANCHARD, O. J. 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